Zumbis, reestrutura social e consciência política

17/05/2014 às 17:32
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E eis que o livro “Guerra Mundial Z” , de Max Brooks, trouxe algumas inspirações para uma sociedade devastada, cuja necessidade primária é a de reconstrução das nações.

Fragmentos extraídos de um contexto onde foram necessárias escolhas trágicas para a sobrevivência da humanidade.

Diante de um situação apocalíptica imaginada pelo autor, algumas sugestões de reorganização social chamaram a atenção:

1. A decisão política de que, diante da complexidade da catrástofe vivida, da crescente limitações dos recursos e para garantir a sobrevivência da sociedade como um todo, uma parcela desta mesma sociedade deveria ser sacrificada.

A imagem usada para ilustrar essa situação é a de sobreviventes de um naufrágio num bote salva-vidas que simplesmente não tinha espaço para todos.

Tentar salvar a todos implicaria no uso de todos os meios a disposição do Estado, o que conduziria, inevitavelmente, a um ponto de “ruptura”. Desta forma, o sacrifício se impõe face ao dilema “não posso salvar todo mundo, concentrarrei meus esforços e salvarei quem achar necessário para a manutenção da sociedade”. A decisão partiu da elite política – o governo, numa tentativa de preservação de sua legitimidade e da própria sociedade, utilizando-se o seguinte princípio:“A primeira baixa do conflito deve ser o sentimentalismo”.

2. A inversão da valorização das posições sociais: o evento apocalíptico atingiu, em sua maioria, sociedades pós-industriais, com ênfase no setor de serviços e extrema especialização dos cargos de trabalho. A falência das infraestruturas que mantinham o Estado (transportes, comércio, energia) e a necessiade da manutenção da sociedade fez crescer de importância as profissões primárias.

A reestruturação organizacional da sociedade levou a uma reeducação laboral, onde os profissionais que não eram considerados essenciasi passaram a ser treinados em funções básicas, mas dentro contexto, fundamentais: carpinteiros, mecânicos, pedreiros, costureiras, agricultores.

3. No sistema penal (tendo em vista a necessidade de não se perder a capacidade de mão-de-obra), os crimes não são punidos com prisões ou execuções; volta-se a aplicar punições físicas públicas, utilizando-se o constrangimento da humilhação pública para coibir a criminalidade.

4. A inquietação com os núcleos de resistência não assistidos pelo Estado; a preocupação, na fase de reocupação territorial, de lidar com a resistência desses grupos.

5. A importância do esforço administrativo-logístico: tendo em vista a redução da obtenção de recursos naturais, uma vez que o acesso a maior parte dos territórios estava comprometido, surge a necessidade da obtenção de matéria-prima (uso da propriedade privada, reciclagem) voltados para atender, prioritariamente, a esforços de guerra/sobrevivência considerados vitais.

 

Esta é uma obra de ficção, mas algumas medidas de reestruturação social mostram-se interessantes para lidar com as demandas sociais de uma sociedade cada vez mais complexa, colocada frente a um colapso total.

Voltando para nossa realidade e partindo para reflexões, há de se rever o que constitui prioridade na sociedade organizada, pois “não há como salvar a todos”: limitações de recursos e aplicação para as demandas sociais; a forma de punição – como é possível um estado democrático permitir velhas leis, criadas no âmbito autoritário de continuarem vivas?; e o planejamento estratégico, eminentemente administrativo -  deve-se olhar apara a boa governança e abdicar de práxis altamente burocrática, também ranso de um estado ditatorial.

Enquanto não houver consciência política das pessoas constitucionais para alavancar a democracia, serão as elites - os agentes transformadores e aqui entendidos como todos aqueles com acesso a formação e informação, os que impulsionarão a roda democrática.

O braço institucional deverá ser reforçado, pois responsável pela concretização dos direitos, mas não a partir de uma perspectiva “solipsista”, o que retomaria o velho autoritarismo, mas dentro de uma visão dialógica de construtivismo.

Não basta a proliferação de vozes pela liberdade... será a solidariedade o grande responsável para mover a construção e reconstrução do estado dentro do  sentido democrático.

Afastar o hiperindividualismo e o egoísmo é o grande desafio a se enfrentar, porque o outro está procupado consigo. Como faço para o outro se preocupar comigo? Espero que não seja preciso um apocalipse zumbi para isso...

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Sobre a autora
Carina Barbosa Gouvêa

Doutora em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; Advogada especialista em Direito Militar/ConstitucionalPesquisadora Acadêmica do Grupo "Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional"; Pós Graduada em Direito do Estado e em Direito Militar, com MBA Executivo Empresarial em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal; E-mail: <[email protected]>. <br>Blog: Dimensão Constitucional < http://dimensaoconstitucional.blogspot.com.br/>.

Informações sobre o texto

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