A posição do STF sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas na prática de crimes ambientais.

Fim da teoria da dupla imputação?

25/05/2014 às 22:35

Resumo:


  • O modelo econômico capitalista influencia o padrão de vida contemporâneo, resultando em grandes corporações que podem causar impactos negativos ao meio ambiente.

  • A Constituição Federal de 1988 prevê a responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais, sendo regulamentada posteriormente pela Lei nº. 9.605/98.

  • O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm adotado entendimentos sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais, com destaque para a recente decisão do STF que questiona a Teoria da Dupla Imputação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo científico trata da responsabilização da pessoa jurídica por crimes ambientais e dá um enfoque aos posicionamentos jurisprudenciais quanto ao tema, em especial o recente julgamento da 1ª Turma do STF, que adotou um novo posicionamento.

A POSIÇÃO DO STF SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NA PRÁTICA DE CRIMES AMBIENTAIS: FIM DA TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO?

Bernardo Mafia Vieira e Victor Ribeiro Loureiro

Súmário: 1. Introdução; 2. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais de acordo com a Lei nº. 9.605/98; 3. Aplicação prática da responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais de acordo com a jurisprudência pátria; 4. A Recente Decisão do Supremo Tribunal Federal: Fim da Teoria da Dupla Imputação?; 5. Conclusão

Resumo: Constitui fato expressivo que o modelo econômico capitalista compõe e norteia o padrão de vida contemporâneo. Dentro desta sistemática observamos o nascimento de um fenômeno da hipertrofia das pessoas jurídicas. Esta hipertrofia, em apertada síntese, encontra exemplo nas grandes corporações empresárias que ostentam níveis de economia que extrapolam as fronteiras de suas nações de origem, concedendo a estas um caráter supranacional. Dentro desta monta é fato, infelizmente recorrente, que atividades desenvolvidas por estas empresas tenham impacto assaz negativo no meio ambiente, resultando em agressões severas. Para conter tais agressões ao meio ambiente, o poder constituinte originário, seguindo as tendências internacionais, previu na Constituição Federal de 1988, por meio de seu artigo 225 § 3º, a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas, principais agressoras. Para disciplinar a matéria em questão, o legislador infraconstitucional promulgou a Lei nº. 9.605/98, chamada Lei dos Crimes Ambientais. Tal legislação tratou de instigar a discussão sobre a aplicabilidade da responsabilidade penal às pessoas jurídicas. Por meio de decisões relativamente recentes do Superior Tribunal de Justiça, as novidades apresentadas pela Lei nº. 9.605/98 ganharam corpo. Observou-se a ascensão de uma nova impressão sobre a dogmática penal em que o sistema penal da dupla imputação ganhou força. 

PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental Brasileiro; Constituição Federal; Crimes Ambientais; Pessoa Jurídica; Responsabilidade Penal.

Abstract: It is indeed significant that the capitalist economic model compose and guide the standard of contemporary living. Into this systematic we observe the birth of the phenomenon of hypertrophy of legal entities. This hypertrophy, in short, find example in the large corporations than presents levels of economy that go beyond the borders of their origin countries, granting these a supranational character. Thus fact is, unfortunately common, than activities developed by these companies have extremely negative impact in environment, result in severe agressions. To counter such aggression against the environment, the constituent originating power, following the international trends, predicted in Federal Constitution of 1988, through your article 225 § 3º, the possibility of the criminal liability of legal entities, main aggressors. To regulate the subject matter, the infraconstitutional legislators promulgated the Law nº. 9.605/98, call Law of Environmental Crimes. Such legislation treated of instigate the discussion about the applicability of the criminal liability of legal entities. Through relatively recent decisions of the Superior Court of Justice, the  novelties introduced by the Law nº. 9.605/98 gained body. Observed the rise of a new impression about the criminal dogmatic where the criminal system of double imputation gained strength.

KEYWORDS: Brazilian Environmental Right; Federal Constitution; Environmental Crimes; Legal Entities; Criminal Liability.

1. Introdução

Constitui fato expressivo que o modelo econômico capitalista compõe e norteia o padrão de vida contemporâneo, servindo como molde para os fenômenos típicos de um mundo globalizado em constante expansão. As facilidades oriundas desta tendência mundial são inúmeras e marcantes, porém nada atingiu maior relevância que o desenvolvimento dos meios de comunicação e a velocidade de troca de informações.

