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Cultura de paz e o desenvolvimento da justiça restaurativa no Poder Judiciário do Estado de São Paulo.

Um estudo de caso em Heliópolis

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26/07/2014 às 13:10
Leia nesta página:

Este percurso tem o objetivo de analisar o avanço da Justiça Restaurativa no Brasil e prática realizada na comunidade de Heliópolis na capital paulista

1. INTRODUÇÃO

Esse trabalho apresenta um panorama dos trabalhos desenvolvidos no Estado de São Paulo, através da parceria entre o Poder Judiciário e a Secretaria Estadual de Educação envolvidos em processos de mudança e aperfeiçoamento das instituições brasileiras uma experiência de parceria entre os Sistemas de Justiça e de Educação.Ele traz parte de um conjunto de materiais de registro da implementação do Projeto “Justiça e Educação em Heliópolis e Guarulhos: parceria para a cidadania”.

Nessas duas localidades, de características sociais e econômicas muito distintas, o Projeto Justiça e Educação foi recriado, adaptando-se às demandas da realidade local.Em oito meses de parceria e trabalho, os agentes do Sistema Educacional, do Judiciário e da comunidade conseguiram deflagrar um processo de surpreendente vitalidade, que este trabalho procura demonstrar.Esta pesquisa teve como bases os seguintes autores: MAZDA (2007); PENIDO (2009) e ZEHR (2008).

Iniciada a fase de implementação do projeto, foi possível constatar as dificuldades pelas quais passa a educação pública na capital de São Paulo. Verificou-se o quanto a violência física e moral no interior das escolas têm contribuído para a queda da qualidade do ensino, para a evasão escolar e para o desânimo e a falta de motivação dos educadores. Também foi possível atestar que a parceria Justiça e Educação representa significativo avanço na abordagem da questão da violência nas escolas, da escola e contra a escola. Constatou-se que as escolas são espaços onde a implementação da Justiça Restaurativa se mostra não apenas de fundamental necessidade e urgência, mas, estrategicamente, como espaços de máxima eficácia na construção de uma efetiva Cultura de Paz. 


2. CONCEITO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA

A Justiça Restaurativa é um conceito em construção, pois é um modelo complementar de resolução de conflitos, consubstanciada numa lógica distinta da punitiva. Embora seja um conceito ainda em construção, não possuindo uma conceituação única e consensual, pode-se dizer que:

Em uma de suas dimensões, pauta-se pelo encontro da “vítima”, “ofensor”, seus suportes e membros da comunidade para, juntos, identificarem as possibilidades de resolução de conflitos a partir das necessidades dele decorrentes, notadamente a reparação de danos, o desenvolvimento de habilidades para evitar nova recaída na situação conflitiva e o atendimento, por suporte social, das necessidades desveladas. (Zehr, 2008, p. 151)”.

Ao endossar a Declaração de Sevilha sobre a Violência (1986), a UNESCO, na 25ª Sessão da Conferência Geral em 1989, deu um primeiro passo de um importante processo de reflexão, levando a refutar o mito de que a violência humana organizada é determinada biologicamente. Esta Declaração deve ser disseminada no maior número de idiomas possível juntamente com material explicativo apropriado. O processo de reflexão deve ter continuidade através de seminários interdisciplinares que estudem as origens culturais e sociais da violência Acker (1989, s/p).

No mundo, mais especificamente em países como a África do Sul, Brasil, Peru, Colômbia, Argentina, onde há a violência e que a justiça restaurativa tem encontrado seu desenvolvimento, a violência gerada pelo desemprego e por outros problemas sociais graves exigem soluções permanentes para a disseminação da cultura de paz.

Como experiência na América Latina, pode-se citar a Argentina, que em 1998, experimentou o programa, inspirado no art. 38 e 45 da lei do Ministério Público combinado com o art. 86 e seguintes do Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires, operando com o eixo em dois centros – o Centro de Assistência às Vítimas de Delitos e o Centro de Mediação e Conciliação Penal (AMÂNCIO, 2010).

Já na África do Sul, explica Rodrigues Pinto (2007, s/p):

A transição democrática na África do Sul foi dolorosa, mas pacífica. Após anos de opressão estatal violenta em uma sociedade marcadamente dividida entre brancos e negros, o processo transicional permitiu o surgimento de uma sociedade democrática, caminhando para a restauração psicológica e reconciliação social. Um dos fatores principais para o êxito deste processo foi o fato de se ter optado pela justiça restaurativa como meio de resolver os crimes cometidos pelo regime passado. Por meio de uma Comissão de Verdade e Reconciliação, a África do Sul abre mão de um modelo punitivo tradicional sem deixar de lado a responsabilização dos criminosos e a apuração da verdade.

