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Ações coletivas: mecanismos de acesso à justiça (stricto sensu)

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22/05/2014 às 11:42
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4 CONCLUSÃO

O legislador constituinte inseriu dentre os direitos e garantias fundamentais o direito de apreciação pelo Poder Judicário de qualquer lesão ou ameaça a direito e vedou sua exclusão pelo Poder Legislativo.[41]

A enunciação legal, contudo, se mostrou insuficiente para atender aos reclamos da população, que se viu alijada do acesso à justiça pela confluência de diversos fatores ligados à formação das esferas de poder, principalmente o econômico, e da submissão do Estado ao mercado.

Os fatores culturais não bastaram e, com a publicação da Lei 8.078/90, que marca o rompimento com a visão tradicional do processo, inúmeras tentativas foram feitas no sentido de manietar as ações coletivas como instrumentos de acesso à ordem jurídica justa.

A Lei 9.494/97 deu nova redação ao art. 16 da Lei 7.347/85 e restringiu os efeitos da coisa julgada aos limites da competência territorial do órgão prolator[42]. Não bastasse a tentativa de apequenamento dos efeitos da coisa julgada erga omnes, o art. 2º da indigitada norma, acrescido pela Medida Provisória n. 2.180-35, restringiu os efeitos da sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo por entidade associativa na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, aos substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator[43].

As alterações legislativas mereceram dura crítica de ZANETI[44] no sentido de que “Trata-se de evidente apropriação pelo ‘Princípe’ do direito processual, óbvio abuso do poder de legislar excepcionalmente atribuído ao Poder Executivo e que, no Estado Democrático de Direito, deveria ter vedado o uso do poder como se fosse seu ‘Soberano’ ou ‘Supremo Magistrado’”.

O menoscabo dos efeitos das sentenças proferidas em ações civis e coletivas pelo Poder Legislativo e anomalamente pelo Poder Executivo causa especial preocupação diante da “condição exangue do homem democrático de hoje”[45]

A falta de preparo dos legisladores e administradores públicos, fortemente impregnados pelo liberalismo, associada a uma “dinâmica democrática que se ergue em nome do indivíduo e o igualitarismo, contra os valores e a hierarquia das normas”[46], torna difícil a compreensão das ações e processos coletivos[47] como instrumentos de efetivação das garantias fundamentais.

Dessa forma, diante do evidente retrocesso legislativo, e da distância entre o Poder Judiciário e os destinatários da prestação jurisdicional, que não conseguem, por barreiras culturais ter acesso à justiça, por desconhecimento dos direitos ou por temor de represálias ou comprometimento dos julgadores com os interesses de grupos econômicos que se portam como insuscetíveis de submissão ao ordenamento jurídico, ou, ainda, das barreias econômicas que dissuadem a defesa individual de direitos, as ações coletivas passaram a ser os únicos instrumentos assecuratórios da aplicação dos direitos fundamentais.


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Notas

[1] Arts. 5º a 17 da Constituição Federal.

[2] Art.5º da CF.

[3]“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”

[4] A lei 9.099/95, v.g., enfatiza a solução individual de conflitos nos chamados juizados especiais.

[5] Inc. LXXVIII do art. 5º da CF, inserido pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004.

[6] ALMEIDA, Gregório Assagra.  Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 37 a 45.

[7] Ob. cit., pg. 38.

[8] Apud ALMEIDA, Gregório Assagra. Ob. cit., p. 38.

[9] Aut. e ob. cit., p. 38.

[10] Apud ALMEIDA, Gregório Assagra. Ob. cit., p. 39.

[11] ZAVASCKI, Teori Albino. Ob. cit., p. 29.

[12] ZAVASCKI, Teoria Albino. Ob. cit., p. 29.

[13] GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo. Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 11.

[14] José Carlos Barbosa Moreira apud ALMEIDA, Gregório Assagra de. Ob. cit. pp. 142 e 143.

[15] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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...

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;”

[16] “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

...

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”

[17] Lei 9.099, de 27 de setembro de 1995.

[18] Conf. Moralles, Luciana Camponez Pereira. Acesso à justiça e princípio da igualdade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006, p.52.

[19] Marinoni, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento:  a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento; 5ª. edição, São Paulo: RT, 2006, p. 32.

[20] HOFFMAN, Paulo. Razoável Duração do Processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006, pp. 97 e 98.

[21][21] No sentido que lhe dá o art. 2º da lei. 8.429/92:

“Art. 2º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

[22] “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada ao caput pela Emenda Constitucional nº 19/98)

...

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

[23] CAPPELETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso a Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

[24] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 473.

[25] LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 2ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 139.

[26] Aut. e ob. cit., p. 141.

[27]Apud  LENZA, Pedro. Ob. cit., p. 141.

[28] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

[29] Acesso à Justiça por Reformas Judiciais, São Paulo: Millennium Editora, 2004.

[30] Ob. cit., pp. 15 a 29.

[31] MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à Justiça e Princípio da Igualdade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 66.

[32] Ob. cit., p. 79.

[33] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. Vol. 4, Salvador/BA: Podium, 2007, p. 34.

[34] Aut. e ob. cit. p. 34.

[35] Aut. e ob. cit. pp. 19 a 62.

[36] Aut. e ob. cit. p. 27.

[37] Aut. e ob. cit., pp. 68 e 69.

[38] Aut. e ob. cit. p. 68.

[39] VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo: A tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 102.

[40] Aut. e ob. cit. p. 102.

[41] Inc. XXXV do art. 5º da CF.

[42] “Art. 2º. O artigo 16 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."

[43] “Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.

Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.”

[44] ZANETI JR, Hermes. Processo Coletivo. Salvador: JusPodivm, 2006, 97.

[45] GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia? A genealogia filosófica de uma grande aventura humana. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 265.

[46] GOYARD-FABRE, Simone. Ob. cit. p. 269.

[47] Conf. ZANETI JR, Hermes. Ob. cit. , p, 2.

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Sobre o autor
Alexandre José Guimarães

Procurador de Justiça no Ministério Público do Estado do Espírito Santo, é bacharel em direito, especialista em direito empresarial, civil, processual civil, penal e processual penal, mestre em direito constitucional e doutorando em direitos de terceira dimensão pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Alexandre José. Ações coletivas: mecanismos de acesso à justiça (stricto sensu). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3977, 22 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28015. Acesso em: 4 mai. 2024.

Mais informações

O presente artigo foi elaborado como parte dos estudos do autor para a conclusão de seu doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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