Sumário: 1. Introdução, 2. Dos filhos havidos no casamento, 3. Dos filhos havidos fora do casamento, 4. Da família natural, 5. Investigação de Paternidade e de Maternidade
1. Introdução
A procriação gera efeitos jurídicos, não mais importando a qualidade de filho de criação de deveres e direitos. Das mais importantes e louváveis, sem dúvida, é a inovação trazida ao nosso direito pela Constituição Federal de 1988, que diz que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
A distinção odiosa já havia sido repelida no anteprojeto do Código Civil que, adotando a concepção unitária, já existente em muitos países, substituiu os capítulos relativos à filiação legítima e a filiação ilegítima pelas expressões "Dos filhos havidos no casamento" e "Dos filhos havidos fora do casamento".
O efeito jurídico da filiação é conseqüência natural da procriação. Não mais acontecerá que aqueles, que biologicamente eram filhos, não fossem juridicamente considerados como tais. À filiação civil, que é aquela resultante da adoção, deu-se o mesmo status de filho de sangue, inclusive para efeitos sucessórios.
Fiel a esse princípio, a Lei 7.841, de 17/10/1989, revogou o art. 358 do CC, que vedava o reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuos. Nada impede, agora, o reconhecimento de filho de qualquer condição, seja no termo do nascimento, seja por escritura pública, ou por testamento, que são formas únicas de reconhecimento voluntário a que se refere o art. 357 do CC.
Vale lembrar, no entanto, a distinção que, até agora, se fazia em nosso Direito positivo e que ainda se encontra em nosso vigente Código Civil. A filiação é natural quando resulta da procriação, podendo ser legítima ou ilegítima, e é civil quando decorre da adoção simples ou plena, atos jurídicos em virtude dos quais alguém assume a situação de pai.
Os filhos são legítimos quando procriados na vigência do casamento dos seus pais. São legitimados quando, concebidos por pessoas não casadas uma com a outra, os seus pais, posteriormente ao nascimento, convolaram as justas núpcias.
A filiação pode ser provada pelo Registro Civil ou por sentença judicial em ação própria (ação de investigação ou negatória de paternidade). As ações de estado são aquelas em que as partes reivindicam ou denegam a existência de uma qualidade jurídica referente à filiação.
2. Dos filhos havidos no casamento
Devem ser considerados como filhos havidos no casamento mesmo aqueles havidos de casamento nulo ou anulável. A lei 6.515, de 26/12/1977, considera legítimos os filhos havidos de casamento nulo ou anulável, mesmo quando ambos os cônjuges não tivessem contraído de boa-fé.
Para contestar a paternidade é preciso provar que o marido, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do filho, não teve relações sexuais com a esposa. Tal prova pode ser feita quando os cônjuges estavam em lugares diversos, por exemplo em países diferentes, ou quando um deles estava preso, ou quando havia por parte do marido impotentia coeundi ou generandi, devendo a impotência ser absoluta.
Quando o filho nasce logo após o casamento, ou seja, decorridos menos de 180 dias após a celebração do matrimônio, o pai pode contestar a paternidade livremente, salvo se tinha ciência da gravidez da mulher quando com ela convolou núpcias ou se assistiu à lavratura do termo de nascimento do filho sem contestar a paternidade, ou fez, ele próprio ou por procurador com poderes especiais, as declarações referentes ao nascimento do filho no Registro Civil. Nestas hipóteses, o pai, tendo reconhecido explícita ou implicitamente a paternidade no momento do registro, não pode posteriormente negá-la.
Dissolvida a sociedade conjugal pela morte, pela separação judicial ou pela anulação ou declaração de nulidade do casamento, presume-se a paternidade dos filhos nascidos nos trezentos dias seguintes ao ato que dissolveu a sociedade, somente se admitindo a contestação da paternidade nos casos expressos.
