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A aplicabilidade do princípio da “jurisdição universal” ao caso Pinochet

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O presente artigo analisa o desenvolvimento e a aplicabilidade do conceito de "jurisdição Universal" no direito internacional, sob a luz do julgamento do ex-presidente chileno Augusto Pinochet.

Introdução

Um conceito chave para o desenvolvimento do direito internacional penal, a jurisdição universal passou atualmente por uma renovação no que tange à sua forma de aplicação e ao modo como é aplicada. Além da ainda escassa jurisprudência desenvolvida pelas Cortes Internacionais Penais, tal como o jovem Tribunal Penal Internacional, muito contribuíram para tal processo os precedentes desenvolvidos no âmbito dos tribunais internos, dentre os quais ganha notório destaque o chamado “precedente Pinochet”[1],que, conforme afirma Diane Orentlicher (2003), retirou o referido conceito da obscuridade, inserindo-o na práxis jurídica internacional.

Nesse sentido, o presente artigo buscará analisar, brevemente, o modo como esse conceito se insere no atual direito internacional penal, ou seja, como se este é comumente entendido e aplicado, além do impacto por este sofrido a partir do chamado “precedente Pinochet”. Em suma, buscar-se-á responder à seguinte questão: Qual o impacto do “Precedente Pinochet” no atual entendimento sobre a Jurisdição Universal?

Para tanto, dividir-se-á o seguinte artigo em três partes. A primeira consiste em uma análise conceitual acerca da jurisdição universal, expondo seu significado e relacionando-a com conceitos conexos relevantes à compreensão do caso em análise e ao seu próprio entendimento – tal como o princípio do jus cogens, erga omnes, aut dendere aut judicare e imunidade de chefe de Estado. No que tange à segunda parte, esta focará, especificamente, no caso Pinochet, a partir da apresentação do processo desencadeado na Inglaterra pelo pedido espanhol de extradição do ex-ditador chileno. A última parte, por sua vez, buscará delinear o seu legado, ou seja, as consequências advindas do referido caso tanto para o entendimento acerca da jurisdição universal, quanto, de forma mais abrangente, para o próprio Direito Internacional Penal.


O Princípio da “Jurisdição Universal” no Direito Internacional Penal

Também denominado “competência repressiva universal” [2], o conceito de Jurisdição Universal pode ser compreendido sob diversos prismas, que se distinguem de acordo com a sua abrangência e refinamento. Assim, tal conceito pode tanto assumir versões concisas, como a exposta pelo projeto “The Princeton Principles on Universal Jurisdiction”, que o defini como “uma jurisdição baseada apenas na natureza do crime” - jurisdição esta que poderia ser utilizada pelas Cortes nacionais para processar e punir, e assim desencorajar, os atos hediondos reconhecidos como crimes graves sob o direito internacional – [3], quanto definições mais complexas, como a proposta por Renata R. Fasano (2011), a saber: “a possibilidade de tribunais nacionais julgarem, independentemente da existência dos vínculos tradicionais do direito penal princípio da territorialidade, da nacionalidade e da proteção indivíduos acusados do cometimento de crimes internacionais que remetem às graves violações de direitos humanos.”[4]

Nota-se, contudo, tal como afirma Randall (1988), que tal conceito se baseia, na realidade, na união de dois conceitos complementares, ou seja, trata-se da unção do conceito de “jurisdição” com o de “universalidade”, ambos aplicados, ademais, à uma subcategoria especifica de crimes considerados como diferenciais, ou seja, aqueles crimes hediondos e “reconhecidos como graves” perante o direito internacional. Dessa forma, em suma, observa-se a existência de dois elementos essenciais necessários à definição de jurisdição universal, ou seja: os conceitos de (1) jurisdição e o de (2) universalidade, este último relacionado à da recorrência de determinados crimes de uma natureza específica.

