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Cultura de paz e o desenvolvimento da justiça restaurativa no Poder Judiciário do Estado de São Paulo.

Um estudo de caso em Heliópolis

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26/07/2014 às 13:10
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4.Uma prática que traz seus primeiros resultados

Um balanço dos resultados deste processo ao término de 2008, quando o Projeto passou a ser considerado um Programa da Secretaria do Estado de Educação de São Paulo foram:

Considerando as localidades de Guarulhos, Heliópolis e São Caetano, durante os últimos três anos, podemos constatar que:

Na formação:

• 42 escolas da rede pública foram envolvidas no Projeto;

• 239 Lideranças Educacionais capacitadas e atuando nas escolas e Comunidades;• 292 Facilitadores de Práticas Restaurativas,

• 922 profissionais da área da Educação participaram da videoconferência, transmitida para 92 diretorias de ensino do estado de São Paulo, com 528 acessos pela Internet.

• Cerca de 80 gestores foram capacitados para acompanhar o desenvolvimento da proposta do Projeto em suas unidade escolares, e consolidarem as ações em curso de forma integrada à prática educativa de suas escolas.

• No Fórum Justiça e Educação: parceria pela cidadania, onde participaram 450 pessoas das escolas, comunidades, da Rede de Apoio de garantia dos direitos de crianças e adolescentes.

• A colocação em segundo lugar de um Prêmio voltado a instituições governamentais (FDE/SEE-SP) pela implementação de iniciativa na área da garantia de direitos, concedido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH, do Ministério da Justiça.

• A aprovação de uma Resolução editada pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo prevendo a contagem do tempo disponibilizado por professores na construção dos círculos restaurativos para a evolução na carreira do magistério.

• A criação de um Comitê Permanente de Acompanhamento envolvendo representantes de órgão do sistema Educacional e representante do Tribunal de Justiça, do Ministério Público do Estado e Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

• A incorporação de práticas restaurativas na atividade de atendimento desenvolvida pela equipe técnica do Fórum das Varas da Infância e Juventude da Capital (assistentes técnicas e psicólogas).

• Expansão do Projeto, agora como um Programa, para outras 9 regiões do estado de São Paulo.

Indiretamente, são beneficiadas todas as comunidades escolares das 42 escolas das três regiões envolvidas no Projeto.


5. Mudanças institucionais relatadas por participantes do projeto

Entre as pessoas que já participaram como voluntários, destacam-se os depoimentos de membros da secretaria de educação relatos na obra: Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania.

“Antes de incorporar a Justiça Restaurativa na escola, conversávamos com agressores e/ou vítimas, chamávamos os responsáveis conforme o caso e achávamos que o caso estava “resolvido”. Atualmente, procuramos oferecer círculos restaurativos. Mais do que falar, procuramos ouvir todos os envolvidos. Buscamos as responsabilizações citadas pelas próprias pessoas”. “...A empatia e a responsabilização, no lugar de julgamento e condenação, para que o problema seja, efetivamente, “descoberto”, para que não volte a se repetir.” Iraci Nagoshi, Diretora da EE Profa. Jeana Motta, São Caetano.

“Hoje eu ouço, muito mais as pessoas envolvidas no conflito, sem a obrigação de julgar e dar um veredicto para o caso. Houve uma mudança de paradigma.” Arlete Aparecida Gobo Caltran, Vice-diretora da E.E. Profa. Olga Benatti, Heliópolis.

Diante da experiência desenvolvida no Estado de São Paulo, na parceria do sistema de Justiça com o sistema de Educação, constatou-se que para a implementação de projetos e programas de Justiça Restaurativa que não se limitem à apenas a resolução pontual de um conflito, é fundamental desenvolver concomitantemente e em igualdade de prioridade a capacitação de resolução de conflitos, a capacitação de agentes de mudanças institucionais e ações de Rede de Apoio, promovendo ações de gestão de modo sistêmico e interdisciplinar, com os recursos locais colocados à disposição. Além disso, constatou-se ser fundamental a parceria e a capacitação de agentes públicos, representantes da sociedade organizada e da comunidade. Percebeu-se, também, que cada contexto institucional requer capacitações especificas e ações permanentes de sustentação das ações. Por fim, avaliou-se ser imprescindível que as mudanças institucionais se façam por meio de ações que envolvam também as esferas que estabelecem as diretrizes de ações de cada instituição.

