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A razão da prisão provisória

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01/04/2002 às 00:00
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6. MOTIVAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES PENAIS

Deverá o magistrado fundamentar sua decisão, consoante o art. 315 [89] do CPP, em obediência ao inciso IX, art. 93, CF/88.

Como bem ensina TORNAGHI [90], "O juiz deve mencionar de maneira clara e precisa os fatos que o levam a considerar necessária a prisão... Não basta de maneira alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei e ilude as garantias da liberdade o fato de o juiz dizer apenas ‘considerando que a prisão é necessária para garantia da ordem pública...’. Ou então: ‘a prova dos autos revela que a prisão é conveniente para a instrução criminal...’. Fórmulas como essas são a mais rematada expressão da prepotência, do arbítrio e da opressão".

Vai mais além ESPINOLA FILHO [91]: "Precisamente, através da motivação é que se apurará se a medida se não justificava ou se, realmente, é conveniente aos interesses da justiça (sic).". E acrescenta "A medida é de política judiciária"

Analisado o estado de inocência – ou de não-culpabilidade como já vimos - inerente à pessoa humana e os requisitos necessários para uma medida cautelar, passemos a seguir uma exploração dos motivos de seu convencimento, não obstante amparados pelos que a norma penal exige. Como se deve convencer o magistrado de que, como última medida, a prisão roga essenciabilidade ao caso aplicado.

O dilema permanece: Liberdade ou prisão ?

Como resume o ilustre ARAGONESES [92], o grande problema das cautelares consiste em que, se não adotadas corre-se o risco da impunidade; se adotadas, criam o perigo da injustiça.

É certo que levado à prisão, ainda não julgado, condenado já estará perante a sociedade, além da relativa presunção de que é culpado. E mais cruel sobretudo alimentada pela imprensa sensacionalista, motivada pelos altos lucros e índices elevados de audiência que a sociedade, sempre indignada e carente de justiça, lhe confere, em patente conflito com a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e a imagem das pessoas. [93]

Mesmo no início das investigações a notícia é veiculada de forma irresponsável frustando o caráter sigiloso do inquérito, sabe-se para garantir uma melhor apuração dos fatos e ainda proteger a reputação e a vida privada dos envolvidos durante a instrução. Passada esta fase, o desdobramento do caso já não vende mais na mídia, e a imagem que fica na lembrança é a do clamor popular por justiça. E é essa a sentença definitiva que parece permanecer.

O que não se pode admitir é a postura de alguns magistrados que, para satisfação da opinião pública ou mesmo pressionado pelo estardalhaço [94] causado pela dita ‘imprensa marrom’, que não conhece as provas dos autos e muito menos habilitada está processualmente, adotam medidas de cunho parcial, violando preceitos éticos e legais. Assim entende o STJ: "A prisão preventiva, instituto de exceção, aplica-se parcimoniosamente. Urge, ademais, a demonstração da necessidade. Não basta a comoção social; não é suficiente o modo de execução; insuficientes as condições e circunstâncias pessoais." (RT 726/605) No mesmo sentido o STF: "A repercussão do crime ou o clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva..." (RT 549/417) [95].

O sentimento de vingança que domina a opinião pública não deve contaminar o processo. Assim pensa BOBBIO [96]: "O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, em defesa própria. O Estado responde de modo mediato, reflexivo, racional."

Não obstante nosso Código de Processo Penal, em seu art. 300 determinar, sempre que possível, os condenados devem ficar separados dos provisoriamente detidos, na prática mostra-se por vezes inoperante.

Delegacias abarrotadas de condenados (quando deveriam ocupar as famigeradas vagas no sistema prisional definitivo), e dezenas de milhares de mandados de prisão por cumprir, compõem um cenário de horror, que aguarda com as garras da violência mais um inocente presumido, num promíscuo sistema carcerário que não ressocializa, mas perverte, transformando nocivos de hoje em recrudescidos criminosos de amanhã.

O dilema deverá, pois, ser resolvido de forma eclética: Nem prisão, nem liberdade em todos os casos. Cabe ao magistrado, de posse das informações necessárias decidir secundum legis. E o fará motivadamente. [97]

A simples alegação da gravidade do delito também não é fundamentação suficiente, adequada. [98]

Mas como motivar convicto se muitas exigências são ainda subjetivas, por mais que o legislador se empenhe nelas ?