Dessa forma, no que tange ao primeiro elemento, este pode ser definido como “a legítima asserção de autoridade de um Estado para empregar os interesses legais[5], tal como, por exemplo, a autoridade para aplicar a lei a certos atores, eventos ou coisas (jurisdição legislativa), ou a autoridade para compelir certos atores a obedecerem às leis e a repararem pelo seu descumprimento (jurisdição coercitiva) [6]. Dessa maneira, observa-se na essência desse conceito à essencialidade da existência de uma autoridade estatal, ou seja, da presença de um ator estatal, para que tal definição seja satisfeita. Tal consideração é relevante, na medida em que demonstra a ainda essencialidade da figura estatal para as relações jurídicas internacionais[7], e, por outro lado, ressalta a importância simbólica que deteve a possibilidade levantada pela Câmara dos Lords inglesa de derrogar as prerrogativas de imunidade de chefe de Estado detidas pelo então general Augusto Pinochet.

Já no referente ao segundo elemento, ou seja, a “universalidade”, este relaciona intrinsecamente à natureza dos crimes, aos quais o Estado poderá exercer a prerrogativa de jurisdição universal. Dessa forma, este conceito é considerado vital para a correta aplicaçãodo princípio da jurisprudência universal, na medida em que será ele que limitará o escopo das possibilidades de uso a uma categoria específica de crimes internacionais. Assim, a “universalidade” “proporcionaa cada Estado jurisdiçãosob uma categoria limitada de ofensas geralmente reconhecidas como de preocupação universal, independentemente do local onde o crime foi praticado e da nacionalidade do agressor e da vítima”.[8] Dessa forma, o princípio de jurisdição universal implica que cada Estado “possui interesse em exercer jurisdição com vistas a combater ofensas escandalosas que os Estados têm condenado universalmente” [9]. Tal processo, ademais, pode ser visto, como afirmam Enache-Brown e Fried (1998), como um reflexo da busca por proteger certos valores internacionais, cuja proteção é de interesse de toda a comunidade internacional.

Quais seriam, contudo, tais ofensas passíveis de serem englobadas pelo conceito? Historicamente tal conceito foi aplicado à prática da pirataria e, em um segundo momento, do comércio escravista, ambos tidos comopráticas a serem consensualmente combatidas por todos os Estados[10], ou seja, como crimes praticados contra toda a humanidade (hostis humani generis).[11] Após o término da Segunda Guerra Mundial observou-se a nova ampliação do escopo dos crimes abarcados pela jurisdição universal, a partir do englobamento dos chamados “crimes de guerra” (e.g. maus-tratos e assassinato de prisioneiros) e dos “crimes contra a humanidade” (e.g. perseguição e extermínio de civis por razões políticas, raciais ou religiosas). Como ressalta Randall (1988), tais crimes se enquadraram no principio da universalidade, na medida em que as Cortes nacionais frequentemente julgavam e condenavam crimes cometidos em outro país e por nacionais estrangeiros, tal como ocorreu no julgamento dos crimes de guerra cometidos pelos países do “Eixo” em julgamentos como os realizados pelo Tribunal Militar Internacional em Nuremberg entre 1945 e 1946.

Um terceiro momento de ampliação do escopo do conceito de universidade foi observado alguns anos depois, em 1949, partir das Convenções de Genebra e do Protocolo Adicional II, que comprometem as partes a julgar as acusados de violar as leis e costumes da guerra, independentemente de sua nacionalidade[12]. Concomitantemente observou-se a um processo de consolidação e de ampliação do conceito de “violações graves” (grave breaches), conceito esse que, não obstante se tratar de um tipo de crime de guerra[13], passou a incorporar diversas outras de violações consideradas como “crimes contra a humanidade”, tais como o sequestro, terrorismo, tomada de reféns, crimes contra personalidade internacionalmente protegidas, tortura e genocídio[14].

Observou-se, dessa forma, a um processo histórico de ampliação da quantidade de crimes passíveis de serem incluídos dentro do escopo do conceito da “universalidade”. Tal processo, ademais, observou a um especial refinamento a partir da introdução das doutrinas de jus cogens(direto cogente) e de erga omnes na práxis do Direito Internacional. A primeira se relaciona à existência de certos princípios ou normas de caráter peremptório, “dos quais nenhuma exceção é prevista e que podem assim funcionar para invalidar um tratado ou acordo entre Estados, na medida em que estes apresentam inconsistência com qualquer um de tais princípios”. [15] Já o segundo princípio se refere, literalmente, às obrigações “para todos”, ou seja, que todos os Estados devem cumprir[16]. Tais doutrinas implicam ainda, conforme afirma Brown (2001), em uma obrigação dos Estados de julgar os crimes imbuídos no escopo da jurisdição universal, criando uma relação de constrangimento entre os três princípios (jurisdição internacional, jus cogense erga omnes) que gera, assim, direitos e obrigações a todos os Estados.

