Competência significa aquilo ou alguém que tem capacidade de realizar determinada atividade instituída por alguma norma, princípio, costume e/ou pessoa. Assim é a competência tributária em face dos entes políticos Federativos, instituída pela nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, normal suprema e divisora das atribuições do poder fiscal.
O regente Código Tributário Nacional (CTN), em sua parcela detalhada, prescreve a matéria de competência tributária em um capítulo próprio ao assunto, prevendo que toda a atribuição e exercício constitucional de competência tributária (seguindo um ditame limitador na atual Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas leis orgânicas dos Municípios e Distrito Federal) são, principalmente, intransferíveis e irrenunciáveis pelo Estado competente para tal atividade.
Neste segmento argumentativo, em confronto ao art. 11 da Lei Complementar 101/00 e ao art. 8º do CTN, será levantado nas linhas seguintes um pensante doutrinário com relação à faculdade no exercício, pela entidade pública responsável, da competência tributária.
Sumariamente, importante conceituar o que seja competência tributária e seu nascimento no mundo jurídico-tributário, distinguindo-o de capacidade tributária ativa[1]. Nas visões de Paulo de Barros Carvalho, a competência tributária é um dispositivo que, por força do princípio constitucional da legalidade[2], incumbe ao Poder Legislativo a tarefa de moldar normas de naturezas tributárias[3], ou seja:
“[...] é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo[4].”
Na mesma linha de raciocínio, Leandro Paulsen ensina que os membros da Federação “recebem diretamente da Constituição – e só dela – as suas parcelas do poder fiscal[5]”, definindo a competência de cada um. Ensina, também, que a competência subdivide em comum; privativa; cumulativa; especial; residual; e extraordinária[6].
Lado outro, a maioria dos doutrinadores interpreta, conforme a lei, o querer do legislador ao prever e impor à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a indelegabilidade, intransferiedade, inalterabilidade e irrenunciabilidade de suas competências tributárias, contudo, argumentam que é possível, numa interpretação aprofundada do art. 11 da LC 101/00 e do art. 8º do CTN, facultar o exercício da competência tributária[7], como bem doutrina Eduardo Sabbag:
[...] o legislador quis, salvo melhor juízo, estimular a instituição do tributo economicamente viável, cuja competência estaria inadequadamente estanque. Portanto, entendemos que é defensável a facultatividade do exercício da competência tributária, uma vez que o art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal não traduz, incontestavelmente, mecanismo efetivo de obrigatoriedade.
A faculdade pela criação ou não de tributos é existente, por exemplo, sobre o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas). Este imposto é previsto no art. 153, VII, da CF/88, contudo, a União ainda não criou o referido tributo.
Retornando às importantes visões doutrinárias de Paulo de Barros Carvalho, este dita uma exceção ao poder de faculdade sobre o exercício da competência tributária, no que se relaciona para um determinado imposto, pois quem recebeu, pela norma jurídica, o poder para legislar pode, perfeitamente, exercê-lo, “não estando, porém, compelido a fazê-lo, com exceção do ICMS, que há de ser instituído e mantido, obrigatoriamente, pelas pessoas políticas competentes[8].”. O mesmo doutrinador faz lembrar o princípio da indelegabilidade da competência tributária, haja vista a separação dos Poderes criada pela filosofia montesquiana[9] e valorizada pelo constituinte originário no art. 2º da CF/88.
O assunto também foi discutido na seara jurisdicional do Tribunal Regional Federal da 5º Região ao julgar, em 2010, a Apelação Cível 468268 CE 0012473-79.2006.4.05.8100, se não vejamos:
TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO FISCAL. ISS. IMPOSTO MUNICIPAL. EXTINÇÃO DE OFÍCIO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. VALOR IRRISÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. APELAÇÃO PROVIDA. - A Constituição Federal, ao outorgar competência para que os entes políticos editem leis que instituam tributos, cuida de proceder à repartição da competência tributária, de sorte que é competência privativa do Município instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza. - O efetivo exercício da competência tributária é uma faculdade e não uma imposição constitucional, donde segue que a cada ente tributante caberá, fundado em critérios próprios de oportunidade e conveniência política e/ou econômica, decidir acerca da cobrança ou não de tributos. [...].
Nota-se que os mencionados arts. 11 e 8º, respectivamente da LC 101/00 e do CTN, devem ser interpretados hermeneuticamente, ao passo que o legislador, por descuido ou limitação, não poderia engessar a autonomia da faculdade do exercício da competência tributária, faculdade esta muito bem aceita hodiernamente nas visões científico-jurídica e jurisprudenciais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acessado em: 1º/05/2014;
BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acessado em: 1º/05/2014;
BRASIL. Lei Complementar 101/00. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leiscomplementares/lc10100.htm>. Acesso em: 1º/05/2014;
CARVALHO, Paula de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012;
CARRAZZA, Roque A. Curso de direito constitucional tributário, 12. ed., São Paulo, 1999;
MELO, José Eduardo Soares de; ELALI, André; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; TRENNEPOHL, Terence (coord.). Direito Tributário - Homenagem a Hugo de Brito Machado. São Paulo: Qyartier Latin, 2011;
MONTESQUIEU. Do Espírito das leis. Tradução: Jean Melville. Editora Martin Claret: São Paulo, 2007;
PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2012;
SABBAG, Eduardo Moraes. Manual de direito tributário – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2013;
VOLKWEISS, Roque Joaquim. Direito Tributário Nacional. 3ª edição. Livraria do Advogado, 2002.
[1] “capacidade tributária ativa" consiste na arrecadação e emprego dos valores tributários (contribuições), por parte de terceiros (órgãos previdenciários, entidades corporativas, ou de setor econômico), também denominados "entidades paraestatais", diversas das pessoas políticas dotadas de "competência para instituir tributos", como a União, Estados, Distrito Federal e Municípios” (MELO, José Eduardo Soares de; ELALI, André; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; TRENNEPOHL, Terence (coord.). Direito Tributário - Homenagem a Hugo de Brito Machado. São Paulo: Qyartier Latin, 2011, p. 299)
[2] O gênero princípio da legalidade é encontrado no art. 5º, II, da CF/88. No que pese aquele princípio em matéria tributária, será claramente encontrado nas linhas do art. 150, I, da Carta Maior.
[3] Eduardo Sabbag manifesta que “A Constituição Federal consagrou o princípio do federalismo (art. 60, § 4º, I, da CF), delimitando entre as pessoas políticas (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) o poder de tributar.” (SABBAG, Eduardo Moraes. 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 444).
[4] CARVALHO, Paula de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 214.
[5] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2012, p. 26.
[6] “A nosso ver, a atual Constituição Federal brasileira adotou, somente as competências institucionais privativas e residual, relativamente a todas as arrecadações pecuniárias compulsórias previstas no seu Sistema Tributário.” (PAULSEN, Leandro aput VOLKWEISS, Roque Joaquim. Direito Tributário Nacional. 3ª edição. Livraria do Advogado, 2002, p. 87/88).
[7] A mesma tese é defendida por Roque Antônio Carrazza (Curso de direito constitucional tributário, 12. ed., São Paulo, 1999, p. 339)
[8] CARVALHO, Paula de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 215.
[9] É a linha de raciocínio de Charles-Louis de Secondat, conhecido por Montesquieu, defendida em sua obra “O Espírito das Leis”.