4 CONCLUSÕES
O STJ vem desempenhando um projeto pioneiro de virtualização de todos os processos distribuídos no tribunal. Tal tarefa, que tem exigido um esforço hercúleo dos servidores e um grande volume de recursos do orçamento da corte, é extremamente válida, pois tem reduzido de forma dramática o tempo de deslocamento dos recursos dos tribunais de origem para a sede daquele sodalício. Além do mais tem propiciado um maior contato dos advogados com o conteúdo dos autos, já que as peças processuais ficam disponibilizadas na internet para consultar a qualquer hora e de qualquer lugar do planeta.
Contudo, o mesmo STJ vem aplicando medidas, ao nosso ver, absolutamente contraditórias com o espírito que cerca o atual conceito de processo.
O endurecimento no exame da admissibilidade do recurso especial, antes de resolver o problema do número de recursos interpostos, apenas desvirtua as bases teóricas do sistema recursal, e no âmbito penal tal postura mostra-se ainda mais inútil, pois, diante do amplo cabimento do habeas corpus, não examinar o mérito do especial apenas significa que a mesma matéria será novamente trazida sob outra forma.
A solução para que ocorra uma verdadeira e gradual redução no número de causas destinadas ao Superior Tribunal de Justiça deve ser encontrada de forma tranqüila e pensada, através da atuação do legislador, como recentemente feito com a promulgação da Lei n° 11.672/2008, que veio disciplinar o procedimento nos recursos especiais fundados na mesma questão de direito e já tem causado algum impacto no número de recursos especiais distribuídos naquela Corte Superior.
De nada adianta se forjarem teses e mecanismos defensivos para evitar o conhecimento dos recursos. Neste sentido, sábias as palavras do mestre José Carlos Barbos Moreira, para quem: “O que se espera da lei e de seus aplicadores é um tratamento cuidadoso da matéria, que não imponha sacrifício excessivo a um dos valores em jogo, em homenagem ao outro. Para usar palavras mais claras: negar conhecimento a recurso é atitude correta e é altamente recomendável, toda vez que esteja clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na dose; por exemplo, arvorando motivos de não conhecimento circunstância de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento[20]”.
REFERENCIAS
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TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Recursos no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Editora Saraiva, 1991.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
Notas
[1] Para uma análise aprofundada acerca do tema, ver TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.), Recursos no Superior Tribunal de Justiça, São Paulo: Saraiva, 1991, principalmente os artigos escritos pelos Ministros Carlos Mário da Silva Velloso (O Superior Tribunal de Justiça – Competência originária e recursal) e Ilmar Galvão (Poder Judiciário. Reforma de 1988. O recurso especial no Superior Tribunal de Justiça).
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Superior Tribunal de Justiça e acesso à ordem jurídica justa in TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Recursos no Superior Tribunal de Justiça, São Paulo: Saraiva, 1991
[3] FIÚZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Superior Tribunal de Justiça: Guardião do Direito Federal Comum in TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Recursos no Superior Tribunal de Justiça, São Paulo: Saraiva, 1991.
[4] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MODERNIZAÇÃO E GESTÃO ESTRATÉGICA, A.. Relatório estatístico: 2009.. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/relatorioestatistico/article/view/503/496>. Acesso em: 18 Set. 2010.
[5] Informações colhidas diretamente do sítio do Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=REAIProcessoDistribuido>. Acesso em 18 Set. 2010
[6] Em virtude do escopo do trabalho, não serão tecidas considerações acerca da teoria geral dos recursos. Sobre o tema, a doutrina processualista brasileira é farta em bons títulos. Por todos: MOREIRA, José Carlos Barbosa, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V. 15. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, e NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
[7] Acerca do tema: “Os recursos extraordinários estão diretamente, porém não exclusivamente, ligados à forma federativa de estado, tornando-se imprescindível tecer algumas notas a este respeito [...]. É importante registrar que, no federalismo americano, três são os elementos basilares: dualidade de ordens jurídicas; intervenção mínima do governo central; e equilíbrio de poderes entre o governo central e os periféricos. Como os Estados soberanos tinham receio da submissão ilimitada ao governo central, fixou-se, na Constituição, a competência do governo nacional de forma enumerada [...]. Da coexistência de governos federal e estaduais e do inevitável surgimento de conflitos resultou o princípio da consagração da supremacia do governo federal dentro de sua esfera de atuação. O art. VI da Constituição dos Estados Unidos prescreve que as leis dos Estados Unidos e todos os tratados celebrados ou que se celebram sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei suprema do Estado; e os juízes em cada Estado serão sujeitos a ela, ficando sem efeito qualquer disposição em contrário da Constituição e das leis de qualquer dos Estados. Por conseguinte, indispensável foi a criação de um órgão imparcial que controlasse a repartição das competências previstas na Constituição, sendo o guardião do pacto federativo. Essa importante atribuição ficou a cargo de um órgão do Poder Judiciário, a Suprema Corte.