Outro ponto relevante de ser ressaltado, ainda no referente aos conceitos passíveis de serem relacionados com o princípio de jurisdição universal, é a existência de certos conceitos a ele complementares e especialmente relevantes para a análise específica do caso Pinochet. São estes o conceito de aut dedere aut judicare e de imunidade de chefe de Estado. O primeiro conceito se refere ao dever o qual teriam os Estados de “extraditar ou julgar aqueles réus acusados de crime universalmente condenáveis” [17]. Tal conceito se distingue do princípio de jurisdição universal, conforme Debut (apud Fasano, 2011), por sua maior abrangência, na medida em que

 “o princípio autdedereautjudicarenão requer que os Estados estabeleçam ou exerçam nenhuma competência específica, simplesmente requer que os Estados exerçam qualquer competência que tenham ou extraditem o agente de determinados tipos de crime. Distinção semelhante foi apontada por Bassiouni, ao afirmar que o dever de julgar / processar ou extraditar e, quando apropriado, punir os indivíduos acusados ou culpados por crimes internacionais particularmente os crimes cuja proibição é considerada uma norma de iuscogensdevido à sua natureza abominável e ao seu impacto destrutivo sobre a paz e a segurança necessariamente leva ao reconhecimento da competência repressiva universal como um meio para atingir os objetivos do aut dedere aut judicare.” (FASANO, 2011: 31)

Dessa forma, passa-se a entender o próprio principio da jurisdição universal como uma ferramenta para se atingir a um objetivo mais amplo, que seria justamente o cumprimento da obrigação de “autdedereautjudicare”. Este princípio, conforme lembram Enache-Brown e Fried (1998), diferentemente do princípio da jurisdição universal – que ainda não é tão bem estabelecido no Direito Internacional quanto se acredita[18] – é passível de ser classificado como um principio geral do direito público, na medida em que está tanto previsto pelo artigo 38 inciso 1 alínea c do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, quanto pelas vias do direito costumeiro internacional.  É importante notar, ainda, que, a depender da análise que se faz deste principio, este pode ser expandido a ponto de incluir um pressuposto dever de não conceder asilo aos criminosos incluídos no escopo dessa definição. [19]

No que tange ao princípio da imunidade de chefe de Estado, este é um dos pontos focais a serem discutidos nas decisões elaboradas pela Câmara dos Lords inglesa para  o caso Pinochet. Tal princípio, apesar de ter a sua origem na antiga imunidade de soberania (única, exclusiva e limitada unicamente pelo Direito Internacional), é entendido de forma distinta pelos diferentes Estados em seu direito interno – por exemplo, enquanto a Inglaterra a entende como uma imunidade restritiva, baseada nas noções de imunidade de soberania e imunidade diplomática, a França concede imunidade mais ampla aos chefes de Estado, baseada tão somente no conceito de imunidade diplomático[20], formalizado pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1965. Apesar das incertezas que a coexistência de diferentes entendimentos acerca dessa categoria específica de imunidade geram, destaca Mallory (1986) que, conforme uma prática universalmente aceita, “cada Estado, na expectativa de receber tratamento similar, concede aos chefes de Estado estrangeiros ao menos a quantidade de imunidade necessária para que ele cumpra suas obrigações com aquele Estado sem ser sujeito à prisão ou apreensão”[21] No referente ao escopo de tal conceito, como destaca Bassiouni (2001), 

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“sob o direito internacional costumeiro existente, os chefes de Estado podem ainda alegar imunidade de procedimento em oposição ao exercício da jurisdição criminal nacional. Contudo, se levados a julgamento, eles não podem alegar imunidade como uma defesa substantiva para os crimes aos quais ele é acusado se estes se incluírem […] [na lista de crimes considerados como graves violações contra a humanidade] ou se ou se for um crime contra o qual sua defesa é especificamente desautorizada por um tratado”.[22]

Isso implica que a imunidade, mesmo quando aplicada aos chefes de Estado, pode ser compreendida como algo limitado a certas situações e crimes, sendo mesmo passível de anulação, tal como compreendeu a Câmara dos Lords para o caso Pinochet.