No Peru, foi realizado o I Congresso Mundial de Justiça Restaurativa Juvenil, que aconteceu na cidade de Lima, de 4 a 7 de novembro de 2009. O evento foi organizado pela “Fundação Terre des Hommes Lausanne”, a “Associação Encuentros - Casa de la Juventud”, o Ministério Público do Peru e a Pontíficia Universidade Católica do Peru. Onde foram trocas de experiências práticas, intercâmbios e de propostas futuras que impulsionem decididamente o modelo de Justiça Juvenil Restaurativa.

E, também, neste pais, a maioria dos menores infratores estão presos, mesmo nos casos de pequena criminalidade, com cerca de 68% com penas de três anos ou menos. Isso é verdade, apesar da inclusão de penas alternativas, como serviços comunitários e remissão da pena no código penal. Para atender a essa realidade, os baseados Suíça ONG “Terre des Hommes” projetado e implementado um projeto piloto chamado “Justicia Pará Crecer” para introduzir conceitos de justiça restaurativa. Parceiros neste projeto incluem a ONG peruana “Encuentros-Casa de la Juventud” e diferentes entidades governamentais nas áreas de “el Agostino” e “Chiclayo” (PARKER, 2007).

E, ainda, na Colômbia, em dezembro de 2002, o Congresso Nacional fez várias alterações ao artigo 250 da Constituição de 1991, que trata das obrigações do Ministério Público na investigação e julgamento de processos criminais. Uma dessas muitas mudanças foi a inclusão de justiça restaurativa.

No Brasil, a cultura de paz é recente, e foi introduzida formalmente em 2004, por meio do Ministério da Justiça, através de sua Secretaria da Reforma do Judiciário, que elaborou o projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro” e, juntamente com o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

O marco legal é de janeiro de 2012 com a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, entre outras providências. Esta lei contemplou as práticas ou medidas que sejam restaurativas em seu, Título II (Da execução das medidas socioeducativas), Capítulo I, assim estabelecendo:

DISPOSIÇÕES GERAISArt. 35.  A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:(...)

III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; (grifo nosso).

Nasceu, assim, o primeiro diploma legal a inserir as práticas restaurativas como meio de ressocialização do adolescente infrator.

Ao instituir o SINASE, a nova lei define as competências dos entes federativos, os planos de atendimento nas respectivas esferas de governo, os diferentes regimes dos programas de atendimento, o acompanhamento e a avaliação das medidas, a responsabilização dos gestores e as fontes de financiamento.

Trata ainda da execução das medidas socioeducativas, abrangendo os procedimentos gerais e os atendimentos individuais, a atenção integral à saúde do adolescente em atendimento (com previsão específica para casos de transtorno mental e dependência de álcool ou substância psicoativa), os regimes disciplinares e a oferta de capacitação para o trabalho.

A lei recomenda a individualização do plano de execução das ações corretivas, levando em conta as peculiaridades de cada adolescente, como o registro de doenças, deficiências e dependência química. O princípio da não discriminação do adolescente, em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, é outro norteador das ações socioeducativas abrangidas pelo SINASE.

Outra inovação que com a promulgação da lei deverá ser elaborado um Plano Individual de Atendimento (PIA), com a participação do adolescente, familiares e equipe técnica. O PIA tem de ser elaborado em até 15 dias após a entrada dos meninos e meninas no sistema e deve ter os objetivos declarados pelo jovem, a previsão de suas atividades de integração social e capacitação profissional, atividades de integração e apoio à família etc.