A presunção pater est tem sofrido algumas restrições na sua aplicação pela jurisprudência. Entendeu-se assim que, embora a lei considerasse privativa do pai presumido a ação negatória, dever-se-ia admitir que o filho pudesse, uma vez dissolvida à sociedade conjugal, pedir a retificação de sua filiação provando que o pai presumido não é o real, pois na época do nascimento estava separado de fato da esposa. Admitiu-se também que o prazo estabelecido pela lei para denegar a paternidade não devesse ser considerado como fatal, permitindo-se que o pai presumido declare, por ocasião do desquite, não ser filho seu o rebento de sua mulher nascido na vigência do casamento e considerando-se como válida tal declaração quando feita em testamento. São conquistas jurisprudenciais que vão derrubando o velho princípio romano de defesa exacerbada da família
O art. 344 do CC, que reserva a ação negatória de paternidade ao pai presumido, passando aos seus herdeiros quando iniciada ainda em vida, não tem sido aplicado por numerosas decisões que admitem a retificação de registro de nascimento pelo filho presumidamente legítimo, permitindo-se a este que prove a não convivência, ou a ausência de relações sexuais, na época de sua concepção, entre a sua mãe e o marido da mesma.
Impõe-se, à luz do dispositivo constitucional já referido, seja dada nova redação ao art. 349 do CC, como a todos aqueles seus dispositivos que se chocam com a nova concepção em termos de filiação.
Deve-se dizer, portanto, que, na falta ou defeito de termo do nascimento, a prova da paternidade é feita por qualquer modo admitido em direito.
Como prova por escrito de filiação são admissíveis, além do registro, o testamento e as escrituras de reconhecimento e emancipação em que o pai reconhece o filho.
Como fato que estabelece a presunção de paternidade podemos assinalar o fornecimento de alimento e o tratamento como filho ou a posse do estado de filho.
3. Dos filhos havidos fora do casamento
Os filhos procriados por pessoas não casadas uma com a outra eram designados de ilegítimos, o que não mais se permite.
A filiação ilegítima podia ser natural, quando inexistia impedimento dirimente entre os pais para casar um com o outro, e espúria (adulterina ou incestuosa), quando em virtude de já estar casado um dos pais ou de existir entre ambos relação de parentesco, tal casamento não poderia ocorrer.
Assim, a filiação espúria era a decorrente de relações sexuais entre pessoas que não podiam casar, uma com a outra, em virtude de existência de impedimento dirimente baseado no parentesco (filiação incestuosa) ou em casamento anterior (filiação adulterina), enquanto a filiação ilegítima propriamente dita era decorrente de relações sexuais entre pessoas que não se casaram, mas que poderiam casar uma com a outra.
O tratamento dos filhos ilegítimos em nossa legislação tem evoluído no sentido de concessão de direitos mais amplos e de sua progressiva equiparação aos filhos legítimos.
Nas Ordenações Filipinas, admitia-se o direito hereditário do filho natural do peão mas não do filho natural do nobre, salvo em virtude de disposições testamentárias. O pai não exercia o pátrio poder sobre o filho natural e este não tinha possibilidade de investigar a paternidade.
Já o Código Civil brasileiro, embora impregnado do privatismo doméstico, realizou importante progresso nesta matéria ao integrar o filho natural na família, submetendo-o ao pátrio poder de quem o reconheceu.
Admite-se amplamente em nossa legislação civil o reconhecimento de filhos tendo o Código inicialmente vedado o reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos.
O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feita no registro de nascimento, por escritura pública ou escrito particular, e se arquivado em cartório, por testamento, ainda que nele incidentalmente manifestado, e por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único principal do ato que o contém.
O reconhecimento por testamento só poderá ser feito por quem tenha capacidade para testar, ou seja, pelo maior de 16 anos que esteja em seu perfeito juízo.
Finalmente, ainda na vigência do casamento, qualquer dos cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio.
4. Da família natural
A lei 8.069, de 13/07/1990, trata no seu capítulo III, seção II, da família natural, definida como sendo "a comunidade formada pelos pais ou qualquer um deles e seus descendentes". O art. 26 assegura o direito de reconhecimento dos filhos, qualquer que seja a origem da filiação, podendo constar do termo de nascimento, de testamento, de escritura ou outro documento arquivado em cartório. Os pais podem reconhecer o filho conjunta ou separadamente, antes ou depois do seu nascimento e até após a sua morte, se deixar descendentes. O reconhecimento do estado de filiação constitui, de acordo com a nova lei, direito personalíssimo indisponível e imprescindível, exercitável contra os pais e seus herdeiros sem qualquer restrição.
5. Investigação de paternidade e de maternidade
A investigação de paternidade ou maternidade, quando se trata de criança abandonada, pode ocorrer nos casos taxativos estabelecidos pela lei. Normalmente a filiação se prova pelo registro do nascimento determinando a lei que:
"Art. 348 – Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro"
"Art. 356 – Quando a maternidade constar do termo de nascimento do filho, a mãe só a poderá contestar, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas"
É evidente que não conste o nome da mãe no registro civil quando se trata de recém-nascido abandonado ou de criança encontrada, sem que se saiba o lugar do seu nascimento. Assim, são relativamente mais raros os casos de investigação de maternidade, pois a maternidade se prova pelo parto que costuma ser fato público.
