O comércio eletrônico em relação ao Código de Defesa do Consumidor

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7. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR E O CONTRATO CELEBRADO EM AMBIENTE VIRTUAL

7.1. CONFIANÇA E VULNERABILIDADE

Karine Behrens da Silva11, em seu artigo Proteção do consumidor no comércio eletrônico, afirma que o princípio da confiança não está positivado em nosso ordenamento jurídico, sendo decorrente dos princípios da transparência e da boa-fé.

Segundo Cláudia Lima Marques, no contexto do comércio eletrônico, o princípio da confiança foi abalado por diversos fatores, sendo o principal deles a complexidade do meio virtual, causada, por sua vez, pelos seguintes aspectos:

  1. Distância;

  2. Despersonalização;

  3. Atemporalidade;

  4. Internacionalidade.

Essas características geram desconfiança por parte dos consumidores. A partir dessa análise, cita-se Fábio Ulhoa Coelho, que afirma o seguinte:

“A confiança é a chave para o desenvolvimento eletrônico, pois muitos consumidores temem que suas informações sejam espalhadas”.

Em suma, o princípio da confiança é primordial para que o comércio eletrônico seja considerado uma alternativa viável ao comércio físico. Segundo Cláudia Lima Marques, ele é alcançado por meio da transparência, permitindo ao consumidor formar seu consentimento ou declarar sua vontade com base em um pensamento racional. A autora conclui que:

A confiança é o elemento central da venda em sociedade, e, em sentido amplo, é a base de atuação dos consumidores (”destaque do original”)”.

Ou seja, além de ser a base do comércio eletrônico, para Cláudia Lima Marques, o princípio da confiança também fundamenta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, em conjunto com o princípio da vulnerabilidade, cujo objetivo é igualar os sujeitos da relação de consumo. A autora ainda destaca a vulnerabilidade do consumidor no ambiente eletrônico, ressaltando que este, em regra, não é um técnico ou especialista em informática, mas sim um usuário final.

Ressalta-se, ainda, que o consumidor, nesse contexto, torna-se vulnerável devido à falta de controle sobre suas próprias informações, uma vez que a internet é considerada um ambiente livre, sem os limites do mundo real, onde circulam informações amplamente acessíveis e frequentemente não reguladas. À medida que o número de usuários cresce, também cresce a vulnerabilidade do consumidor diante de empresas inidôneas.

Sobre isso, Jean Carlos Dias acrescenta que, nesse ambiente, o consumidor deve ser considerado não apenas hipossuficiente, mas também vulnerável.

Vale lembrar que, segundo Ronaldo Alves de Andrade12, há distinção entre vulnerabilidade e hipossuficiência:

  • A vulnerabilidade tem caráter geral, presumido, e independe das características pessoais do consumidor.

  • Já a hipossuficiência é pessoal, relacionada à condição econômica, social, cultural ou qualquer outra que possa influenciar o seu juízo na relação de consumo.

Por outro lado, Fábio Ulhoa Coelho entende que não há diferença significativa entre a vulnerabilidade no ambiente físico e no virtual, considerando-a, inclusive, menos intensa no meio eletrônico.

7.2. PROTEÇÃO LEGAL

Como já foi constatado ao longo do trabalho, trata-se de contratos celebrados entre consumidores e fornecedores (B2C), realizados por meios eletrônicos, como a internet. Neles, aplicam-se todos os requisitos e princípios que norteiam uma contratação tradicional, tais como os princípios da publicidade, vinculação, veracidade e não abusividade.

Embora não existam normas específicas no ordenamento jurídico sobre contratos eletrônicos, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor são suficientes para solucionar as divergências e os conflitos pertinentes ao tema.

Em sua maioria, esses contratos são contratos de adesão, nos quais se mitiga o princípio da autonomia da vontade, uma vez que apresentam cláusulas previamente determinadas. O consumidor, nessa modalidade, não discute previamente as cláusulas com o fornecedor, apenas acessa a loja virtual e adquire o produto conforme os termos previamente estipulados.

Caso existam cláusulas abusivas, aplica-se o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que declara nulas de pleno direito as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou contrariem a boa-fé e a equidade.

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III - transfiram responsabilidades a terceiros;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

V – (Vetado);

VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

§ 3° (Vetado).

§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes”.

