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Importância das classificações, excessos e análise do dolo, da “culpa” e do erro em matéria jurídico-criminal

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No estudo da teoria do delito, é necessário conhecer os conceitos de culpa, dolo e erro.

A finalidade do presente texto é evidenciar a importância da linguagem e das classificações para o conhecimento jurídico-criminal, evidenciando alguns excessos contidos nos estudos do dolo, da “culpa” e do erro.

Acerca do tema, já tive oportunidade de expor alguma crítica alhures, in verbis:

A classificação é importante, em face da necessidade de localização de topois – já o dissemos. De qualquer modo, muitas classificações e vários neologismos são prejudiciais, conforme sustentou Ferri:

Depois destas noções elementares, julgo inútil estorvo referir as prolixas indagações e as diversas classificações. Estas divagações escolásticas e mais ou menos criptográficas sobre as normas penais e sobre os seus destinatários, grosseiramente copiadas das noções gerais do direito, não trazem nenhuma contribuição útil nem ao conhecimento científico nem à aplicação prática da justiça penal, pois esta, em vez de volatizar-se nas abstrações lógicas e distinções escolásticas, tem necessidade de ser estudada sobre o terreno da realidade humana1.2

O neologismo (novas palavras formadas ou derivadas de outras) é próprio do conhecimento científico, haja vista que as descobertas exigirão topois ou novas palavras para exprimi-las. Outrossim, são importantes as classificações para localização de lugares comuns (do mesmo plano, do mesmo nível etc.). Isso exigirá uma linguagem técnica, razão de não ser plenamente factível fazer como pretende Novély Villanova, ao propor ao jurista a utilização de linguagem comum, facilmente perceptível pela sociedade.3

No entanto, não devemos utilizar palavra não conhecidas pela maioria das pessoas, até mesmo do meio científico que pretendemos desenvolver, como é o caso em que – em uma prova oral – perguntaram-me o que é esquissa, como se todos tivessem que saber que os inquéritos sigilosos e inquisitivos do passado eram assim denominados.

Começo a estudar o crime com os alunos e digo que há controvérsia a partir da denominação. A pedido de uma aluna, recentemente, escrevi um pequeno artigo para diferenciar o sentido das palavras delito (violação ao Direito, seja ele administrativo, civil criminal, trabalhista etc.), de crime e da contravenção (esta como o crime anão e aquele como sendo espécie de delito criminal maior do que a contravenção). Porém, não se olvide, tive ainda que dizer da infração criminal de menor potencial ofensivo, que é aquela violação ao Direito Criminal que abrange todas as contravenções, independentemente da pena, e os crimes com pena máxima cominada de dois anos.

Depois, estudando o crime, falo dos seus conceitos formal (como violação à norma), material (como violação ao conteúdo da norma) e, finalmente, analítico. Este último é feito por suas partes integrantes ou elementos, mas surgem autores criticando a linguagem dizendo que são requisitos ou pressupostos de existência, uma vez que o crime é um todo unitário. Porém, não se olvide, tal divisão tem caráter exclusivamente didático, haja vista que se concebe o crime como sendo o todo, faltando qualquer dos seus elementos ou pressupostos de existência, não existirá.

Ao fazer o conceito analítico de crime, informo que ele é o fato típico, ilícito e culpável. Porém, devo destacar que a maioria dos autores fala em antijuridicidade, ao contrário de mencionar a palavra ilicitude. Novamente volta a controvérsia: como denominar de antijurídico o fato que é evidentemente jurídico?

A divergência não para por aí. Há uma corrente de autores, unicamente no Brasil, que diz que o crime é apenas o fato típico e ilícito e que a culpabilidade é apenas pressuposto da pena, ou seja, requisito para aplicação da pena.

Tentando encontrar uniformidade no fato típico ao dizer que ele é a conduta que gera o resultado jurídico-criminal, havendo tipicidade, estou a indicar quatro (sub)elementos do fato típico, quais sejam: (a) conduta; (b) relação de causalidade; (c) resultado; (d) tipicidade.

A conduta, segundo as modernas teorias jurídico-criminais, trará em si o dolo e, conforme o caso, a negligência (esta, enquanto omissão ao dever de cuidado). Por isso, ocupo-me do art. 18 do CP para dizer que é doloso o crime em que o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado e que negligente é aquele crime em que o agente – sem desejar ou assumir o risco – vem a causar o resultado por omissão ao dever de cuidado.