Só se admite a investigação de paternidade ou de maternidade pelo filho cujo termo de nascimento não tenha indicação de quem seja o pai ou a mãe, ou cujo registro tenha sido anulado, pois ninguém pode vindicar estado contrário ao que consta do registro do nascimento, salvo provando erro ou falsidade do registro.
A investigação de paternidade e maternidade é permitida nos casos em que aos pais se faculta a possibilidade de reconhecer o filho. Podemos encarar, aliás, a sentença na ação de investigação de paternidade como um reconhecimento forçado ou coativo.
As origens dessa investigação remontam ao direito canônico, no qual ela era autorizada para fins exclusivamente alimentares, por corresponder tal direito a uma norma natural, entendendo a igreja que era devida à prestação alimentar mesmo aos filhos espúrios e sacrilégios.
No direito romano, o filho natural não tinha parentesco agnatício, só sendo vinculado à família materna, em virtude da cognação, parentesto pelo sangue. Foi sob a influência do cristianismo que o direito romano admitiu o direito alimentar dos filhos naturais, reconhecendo-lhes até direitos sucessórios na ausência de filhos legítimos e permitindo ainda a legitimação por ato do príncipe e por casamento subsequente.
No direito português das ordenações, havia tratamento diferente, como já vimos, para a família aristocrática, na qual o interesse do Estado impedia que se reconhecesse o direito sucessório dos filhos naturais, e para a família plebéia, na qual os filhos naturais herdavam. No tocante aos alimentos, reconhecia-se os efeitos da filiação natural, tanto na família proletária como na nobre.
O Código Napoleão, embora fruto do liberalismo, ao mesmo tempo em que ampliou os direitos dos filhos naturais, proibiu a investigação de paternidade, só admitindo o reconhecimento voluntário dos filhos pelos pais. Tal medida foi considerada como defesa da estabilidade da família, embora impedisse que os filhos naturais obtivessem judicialmente o reconhecimento de sua situação. Era o sacrifício do interesse dos filhos à proteção da família legítima.
A lei francesa de 1912 admitiu a investigação de paternidade em casos especiais, como quando a mãe vivia em concubinato com o pai na época da concepção do filho.
Na legislação alemã, admite-se amplamente a investigação com o fim exclusivo de assegurar ao filho natural o direito aos alimentos, mas sem lhe dar qualquer direito sucessório, tendo o filho natural em relação à mãe e aos parentes pela linha materna a condição jurídica de filho legítimo, mas inexistindo tal relação com a família paterna.
Na Suíça, admite-se duas espécies de ações de investigação de paternidade, uma como prova mais rigorosa para reivindicar a qualidade do filho com todos os seus direitos e a outra, mais fácil e rápida, com fins exclusivamente alimentares.
No Brasil, o sistema português das Ordenações foi modificado por uma Lei de 1847, que admitia o direito sucessório dos filhos naturais, desde que reconhecidos por escritura pública ou testamento. Por sua vez, o Decreto 181 de 1890, autorizou a investigação de paternidade em casos específicos.
O Código Civil manteve a tradição liberal, permitindo a investigação de maternidade e de paternidade, salvo nos casos de filiação espúria.
A investigação de maternidade é amplamente permitida. Com a nova Constituição, desapareceu a restrição que existia no Código Civil e que proibia a investigação de maternidade para atribuir prole adulterina à mulher casada, ou incestuosa à mulher solteira. Atualmente, tanto a investigação de maternidade como de paternidade pode beneficiar o filho adulterino ou incestuoso. A investigação de paternidade é admitida nos casos seguintes:
"Art. 363 (...)
I – se ao tempo da concepção, a mãe estava concubinada com o pretendido pai;
II – se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela;
III – se existir escrito daquele a quem se atribui à paternidade, reconhecendo-a expressamente".
6. Bibliografia
Borghi, Hélio. Artigo: "A nova adoção no direito civil brasileiro", RT 661/242.
Código Civil Brasileiro
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil, Editora Saraiva, SP, 1998.
Ráo, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1999, 5ª edição.
Wald, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1999.