Na sequência, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, em parecer lançado por seu juiz assessor, Dr. Reinaldo Cintra de Torres Carvalho, no processo nº CGJ 2006/506, aprovou a parceria entre a Secretaria Estadual da Educação e o Judiciário para que ocorresse a implantação de práticas restaurativas em 10 (dez) escolas públicas de ensino médio na região de Heliópolis.Também, o Governo do Estado, visando implementar as práticas restaurativas na rede estadual de ensino, através da Secretária de Educação, baixou a Resolução SE nº 19, de 12-2-2010, que assim dispõe:

Artigo 7º - para implementar ações específicas do Sistema de Proteção Escolar, a unidade escolar poderá contar com até 2 docentes, aos quais serão atribuídas 24 (vinte e quatro) horas semanais, mantida para o readaptado a carga horária que já possui, para o desempenho das atribuições de Professor Mediador Escolar e Comunitário, que deverá, precipuamente:

I - adotar práticas de mediação de conflitos no ambiente escolar e apoiar o desenvolvimento de ações e programas de Justiça Restaurativa;

No mesmo passo também a Fundação Casa em seu novo Regimento Interno passou a prever a aplicação das práticas restaurativas para os casos de falta disciplinar, assim dispondo:Artigo 77 – A Equipe de Referência do adolescente, recebendo o Registro de Ocorrência de que trata o § 2º do artigo 76 deste Regimento, procederá imediatamente a uma intervenção socioeducativa, permitida a realização de práticas restaurativas ou atividades educativas, fazendo as devidas anotações na Pasta de Execução de Medida do adolescente.

Na abertura do III Simpósio Internacional de Justiça Restaurativa, realizado no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), situada no Largo São Francisco, na capital paulista, em novembro de 2012, as palavras de Berenice Giannella, presidente da Fundação Casa, destacou a importância das práticas restaurativas:

É importante que todos saibam que desde abril de 2012, numa nova edição do Regimento Interno da Fundação CASA, já iniciamos a prática para resolver os conflitos por meio da Justiça Restaurativa. “A partir desta prática, verificamos que vários casos tidos como atos de indisciplina cometidos pelos adolescentes não merecem uma punição, mas sim uma solução do conflito por meio das práticas restaurativas.

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Já no âmbito do Tribunal de Justiça em 01 de outubro de 2.012 é baixada a Portaria nº 8656/2012, alterando a estrutura da Coordenadoria da Infância e Juventude, para incluir dentro da Coordenadoria do Núcleo de Apoio Profissional de Serviço Social e de Psicologia, a Seção Técnica de Justiça Restaurativa, criando, assim, uma seção exclusiva para o assunto.

3. Justiça e Educação: parceria para a cidadania” em Heliópolis/SP: a imprescindibilidade entre Justiça Restaurativa e Educação

Os primeiros passos dados no estado de São Paulo em busca da justiça restaurativa, como acima já citado, ocorreu em abril de 2006, quando foi firmada uma parceria entre a Secretaria Estadual da Educação e o Judiciário para que ocorresse a implantação de práticas restaurativas em 10 (dez) escolas públicas de ensino médio na região de Heliópolis no segundo semestre daquele ano.

Concomitantemente, no bojo desta parceria, iniciou-se, também, a implementação do projeto junto a 10 escolas públicas de ensino médio na Cidade de Guarulhos/SP, que é coordenado pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude daquela Comarca.

A Secretaria Estadual da Educação assim justificou a iniciativa:

Acreditando que a violência é um fenômeno que decorre não apenas de fatores, mas também de determinantes culturais e psicossociais, a SEE-SP vem buscando formas de apoiar as escolas para que elas possam transformar-se em espaços democráticos de construção de uma cultura de não-violência e de uma educação para a sustentabilidade. A parceria entre a Justiça e Educação pode contribuir na realização dessa meta, desfazendo a associação entre jovens e violência, e capacitando atores sociais na escola e comunidade para lidar de forma produtiva com situações de conflito envolvendo alunos, educadores e membros da comunidade (MADZA, 2007; p.17).

Para a efetivação do projeto, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo recebeu recursos – por meio da Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE e da Coordenadoria de Ensino da Grande São Paulo – COGSP, em convênio como o Fundo Nacional de Desenvolvimento e o Ministério da Educação e Cultura.

Consta no “Plano de Trabalho” do MEC/FNDE que: “O projeto pretende rever o conceito de Justiça e o processo que é desencadeado para lidar com atos de violência e infração cometidos pelos jovens alunos, ao serem apreendidos pela polícia ou encaminhados ao Conselho Tutelar, através do trinômio Justiça, Educação e Cidadania, garantindo a integração entre justiça e a comunidade escolar. Estão contempladas ações preventivas para situações que ocorrem em escolas com vistas à superação da conduta que levou à violência, objetivando alterar a regra ética, as práticas jurídicas, os termos em que pode se assentar a solidariedade social, trazendo, para o momento atual, novo sentido no modo como se organiza a vida social. Busca-se uma luta contra a violência física primária. Poderá envolver alunos ou professores como vítimas ou agressores.”