7.2.1. PROPOSTAS LEGISLATIVAS

De acordo com Rogério Montai de Lima, destacam-se três projetos legislativos:

7.2.1.1. Projeto de Lei nº 4902/01

De autoria do senador Lúcio Alcântara, tem como objetivo regulamentar o comércio eletrônico e estabelecer sua definição legal.

No que diz respeito à segurança, o projeto determina que os fornecedores deverão solicitar apenas as informações pertinentes, prevendo ainda a responsabilidade civil e penal do fornecedor que ceder dados a terceiros.

Quanto à segurança contratual, prevê-se a obrigatoriedade de identificação do fornecedor, instruções claras sobre o direito de arrependimento, e a existência de meios para armazenamento do contrato, além da definição dos mecanismos utilizados para proteção das informações.

Em relação aos provedores de acesso, o projeto dispõe que estes não devem ter acesso às informações dos clientes do fornecedor, salvo por determinação judicial.

O último andamento legislativo relacionado a esse projeto ocorreu em 2002, por meio da PL nº 7093/02.

7.2.1.2. Projeto de Lei nº 1589/99

Trata da validade jurídica do documento digital, e foi apensado ao PL nº 1483, de iniciativa do deputado Dr. Hélio Oliveira Castro. O anteprojeto foi elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB/SP).

7.2.1.3. Projetos de Lei nº 717/07 e nº 979/07

O PL 717/07 previa a obrigatoriedade de disponibilização de um meio para cancelamento de compras realizadas por sites.

Já o PL 979/07 propunha a alteração do Código de Defesa do Consumidor, exigindo que fornecedores de produtos por via eletrônica informassem claramente o CNPJ, endereço e telefone das instalações físicas.

7.2.2. Tratados Internacionais da América Latina e da Europa

Os países da União Europeia foram precursores na adaptação do ordenamento jurídico à realidade do comércio eletrônico. Sobre isso, Rogério Montai de Lima destaca as seguintes medidas:

I – diretiva sobre a base de dados eletrônicos (96/9/CE);

II – diretiva sobre proteção de dados pessoais (95/46/CE);

III – diretiva sobre serviços de telecomunicações (97/66/CE);

IV – diretiva sobre Serviços de Telecomunicações (97/13/CE);

V – diretiva sobre Privacidade nas Telecomunicações (97/66/CE);

VI – diretiva sobre transparência regulamentar (98/34/CE e 48/CE);

VII – diretiva sobre serviços de acesso condicional (98/84/CE);

VIII – diretivas sobre a assinatura eletrônica (1999/93/CE) (“destaque do original”)”.

De acordo com Cláudia Lima Marques, a União Europeia sempre demonstrou preocupação com a proteção do consumidor, adotando uma política voltada para a melhor prestação possível de serviços e garantias ao consumidor.

Já na América Latina, algumas legislações foram criadas para disciplinar o uso de documentos e assinaturas digitais. No caso da Argentina, por exemplo, essa regulamentação teve início na esfera governamental, mas há também um projeto de lei voltado à regulamentação da assinatura digital no setor privado.

7.2.2.1. LEI MODELO DA UNCITRAL

Newton de Lucca comenta os dispositivos da referida legislação. Segundo o autor, o artigo 1º apresenta uma verdadeira lição de cidadania, ao estabelecer que a norma não se sobrepõe aos direitos do consumidor. Além disso, o texto serve como modelo para nações que desejam limitar a aplicação da lei, preservando a proteção ao consumidor.

Essa legislação foi elaborada pelo Congresso Nacional Europeu, com o objetivo de garantir um elevado nível de defesa do consumidor, assegurando:

  • A redução dos riscos de atividades ilegais na internet;

  • A imposição de transparência aos operadores, facilitando a tomada de decisão por parte dos consumidores;

  • O estabelecimento de novas formas de garantia para ambas as partes da relação contratual, incluindo o fornecimento de mecanismos para que o consumidor corrija erros de manipulação, identifique claramente o caminho do contrato, e a obrigação do fornecedor de emitir aviso de recebimento;

  • A facilitação de acesso aos meios de recurso, por meio da promoção de códigos de conduta e da possibilidade de resolução extrajudicial de litígios, como a conciliação e a arbitragem.