Esse é o verdadeiro segredo da aplicação e fascínio desta ciência. O raciocínio lógico-jurídico inerente aos grandes julgadores é quem dará o xeque-mate [99] na questão, que por aqui verifica-se a impossibilidade de julgados mecânicos ou eletrônicos: "Insira os dados nesta abertura e aperte o botão vermelho". [100]

Trata-se, finalmente, de decisão discricionária. E é na motivação que o convencimento quanto à necessidade e conveniência, além dos requisitos legais, devem ser claramente demonstrados.


7. CONCLUSÃO

Certo que, como demonstrado, todos são livres e presumivelmente não culpáveis, ou mesmo inocente, juris tantum. E que a prisão provisória pode se revestir do manto da injustiça, dada precariedade do contexto disponível para decretá-la.

Mesmo a prisão em flagrante delito, uma rápida resposta do Estado frente ao crime ‘ardente’ e sua incontestável contribuição para apuração da materialidade e autoria pode não sobreviver, obrigando a imediata soltura do indiciado.

Antes de concluirmos sobre a verdadeira razão de ser das cautelares penais, algumas contribuições este breve estudo apurou:

Medidas menos ortodoxas, como a obrigatoriedade da apresentação regular à justiça, prazos máximos definidos conforme a gravidade do delito ou das circunstâncias em que ocorreram são medidas alienígenas que poderiam ser mais a fundo estudadas e, por que não, aplicadas em nosso ordenamento.

A prisão decorrente de decisão de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível deverá obedecer os critérios da preventiva e até substituí-las por essas, para melhor adaptação da medida ao princípio do estado de inocência.

A prisão domiciliar poderá ser decretada sempre que dispensável o recolhimento do acusado, como medida anterior à preventiva carcerária, inclusive em determinadas situações pessoais do agente [101].

No mesmo sentido, e até cumulativamente, a restrição de direitos [102] que tenham nexo de causalidade com o delito cometido.

Aplicação de medidas diferentes da prisão cautelar – como restrição de direitos – segundo as características do delito, do agente e das circunstâncias verificadas, mantendo os princípios da proporcionalidade e legalidade que tal medida exige. E só então, verificado o descumprimento das medidas impostas, recolhe-lo às grades.

Dispor-se da cautelar somente quando houver comprovado delito de grave ameaça à pessoa humana, na verificação de crime organizado e hediondos – não obstante a insensatez destas leis – ou outro delito que direta ou indiretamente tenha afetado a sociedade [103] como um todo, além de considerar a possibilidade de fuga e do cometimento de novos crimes, de acordo com as condições do crime e do acusado.

Não se defende aqui a abolição por completo desta medida, mas seu aperfeiçoamento para melhor aplicação e coexistência com as garantias fundamentais. A prisão preventiva deve ser decretada ou mantida para proteger o processo presente e futuro, não como instrumento de punição provisória; além disso, tomada sempre como ultima ratio.

Não bastam suficientes indícios da autoria e prova do delito para a cautelar. Outra é sua finalidade legal, ligadas à conveniência e necessidade, pressupostos de uma decisão discricionária, o que realmente a é.

Como assegura MARQUES [104], "Quer isso dizer que, embora admita a lei, em determinado caso, a coação cautelar, dela não se fará aplicação, se manifestamente injustas as restrições que vai impor ao réu ou indiciado".

Se de forma eclética pode-se resolver a questão, certo não é que será sempre acertada sua decisão.

O dilema secular entre a liberdade individual e a aplicação antecipada de uma pena – não sabe se virá – é tema no mínimo incômodo que desperta até nos mais desatentos pelo menos um leve esboço de intranqüilidade.

Por mais que a legislação exija das autoridades judiciais o cumprimento de todas suas formalidades, resguardando em contra-partida ao ofendido o remédio constitucional do Habeas-corpus, se ‘cem’ fosse a absoluta obediência ao Sistema, ‘zero’ não seria a injustiça cometida.