Tais recursos foram destinados exclusivamente para a realização da capacitação dos facilitadores restaurativos, para que pudessem atuar em círculos restaurativos e para a capacitação de lideranças educacionais, que pudessem operacionalizar a realização dos círculos e levar para o projeto pedagógico da escola os princípios restaurativos. Além disso, estes recursos foram destinados para a realização de uma publicação e de um vídeo-registro sobre a implementação do projeto.

Foram parceiros deste projeto, ainda, o CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular (organização não-governamental, com longo histórico no campo de mudanças institucionais educacionais, que assumiu a gerência administrativa do projeto e a consultoria pela capacitação das lideranças educacionais, no formado que será exposto a seguir), bem como os consultores para capacitação dos facilitadores restaurativos, Vânia Yasbek Curi (especialista em mediação transformativa) e Dominic Barter (responsável pela implementação da Rede de Comunicação Não-Violenta no Brasil).

Foram capacitados 10 (dez) educadores por escola (professores, alunos, integrantes do corpo diretivo da unidade escolar, funcionários e representantes dos pais e das mães), além de integrantes da equipe técnica das Varas Especiais da Infância e Juventude da Capital (assistentes sociais e psicológicas, somando ao todo 06 pessoas) e de lideranças comunitárias, atuantes em organizações na região de Heliópolis que tivessem alguma parceria ou interlocução com o Judiciário (conselheiras tutelares, integrantes de organizações responsáveis pela aplicação de medidas socioeducativas de liberdade assistida, entre outros, somando ao todo 8 pessoas).

Os educadores receberam dois tipos de capacitação. Uma, para as lideranças educacionais (envolvendo cinco pessoas, entre elas, necessariamente, o coordenador pedagógico e a diretora ou vice-diretora), cuja função é: (a) operacionalizar e pensar a logística de implementação dos círculos restaurativos no interior da escola, (em que local ele ocorre; como se solicita um círculo; como se faz a divulgação do projeto; qual a forma de obter a autorização dos pais para que seus filhos participem do círculo etc.; e (b) promover os princípios da Justiça Restaurativa para o projeto pedagógico da escola (uma vez que se está implementando uma prática horizontal, baseada numa ética do diálogo, com uma dinâmica de cooperação etc., dentro de uma estrutura hierárquica, que muitas vezes promove processos de exclusão e estigmatização). A outra capacitação se voltou para os facilitadores restaurativos, envolvendo também cinco pessoas escolhidas entre os professores, alunos, funcionários, integrantes da direção da escola, e representantes de pais.

A capacitação das lideranças educacionais somou 42 (quarenta e duas horas) e as de lideranças 80 (oitenta) horas. Assim, concomitantemente à preparação das escolas públicas da região de Heliópolis, foi desencadeada a implementação de um “setor informal” de Justiça Restaurativa junto às Varas Especiais da Infância e Juventude na Capital (abrangendo a região de Heliópolis), bem como organizados espaços para a realização de círculos restaurativos na comunidade de Heliópolis.

O projeto objetiva contribuir para a transformação de escolas e comunidades que vivenciam situações de conflito e violência em espaços de diálogo e resolução pacífica de conflitos, tornando-as em espaços democráticos de construção de uma cultura da não-violência e de uma educação para a sustentabilidade. No âmbito do Judiciário, o projeto visa contribuir para o aperfeiçoamento do Sistema de Justiça da Infância e Juventude. Nesta parceria, busca-se tornar a Justiça mais educativa e a Educação mais justa.

Assim, foram criados espaços de realização de círculos restaurativos nas escolas, para que qualquer tipo de conflitos, questões de disciplina ou situações de violência (envolvendo eventuais atos infracionais referidos a delitos de menor potencial ofensivo).

Anote-se que embora a Justiça Restaurativa possa ser aplicada em crimes tidos como de maior potencial ofensivo, nesta primeira fase de implementação do projeto, optou-se pela aplicação apenas ao de menor potencial ofensivo.Uma vez realizados os círculos restaurativos nas unidades escolares, os acordos são encaminhados para a Diretoria de Ensino da região (Diretoria Centro-Sul da Capital) e, eventualmente, tratando-se de atos referidos a delitos, podem ser encaminhados ao representante do Ministério Público designado para atuar no projeto, o qual, não constatando qualquer irregularidade, sugere a remissão ao juiz responsável pelo projeto, que a homologa.

