Provas ilícitas e a jurisprudência do STF

09/05/2014 às 13:40
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O artigo realiza uma explanação em relação ao sistema de adoção de provas no âmbito da prática processual no Brasil, levando em consideração a doutrina e a jurisprudência dominante

1.    Introdução

            O Sistema Legislativo Brasileiro primou pela concepção de inadmissibilidade das provas ilícitas. Isso é comprovadamente ratificado ao se observar o artigo 5ª, inciso LVI, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (... )

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

           Ao se averiguar as garantias fundamentais do povo brasileiro, pode-se verificar a presença da vedação da utilização da prova ilícita no processo. Esta assertiva se encontra na Constituição Federal, como garantia fundamental, devido a sua ligação com o principio da segurança jurídica no processo. Ademais disso, é necessária esta garantia para que haja cautela e delimitação de quais as provas podem ser utilizadas em juízo, sempre visando à maneira de como essa foi obtida.

            Desta forma, a obtenção de uma prova não deve transgredir as garantias fundamentais dos indivíduos. A importância da inadmissibilidade de prova ilícita, ou prova ilícita por derivação, é avigorada no Código de Processo Penal, no termos da Lei nº 11.690, de 9 de Junho de 2008, no artigo 157 do CPP, dispõe-se sobre o assunto da seguinte forma:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

2.      Inadmissibilidade do uso de provas ilícitas

A essência da ideia de vedar as provas ilícitas, tendo em vista a forma de como essa foi obtida, é oriunda da concepção de que uma prova originária de meios ilícitos, tende a ser ilícita, e ademais disso, uma prova advinda de uma prova ilícita se conforma na ilicitude, uma vez que os vícios permanecerão, assim, se origina a prova ilícita por derivação. Consoante Grinover (1996) o posicionamento mais coadunado às garantias da pessoa humana e, consequentemente, mais inflexível com os princípios e normas constitucionais, é o que afirma a transmissão da ilicitude da obtenção das provas as provas derivadas, que, portanto, devem ser igualmente excluídas do processo.

Dessa forma, tanto a prova ilícita original como a prova ilícita por derivação deverão ser rechaçadas ou desentranhadas do processo, afim de que o juiz não seja ludibriado por intermédio de provas ilícitas. Ainda nessa lógica, pode-se discorrer sobre o assunto, do seguinte ponto de vista:

“Dado que através das provas se procura demonstrar a ocorrência ou inocorrência dos pontos duvidosos de fatos relevantes para a decisão judicial, ou seja, a conformação das afirmações de fato feitas no processo com a verdade objetiva em princípio não haveria limitações ou restrições à admissibilidade de quaisquer meios para a produção de provas.

A experiência indica, todavia, que não é aconselhável a total liberdade na admissibilidade dos meios de prova, ora porque não se fundam em bases científicas suficientemente sólidas para justificar o seu acolhimento em juízo (como o chamado soro da verdade); ora porque dariam perigoso ensejo a manipulações e fraudes (...); ora porque ofenderiam a própria dignidade de quem lhes ficasse sujeito, representando constrangimento pessoal inadmissível ( é o caso da tortura, da narcoanálise, do detector de mentiras, dos estupefacientes etc.)” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2004, p. 350).

            Assim, com o exposto pode-se coadunar a posição do Ministro Celso de Mello em decisão nos autos do RE nº 251.445, no qual discorreu sobre a absoluta extinção de provas ilícitas: 

 “Assentadas tais premissas, devo reiterar, na linha de diversas decisões por mim proferidas no âmbito desta Corte Suprema, que ninguém pode ser denunciado, processado ou condenado com fundamento em provas ilícitas, eis que a atividade persecutória do Poder Público, também nesse domínio, está necessariamente subordinada à estrita observância de parâmetros de caráter ético-jurídico cuja transgressão só pode importar, no contexto emergente de nosso sistema normativo, na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos pelo Estado. Impõe-se registrar, até mesmo como fator de expressiva conquista dos direitos instituídos em favor daqueles que sofrem a ação persecutória do Estado, a inquestionável hostilidade do ordenamento constitucional brasileiro às provas ilegítimas e às provas ilícitas. A Constituição da República, por isso mesmo, tornou inadmissíveis, no processo, as provas inquinadas de ilegitimidade ou de ilicitude.”

 

3.  Jurisprudência do STF

Contudo, deve-se discorrer sobre o uso da “prova ilícita” em legitima defesa. Observa-se a vedação de provas obtidas por intermédio de escuta ou gravação de comunicações telefônicas, por exemplo, que podem ser somente utilizadas para a investigação do processo criminal com prévia autorização judicial. No âmbito do direito civil, entretanto, não se considera essas modalidades de interceptação telefônica como uma prova lícita. No entanto, pode – se repensar sobre isso ao analisar a jurisprudência do STF, nos seguintes termos: 

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido" (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.)

            Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, vem aceitando como lícita a prova oriunda de gravação feita por um dos interlocutores, com ou sem autorização, sem o conhecimento do outro, sobretudo, quando este último realiza um delito. Desse modo, o Supremo Tribunal Federal não acredita que há violação do direito à privacidade quando o interlocutor grava o diálogo, por exemplo, com estelionatários, sequestradores e outros, no exercício de legitima defesa. Outra decisão neste sentido, nos seguintes termos:

"Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma." (RE 212.081, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 5-12-97, DJ de 27-3-98). No mesmo sentido: HC 75.338, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 11-3-98, DJ de 25-9-98.

Este entendimento, no entanto, não é unanimemente aceito na Excelsa Corte. Uma vez que o eminente Celso de Mello afirma que as gravações oriundas da não ciência do outro não deve ser utilizada como prova em processo judicial.  Assim, o Ministro aduz que a situação envolve quebra de privacidade, e desta forma, deve ser nula a eficácia jurídica da prova advinda destas circunstâncias e deve ter absoluta desvalia, sobretudo, quando o órgão da acusação penal postula, por meio desta, a prolação de um decreto condenatório.

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4.    Conclusão

Por fim, pode-se concluir mediante as decisões que o Supremo Tribunal Federal proferiu que a prova quando realizada para a própria defesa poderá ser utilizada, uma vez que não é considerada prova ilícita, mas sim prova lícita, já que ao ser oriunda de legítima defesa, deve-se logicamente entender que haverá a exclusão de ilicitude da conduta. 

Desta maneira, é inconsistente aduzir que as provas ilícitas são utilizadas em situações específicas, uma vez que a norma constitucional é clara quanto aos seus preceitos que envolvem este contexto, e o Supremo Tribunal Federal por sua vez não é a favor, evidentemente, da utilização de prova ilícita. Por conseguinte, deve-se analisar o fato não como a utilização de uma prova ilícita em processo judicial, mas sim como o uso de uma prova lícita que, assim o é por ser originária de legitima defesa.

Nesse raciocínio, pode-se afirmar que não há exceção ao artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal. Desta forma, não pode haver a utilização de prova ilícita no processo penal. Assim, ao alegar que o Estado admite, no exercício de sua função jurisdicional, a utilização de provas ilícitas é contradizer que esse garante a segurança jurídica do ordenamento jurídico.

 Além disso, significaria o retrocesso do Estado Democrático de Direito, pois haveria espaço para ofender a própria dignidade de quem ficasse sujeito a esta situação, pois para a obtenção de confissões seriam realizados procedimentos como: a tortura, a narcoanálise, o detector de mentiras, os estupefacientes entre outros. Além disso, haveria lacunas para diversos tipos de fraudes e manipulações.

Em suma, deve-se ater a inadmissibilidade constitucional das provas ilícitas, assim como as prova ilícitas por derivação. Consequentemente, observa-se o desentranhamento do processo dessas. No entanto, é importante aduzir que as provas lícitas e autônomas delas não advindas permanecerão válidas. Em síntese, com o exposto ao longo do artigo fica evidente que a jurisprudência brasileira repudia o uso de todo tipo de prova ilícita ou ilícita por derivação como instrumento probatório em processo judicial.

         

Referências Bibliográficas

 

BARROS, Marco Antônio de; apud SILVA, Cesar Dario Mariano da. A relatividade das provas ilícitas e processualmente ilegítimas. Disponível em http://www.conjur.com.br/2008-nov-29/proibicao_prova_ilegal_nao_absoluta. Data de acesso: 29 de Maio 2013.

 

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 20ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2004.

 

DIAS, Dejanira da Silva; MIRANDA Margarida Angélica de. PROVAS ILÍCITAS: inadmissibilidade e desentranhamento do processo a partir da reforma processual de 2008. Via JUS. Maranhão. 2009.  Disponível em:http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2287> Data de acesso: 30 de Maio de 2013.

 

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1996.

NERY JR, Nelson - Proibição da prova ilícita, 4ª edição, São Paulo, 1997.

SALDANHA, André Lucio. A Inadmissibilidade da Prova Ilícita no Processo Penal Brasileiro. SOARTIGOS. 2011. Disponível em: < http://www.soartigos.com/artigo/10325/A-Inadmissibilidade-da-Prova-Ilicita-no-Processo-Penal-Brasileiro/> Data de Acesso: 30 de Maio de 2013.

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Sobre a autora
Lohanna Santiago dos Santos

Graduanda de Direito na Universidade de Brasília

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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