Para evitar a confusão entre culpa (elemento da conduta) e culpabilidade (terceiro elemento do crime), substituo a palavra “culpa” (utilizada pelo CP) por negligência. No entanto, não se olvide que, no CP, a culpa tem três modalidades, a saber: imprudência, imperícia e negligência (art. 18, inc. II). Não se olvide, no entanto, que Günther Jakobs fala unicamente em delito imprudente, como sinônimo de “delito culposo” em sentido estrito.4 No mesmo sentido caminha a posição de Cirino dos Santos.5 De outro modo, Juarez Tavares, reúne toda espécie de “crime culposo” em “negligente”.6

Paulo Queiroz apresenta diferentes acepções para a palavra “culpabilidade”, inserindo dentre elas a mesma da palavra “culpa”.7 Isso vem a demonstrar um total descompasso entre autores que tem a mesma coisa, fato ou norma por objeto de estudo.

No tocante ao dolo, enquanto elemento da conduta, são empregadas várias palavras. Ele é classificado como direto (se o agente quer o resultado) ou eventual (se o agente assume o risco produzi-lo). O dolo direto será de 1º grau se for o principal, mas será de 2º grau se imposto pelas circunstâncias (por exemplo, terá dolo direito de 1º grau aquele que desejando matar o passageiro de um avião, o explode durante a decolagem. Quanto ao passageiro objetivado, o dolo será de 1º grau, mas em relação à tripulação e demais passageiros do avião, o dolo será direto de 2º grau).

Não tratarei aqui de outras espécies de dolo porque o objetivo deste texto pode ser atendido apenas com as divergências já apresentadas até aqui, acrescidas das poucas que se seguirão.

Ao final do semestre letivo, em Direito Penal I, devemos ingressar no estudo do erro, aduzindo que a ignorância da lei é imperdoável, mas a sua equivocada apreensão poderá isentar de pena (CP, art. 21).

O erro essencial será aquele que versar sobre elemento do tipo, induzindo ao erro de tipo, o qual excluirá o dolo, mas permitirá a punição a título de negligência. Por sua vez, o erro acidental não modificará a responsabilidade jurídico criminal.

Enquanto o erro de tipo recairá sobre elemento do tipo (núcleo, descritivo, normativo ou subjetivo), excluindo o dolo, mas permitindo a punição a título de negligência, o erro de proibição recairá sobre a ilicitude do fato, excluindo a culpabilidade.

O grande problema recairá acerca das descriminantes putativas (aquelas em que o agente agirá pensando estar amparado por excludente de ilicitude inexistente), o que faz emergir mais uma série de inconsistências na linguagem jurídico-criminal brasileira, a partir do conceito de norma jurídica.

Ao definirmos a norma jurídica, dissemos ter ela dois elementos mínimos, quais sejam: (a) fattispecie, que é a descrição de um fato hipotético supostamente descrito; (b) preceito, que a sanção a ser imposta a quem praticar o fattispecie. Entretanto, logo em seguida afirmamos que a doutrina jurídico-criminal menciona a norma permissiva excludente (que incide sobre a ilicitude, retirando-a) e a permissiva exculpante (que incide sobre a culpabilidade, para tornar o fato inculpável).

As inconsistências prosseguem para alcançar a ilicitude, a qual, afirmamos, é uma reprovabilidade do fato em si, ou seja, é formal. Porém, há crescente tendência de resgatar a ilicitude material e o velho conceito de injusto e, ainda que predomine a ilicitude formal, admitimos o consentimento do ofendido como causa supralegal excludente da ilicitude. Ora, mas como, se – para a ilicitude formal – somente a lei pode excluir a ilicitude?