Dentro desta sistemática tecnológica e impulsionada pelas facilidades de comunicação, observamos o nascimento de um fenômeno hoje comum, a hipertrofia das pessoas jurídicas.

Esta hipertrofia, em apertada síntese, encontra exemplo nas grandes corporações empresárias que ostentam níveis de economia que extrapolam as fronteiras de suas nações de origem, concedendo a estas um caráter supranacional. Desta forma agigantada surgem diversas dificuldades de acomodação aos diversos lugares onde operam. Isto ocorre devido o enorme impacto que causam na economia, política e, principalmente para o estudo em composição, ao meio ambiente.

Dentro desta monta é fato, infelizmente recorrente, que atividades desenvolvidas por estas empresas tenham impacto assaz negativo no meio ambiente, resultando em agressões severas aos chamados direitos de terceira geração assim conceituados por Alexandre de Moraes: “os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam um direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos" (MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, p. 61-2). 

Se trata aqui de um problema atual, amplamente difundido na mídia, porém pouco discutido nos meios acadêmicos. As agressões ambientais hoje compõem a realidade de todas as nações, não se tratando apenas de um fato isolado, percebido dentro da esfera jurídica brasileira.

A grande maioria dos ilícitos ambientais são cometidos, não por pessoas naturais, mais sim por pessoas jurídicas. Entidades coletivas de diversos tamanhos e ramos de atuação agridem a natureza com mais tenacidade que qualquer pessoa natural possa fazer. Vez que, a proporção agigantada de suas produções e a conseqüente a degradação advinda destas, atingem de maneira assaz impactante o meio-ambiente.

Tal discussão encontra baluarte, principalmente, no recente clamor, não só do país, como do mundo inteiro em busca da conscientização acerca da necessidade vital de conservação do meio-ambiente. Meio-ambiente em que prospera como criatura dominante o ser humano. A relevância deste tema se encontra no assombro que acomete a humanidade quando esta vislumbra a possibilidade real de perder seu patamar de espécie dominante, de suposta dona do mundo.

As legislações ambientais buscam evolução para enfim tentar conter o abuso e a destruição do meio-ambiente. Nesta monta, seguindo as tendências internacionais, o poder constituinte originário deu importante passo quando, por meio do artigo 225 parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988, previu que independente da obrigação de reparar os danos causados, as pessoas físicas e jurídicas que praticarem condutas lesivas ao ambiente serão sujeitas a sanções penais e administrativas.

Porém, apesar do avanço no sentido de imputar responsabilidade penal às pessoas jurídicas trazido na Constituição Federal de 88, a matéria só foi disciplinada dez anos depois, quando o legislador infraconstitucional promulgou a Lei 9.605/98 chamada de Lei dos Crimes Ambientais. Esta suscitou fervorosa discussão acerca da real aplicabilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas na prática das condutas perniciosas ao meio ambiente.

2. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais de acordo com a Lei nº. 9.605/98.

A Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº. 9.605/98), quando promulgada, foi alvo de inúmeras discussões acadêmicas devido ao seu relevante caráter incriminador. Condutas que anteriormente eram tratadas a título de infrações administrativas ou no máximo, como contravenções penais, passaram a ser consideradas crimes, passives de penas restritivas de direitos e penas pecuniárias.

O presente diploma legal surgiu através de uma louvável iniciativa de reunir e consolidar a legislação ambiental brasileira, que como visto, ao longo da história, sempre foi dispersa em várias leis que tratavam de pequenas partes do bem jurídico tutelado qual seja, o meio ambiente.

Grandes juristas se posicionaram contra os dispositivos trazidos a baila pelo novo diploma legal por considerar que estes afrontaram diversos princípios que norteiam o Direito Penal brasileiro, como o princípio da intervenção mínima e da insignificância. O douto Luiz Luisi considerou a nova Lei como um festival de heresias jurídicas e o, não menos expressivo, glosador Miguel Reale Júnior a considerou hedionda (Cf. SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de, Crimes Ambientais: responsabilidade penal das pessoas jurídicas, p.151-152).

A lei 9.605/98 trouxe grande inovação ao pegar como referência o disposto no artigo 225 §3º da Constituição Federal de 1988 e a partir deste, dispor sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas na prática de crimes ambientais.

