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O recurso de agravo: as alterações trazidas pela Lei nº 11.187/2005 e sua repercussão prática sob a ótica da celeridade processual

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27/05/2014 às 08:23
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3. ALTERNATIVAS AO REGIME DO AGRAVO

Conforme já explanado, a Lei 11.187/2005 surgiu com o fito declarado de amenizar uma situação que há tempos proporciona críticas e inconformismo por grande parte da doutrina e dos próprios operadores do direito: a necessidade de se criar um mecanismo que permita a utilização eficaz do agravo, de forma a propiciar o correto manuseio do recurso, evitando-se, a todo custo, os entraves e embaraços causados pela sua interposição e tramitação inadequada.

Para tanto, dentre as inovações trazidas pela “Nova Lei do Agravo”, destaca-se a alteração na redação do art. 522 do Código de Processo Civil, que passou a estabelecer a confecção de agravo retido como regra de impugnação às decisões interlocutórias, restando à modalidade de instrumento, casos especiais que preenchessem os requisitos ali abordados.

Nesse sentido, o que antes era faculdade do agravante, escolher a modalidade do recurso a ser interposta, se perante juiz prolator do decisum ou diretamente no tribunal, agora, ou pelo menos em tese, é determinado pela lei. Ocorre que, apesar de expressa previsão da modalidade retida como regra de interposição do agravo, na prática, percebe-se que os agravantes ainda continuam a preferir a forma de instrumento, pelo argumento óbvio de ser a matéria julgada imediatamente, não precisando esperar que a demanda percorra toda a via processual até chegar ao tribunal.

Pode-se considerar que o número de agravos de instrumento nos tribunais ainda está longe do colimado pelo legislador, na media em que o recorrente não encontra qualquer empecilho ou obstáculo à sua interposição, apenas os critérios subjetivos do art. 522 do CPC, facilmente contornados.

Tal fato dá-se, inclusive, por ser a Lei 11.187/2005 uma norma aparentemente branda, vez que, ao colimar primordialmente a diminuição de impugnações a decisões interlocutórias por meio de agravo de instrumento, não trouxe consigo expressamente nenhuma espécie de sanção a ser aplicada ao peticionante que não obedecer devidamente a seus termos, quando da interposição do recurso pela via de exceção.

Na verdade, a única conseqüência literal a que se refere a Lei é a determinação, pelo relator, da conversão do agravo de instrumento em retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos referentes aos efeitos em que a apelação é recebida, devendo os autos serem remetidos ao juiz da causa.

Ora, o critério de encontrar-se o litigante suscetível a sofrer, em conseqüência de decisão interlocutória desfavorável, lesão grave e de difícil reparação é deveras abstrato, cabendo ao crivo de cada indivíduo a percepção de uma tutela que se apresente de certa forma urgente, sob risco de se mostrar a prestação jurisdicional totalmente inócua. Cabe ressaltar que o prejudicado por vezes conclui que o fato de a decisão ser proferida em desacordo com seu interesse lhe permite acionar a Justiça na busca desenfreada de uma inversão da situação, acreditando ser-lhe viável apenas o caminho mais célere.

Ademais, uma das grandes novidades do agravo é admitir que o próprio relator possa atribuir-lhe efeito suspensivo, retirando do mundo jurídico a decisão impugnada, suspendendo seu cumprimento até pronunciamento final do tribunal, desde que relevante a fundamentação e assente o perigo de sofrer a agravante lesão grave e de difícil reparação.

Nesse sentido, o peticionante acaba por arrematar, precipitadamente, em utilizar o agravo na modalidade de instrumento, haja vista ser o recurso de rito menos demorado, interposto diretamente nos tribunais e com distribuição incontinenti, podendo, ainda, desde logo suspender os efeitos da decisão vergastada, quando na verdade o meio a ser utilizado seria a regra, a forma retida.

Ainda acerca dessa margem que a “Nova Lei do Agravo” proporciona ao peticionante, outro aspecto merece um enfoque ainda maior, dada a sua relevância à celeridade processual. Trata-se da utilização do agravo de instrumento pelos operadores do direito com o fito exclusivo de obstar o andamento do processo, de maneira a contribuir com o problema da demora eficaz aplicação da tutela jurisdicional.

Um dos mais angustiantes entraves com que se defrontam os tribunais prende-se, sem dúvida, aos recursos meramente protelatórios, em que o recorrente se vale do recurso, não para buscar Justiça, proteger um direito, mas apenas para procrastinar o trânsito em julgado de uma decisão.

Há que se destacar que a existência de agravos nos tribunais, no mais das vezes, atua como forma de retardamento do provimento judicial. O excesso desse recurso prejudica inconvenientemente a tramitação e julgamento dos demais recursos de segunda instância, posto que é tido como prioritário frente aos demais.

