1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo tecer um estudo sobre o crime de infanticídio, e sua fundamentação penal.
Infanticídio é o ato de matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante o parto ou logo depois.
O terceiro (partícipe) que auxilia a mãe da vítima para realizar o infanticídio, responde pelo mesmo tipo penal.
Para o estudante de direito que inicia sua rotina em busca de respostas para sua vida acadêmica, é natural fazer ficar confuso com a norma penal descrita no art.123,do Código Penal brasileiro. Tal confusão decorre de uma indignação, que ao pesquisar melhor sobre o tipo penal em livros acadêmicos que aprofundam sobre o crime descrito, que o coautor do crime de infanticídio não responde pelo crime de homicídio doloso, mas responderá pelo mesmo crime da mãe da vítima, ou seja responderá por tipo penal menos gravoso,e terá uma pena menor, se equiparada à pena do homicídio simples, Art.121, caput do Código Penal brasileiro.
Para melhor entender, de forma clara tal indignação que é fruto do estudo sobre o tema.Direcionei o estudo sobre a noção de crime, sua conceituação, e as questões que estão interligas para elucidação do tema objeto desse artigo.
2. Conceito de crime
2.1 Conceito legal de crime:
A Lei de Introdução ao Código Penal em seu 1º artigo estabelece que:
considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativa com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.[1] (BITTENCOURT, CEZAR ROBERTO, Tratado de Direito Penal;Parte Geral 1, p.279, ed.19, Editora Saraiva, 2013)
2.1.1 Conceito formal de crime
Crime é uma conduta que viola a norma penal incriminadora.
2.1.2 Conceito material de crime
Crime é uma conduta que viola um bem jurídico penalmente.
2.1.3 Conceito analítico de crime
”Além dos conhecidos conceitos formal (crime é toda ação ou omissão proibida por lei, sob a ameaça de pena) e material (crime é a ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com ameaça de pena), faz-se necessária a adoção de um conceito analítico de crime. Os conceitos formal e material são insuficientes para permitir à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos estruturais co conceito de crime”. [2]
Embora a inicialmente confusa e obscura definição desses elementos estruturais, que se depuraram ao longo do tempo, o conceito analítico predominante passou a definir o crime como a ação típica, antijurídica e culpável.[3]
Para entender o motivo da dúvida formulada pelo estudante de direito, necessário é esclarecer sobre a ação típica, descrita como um dos elementos da análise do conceito analítico de crime mencionado acima.
3. Noção de tipo e tipicidade
A fragmentariedade do Direito Penal tem como consequência uma construção tipológica individualizadora de condutas que considera gravemente lesivas de determinados bens jurídicos que devem ser tutelados. A lei, ao definir crimes, limita-se, frequentemente, a dar uma descrição objetiva do comportamento proibido, cujo exemplo mais característico é o homicídio, ”matar alguém”. No entanto o legislador utiliza-se de outros recursos, doutrinariamente denominados elementos normativos ousubjetivos do tipo, que levam implícito um juízo de valor.[4]
Tipo é o conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal. O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da imaginação do legislador, que descreve legalmente as ações que considera, em tese, delitivas. Tipo é um modelo abstrato que escreve um comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os todos especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadimitindo-se a adequação de uma conduta que não lhes corresponda perfeitamente.[5]
Há uma operação intelectual de conexão entre a infinita variedade de fatos possíveis da vida real e o modelo típico descrito na lei. Essa operação, que consiste em analisar se determinada conduta se adapta aos requisitos descritos na lei, para qualificá-la como infração penal, chama-se “juízo de tipicidade”, que, na afirmação de Zaffaroni, ”cumpre uma função fundamental na sistemática penal. Sem ele a teoria ficaria sem base, porque a antijuricidade deambularia sem estabilidade e a culpabilidade perderia sustentação pelo desmoronamento do seu objeto”.[6]
Quando o resultado desse juízo for positivo significa que a conduta analisada reveste-se de tipicidade. No entanto, a contrario sensu, quando o juízo de tipicidade for negativo estaremos diante da atipicidade da conduta, o que significa que a conduta não é relevante para o Direito Penal, mesmo que ilícita perante outros ramos jurídicos (v. G., civil, administrativo, tributário etc.).[7]
Após este breve estudo, entende-se que o crime é um fato típico, antijurídico e culpável.
A tipicidade é uma decorrência natural do princípio da reserva legal: nullum crimem nulla poena signe praevia lege. Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal.”Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei incriminadora”.[8]
A adequação típica pode operar-se de forma imediata ou de forma mediata. A adequação típica imediata ocorre quando o fato se sub sume imediatamente no modelo legal, sem a necessidade da concorrência de qualquer outra norma, como, por exemplo, matar alguém: essa conduta praticada por alguém amolda-se imediatamente ao tipo descrito no art. 121 do CP, sem precisar do auxílio de nenhuma outra norma jurídica. No entanto, a adequação típica mediata, que constitui exceção, necessita da concorrência de outra norma, de caráter extensivo, normalmente presente na Parte Geral do Código Penal, que amplie a abrangência da figura típica.[9]
Após este estudo, já se tem uma ideia da razão pelo qual o auxiliar (coautor), não responde por homicídio. Ainda é necessário outro esclarecimento sobre a concorrência de normas.