Para criar a presente Lei, o legislador pátrio teve como baluarte o modelo Francês que, assim como em nosso país, tem tradição jurídica romano-germânica, porém também adota o instituto da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Acontece que, na contramão do modelo inspirador, o legislador brasileiro cometeu vários erros ao introduzir tão abruptamente o presente instituto.

A inserção da responsabilidade penal das pessoas jurídicas no direito francês se deu por meio de intensa adaptação de toda a dogmática penal daquele país para que houvesse compatibilidade do instituto à realidade legal. Assim, a Lei 92-1336/1992, chamada Lei de Adaptação, buscou adequar o direito francês para que inexistissem controvérsias acerca da responsabilização penal das pessoas morais. Esta lei trouxe a baila o princípio da especialidade que prevê que a pessoa jurídica somente poderá ser responsabilizada penalmente se no tipo penal esta previsão for expressa. Assim sendo, o rol de tipos penais que podem ser imputados às pessoas morais no direito francês é taxativo (Cf. SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de, Crimes Ambientais: responsabilidade penal das pessoas jurídicas, p.155). 

Em nossa pátria porém, inexistiu lei semelhante que promovesse a adaptação da nossa realidade jurídica à responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Outro considerável equívoco na inserção do instituto foi que o legislador não especificou quais tipos penais são passíveis de ensejar a responsabilidade penal dos entes coletivos na parte especial da Lei dos Crimes Ambientais, além também de não especificar as sanções penais impostas às pessoas jurídicas.

Em decorrência destes equívocos, diversos doutrinadores entendem que a Lei dos Crimes Ambientais, ao deixar de prever expressamente os crimes a serem cometidos pelas pessoas jurídicas e suas respectivas penas, atenta contra o princípio constitucional da legalidade penal. Comunga deste entendimento Luis Regis Prado, para quem a necessidade de um rol taxativo de punibilidade das pessoas jurídicas nos crimes ambientais evitaria decisões contraditórias erigidas pela simples orientação do magistrado (Cf. PRADO, Luis Regis, Crimes contra o ambiente: anotações à lei 9.605, de 12 fev. 1998, p. 22). 

Em contrapartida existem autores que entendem que a aplicação do previsto na parte geral da Lei 9.605/98, mesmo inexistindo previsões expressas na parte especial, não fere o princípio da legalidade. O argumento seria de que a técnica legislativa utilizada seria a da tipicidade indireta ou extensão em que o previsto na parte geral se estende para toda a parte especial vez que, a fonte legislativa da Lei é a mesma.

Referente às penas a serem impostas para as pessoas jurídicas nos crimes ambientais, estas estão previstas na parte geral da Lei 9.605/98 nos artigos a seguir transcritos:

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

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I - multa;

II - restritivas de direitos;

III - prestação de serviços à comunidade.

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I - suspensão parcial ou total de atividades;

II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.

§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:

I - custeio de programas e de projetos ambientais;

II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;

III - manutenção de espaços públicos;

IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional

A aplicação das penas, elencadas nos artigos 21 ao artigo 24 da Lei 9.605/98, é alvo de acirrada divergência doutrinária. A quem entenda que as penas elencadas na parte geral devem ser aplicadas às pessoas jurídicas independentemente das penas privativas de liberdade elencadas na parte especial da lei. Outro entendimento preza que as penas privativas de liberdade, previstas na parte especial da Lei dos Crimes Ambientais, devem ser convertidas nos casos de responsabilização das pessoas jurídicas, nas penas previstas na parte geral respeitando sempre os critérios de gradação das penas presentes no artigo 6º do mesmo diploma legal (Cf. SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de, Crimes Ambientais: responsabilidade penal das pessoas jurídicas, p.157-8). 

Os dispositivos legais que regulam a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais também sofreram exacerbadas críticas pelo fato de o instituto ter sido inserido na realidade jurídica pátria sem contudo, trazer normas referentes ao processo e ao procedimento específico que possibilitem a regulem a prestação jurisdicional.

Neste diapasão, Luis Regis Prado afirma que seria impossível romper com o princípio fundamental da responsabilidade penal exclusiva da pessoa natural, sem oferecer um sistema próprio de responsabilidade, restrito somente a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, um regime especial com normas e procedimentos próprios (Cf. PRADO, Luis Regis, Crimes contra o ambiente: anotações à lei 9.605, de 12 fev. 1998, p. 22). 

