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A educação domiciliar como uma alternativa ao ensino público-privado

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07/05/2014 às 08:35
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3. PROPOSTAS PARA A LEGALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO DOMICILIAR

De modo a ladear esses empecilhos legais, existem, dentre outros, o Projeto de Lei 3.179/2012 e Projeto de Emenda Constitucional 444/2009, que acrescenta texto normativo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica, ainda acrescentando o § 4º ao art. 208 da Constituição Federal, de forma que o Poder Público regulamente a educação domiciliar, respectivamente.

É importante, para o desenvolvimento desse item do trabalho, a transcrição ipsi literis da justificação do Projeto de Lei 3.179/2012, de autoria do Deputado Federal Lincoln Portela (PR/MG), que trata especificamente da educação básica:

É fato que, na realidade brasileira, a oferta desse nível de ensino se faz tradicionalmente pela via da educação escolar. Não há, porém, impedimento para que a mesma formação, se assegurada a sua qualidade e o devido acompanhamento pelo Poder Público certificador, seja oferecida no ambiente domiciliar, caso esta seja a opção da família do estudante. Garantir na legislação ordinária essa alternativa é reconhecer o direito de opção das famílias com relação ao exercício da responsabilidade educacional para com seus filhos.

Mesmo que a matéria de que trata a solicitação já tenha sido objeto de proposições apresentadas em legislaturas anteriores e tais projetos foram recorrentemente rejeitados, o respeito à liberdade inspira a reapresentação do presente projeto de lei, sem descuidar do imperativo em dar acesso, a cada criança e jovem, à formação educacional indispensável para sua vida e para a cidadania.

Do mesmo modo, a Proposta de Emenda Constitucional 444/2009, de autoria do ex-Deputado Federal Wilson Picler (PDT/PR), trata da possibilidade de alteração legislativa (no caso a Constituição Federal de 1988) para inserir o § 4º ao artigo 208, ensejando ao Poder Público a regulamentação da “educação domiciliar, assegurado o direito à aprendizagem das crianças e jovens na faixa etária da escolaridade obrigatória por meio de avaliações periódicas sob responsabilidade da autoridade educacional.” (BRASIL, 2009,  p. 3).

Segundo o autor da Proposta de Emenda Constitucional, “a chamada educação domiciliar é adotada em vários países como Austrália, Canadá, França, Inglaterra, Irlanda, Suíça, e alguns Estados dos Estados Unidos da América.” (BRASIL, 2009, p. 3). Em se tratando de quantidade de adesões ao ensino domiciliar, “nos EUA, a adesão ao homeschooling (ensino domiciliar) hoje reúne mais de 1 milhão de adeptos. A Unesco contabiliza que, ao todo, existiriam no mundo 2 milhões de crianças nesse sistema de ensino.” (BRASIL, 2009, p. 3, grifo do autor). E como justificativa final, o autor remete a alteração aos preceitos constitucionais básicos, in verbis:

Com base nesses dispositivos, em nosso entendimento é possível amparar a experiência da educação domiciliar em nosso País, por um lado, com base nos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana, assegurando aos pais e responsáveis o direito de escolher o tipo de educação que querem dar a seus filhos e, por outro lado, garantindo às crianças e aos adolescentes o direito à educação, ou seja, à aprendizagem dos conteúdos mínimos fixados para os ensinos fundamental e médio obrigatórios, com a recente extensão da obrigatoriedade do ensino também à faixa etária correspondente ao ensino médio pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009. Para isso, é necessário que o Estado regulamente o direito à educação domiciliar, de tal forma que os pais ou responsáveis possam obter da autoridade competente a autorização para educar seus filhos em casa e que as crianças e jovens sejam regularmente avaliados pela rede oficial de ensino e, como em algumas experiências internacionais, a renovação dessa autorização esteja condicionada ao seu bom desempenho nessas avaliações. Cumpridas essas condições, não há porque o Estado não permitir às famílias brasileiras que assim o desejarem que seus filhos ou tutelados sejam educados em casa.

A educação domiciliar deve ser contemplada como uma real alternativa ao ensino obrigatório público ou privado. Urge a necessidade de alterações legislativas substanciais, seja no nível da legislação ordinária ou constitucional, de modo a contemplar esse modo de ensino em tão vasto território de nosso país, onde, por vezes, instituições formais de ensino de qualidade não estão disponíveis.

Não é saudável para uma democracia que o Estado interfira de tal modo no seio social para impor às famílias a obrigatoriedade de matricular seus filhos em instituições de ensino públicas ou privadas. Em relação às instituições públicas, não há que se discutir a falência estrutural e organizacional da maioria esmagadora dessas unidades de ensino. Em relação às instituições de ensino privadas, os exorbitantes valores e taxas cobrados por essas instituições são os dificultadores de acesso à imensa maioria da população brasileira. O Estado deve, de outro modo, disponibilizar alternativas para a sociedade, de modo a concretizar preceito básico de qualquer democracia: a justa oportunidade a todos os seus cidadãos.


