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Garantia de emprego e estabilidade em caso de discriminação

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01/04/2002 às 00:00
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7. A Estabilidade da Empregada Doméstica Gestante

Quaisquer normas posteriores àquelas que determinam como deve ser harmonizado o sistema jurídico, quais sejam as normas-princípio e as fontes do Direito sem perder de vista os preceitos constitucionais, devem sustentar, segundo Hédio Silva Júnior, em sua interpretação de Celso Antônio Bandeira de Mello, limites claros para não desconsiderar o princípio da igualdade: "1. Proibição imposta ao legislador, que o impede de editar regras que estabeleçam privilégios; 2. Proibição imposta ao juiz, que o impede de dar à lei entendimento que crie privilégios e; 3. Proibição de discriminação no gozo de direitos" (SILVA JÚNIOR, 1998: VII).

Segundo Bandeira de Mello, para o desrespeito à isonomia ser devidamente identificado são necessários três critérios: aquilo que seja considerado como critério discriminatório, o fundamento para a discriminação ocorrer e se há proteção constitucional àquela discriminação (MELLO, 1998: 22).

Ao se partir da análise abstrata para o caso específico, aquelas regras hermenêuticas que balizam a compreensão genérica da presente discussão devem manter seus critérios ao conferir o caso particular. Pode-se, então, auferir a relevância da concessão de estabilidade especial para gestante que seja empregada doméstica.

Para a lei não é tão óbvio que tanto empregada doméstica quanto as demais trabalhadoras tenham como filhos seres humanos, pois a primeira poderá ser demitida no primeiro dia de atividade após ter gerado um de seus rebentos, enquanto às demais, suas patroas em potencial, cabe o direito à estabilidade. Logo, qualquer juiz que tratar questão trabalhista em que a reclamante seja empregada doméstica demitida por ser gestante com esta discriminação ilógica, anti-natural e que afronta os princípios do Direito e as normas constitucionais estará ferindo a Lei n.º 7.716/89 e cometendo crime de discriminação.

Resta empregar os critérios recomendados por Bandeira de Mello. A discriminação à mulher; à discriminação à mulher por ser empregada doméstica e quais os direitos atribuídos pela Constituição Federal à empregada doméstica. A condição laboral da empregada doméstica encontra-se regulamentada pelo art. 7º, parágrafo único, da Constituição Federal e pela Lei n.º 5.859/72.

Segundo o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em seu art. 10, II, "b", fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, até que lei complementar sobre o assunto seja promulgada.

Seria preciso aceitar a desumana tese de que existam duas categorias de mulheres, empregadas domésticas e demais, para considerar que o art. 10 do ADCT não se aplique a esta espécie laboral de trabalhadoras. A lei n.º 5.859/72 não elenca este entre os direitos, todavia, infelizmente, ainda é preciso lembrar que esta lei é anterior à Constituição Federal vigente, logo não pode ser o que regulamenta a Carta Magna. Se a licença à gestante do Art. 7º, XVIII, não deve prejudicar seu emprego nem seu salário, não poderá durante este período ser demitida.

Se a análise restritiva de Pessoa Cavalcante e Jorge Neto (2000) não admite que esta condição se trate de estabilidade, mas de garantia de emprego, e que os dois institutos jurídicos não se confundiriam, uma vez que a demissão sem justa causa ou arbitrária durante o período de licença incorreria na indenização em dobro à empregada, caberia a absorção dos efeitos jurídicos da estabilidade, mesmo que o nomen juris não seja mantido. Em caso de dúvida sobre a aplicabilidade, o princípio in dubio pro operario não deixa de ser útil, sanando em benefício da empregada quaisquer dúvidas.

Todavia, Pessoa Cavalcante e Jorge Neto (2000) defendem argumento válido para a concessão de estabilidade à gestante, quando se tratar de dispensa obstativa. Trata-se de circunstância em que o fim do contrato de trabalho tem por finalidade impedir que o trabalhador adquira certos direitos. No caso, seria obstado o direito ao salário-maternidade, que apenas pode ser concedido enquanto perdurar a relação de emprego. Seria, portanto, presumida a dispensa obstativa de direitos sempre que se tratar de demissão de empregada gestante, além de violar os princípios jurídicos da boa-fé e da razoabilidade.

Decisões judiciais em sentido contrário, estariam incorrendo em discriminação, segundo a sistemática de Bandeira de Mello já comentada, sendo recorríveis. Interpretações, bem como leis, não podem conceder privilégios, o que ocorreria no caso das demais empregadas em relação às empregadas gestantes, caso a elas não fosse permitida a sua estabilidade, conforme interpretação doutrinária e normativa.


8. Conclusão

Como foi objetivo do presente estudo demonstrar, não há porque se alegar insuficiência de normas para considerar que a estabilidade ainda tenha sua natureza jurídica incólume no sistema jurídico brasileiro. Oculta sob a denominação garantia de emprego, ainda é garantido pelas normas vigentes que o empregado possa ser reintegrado a suas funções e receber indenização em dobro.

O jurista não pode perder o hábito de aplicar as fontes do Direito, quais sejam princípios gerais de Direito ou específicos do Direito do Trabalho, pois é exata função da Hermenêutica jurídica sanar por meios lógicos, legitimados pela própria legislação, dúvidas na efetividade de comandos aparentemente desconexos.

Foi possível aplicar as regras consagradas pelo art. 8º da CLT em casos de discriminação étnica e de gênero, de função no caso das empregadas domésticas gestantes, por motivos de saúde quanto a portadores do vírus HIV além de mencionar sua aplicabilidade para hipóteses de proteção a pessoas com deficiência. Em todas estas situações, não temos dúvidas quanto à proteção contra demissão arbitrária ou sem justa causa.

Deve-se visar à harmonização do sistema, apesar das suas regras de interpretação, para assim compreender não uma lei como autônoma, mas como engrenagem numa máquina que, ativada, pode decidir sobre conflitos de interesses.


9. Referências Bibliográficas

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Notas

01 Não obstante o fato da lei n. 9.601 de 22 de janeiro de 1998 tratar tanto dos contratos de trabalho por prazo determinado quanto dos contratos por bancos de horas, sem que se alegue a ausência de efetividade da segunda modalidade por não constar na ementa legal, apesar de consistir em "matéria diversa daquela que seria seu objeto, modificando inclusive a lei geral" (VIEIRA, 2000: 103).

02 Todavia, o Supremo Tribunal Federal, em sua Súmula n.º 21, defende que "Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade".

03 Art. 165; Art. 543, § 3º; art. 625-b, § 1º, da CLT; art. 10, II, "b" do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; art. 118 da Lei n.º 8213/91, art. 55 da Lei n.º 5764/71.

04 Sem embargo de quaisquer discussões ulteriores sobre sistemas de quotas para outros grupos sociais, cuja complexidade do aspecto do problema foi por razões metodológicas excluído do presente estudo, uma vez que tratar-se-ia de condição para o acesso ao trabalho, não para garantir o posto de trabalho àquele empregado que já o possua.

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Sobre o autor
Sérgio Coutinho

advogado em Maceió (AL), professor da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Maceió (FAMA), especialista em Direito do Trabalho pela União das Associações de Ensino Superior do Ceará (UNICE), mestrando em Sociologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Sérgio. Garantia de emprego e estabilidade em caso de discriminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2833. Acesso em: 19 abr. 2024.

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