Constatou-se que as práticas restaurativas, por meio de seus feixe de ações, contribui de modo eficaz para que a Educação e a Justiça cumpram com sua função pedagógica, social e libertária, transmitindo valores, possibilitando o empoderamento consciente de todos envolvidos numa situação de conflito e a restauração do valor justiça.


6. Metodologia e estratégias dos círculos restaurativos(11)

Tanto em Guarulhos, como em Heliópolis, a metodologia utilizada para, gradativamente, envolver as equipes de diferentes profissionais das Varas da Infância e da Juventude na nova abordagem representada pelos procedimentos de Justiça Restaurativa baseou-se na crença do poder do diálogo entre diferentes, e na força da demonstração da eficácia dos novos procedimentos.Algumas estratégias utilizadas:

• Reuniões individuais formais interpares (Juiz X Juízes; Promotora X Promotores) para apresentação e discussão da proposta-Heliópolis.

• Reunião realizada pelo Juiz sobre Justiça Restaurativa, com os Promotores – Varas Especiais da Infância e da Juventude da Capital.

• Reuniões com os Diretores de Cartório sobre os procedimentos em relação aos processos em casos de aplicação da Justiça Restaurativa (Círculos).

• Conversas informais, com os colegas, pelo Juiz e Promotora designada para o Projeto.

• Distribuição de textos informativos sobre Justiça Restaurativa.

• Convite aos membros da equipe técnica (assistentes sociais e psicólogas) para que participem do Curso de Formação de Facilitadores de Práticas Restaurativas, aprendendo a conduzir os Círculos Restaurativos.

• Encontros com a equipe técnica, cujos membros estão sendo capacitados para atuar como facilitadores de Práticas Restaurativas para discussão de casos.

• Valorização do trabalho desempenhado pelos membros da equipe, motivando-os.

• Apresentação, aos pares, dos procedimentos técnicos e dos resultados dos Círculos realizados, demonstrando a seriedade dos mesmos.

A definição clara dos procedimentos e fluxos de comunicação envolvidos na implementação do Círculo Restaurativo no Fórum, com ampla divulgação dos mesmos junto aos profissionais das Varas da Infância e da Juventude foi também uma estratégia-chave utilizada nessa etapa do processo de implantação da Justiça Restaurativa em Heliópolis e Guarulhos.

Anote, ainda que, em Guarulhos, a Procuradoria do Município participou das capacitações e oficinas, por meio de uma Procuradora- Chefe e um funcionário, os quais cooperaram com a equipe da VIJ para a realização de Círculos Restaurativos no âmbito do Fórum.

Representantes de todos os quatro Conselhos Tutelares do Município estiveram presentes às reuniões de capacitação, oficinas de líderes e supervisão. Uma Assistente Social da Secretaria Municipal da Assistência Social também frequentou a capacitação, tendo a referida Secretaria decidido pela implementação de Círculos para o atendimento de conflitos familiares no âmbito do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social).

6.1 Procedimentos e fluxos para realização dos Círculos restaurativos no Fórum

O encaminhamento aos Círculos Restaurativos depende da admissão, pelo adolescente, da prática do ato tido como infracional, de sua concordância, bem como o consentimento do responsável, da vítima e da Defensoria. Isso se dá, em princípio, nos casos de prática de atos infracionais equivalentes aos delitos de menor potencial ofensivo.

A participação dos envolvidos – adolescente, seu responsável, vítima e pessoas por ambos indicadas – no Círculo Restaurativo, que tem como objetivo a efetiva responsabilização do jovem, com a percepção por ele, das consequências de seu ato, o empoderamento da vítima e da comunidade e a construção de acordo que importe na reparação dos danos causados e na restauração da relação rompida com a prática da infração.

O encaminhamento ao Círculo propicia, também, que sejam verificadas e trabalhadas as causas da infração.Os procedimentos e fluxos para realização dos Círculos Restaurativos no Fórum são basicamente os mesmos em Heliópolis e Guarulhos; no entanto, é importante notar as pequenas diferenças/nuances, uma vez que apontam para a flexibilidade dos caminhos restaurativos.

