1. Considerações Preliminares.
As breves reflexões que passamos a desenvolver neste artigo têm por objetivo traçar um panorama da importância que os estudos filosóficos produzidos a partir do século XIX exerceram na construção dos Direitos Humanos, desde uma concepção individual e setorizada em suas origens científicas, até a atualidade, em que são analisados segundo uma visão universalista na sociedade ocidental, principalmente após a criação da Organização das Nações Unidaas (ONU), em 1945.
Nesse sentido, as fontes manejadas para a apresentação de nossa pesquisa serão focadas na análise de normas e documentos internacionais (consubstanciados em tratados e resoluções das principais Organizações Internacionais vocacionadas para a proteção do indivíduo e de grupos no cenário global), e no levantamento bibliográfico de obras jurídicas e filosóficas - notadamente a produção intelectual de dois estudiosos: Immanuel Kant e Ronald Dworkin, que promoveram em momentos distintos na construção histórica da doutrina dos Direitos Humanos verdadeiras inovações, quebras de paradigma que estimularam a evolução dessa disciplina e a produção normativa em larga escala, de forma especial a partir do século XX.
Justifica-se a relevância destas breves considerações na premente necessidade das instituições universitárias brasileiras em promover o ensino e a conscientização do corpo discente nos principais aspectos jurídicos, políticos e filosóficos que fundamentam a proteção do ser humano no plano internacional, visando à elaboração de instrumentos mais eficazes da aplicabilidade dos direitos humanos no território pátrio. Para atingir tal mister, cremos na essencialidade do conhecimento da produção intelectual dos supracitados estudiosos, adquirindo maior importância nos Bacharelados em Ciências Jurídicas, onde os profissionais do Direito usarão tal conhecimento na defesa da sociedade, fim maior em sua formação acadêmica.
2. Linhas Gerais da Evolução Histórica dos Direitos Humanos.
A proteção internacional do indivíduo, embora em tese fosse um dos grandes objetivos do Direito Internacional Público (especialmente em decorrência de sua origem científica no fim da Idade Média, ligado às basilares noções de Direito Natural na educação cristã), somente veio a adquirir robustez a partir do século XIX, devido à grande produção intelectual do período (que veremos adiante) e à criação de organismos intergovernamentais e organizações não governamentais de cariz privado e transnacional que assumiam como principal objetivo a proteção dos seres humanos - em um primeiro momento, em situações específicas como a de conflitos armados, e após algumas décadas, de forma universal, culminando na criação da Liga das Nações (LdN) e de sua material sucessora, a ONU.
Segundo a maioria dos jusinternacionalistas (dentre todos ver: SHAW, 2008), a proteção internacional do indivíduo pode ser dividida para efeitos históricos e didáticos em três grandes vertentes: a) Direito Internacional Humanitário, surgido em 1864 com a criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha pelo empresário e filantropo Henri Dunnant; b) Direito Internacional dos Refugiados, surgido no período "entreguerras" (1918-1939), no período de vigência material do Tratado de Versalhes; c) Direito Internacional dos Direitos Humanos, surgido a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 [Resolução 217-A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas]. Nesse sentido, os marcos históricos apresentados apenas se prestam para uma melhor didática, pois tais vertentes não ultrapassam umas às outras em importância, tanto que existem tratados internacionais para proteção dos refugiados após a criação da ONU (como a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951), e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) é detentor de personalidade jurídica internacional (para maiores explicações sobre origem e relevância jurídica do CICV ver: GUERRA, 2009).
O que se pode observar de forma mais clara na evolução histórica dos Direitos Humanos e em sua aplicabilidade na Sociedade Internacional é que um dos grandes fatores que impulsionaram seu desenvolvimento a partir do século XIX e sua verdadeira "explosão" normativa no século XX foram as produções intelectuais no campo da Filosofia e da Teoria Geral do Direito, em que destacamos como expoentes nesse estudo as figuras de Immanuel Kant e Ronald Dworkin, respectivamente na Ética e na Hermenêutica Jurídica.
3. A Produção Intelectual de Kant e Dworkin e sua Influência na Construção dos Direitos Humanos.
Imannuel Kant (1724-1804) é considerado um dos maiores estudiosos da filosofia moral e da ética. Suas produções inspiraram a atuação de diversos governos e organizações internacionais, especialmente no que tange à proteção do indivíduo. O compêndio de estudos filosóficos mais importante deste filósofo são suas críticas: Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e Crítica do Julgamento (1790). As ideias expostas em tais obras influenciaram o pensamento filosófico e jurídico ocidental ao longo do século seguinte, podendo ser considerados como verdadeiros determinantes para o desenvolvimento da disciplina dos Direitos Humanos.