A aplicabilidade dos princípios supracitados foi posta em evidência no chamado caso Pinochet, quando o princípio da Jurisdição Universal se sobrepôs ao da imunidade de chefe de Estado pelos atos cometidos pelo então ex-chefe de Estado e senador vitalício chileno Augusto Pinochet. 


O Caso Pinochet

Augusto Pinochet (1915 - 2006) foi um general chileno que ascendeu ao poder após um coup d’État perpetrado no ano de 1973 contra o então presidente Salvador Allende e seus aliados esquerdistas. Dessa forma, o general, então presidente da República do Chile, instaurou um regime com viés fortemente antiesquerdista, que levou à prisão 13.000 comunistas, muitos dos quais mortos por sua polícia secreta[23]. Também a ele foi atribuída a iniciativa da chamada Operação Condor, uma campanha anti-esquerdista levada a cabo pelos governos do Chile, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai que levou ao desaparecimento de centenas de pessoas acusadas de comunismo[24], inclusive alguns de nacionalidade estrangeira (tal como alguns poucos espanhóis). Em 1990,Pinochet retirou-se da presidência, conforme previsto na  Constituição Federal chilena de 1980, cedendo lugar ao democraticamente eleito PatricioAylwin, que estabeleceu um Comissão da Verdade e Reconciliação para averiguar as violações aos direitos humanos cometidas durante o regime de Pinochet[25], o que resultou no relatório Retting de 1996, segundo o qual 3.197 pessoas morreram ou desapareceram durante o regime[26].  Contudo, apesar de não ser mais presidente, Pinochet manteve-se como comandante supremo das Forças Armadas do país até o ano de 1997 e assumiu o cargo de senador vitalício, o que lhe concedia prerrogativas de imunidade parlamentar.

Em 1996, o juiz espanhol Baltasar Garzón recebeu uma denúncia apresentada pela Unión Progresista de Fiscales de España contra Pinochet “por seu envolvimento no desaparecimento de cidadãos espanhóis na Argentina e no Chile, que remetiam à Operação Condor”, denúncia a qual foram agregados crimes de tortura, terrorismo e genocídio.[27] Incorporaram-se também posteriormente ao caso, pela via do actio popullaris(ação popular) do direito espanhol outros cidadãos e entidades (como a Fundação Salvador Allende). Ademais foi confirmada, a partir do princípio da universalidade, a competência ao tribunal para julgar o caso. Dessa forma, configurou-se um caso de aplicação do conceito da jurisdição universal, dada a natureza dos crimes aos quais se acusava o então ex-chefe de Estado, ou seja, crimes de natureza jus congens. Por esses motivos, embora tenha contribuído para legitimar os procedimentos jurídicos espanhóis para o caso, a nacionalidade espanhola das vítimas não se fazia juridicamente necessária para o aceite do caso pro Garzón. [28] Cabe salientar, ainda, que tal aplicação do conceito de jurisdição universal por um tribunal nacional para julgar crimes considerados como “graves violações” ou  contra a humanidade cometidos por um individuo estrangeiro em território também estrangeiro não foi inédito, pois, apesar da existência do precedente do caso Israel vs. Eichmann, no qual o ex-general nazista foi condenado em Israel por crimes cometidos durante o holocausto,[29] o caso Pinochet inovou ao ter como réu um ex-chefe de Estado, que, portanto, gozaria dos privilégios de imunidade pelos atos cometidos.