Outros doutrinadores como Ada Pellegrini, afirmam que a carência de normas processuais específicas para orientar a aplicação da prestação jurisdicional não gera impedimento à imputação de responsabilidade penal às pessoas jurídicas. Isto porque, os preceitos processuais e procedimentais presentes no Código de Processo Penal, neste caso em que a Lei é silente, podem ser plenamente aplicados. Assim sendo, nada impediria que a pessoa jurídica respondesse criminalmente pelos ilícitos ambientais cometidos. A intimação seria feita na pessoa do representante legal ou constituído em juízo, o procedimento adotado seria o ordinário e o foro seria o do local em que aconteceu o crime ambiental.

O artigo 3º da Lei 9.605/98 prevê que:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Segundo o magistério de Luiz Régis Prado, da análise deste dispositivo legal, conclui que o legislador, na previsão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais adotou a teoria da responsabilidade subseqüente ou de ricochete. De acordo com esta teoria, a maioria das infrações penais imputadas a uma pessoa jurídica, poderão ser imputáveis também a uma pessoa natural de modo que a responsabilidade da pessoa jurídica pressupõe a responsabilidade da pessoa natural (Cf. Ibidem, p. 23). 

Já o magistério de Ney de Barros Bello Filho, amplia o entendimento ao asseverar que apesar de se referir expressamente a representante legal, o fato de a conduta lesiva não ter emanado especificamente deste, não exclui a existência do crime como também não obrigatoriamente exclui a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Segundo Bello Filho, o termo representante legal, empregado no texto da norma em análise, tem que obrigatoriamente ser interpretado de forma extensiva, ampla de modo a abranger administradores de fato, dirigentes e gerentes que apesar de não serem detentores do poder de representação em juízo da pessoa jurídica, a dirigem no ordinariamente.

Esta interpretação ampla é necessária para afastar a possibilidade de que a responsabilidade penal da pessoa jurídica seja inútil diante da alegação de que o representante legal da mesma não a dirige de fato e assim sendo, a decisão da qual acarretou o dano não lhe compete. A responsabilização penal dos entes coletivos foi adotada justamente devido a dificuldade de se provar que as decisões emanaram do representante legal. Deste modo, restringir o instituto para apenas os atos promovidos pelo representante legal seria atestar a ineficácia da responsabilidade penal das pessoas jurídicas pois ela seria barrada pelo mesmo obstáculo que sua criação visa superar (Cf. COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro & BELLO FILHO, Ney de Barros & Costa, Flávio Dino de Castro, Crimes e infrações administrativas ambientais, p.61-2). 

Como previsto ainda no caput do artigo 3º da Lei dos Crimes Ambientais, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas penalmente se a infração penal for executada em interesse ou para que sejam auferidos benefícios à mesma. Assim sendo, esta condição implica que, quando o representante legal ou terceiro utiliza a pessoa jurídica objetivando interesses e benefícios individuais, a responsabilidade penal não decai sobre o ente coletivo (Cf. PRADO, Luis Regis, Crimes contra o ambiente: anotações à lei 9.605, de 12 fev. 1998, p. 23). 

No parágrafo único do artigo em análise temos a previsão de que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas naturais que concorreram ou participaram do fato.

Este dispositivo evidencia a adoção, por parte do legislador pátrio, da teoria da co-autoria necessária entre o agente individual e o agente coletivo. Assim sendo, constitui fato notório a adoção de um sistema de dupla imputação a tal ponto que a apuração da responsabilização de um agente individual ou coletivo, não obsta a perseguição da tutela jurisdicional a quem concorreu ou participou do ilícito. Encontra-se caracterizado um mecanismo que impede que as pessoas naturais autoras de ilícitos penais ambientais se escondam na sombra das pessoas jurídicas (Cf. PRADO, Luis Regis, Crimes contra o ambiente: anotações à lei 9.605, de 12 fev. 1998, p. 23). 

Por fim, podemos concluir que, apesar das diversas falhas legislativas, restou louvável e plenamente justificada a inserção da responsabilidade penal das pessoas jurídicas no ordenamento jurídico brasileiro. Ao responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas o legislador, apesar de não demonstrar impecável maestria, criou uma eficaz ferramenta na consecução de seu objetivo maior que é proteger o meio ambiente como bem juridicamente tutelado, de seus maiores agressores.