Do mesmo modo, foram criados espaços de resolução de conflitos, na própria comunidade do entorno das unidades escolares, onde os conflitos ali surgidos podem ser resolvidos por meio de círculos restaurativos. Na comunidade, os acordos são encaminhados diretamente ao Ministério Público, seguindo, a partir de então, a mesma sequência descrita no parágrafo anterior.Visando ampliar o impacto do Projeto, sensibilizando, gradativamente, um número cada vez maior de pessoas para que possa revisitar suas percepções sobre a maneira possível de lidar com os conflitos e resolver questões de violência, foram organizados eventos com a participação de todos os atores envolvidos direta e indiretamente no processo.

Como exemplo, podemos citar a realização do Fórum Justiça e Educação: parceria pela cidadania, no dia 27 de abril de 2009, com o objetivo de apresentar os resultados alcançados com o Projeto, seus desafios, aprendizagens e produção de conhecimento sobre a prática de Justiça Restaurativa e a implementação de Círculos Restaurativos em espaços escolares, na comunidade e nas Varas da Infância e da Juventude. O evento foi direcionado a gestores escolares, professores, educadores sociais, conselheiros de direitos e tutelares, defensores públicos, promotores de justiça e outros operadores das diversas áreas do Sistema de Garantia dos Direitos da Infância e da Juventude.

Por fim, se eventualmente vier a ser lavrado um boletim de ocorrência e o caso for formalmente encaminhado para o Fórum das Varas Especiais da Infância e Juventude, estando presentes as condições necessárias, estabeleceu-se o seguinte fluxo: é proposta aos envolvidos a suspensão do procedimento (ainda na fase do artigo 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou mesmo depois, até antes da sentença), e os envolvidos são encaminhados para o círculo restaurativo (o qual poderá ser realizado no ambiente do Fórum, na própria comunidade ou na escola de um dos envolvidos). Elaborado o acordo, retornam os autos ao Ministério Público que, da mesma forma que nas situações anteriores, requer a aplicação da remissão, que é homologada.

O procedimento utilizado é o círculo restaurativo, que possibilita que vítima, ofensor e representantes da comunidade falem sobre o que ocorreu, possam se expressar e ouvir o outro e, quando o diálogo for reestabelecido, chegar a um plano de ação que restaure a relação rompida.

Os círculos restaurativos possuem três fases: o pré-círculo (onde se pontua o foco do conflito a ser trabalhado, se estabelece quem participará do encontro e toda a logística dele); o círculo restaurativo (que se faz de modo ordenado, mediante técnicas de comunicação, mediação e resolução de conflito de modo não violento); o pós-círculo (onde se verifica se o acordo elaborado no círculo restaurativo foi cumprido ou não – e, se não foi, quais as causas deste descumprimento.).São requisitos para ocorrer o círculo restaurativo: (a) a voluntariedade de todos (não se faz o círculo de modo imposto); e (b) que o causador do ato não negue a ação que lhe é imputada (no círculo, portanto, não se discutirá se ele fez ou não aquela ação; não se trata de uma câmara de julgamento). O círculo pressupõe também o sigilo, a confidencialidade.

Por fim, é importante ainda ressaltar que, além do círculo restaurativo, constitui-se um segundo eixo fundamental do projeto a construção e articulação de uma rede de apoio, que atue de modo sistêmico e interdisciplinarmente em torno do projeto.

E, como terceiro eixo do projeto, vêm sendo desenvolvidas ações e capacitações visando mudanças institucionais e educacionais nas escolas e nas Varas da Infância e Juventude, possibilitando as condições físicas e organizacionais para que os princípios que norteiam a Justiça Restaurativa possam fazer parte do projeto pedagógico da escola e das redes de atendimento do Judiciário.

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Sobre o autor
Valeria Bressan Candido

Assistente Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Doutoranda em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo, Mestre em Políticas Públicas na Universidade de Mogi das Cruzes - UMC, Ex-Professora da Universidade de Mogi das Cruzes - UMC e das Faculdades Unidas de Suzano - UNISUZ, Especialista em Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil e Direito Público, Conciliadora formada pela Escola Paulista da Magistratura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANDIDO, Valeria Bressan. Cultura de paz e o desenvolvimento da justiça restaurativa no Poder Judiciário do Estado de São Paulo.: Um estudo de caso em Heliópolis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4042, 26 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28494. Acesso em: 18 abr. 2024.

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