Por meio do Judiciary Act de 1789, criou-se o writ of error dirigido à Suprema Corte das decisões dos mais altos tribunais dos Estados quando: a) se tenha levantado a questão de validade; b) se levanta a questão de validade de uma lei do Estado ou da legitimidade de uma autoridade por ele exercida, em face da Constituição, tratados ou leis dos Estados Unidos, e a decisão é favor da validade; c) se questiona sobre título, direito, privilégio ou isenção reclamada com fundamento na Constituição, tratado, lei ou concessão, e a decisão for contra o título, direito, privilégio ou isenção.” OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial. 5. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 124-126 .
[8] MANCUSO, Rodolfo Camargo. Recurso extraordniário e recurso especial. 11. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 244-245
[9] MANCUSO, Rodolfo Camargo. Op. Cit. p. 121.
[10] ROCHA JÚNIOR, Francisco de Assis do Rego Monteiro. Recurso especial e recurso extraordiniário criminais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.
[11] ROCHA JÚNIOR, Francisco de Assis do Rego Monteiro, Op. Cit. pp. 39-40
[12] Obviamente, foge do objetivo do trabalho uma incursão aprofundada no tema. Para tanto, imprescindível se faz a leitura dos títulos: MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009 e BUENO, Cássio Scarpinella. Quem tem medo de prequestionamento?. In: Revista Dialética de Direito Processual. Vol. 1, 2003, pp. 23-53.
[13] BUENO, Cássio Scarpinella. Op. Cit. pp. 40.
[14] BARRETO, Bruno Jorge Costa. Recurso especial criminal. Leme: J H Mizuno, 2009, p. 29.
[15] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Qustões de fato, conceito vago e sua controlabilidade através do recurso especial. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos Polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 449.
[16] Sobre o tema: “O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. 2 Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento, iv) do objeto da convicção, v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções, ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório”. MARINONI, Luiz Guilherme, Reexame da prova diante dos recurso especial e extraordnário. Disponível em < http://www.professormarinoni.com.br/manage/pub/anexos/20080320041427REEXAME_DA_PROVA_DIANTE.pdf> Acesso em 16 Set. 2010.
[17] BARRETO, Bruno Jorge Costa. Op. Cit. pp. 48-58.
[18] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. Cit., p. 608.
[19] Uma visão crítica acerca deste tema pode ser encontrada em BUENO, Cássio Scarpinella. Op. Cit., para quem: “Barbosa Moreira incansavelmente combateu a prática do Supremo Tribunal Federal, seguida à risca pelo Superior Tribunal de Justiça desde sua instalação, acerca do amálgama entre aquelas duas atividades cognitivas, uma logicamente anterior à outra (só se pode afirmar que o recorrente tem razão na exata medida em que os pressupostos de cabimento de seu recurso estejam devidamente preenchidos). É costumeiro ler na jurisprudência dos Tribunais Superiores que não se conhece de um recurso (juízo de admissibilidade) quando, na verdade, está se querendo dizer que dele se conhece mas a ele se nega provimento (juízo de mérito) por não se verificar, in concreto, contrariedade à Constituição ou à lei federal.
O prestigiado jurista carioca indica que esta distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito se impõe pela técnica processual e que o direito positivo, mesmo o constitucional, não pode se sobrepor a esta realidade.
Tanto assim, sempre seguindo a trilha do Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que a Constituição Federal de 1988, ao afirmar que cabe recurso extraordinário ou especial quando a decisão contrariar a Constituição ou contrariar ou negar vigência a tratado ou lei federal não pode ser indicativo de que não há, para estes recursos, uma técnica própria que distinga, com nitidez, o ato de conhecer do recurso e o ato, que lhe é logicamente posterior, de dar ou não razão ao recorrente. Até porque as implicações sistemáticas de não conhecer um recurso e de improvê-lo são diversas: termo a quo da ação rescisória (CPC, art. 495), o órgão competente para seu julgamento, a admissibilidade de eventual recurso adesivo (CPC, art. 500, III) e assim por diante.
Em suma: não é porque a Constituição afirma que o recurso cabe quando a decisão contrariar a Constituição ou quando contrariar ou negar vigência a tratado ou lei federal que não é possível separar dois juízos cognitivos bem diversos, um relativo ao cabimento do recurso (afirmação de que a decisão recorrida violou o direito federal constitucional ou infraconstitucional: aparência ou plausibilidade de violação, portanto) e outro relativo ao julgamento de mérito do recurso (saber se, realmente, a decisão maltratou o direito federal).
Se o recurso extraordinário é recurso antes de ser extraordinário (e isto vale para o especial também) seu formato, seu molde intrínseco e sua técnica são elementos que não podem ser desprezados pelo direito positivo. Por maiores que sejam as transformações do direito positivo, nem por isto elas podem querer se sobrepor à natureza destes recursos e à sua técnica.[19] Se isto acontecer — e evidentemente que isto pode acontecer — de recurso extraordinário já não se tratará. Não, pelo menos, na forma como hoje foi ele desenhado pelo constituinte de 1988. Tratar-se-á, então, de outra figura, que não um recurso extraordinário ou especial. Como se vê, a literalidade do texto constitucional não pode querer subverter a técnica destas modalidades recursais.
[20] Apud SALOMÃO, Luis Felipe. Breves anotações sobre a admissibilidade de recurso especial. Revista Forense, n. 400, nov./dez. 2008, p. 634.