A tese de maior interesse no criticismo de Kant se dá em torno do Imperativo Categórico, enunciado em três diferentes fórmulas, com respectivas variantes: a) Lei Universal: "age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal"; a.1) Variante da Lei Universal: "age como se a máxima da tua ação fosse para ser transformada, através da tua vontade, em uma lei universal da natureza"; b) Fim em Si Mesmo: "age de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como meio"; c) Legislador Universal (ou da Autonomia): "age de tal maneira que tua vontade possa encarar a si mesma, ao mesmo tempo, como um legislador universal através de suas máximas"; c.1) Variante da Fórmula do Legislador Universal: "age como se fosses, através de suas máximas, sempre um membro legislador no reino universal dos fins" (para uma sistematização didática sobre as fórmulas apresentadas no compêndio de Kant, conferir o verbete "Imperativo Categórico" na enciclopédia virtual Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imperativo_categórico - acesso em 4 de maio de 2014).
A fórmula mais importante para a compreensão futura da existência de direitos fundamentais ao indivíduo é a que considera a humanidade como um fim em si mesma (fórmula do fim em si mesmo): acreditamos que a propagação dessa tese nos meios acadêmicos e, posteriormente, políticos, influenciou os diversos sistemas jurídicos em momento posterior a adotar normas protetivas dos direitos humanos, fortalecendo o ideário que no século XX serviu de supedâneo para a origem do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Por sua vez, Ronald Myles Dworkin (1931-2013) foi um dos mais conhecidos jusfilósofos do século XX, e sua teoria exposta nas obras Levando os Direitos a Sério (1977) e Uma Questão de Princípio (1985) influenciou não somente a nova visão dos direitos humanos no século passado, como também um novo panorama do Direito Constitucional conhecido por NeoConstitucionalismo (ou, segundo parte dos estudiosos, Constitucionalismo Contemporâneo - ver BULOS, 2010).
Segundo Dworkin, as normas jurídicas podem ser analisadas como regras e como princípios: enquanto um conflito entre regras é solucionado segundo os clássicos critérios expostos pela Teoria Geral do Direito (cronológico, hierárquico, especialidade), segundo uma ideia de "tudo ou nada", os princípios são mandados abertos de otimização e seu conflito é resolvido pela ponderação, pelo sopesamento entre tais espécies normativas, através da razoabilidade e da proporcionalidade.
Nesse sentido, os princípios aplicados aos direitos humanos passaram a ter seus preceitos positivados em diversos tratados internacionais no final do século XX, especialmente na Convenção de Viena sobre Direitos Humanos de 1993, influenciados sobretudo por essa mudança de paradigmas no positivismo jurídico que abriu o século, em um movimento chamado Pós-positivismo, do qual decorreu o fenômeno igualmente novo denominado "virada 'kantiana' do Direito" (em referência ao Imperativo Categórico de Immanuel Kant, supramencionado.
4. Considerações Finais.
Portanto, pode-se verificar após essa breve exposição que a influência das produções filosóficas de Immanuel Kant e de Ronald Dworkin se fizeram presentes na política internacional durante o desenvolvimento da disciplina dos Direitos Humanos, especialmente a partir de meados do século XX, em que houve uma progressiva expansão da proteção jurídica dos interesses individuais, coletivos e difusos, passando para a perspectiva do direito dos povos e do direito ao desenvolvimento como aspectos do atual panorama dos Direitos Humanos.
O Imperativo Categórico na ética de Kant e a Teoria dos Princípios na hermenêutica jurídica de Dworkin certamente compuseram o acervo teórico apto a influenciar a expressiva produção normativa protetiva do indivíduo ocorrida ao longo do século XX, no transcorrer do movimento pós-positivista, neoconstitucionalista e de expansão do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e são de grande relevância sobretudo para a Filosofia, que no campo da Ética proporcionou a elaboração de variados estudos posteriores, tanto de cunho descritivo quanto de natureza crítica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 6ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
DWORKIN, Ronald Myles. Levando os Direitos a Sério. 1977 (mimeo).
DWORKIN, Ronald Myles. Uma Questão de Princípio. 1985 (mimeo).
GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 1781 (mimeo).
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. 1788 (mimeo).
KANT. Immanuel. Crítica do Julgamento. 1790 (mimeo).
SHAW, Malcolm Nathan. International Law. 6ª Edição. Reino Unido: Cambridge University Press, 2008.