CONCLUSÃO

A educação pública institucionalizada encontra-se em um momento histórico de dificuldade e afirmação como um serviço público de qualidade, diferentemente de tempos pretéritos, quando as escolas públicas eram sinônimo de excelência e as escolas privadas tinham exíguo espaço de atuação e semelhante credibilidade. O momento atual é inverso: as escolas públicas decaíram em qualidade e as escolas privadas disseminaram-se em quantidade, na mesma proporção que investiram na excelência do ensino.

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Embora com instrumentos e recursos humanos vocacionados e aptos a desenvolver e transmitir o conhecimento, as instituições privadas de ensino exigem valores elevados para que os alunos possam frequentar tais estabelecimentos. Os pais ou responsáveis, muitas das vezes, não conseguem arcar com tamanho investimento sem comprometer sobremaneira o orçamento mensal familiar. Agrava-se ainda a esse aspecto a circunstância da eventualidade do ensino praticado nessas escolas não se adequar aos preceitos e princípios mantidos pela família do educando, corrompendo a criança nos seus anos iniciais de vida e de formação de caráter e personalidade.

Nesses casos, a opção disponível para os pais e responsáveis é a matrícula de seus filhos em escola pública, mesmo com todos os inconvenientes e as imperfeições verificados nessas instituições. Por falta de outras possibilidades, a família vê-se obrigada a fazer algo que, mesmo prescrita em lei, pode afrontar a dignidade de seus descendentes.

Constatada a situação, os pais ou tutores posicionam-se como reféns do Estado. Ou matriculam seus filhos em instituições públicas ou privadas de ensino ou podem ser indevidamente criminalizados, por esse mesmo Estado que não proveu um serviço de qualidade, que nessa circunstância, trata-se da educação. Para o caso em epígrafe, não há uma terceira possibilidade a ser buscada pela família que não deseja, sem justa causa, deixar de educar seus filhos? Sim, existe essa possibilidade. A educação domiciliar torna-se uma alternativa ao ensino público obrigatório.

 Praticada em alguns países, esse método de ensino alcança resultados consideráveis e semelhantes (às vezes superiores) aos apresentados pelo modo formal e padrão de ensino. A educação domiciliar prepara o aluno nos conhecimentos básicos obrigatórios, além de introduzi-lo, naturalmente, no convívio social, iniciado dentro da própria família. No âmbito da educação familiar o Estado afigura-se como um avaliador dos resultados obtidos por essa metodologia de ensino. Se o estudante adequar-se às avaliações periódicas propostas pelo Estado, qual o óbice de validar-se a educação domiciliar como factível numa sociedade moderna?

As metodologias de ensino e verificação de conhecimento devem ser reformuladas, atualizadas. O Estado deve melhor valorizar o núcleo de todo o labor do ensino: o professor. Os recursos educacionais devem ser mais bem aplicados nas três esferas públicas. A instituição pública de ensino deve ser reavivada. Enquanto tais desejos não se concretizam, a população não pode ser penalizada por um ensino, regra geral, de péssima qualidade. Uma alternativa viável (que não somente o ensino privado ou público) deve ser proposta para àqueles que entendem ser a educação a premissa básica para qualquer crescimento individual e intelectual. A educação domiciliar deve ser considerada como uma alternativa para os que assim o desejem, não podendo sofrer qualquer obstáculo estatal, embora deva ser eficientemente fiscalizada.


REFERÊNCIAS

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________. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.

________. Projeto de Lei no 3.179, de 08 de fevereiro de 2012. Acrescenta parágrafo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 08 fev. 2012.

________. Proposta de Emenda Constitucional 444, de 08 de dezembro de 2009. Acrescenta o § 4º ao art. 208 da Constituição Federal. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 08 dez. 2009.

GRECO FILHO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 3a ed. Rio de Janeiro: Impetus: 2007.

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VIEIRA, André de Holanda Padilha. “Escola? Não, obrigado”: um retrato do scholling no Brasil. Brasília, 2012.

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Sobre o autor
George Mazza Matos

Empregado Público Federal – Banco do Nordeste do Brasil S/A. Graduado e Especialista em Ciências da Computação. Mestrando em Direito na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pesquisador do Laboratório de Ciências Criminais (LACRIM) da UNIFOR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, George Mazza. A educação domiciliar como uma alternativa ao ensino público-privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3962, 7 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28282. Acesso em: 26 abr. 2024.

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