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Tentamos fazer uma relação entre o fato típico e a ilicitude e chegamos a cinco correntes, a saber: (a) corrente da absoluta independência ou da autonomia, pela qual a tipicidade não gera qualquer juízo de valor no campo da ilicitude; o fato pode ser típico e não ser ilícito; (b) teoria da indiciariedade, também denominada de ratio cognoscendi, que é aquela em que a tipicidade gera suspeitas, indícios, presunção de ilicitude. Se o fato é típico presume-se, relativamente, ilícito; (c) teoria dos elementos negativos do tipo. Esta parte do pressuposto que todo e qualquer tipo penal é composto de elementos positivos e de elementos negativos. Os positivos são elementos explícitos e devem ocorrer para que o fato seja típico. E os negativos são elementos implícitos, não devem ocorrer para que o fato seja típico; (d) corrente da absoluta dependência, também conhecida como "ratio essendi", para a qual a ilicitude é a essência da tipicidade, ou seja, sem ilicitude, não há fato típico. É desta corrente que deriva o tipo total do injusto, o que significa dizer que o fato típico só permanece típico se também ilícito.8

Embora a doutrina parta da teoria da indiciariedade, dizendo que o fato típico será em princípio ilícito, mas que a lei poderá retirar a ilicitude, tentando respeitar ao finalismo, no estudo do erro nas descriminantes putativas, aduz que adotamos a teoria limitada da culpabilidade e, portanto, haverá erro de tipo permissivo. Com isso, no tocante às descriminantes putativas, prevalecerá a teoria dos elementos negativos do tipo, a qual já influenciou anteriormente quando inconsistentemente falamos em tipo permissivo.

Prefiro a teoria extrema da culpabilidade e vejo que praticamente todos criminalistas brasileiros afirmam ser o nosso CP misto. Ele é causalista no art. 13, tem forte tendência finalista nos arts. 20-21 e é social no art. 59. Porém, respeitando a vontade de Francisco de Assis Toledo, que era finalista e influenciou na elaboração dos itens 17-19 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, estamos a falar em erro de tipo permissivo, como suposta fidelidade ao finalismo de Hans Welzel.

Cresce em nosso meio, no entanto, o discurso de que não conseguimos ser fieis à teoria limitada da culpabilidade, nem à extrema da culpabilidade, portanto, o erro nas descriminantes putativas seria um terceiro gênero, em que as descriminantes putativas permitiriam a punição do dolo à título de negligência em decorrência de política criminal.

É interessante perceber que chamamos de negligência própria a inconsciente, então seria imprópria toda negligência que não fosse própria. Porém, não pensamos assim, é imprópria a negligência do erro de tipo sucessivo, que é chamada de negligência por extensão ou por equiparação, ou seja, aquela em que o agente praticará o fato pensando estar amparado por uma descriminante putativa, mas for punível a título de negligência, verbi gratia, pensando ser um ladrão, atira em um vulto, matando o próprio filho que adentra no quarto.

Não se confunda o erro de tipo sucessivo com o erro sucessivo. Este é a aberratio causae, em que o agente, por exemplo, pensando ter matado a vítima a facadas, a lança no mar para ocultar cadáver, mas se vem a saber posteriormente que ela morreu afogada. Diz-se que, em face do dolus generalis (dolo geral), haverá homicídio consumado.

O exposto é apenas um início de uma série de inconsistências perceptíveis em que o candidato a concurso público terá que passar a acreditar, tendo como verdades absolutas, quando muitas delas não se justificam, sendo que nós criminalistas, muitas vezes, sequer nos ocupamos de esclarecer adequadamente em que termos chegamos às tais verdades absolutas.


Notas

1 FERRI, Enrico. Princípios do direito criminal. 2. ed. Campinas: Bookseller, l.998. p. 141.

2 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Conceito e espécies de normas criminais. Teresina: Jus Navigandi, ano 15, n. 2609, 23.8.2010. Disponível em: <http:// jus.com.br/artigos/17238>. Acesso em: 13.11.2013, às 16h40.

3 REIS, Novély Vilanova da Silva. O que não deve ser dito. Brasília: TRF/1, 1994. passim.

4 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva em direito penal. Madri: Civitas, 1999. passim.

5 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2006. passim.

6 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2.000. passim.

7 QUEIROZ, Paulo. Co-culpabilidade? Disponível: <http://pauloqueiroz.net/co-culpabilidade>.

8 CAMPOS, Cynthia Amaral. O que se entende por tipo total de injusto? São Paulo: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, 14.10.2008. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/ public_html/article.php?story=20081013191819180&mode=print>. Acesso em: 3.3.2012, às 12h11.  

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Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Importância das classificações, excessos e análise do dolo, da “culpa” e do erro em matéria jurídico-criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3964, 9 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28064. Acesso em: 21 nov. 2024.

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