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Respeitados os princípios básicos, eles podem ser adaptados e recriados de acordo com as exigências específicas de cada realidade.


7. Considerações finais

Passada a primeira fase de implementação do projeto, foi possível constatar as dificuldades pelas quais passa a educação pública na capital do Estado de São Paulo.Temos verificado o quanto a violência física e moral no interior das escolas têm contribuído para a queda da qualidade do ensino, para a evasão escolar e para o desânimo e a falta de motivação dos educadores.

Também foi possível atestar que a parceria Justiça e Educação representa significativo avanço na abordagem da questão da violência nas escolas, da escola e contra a escola. Constata-se que as escolas são espaços onde a implementação da Justiça Restaurativa se mostra não apenas de fundamental necessidade e urgência, mas, estrategicamente, como espaços de máxima eficácia na construção de uma efetiva Cultura de Paz, efetivando, assim o exercício da cidadania e respeitando a dignidade da pessoa humana.


Referências:

ACKER, Tônia Van. Declaração sobre a Paz na Mente dos Homens, São Paulo, 1999. 

AMANCIO, Mila Loureiro de Castro. Justiça restaurativa: um novo modelo de Justiça. São Paulo, 2010.

CARRIEL, Paola. Nova lei amplia direitos de adolescentes “presos”. A Gazeta do Povo, Londrina, 27/01/2012. Justiça

CONGRESSO MUNDIAL DE JUSTIÇA JUVENIL RESTAURATIVA, 1º. 2009. Lima, Peru, 2009.

MAZDA, Edmir (org). Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania – São Paulo: CECIP, 2007

MELO, Eduardo Rezende,  Madza, Ednir, Yazbek Vania Curi. Justiça restaurativa e comunitária em São Caetano do Sul: aprendendo com os conflitos a respeitar direitos e promover a cidadania. Rio de Janeiro.CECIP, 2008.

MUMME, Monica Maria Ribeiro e PENIDO, Egberto de Almeida. Justiça e Educação: O Poder Público e a Sociedade Civil Na Busca de Ações de Resolução de Conflitos. In: I CONGRESSO MUNDIAL SOBRE JUSTIÇA JUVENIL RESTAURATIVA, 2009, São Paulo.

PARKER, Lynette. Desenvolvimento de Justiça Juvenil Restaurativa no Peru Restorative Justice Online. Julho 2007.PENIDO, Egberto de Almeida.  “Justiça e Educação: parceria para a cidadania” em Heliópolis/SP: a imprescindibilidade entre Justiça Restaurativa e Educação In: www.tjsp.jus.br/EGov/InfanciaJuventude/Coordenadoria/JusticaRestaurativa/

PINTO, Simone Martins Rodrigues.  Justiça transicional na África do Sul: restaurando o passado, construindo o futuro, in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292007000200005

PINTO apud PAZ, Silvina. Mediación Penal, inédito no Brasil. In: http://jus.com.br/revista/texto/19579/justica-restaurativa-um-novo-modelo-de-justica/4#ixzz2WDjFFPUU, acessado em 14.06.2013.SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE JUSTIÇA RESTAURATIVA, 3º. São Paulo, 2012.

ZEHR, Haward. Trocando as Lentes, um novo foco sobre o crime e a Justiça Restaurativa. Ed. Palas Athenas. 2008BRASIL. Lei Nº 12.594, de 18 de Janeiro de 2012. In http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm.SÃO PAULO. (Estado). Resolução SE nº 19, de 12 de fevereiro do 2010. In http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/19_10.HTM?Time=6/27/2013%205:28:39%20PM.

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Sobre o autor
Valeria Bressan Candido

Assistente Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Doutoranda em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo, Mestre em Políticas Públicas na Universidade de Mogi das Cruzes - UMC, Ex-Professora da Universidade de Mogi das Cruzes - UMC e das Faculdades Unidas de Suzano - UNISUZ, Especialista em Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil e Direito Público, Conciliadora formada pela Escola Paulista da Magistratura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANDIDO, Valeria Bressan. Cultura de paz e o desenvolvimento da justiça restaurativa no Poder Judiciário do Estado de São Paulo.: Um estudo de caso em Heliópolis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4042, 26 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28494. Acesso em: 26 abr. 2024.

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