Em 1998, Pinochet viajou à Inglaterra, país tradicionalmente considerado como seu aliado, dado o apoio que o ex-chefe de Estado prestou ao esforço de guerra inglês contra a Argentina durante a Guerra das Malvinas[30], para receber tratamento médico. Ao tomar conhecimento da viagem,  Garzón enviou ao governo britânico um pedido de extradição do senador Pinochet para a Espanha, de acordo com a Convenção Europeia de Extradição de 1957 e, pela lei inglesa, pelo Ato de Extradição de 1988[31]. Assim, em 16 de outubro, no mesmo dia em que a Espanha emitiu um mandato internacional (Internacional warrant) pela extradição, o magistrado inglês emitiu um mandato provisório (provisional warrant), a partir do qual as autoridades inglesas detiveram no mesmo dia o senador.[32] Deu-se inicio então a um processo na Inglaterra que duraria 503 dias e geraria três decisões distintas emitidas pela Câmara dos Lords inglesa, conhecidas respectivamente como Pinochet 1, Pinochet 2 e Pinochet 3 [33].

A primeira reação legal foi dada por um tribunal divisional (divisional court), cujo parecer alegava que Pinochet era imune à extradição dado o seu status de ex-chefe de Estado[34]. Tal decisão foi contestada pro advogados da Anistia Internacional e do Human Rights Watch, que alegaram a não aplicabilidade das prerrogativas de imunidade, visto ser esta aplicável apenas em atitudes que dizem respeito a “atos oficiais” realizados pelos chefe de Estado enquanto cumprindo seus deveres[35]. Como resposta, os advogados de Pinochet declaram que os atos por ele cometidos estavam, de fato, englobados dentro do que se entendia por “atos oficiais”, de modo que a prerrogativa de imunidade se tornava válida.[36] Tal questão foi resolvida pela Câmara dos Lords[37], que emitiu a decisão conhecida como Pinochet 1, rejeitando a prerrogativa de imunidade geral do senador, baseada no entendimento de que a prática de “tortura” não poderia ser considerada um ato oficial.[38] Tal decisão, contudo, foi derrogada em um processo conhecido como Pinochet 2, após ter-se descoberto que um dos membros da Câmara dos Lords (Lord Hoffman) possuía estreitas relações com a organização da Anistia Internacional.

Dessa forma deu-se início ao processo conhecido como Pinochet 3, que também reconheceu a não inaplicabilidade do conceito de imunidade de chefe de Estado para o referido caso. Entretanto, a nova decisão baseou-se não no princípio de atos oficias, mas de dupla incriminação (doublecriminality)[39],segundo o qual uma pessoa pode ser extraditada para outro país por ter infligido uma lei daquele, na situação em que ambos os país possuem leis similares. Isso implicaria em uma defesa do principio da jurisdição universal, visto que oprincípio utilizado no parecer foi de Direito doméstico.[40] Quanto à acusação da tortura, considerada como um crime de jus congens[41], permitindo, portanto a aplicação dos princípios da jurisdição universal e do autdedereautpunire,[42]a maioria dos Lords a desconsiderou, na medida em que a Convenção contra a Tortura só foi incorporada no direito inglês no ano de 1988, depois, portanto, da data dos crimes cometidos durante a chamada Operação Condor (posta em prática nas décadas de 1960 e 1970). Contudo, após tal parecer emitiu o juiz Gazón nota afirmando ter encontrado outras 30 acusações de tortura contra o ex-chefe de Estado praticadas após a entrada em vigor da referida Convenção na Inglaterra. Coube, então, ao Secretário para Assuntos Internos inglês, Jack Straw, decidir acerca da extradição de Pinochet.[43]Straw, assim, permitiu, inicialmente, a extradição do senador para que este seja julgado pela acusação de tortura – pelos crimes cometidos após 1988 –, baseado no parecer da Câmara dos Lords segundo o qual ele não teria o respaldo da prerrogativa de imunidade de chefe de Estado contra estas[44].  Essa decisão foi, contudo, revista por Straw, que acatou o argumento da defesa de Pinochet, alarmando o secretario acerca do delicado estado de saúde do senador. Dessa forma, baseado em relatórios médicos e após as diversas decisões emitidas pala Câmara dos Lords, Straw liberou Pinochet, que logo retornou ao Chile, onde morreu no ano de 2006[45]

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Sobre o autor
Leonardo Carvalho Leite Azeredo Bandarra

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília - UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BANDARRA, Leonardo Carvalho Leite Azeredo. A aplicabilidade do princípio da “jurisdição universal” ao caso Pinochet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4020, 4 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28590. Acesso em: 20 abr. 2024.

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