Uma coisa pareceu-nos clara: A prisão provisória é um mal necessário [105], e "só deve existir quando, sem ela, houver um mal maior" como ensina TORNAGHI. [106] Afinal, a criminalidade como já ressaltara Durkhein [107] é um fenômeno normal, comum a todas as sociedades.

Bem lembrado por PEDROSO [108], escreveu Borges da Rosa: "...as garantias particulares devem ceder ante as garantias públicas, o todo sobrepujando a parte".

Cabe às autoridades judiciais questionar sempre, e sempre qual a verdadeira necessidade de uma medida tão extremada, adotando-a de forma subsidiária, como ultima ratio. Deve, portanto ser evitada, porque sempre uma punição antecipada, [109] uma vez que uma medida cautelar jamais pode ter como finalidade a punição e a ressocialização do acusado, fins exclusivos da sanção criminal.

Nesse sentido: "A prisão preventiva deve ser decretada, quando absolutamente necessária. Ela é uma exceção à regra da liberdade. Não mais subsistentes os motivos que levaram a sua decretação, como no caso concreto, impõe-se que seja revogada." (HC 80.282-SC, Rel. Min. NELSON JOBIM)

Remontando a 21 de junho de 1871, em discurso no Senado, o então Ministro da Justiça Visconde de Niteroi ensinava: "a prisão preventiva não é obrigação imposta ao juiz; é um meio que ele tem a sua disposição e de que deve usar discreta e convenientemente".

E, se necessária, pelo menos uma razão há de sustenta-la: A garantia da aplicação da sanção que certamente viria. Tão necessária quanto legal, quando na verificação de fuga do réu, tão logo descoberto o crime, [110] apesar de interessante posicionamento do Desembargador Dante Busana que não admite prisão provisória quem ausenta-se para lugar desconhecido para evitar o flagrante e a vingança dos familiares da vítima, mas depois se apresenta espontaneamente, dias depois, à autoridade policial. [111]

E disse ‘viria’, pois devo contar com alguns pontos estatísticos que me batem contra, pois mesmo adotada segundo os critérios legais, e parecendo no pobre contexto de que dispõe o juiz ser extremamente necessária, poderíamos nos aproximar – mesmo sem alcança-lo – do ‘zero’ tão desejável, onde os cidadãos, até então inocentes, só seriam levados à prisão provisoriamente quando da ‘certeza’ de sua culpa, numa garantia do cumprimento da sanção a que serão credores ao final.

E essa tarefa importaria no confronto direto entre a presunção da não culpabilidade a que todos somos credores, e sua provável culpa. A saída são os fatos reais, e não o mero cumprimento das exigências legais que, sabemos hoje, não são suficientes.

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Ideologia difícil de alcançar, quando mesmo nos casos de flagrante delito, a injustiça pode nos apresentar. [112]

O que não se pode, isto sim, tais ideais apresentando-nos somente como horizonte inatingível, cansarmos da árdua caminhada, desistindo ou reduzindo a marcha.

Como nos ensina o mestre REALE [113], "Ora, se o Direito nem sempre logra êxito na consecução do valor proposto, é necessário, ao menos, que haja sempre uma tentativa de realizar o justo.", lembrando da frase de Stammler: "Todo Direito deve ser uma tentativa de Direito Justo"

Cediço, caminhar em direção a tais ideais de justiça não é certeza de alcançá-los, mas o será de maior proximidade.

Se não suficiente, pelo menos melhor que mais longe deles.

Iniciei com AFONSO DA SILVA [114]: "Liberdade é conquista constante".

E Concluo com as idéias de BECCARIA [115], que sugiro transporta-las da pena às prisões provisórias:

"...deverá ser [a pena] essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei".

[grifo meu, bandeira de muitos]


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Sobre o autor
Rogério Marcus Alessi

acadêmico de Direito na Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), em Presidente Prudente (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALESSI, Rogério Marcus. A razão da prisão provisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2850. Acesso em: 28 mar. 2024.

Mais informações

Monografia participante do V Concurso Nacional de Monografias, promovido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que obteve a 34ª colocação dentre centenas de trabalhos monográficos, na categoria "Universitário".

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