É certo que esse ato eminentemente protelatório, utilizado em grande escala, não sofre qualquer sanção, vez que, conforme já delineado, a Lei 11.187/2005 é claudicante nesse ponto. Em outras palavras, o máximo que pode acontecer é a conversão do agravo de instrumento em retido, sendo enviado ao juiz a quo, onde deveria ter sido primeiramente interposto.

Dessa forma, o procurador, nos atributos de sua função, utiliza de todos os meios cabíveis a defender os interesses de seu protegido, mesmo que isso se resuma a dificultar uma eficiente prestação jurisdicional. Essa prática, repita-se, tem sido utilizada reiteradas vezes em virtude da completa ausência de rigor a que estão sujeitos, haja vista a Lei do Agravo ser bastante branda ao facultar ao interessado a alegação de urgência na medida requestada, mesmo quando explicitamente inexiste fundamento.

Outra medida não aplicada à nova tramitação e processamento do agravo é a imposição de taxas e custas com o escopo de eliminar ou pelo menos diminuir a quantidade de recursos dessa espécie interpostos com o interesse de somente levar ao conhecimento do juízo ad quem uma questão que sequer acarreta prejuízo ao peticionante ou lhe diminui o patrimônio, apenas por causar-lhe inconformismo.

A majoração dos valores a serem desembolsados pelo agravante, quando da interposição do agravo na forma instrumento, implicaria num exame mais rigoroso acerca da necessidade de atribuição de um possível efeito suspensivo à decisão atacada, haja vista a tutela buscada nem mesmo clamar pela urgência a que está adstrito o uso da modalidade de exceção.

Dessa forma, somente nos casos em que a urgência na prestação jurisdicional estiver bem evidenciada é que o peticionante utilizaria do agravo de instrumento, haja vista o elevado custo do recurso, não sendo viável a sua confecção de caráter meramente protelatório, o que indiretamente contribuiria para a celeridade processual. Para aqueles que defendem uma possível afronta ao princípio do pleno acesso ao Judiciário, Ampla defesa e Contraditório, por tratar de uma medida de caráter eminentemente restritivo, resta ainda a revisão da matéria por meio do agravo retido, a regra a ser seguida na maioria dos casos, conforme dispõe a Nova Lei do Agravo.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que a legislação processual civil preveja que as decisões interlocutórias devam ser impugnadas mediante agravo na modalidade retida, é inegável que, na prática, a interposição do agravo na modalidade por instrumento é utilizada com mais frequência, mesmo com a restrição de suas hipóteses de cabimento, conforme já se salientou. A opção do legislador, sem sombra de dúvida, foi deixar o agravo de instrumento como sendo o recurso cabível apenas em casos excepcionais, quando expressamente autorizada a sua interposição.

Entretanto, em que pese a intenção do legislador, o que se percebe é que o agravo de instrumento é quase sempre utilizado para se impugnar qualquer tipo de decisão interlocutória, ficando o agravo retido sem qualquer utilidade para o processo. Mais precisamente, fica evidente que não andou bem o legislador, a partir do momento em que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil não surtiram efeito, sobretudo se pensarmos que os tribunais pátrios ainda continuam abarrotados de agravos de instrumento, dificultando a prestação da jurisdição com maior brevidade.

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Na verdade, o agravo retido é um recurso sem utilidade prática, na medida em que não traz para o jurisdicionado qualquer retorno positivo, tanto porque o lesado não opta por interpor o agravo nesta modalidade, como também facilita a interposição do agravo na modalidade de instrumento e, consequentemente, prejudica a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva, pois contribui para o aumento da taxa de congestionamento de processos nos tribunais.    

Dessa forma, conclui-se que modificações introduzidas pela Lei 11.187/2005 não alcançaram os reais objetivos traçados, seja na intenção de dinamizar o rito do agravo de instrumento, tornando-o um recurso mais célere no alcance de suas finalidades, seja na busca de desestimular o seu uso patológico e o abuso do direito de agravar, preservando a aplicação do direito e a efetividade da prestação jurisdicional.    


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

I - negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557;

[2] Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

§ 1o-A - Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

§ 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

§ 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

[3] II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)

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Sobre o autor
Fernando Fortes Said Filho

Mestrando em Direito Público pela UNISINOS, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp, Especialista em Direito Eleitoral pela UFPI, Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Piauí, Advogado militante, professor substituto da Universidade Estadual do Piauí – UESPI, professor universitário da Faculdade Piauiense - FAP e da Escola Superior da Advocacia Piauiense – ESAPI, graduado em bacharelado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAID FILHO, Fernando Fortes. O recurso de agravo: as alterações trazidas pela Lei nº 11.187/2005 e sua repercussão prática sob a ótica da celeridade processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3982, 27 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28875. Acesso em: 26 abr. 2024.

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