3. Aplicação prática da responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais de acordo com a jurisprudência pátria.

Constitui fato assaz relevante que o entendimento favorável à responsabilização penal das pessoas jurídicas, apesar das calorosas opiniões em contrário, vem ganhando força. Prova disso, são os julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido.

A princípio podemos citar o Acórdão proferido nos autos do Recurso Especial nº. 889.528/SC pertencente a lavra do Excelentíssimo Senhor Ministro Félix Fischer da quinta turma do Superior Tribunal de Justiça. Este acórdão foi publicado no Diário de Justiça em 18/06/2007 e fixa o entendimento e a forma de aplicabilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais.

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ  e 13/06/2005 (Precedentes). Recurso especial provido (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp. 889.528/SC, 5ª Turma, Relator Min. Félix Fischer, D.J. 18/06/2007). 

Podemos constatar que o Superior Tribunal de Justiça preserva o entendimento da dupla imputação em casos de crimes ambientais. Deste modo, a pessoa jurídica, que geralmente é a pessoa a quem se destina a prática do crime ambiental, deve obrigatoriamente ser imputada juntamente com a pessoa natural, agente real da conduta perniciosa.

Outro exemplo da aceitação jurisprudencial, mais recente, pode ser vislumbrado no Acórdão proferido nos autos do Recurso Especial nº. 989.089/SC da lavra do Ministro Arnaldo Esteves Lima também da quinta turma julgadora do Superior Tribunal de Justiça, publicado em 28/09/2009 no Diário de Justiça, cuja a ementa está colacionada a seguir:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. DELITO AMBIENTAL.POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. RECURSOCONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" (REsp 889.528/SC, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ 18/6/07). 2. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para restabelecer a sentença condenatória em relação à empresa Dirceu Demartini ME (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp. 989.089/SC, 5ª Turma, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, D.J. 28/09/2009). 

Afinal percebemos que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas constitui apesar das divergências e entendimentos em contrário, uma ferramenta real do ordenamento jurídico brasileiro na prevenção das práticas perniciosas ao meio ambiente. De tal modo é o entendimento das cortes nacionais que a matéria controversa encontra-se hoje praticamente pacificada. A imputação penal das pessoas jurídicas no que tange os crimes ambientais é hoje uma realidade incontestável.

4. A Recente Decisão do Supremo Tribunal Federal: Fim da Teoria da Dupla Imputação?

Até pouco tempo atrás, o Supremo Tribunal Federal ainda não havia enfrentado diretamente o tema, prevalecendo, portanto, até então, a posição do STJ. Acontece que, recentemente, a 1ª Turma do STF, adotou corrente diversa daquela até então dominante. O STF entendeu que é admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa (1ª Turma. RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 6/8/2013).

Resumidamente, no caso julgado o MPF apresentou uma denúncia por crime ambiental contra a pessoa jurídica Petrbrás e também contra dois de seus dirigentes (o então Presidente da Companha e um superintendente de uma refinaria). Mesmo tendo sido recebida a denúncia, os acusados pessoas físicas conseguiram ser excluídos da ação penal por meio da impetração de um habeas corpus

Adotando o posicionamento já consolidado, o STJ decidiu que a pessoa jurídica deveria ser, obrigatoriamente, excluída do processo, em razão do afastamento das pessoas fisícas da ação penal. Consequentemente, o processo foi extinto.

Houve, então, recurso extraordinário para o STF, tenddo a 1ª Turma do STF, por maioria, cassado o acórdão do STJ. Segundo o entendimento adotado, a tese do STJ (Teoria da Dupla Imputação) viola a Constituição Federal. Isso porque o art. 225, § 3º, da CF/88 não condiciona a responsabilização da pessoa jurídica a uma identificação, e manutenção na relação jurídico-processual, da pessoa física ou natural. Mutatis Mutandis, a Carta Magna não exige que a pessoa jurídica seja, obrigatoriamente, denunciada em conjunto com pessoas físicas. 