4. Comunicabilidade das circunstâncias, condições e elementares
A comunicabilidade ou incomunicabilidade das circunstâncias que envolvem autor e crime têm sido um dos mais tormentosos problemas da responsabilidade penal. A reforma de 1984 pode ter ampliado esse conflito ao incluir “as condições de caráter pessoal”, distinguindo-as das circunstâncias. Circunstâncias são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas “circundam” o fato principal. Não integram a figura típica, podendo contribuir, contudo, para aumentar ou diminuir a sua gravidade. As circunstâncias podem ser objetivas ou subjetivas. Objetivas são as que dizem respeito ao fato objetivamente considerado, á qualidade e condições da vítima, ao tempo, lugar, modo e meios de execução do crime. E subjetivas são as que se referem ao agente, às suas qualidades, estado, parentesco, motivos do crime etc.Condições de caráter pessoal são as relações do agente com o mundo exterior, com outros seres, com estado de pessoa, de parentesco etc. Elementares do crime são dados, fatos, elementos e condições que integram determinadas figuras típicas. Certas peculiaridades que normalmente constituiriam circunstâncias ou condições podem transformar-se em elementos do tipo penal e, nesses casos, deixam de “circundar” simplesmente o injusto típico para integrá-lo. [10]
A atual reforma, comprometida inteiramente com o direito Penal da culpabilidade, procurou afastar todo e qualquer resquício da responsabilidade objetiva. Na vigência da nova lei, resumimos todo esse complexo problema da comunicabilidade das circunstâncias, condições e elementares, em duas regras básicas: a) as circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam entre coautores e partícipes, por expressa determinação legal; b) as circunstâncias objetivas e as elementares do tipo (sejam elas objetivas ou subjetivas) só se comunicam se entrarem na esfera de conhecimento dos participantes.[11]
Segundo o Código Penal no art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
E ainda segundo o art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
A gestante, não temos dúvida, que atua contra o neonato influenciada pelo estado puerperal, mas e o terceiro que a auxilia? Este tendo a ciência do estado puerperal da mãe, age de acordo com sua vontade, e responde pelo mesmo crime desta.
Noronha que, com particular lucidez, afirma:
“Não há dúvida alguma de que o estado puerperal é circunstância (isto é, estado, condição, particularidade etc.) pessoal e que, sendo elementar do delito, comunica-se, ex vi do art. 30, aos partícipes. Só mediante texto expresso tal regra poderia ser derrogada. E conclui o renomado autor: A não-comunicação ao corréu só seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei”[12]
“Quando é a própria parturiente que, sozinha, causa a morte do recém-nascido, mas com a participação de terceiro que, por exemplo, a auxilia materialmente, fornecendo-lhe o instrumento do crime, ou orientando-a como utilizá-lo, ambos, da mesma forma, responderão pelo infanticídio, já que a parturiente atuava influenciada pelo estado puerperal e o terceiro que a auxiliou conhecia essa particular condição, concorrendo, portanto, para o sucesso do infanticídio”. [13]
Damásio, com precisão, alerta:
“Se o terceiro mata a criança, a mando da mãe, qual o fato principal determinado pelo induzimento? Homicídio ou infanticídio? Não pode ser homicídio, uma vez que, se assim fosse, haveria uma incongruência: se a mãe matasse a criança, responderia por delito menos grave (infanticídio); se induzisse ou instigasse o terceiro a executar a morte do sujeito passivo, responderia por delito mais grave (coautoria no homicídio).
Segundo entendemos, o terceiro deveria responder por delito de homicídio. Entretanto, diante da formulação típica desse crime em nossa legislação, não há como fugir a regra do art. 30: como a influência do estado puerperal e a relação de parentesco são elementos do tipo, comunicam -se entre os fatos dos participantes. Diante disso, o terceiro responde por delito de infanticídio. Não deveria ser assim. O crime de terceiro deveria ser homicídio. Para nós, a solução do problema está em transformar o delito de infanticídio em tipo privilegiado de homicídio”.[14]
5. Conclusão
Portanto, após este estudo, entendemos que o terceiro (coautor) responde pelo mesmo crime da mãe da vítima (neonato), visto que o infanticídio, não é um tipo privilegiado. E que somente responderia pelo crime de homicídio, se houver uma mudança no Código Penal transformando o delito de infanticídio do art. 123 em tipo privilegiado de homicídio do art. 121 do referido Código Penal.
Vale ressaltar que ao vislumbrar o assunto aqui abordado, nasce um sentimento de indagação; como pode um pessoa que em sã consciência que participa da prática de um infanticídio, auxiliando a mãe do neonato, possa esta pessoa não ser condenado por homicídio, mas responde por crime menos gravoso. O legislador criou a norma de forma não bem pensada. É o que podemos chamar de anomalias do direito penal.
6. Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. TRATADO DE DIREITO PENAL, PARTE GERAL 1, edição.19, Editora Saraiva.2013.
GRECO, Rogério. CURSO DE DIREITO PENAL, PARTE ESPECIAL. Vol.11, edição.8, Editora Impetus, 2011.
[1] BITTENCOURT, CEZAR ROBERTO, Tratado de Direito Penal; Parte Geral 1, p.279, ed.19, Editora Saraiva, 2013.
[2] idem, p.277.
[3] idem, p.278.
[4] idem, p.344.
[5] idem, p.344.
[6] idem, p.345.
[7] idem, p.345.
[8] idem, p.346.
[9] idem, p.346.
[10] idem, p.574.
[11] idem, p.575.
[12] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal-Parte Especial (Arts. 121 a 154), p.218, vol.11, ed.8, Editota Impetus, 2011.
[13] idem, p.219.
[14] idem, p.219.