Já o artigo 2º da Lei Modelo da UNCITRAL traz as definições dos principais termos utilizados ao longo da norma, estabelecendo a terminologia técnica necessária à sua aplicação e interpretação:

“Artigo 2 - Definições

Para os fins desta Lei:

Entende-se por “mensagem eletrônica” a informação gerada, enviada, recebida ou arquivada eletronicamente, por meio óptico ou por meios similares incluindo, entre outros, “intercâmbio eletrônico de dados” (EDI), correio eletrônico, telegrama, telex e fax;

Entende-se por “intercâmbio eletrônico de dados” (EDI) a transferência eletrônica de computador para computador de informações estruturadas de acordo com um padrão estabelecido para tal fim;

Entende-se por “remetente” de uma mensagem eletrônica a pessoa pela qual, ou em cujo nome, a referida mensagem eletrônica seja enviada ou gerada antes de seu armazenamento, caso este se efetue, mas não quem atue como intermediário em relação a esta mensagem eletrônica;

“Destinatário” de uma mensagem eletrônica é a pessoa designada pelo remetente para receber a mensagem eletrônica, mas não quem atue como intermediário em relação a esta mensagem eletrônica;

“Intermediário”, com respeito a uma mensagem eletrônica particular, é a pessoa que em nome de outrem envie, receba ou armazene esta mensagem eletrônica ou preste outros serviços com relação a esta mensagem;

“Sistema de Informação” é um sistema para geração, envio, recepção, armazenamento ou outra forma de processamento de mensagens eletrônicas”.

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O Capítulo 2 da Lei Modelo trata das formalidades legais, abordando o reconhecimento jurídico das mensagens de dados, a incorporação por remissão, além dos requisitos relacionados ao documento escrito, assinatura, originalidade, admissibilidade e força probatória das mensagens eletrônicas, incluindo também sua conversão.

O Capítulo 3 trata da formação e validade dos contratos entre as partes, das mensagens eletrônicas e suas atribuições, além de temas como a confiança no recebimento, o momento e o local da comunicação.

Na Parte II, é abordada a parte especial da norma, que, segundo Newton de Lucca, encontra-se incompleta.

Segundo Karine Behrens, no artigo Proteção do consumidor no comércio eletrônico, a Lei Modelo da UNCITRAL destina-se às relações decorrentes do intercâmbio eletrônico de dados, abrangendo desde comunicações via fax até o comércio eletrônico, sem excluir nenhuma técnica de comunicação digital à qual possa ser aplicada.

De acordo com Armando Alvarez Garcia Junior, a finalidade da lei é oferecer ao legislador um conjunto de regras que viabilizem de forma segura as negociações no comércio eletrônico, com base em princípios norteadores.

No entanto, conforme ressalta Karine Behrens, para que os objetivos da Lei Modelo sejam plenamente alcançados, é necessário que haja adoção integral por parte do ordenamento jurídico interno, uma vez que se trata de uma norma equilibrada e bem estruturada.

7.3. DIREITO DE ARREPENDIMENTO:

De acordo com Fabiana Barcelos, aplica-se o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC)3, que estabelece o prazo de 7 dias a partir da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou serviço, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, seja por telefone ou a domicílio.

No caso de contratos realizados em ambiente virtual, a norma se aplica integralmente, sem restrições.

Quanto ao prazo de arrependimento, este deverá ser contado a partir da assinatura eletrônica ou do uso da senha, quando for o caso.

Na ausência de assinatura, o prazo é contado a partir da data de envio do e-mail de confirmação ou do recebimento efetivo do produto ou do serviço.

“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados”.

Segundo Fabiana Barcelos, o prazo de 7 dias se justifica pelo fato de se tratar de uma negociação à distância, na qual o direito de arrependimento é comum, justamente pela ausência de contato direto com o produto ou serviço. A lei prevê que, em caso de arrependimento, o consumidor deverá ser ressarcido com o valor devidamente reajustado, e esse reembolso deverá ocorrer da forma mais rápida possível.

Contudo, conforme destaca Lígia Lílian Vergo Vedovate13, o direito de arrependimento não deve ser interpretado como absoluto. Ambas as partes devem agir com base na boa-fé objetiva, o que significa que o consumidor não pode exercer esse direito de forma indiscriminada, especialmente se isso resultar em prejuízos injustificados ao fornecedor.

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