Muito se fala sobre o fim do Estado. Alguns por convicção, como se o passado da instituição “per si” não fizesse frente ao desmanche da pós-modernidade; outros porque gostariam que o Estado se fosse e, então, falam do fim antes que ele chegue. Particularmente, não concordo com nenhuma das hipóteses. Que a forma-Estado passa por profundas modificações e que o formato, o alcance e as funções precípuas do Poder Político sofrem mudanças, disso não tenho a menor dúvida. O que não me permite supor que o fim esteja próximo. Pelo contrário, o Estado passa por mudanças estruturais e com isso tanto se livra de certo peso morto, quanto se reinventa e recupera partes que julgávamos estagnadas no lodo da história do abuso do poder. O número de Golpes de Estado e de Estado de Sítio, Emergência e outras quarteladas, apenas no século XXI, indica a força da Razão de Estado.
Em outras palavras, na atualidade, o Poder Político consegue combinar a democracia e os direitos humanos com formas de controle social que são próprias do absolutismo ou impróprias ao Iluminismo. Mas faz isto para se adaptar e perseverar o controle do poder central. A este fenômeno podemos dar três nomenclaturas: Estado de Exceção, Estado Penal e Estado de não-Direito. As tipologias não se aplicam do mesmo modo, mas têm natureza comum: criar mecanismos de controle social que absolutizam o controle do poder político. Cada tipo não-ideal dessa forma-Estado merece reflexões e livros especializados
“Teorias do Estado: Estado de (não)Direito - quando há negação da Justiça Social, da Democracia Popular, dos Direitos Humanos” (São Paulo, Editora Scortecci, 2014) retrata um pouco a estatura do não-direito na atualidade. O livro é uma síntese da dissertação de Mestrado em Direito e retrata em resumo dez anos de pesquisa por dois temas contíguos e que, infelizmente, revelam-se por demais atuais pelo mundo afora. O Estado de não-Direito e a injustiça social revelam a prática do chamado antidireito: ideologia jurídica que se aplica à injustiça programada/positivada no ordenamento jurídico.
Ou seja, o Estado de Direito se defronta, hodiernamente, com o antidireito e pode ser visualizado como ideologia jurídica que ofusca a expectativa de direito e anula a sensação de justiça. No Estado de não-Direito, ideologicamente marcado pela exclusão da legitimidade, os aparelhos institucionais de Estado tanto podem se impor pelo controle político da cultura, invadindo a privacidade, quanto obtém segurança jurídica nas chamadas Leis Injustas. Vê-se, então, um verdadeiro Estado de não-direito, como ideologia que “falseia” propositadamente o que é elementar e muito caro ao próprio Direito.
O Estado Democrático de Direito nos balizou com a consciência do direito, mas em função das incertezas da vida moderna, por medo, pela sobrevivência, impregnados pelo individualismo e pela ética protestante, admitimos restringir a consciência e violar o direito. Modernamente, o não-direito, o antidireito e a exceção tornaram-se regras de aplicação política e de condução do controle social, mas somente são eficazes quando amparadas por institutos jurídicos que lhes garantem legalidade e por instituições políticas que lhes perfilam legitimidade. Legalidade e legitimidade são requisitos básicos no atual estágio de dominação racional-legal.
Este livro faz parte de uma trilogia que ainda não se completou, uma vez que as outras formas-Estado ainda merecem uma retomada de reflexão diante de seus pressupostos e aparições pelo mundo afora e no Brasil. Em nosso caso, aliás, é crescente a onda de criminalização das relações sociais – o que é deveras preocupante, porque, com nossa criatividade, podemos estar construindo um modelo híbrido com o que há de pior nos três modelos apontados.