Para o STF, ao se condicionar a imputabilidade da pessoa jurídica à da pessoa humana, estar-se-ia quase que a subordinar a responsabilização jurídico-criminal do ente moral à efetiva condenação da pessoa física, o que não foi o objetivo do § 3º do art. 225 da CF/88. Mesmo que se conclua que o legislador ordinário ainda não estabeleceu por completo os critérios de imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais, não há como deixar de reconhecer a possibilidade constitucional de responsabilização penal da pessoa jurídica sem necessidade de punição conjunta com a pessoa física.

O presente julgado representa uma grande reviravolta quanto ao tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica em relação aos crimes contra o meio-ambiente. A posição do Supremo diz ser plenamente possível a responsabilização penal da pessoa jurídica no caso de crimes ambientais, em razão da interpretação dada ao § 3º do art. 225 da CF/88. A pessoa jurídica pode ser punida penalmente por crimes ambientais ainda que não haja responsabilização de pessoas físicas.

Como forma de justificar essa corrente, utiliza-se um método literal. A responsabilidade penal da pessoa jurídica pode acontecer porque a CF/88 assim determinou. Vale ressaltar que o § 3º do art. 225 da CF/88 não exige, para que haja responsabilidade penal da pessoa jurídica, que pessoas físicas sejam também, obrigatoriamente, denunciadas.

Ressalte-se, inclusive, o posicionamento doutrinário neste sentido. Vladimir e Gilberto Passos de Freitas assim lecionam: “(...) a denúncia poderá ser dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria do delito. Com isto, a punição findava por ser na pessoa de um empregado, de regra o último elo da hierarquia da corporação. E quanto mais poderosa a pessoa jurídica, mais difícil se tornava identificar os causadores reais do dano. No caso de multinacionais, a dificuldade torna-se maior, e o agente, por vezes, nem reside no Brasil. Pois bem, agora o Ministério Púbico poderá imputar o crime às pessoas naturais e à pessoa jurídica, juntos ou separadamente. A opção dependerá do caso concreto.” (Crimes Contra a Natureza. São Paulo: RT, 2006, p. 70).

Dessa forma, caso esse posicionamento venha a ser consolidado em futuros julgados pela Suprema Corte, a Teoria da Dupla Imputação, que há tempos vem sendo adotada nos julgados que tratam da responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, poderá perder a sua utilidade. 

Essa posição do STF mostra um avanço do tratamento dado ao combate aos crimes contra o meio ambiente, uma vez que a afamada Teoria da Dupla Imputação sempre serviu de escudo para que não houvesse a responsabilização das pessoas jurídicas em crimes contra o meio ambiente. 

A Suprema Corte deu ao Meio Ambiente o tratamento que lhe é devido, em razão de ser um direito fundamental de toda a população, inclusive das gerações futuras, como determina o artigo 225 da Constituição Federal. 

5. Conclusão

Resta-nos evidentemente claro que o legislador pátrio adotou um posicionamento forte e adequado ao prever a responsabilidade penal das pessoas jurídicas na prática de ilícitos ambientais. Com a criação da Lei dos Crimes Ambientais, ele regulamentou a matéria prevista no §3º do artigo 225 da Constituição Federal, respondendo na medida certa, aos anseios e necessidades que o bem juridicamente tutelado exige. As eventuais falhas que a Lei nº 9.605/98 apresenta não podem servir de argumento para que este diploma legal não seja utilizado.

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais, na forma em que está prevista em nosso ordenamento jurídico, tem plena utilidade na proteção de um ecossistema equilibrado e saudável, sendo que a jurisprudência nacional está em vias de pacificar o entendimento neste sentido.

Concluimos que a nova posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal está em consonância com o espírito da Constituição Federal de 1988 e é um avanço na forma do tratamento em relação ao combate dos crimes contra o meio ambiente. Mostra-se lúcida a decisão de não adotar-se sempre a Teoria da Dupla Imputação, em razão de que tal teoria vinha servindo de escudo para infratores que causavam dano ao meio ambiente. 

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Sobre o autor
Bernardo Mafia Vieira

Formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG (2005/2009). Advogado nas áreas tributária, administrativa e cível, desde o ano de 2010. Integrante das Comissões de Direito Tributário e de Direito Desportivo da OAB/GO. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET (2010/2011). Aprovado nos Concursos: Fiscal de Tributos de Aparecida de Goiânia (2012); Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (2012); Advogado do Conselho Regional de Medicina Veterinária no Estado de Goiás (2013); Procurador do Estado de Goiás (2014).

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