9. A execução específica assegurada pelo art. 461
O art. 461 não teria maior significação se tivesse sido concebido apenas como meio de garantir o acesso à complicada execução forçada dos arts. 634 e seguintes do CPC, dado que é notória sua complexidade bem como sua escassa aptidão prática para levar rapidamente o credor à satisfação in natura de seu direito.
O que, em primeiro lugar, visou o legislador, no novo texto do art. 461, foi assegurar para o credor um julgamento que lhe propiciasse, na medida do possível, a prestação in natura [13], e ainda no âmbito do processo de conhecimento, obter medidas de tutela diferenciada, que, diante de particularidade do caso concreto pudessem reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e, se necessário, abreviar o acesso à satisfação de seu direito material.
Não se pode pretender que a execução forçada dos arts. 634 e seguintes do CPC tenha sido suprimida pela adoção da nova sistemática do art. 461. Nem sempre o juiz usará a tutela antecipada, que mesmo para as obrigações de fazer e não fazer continua subordinada às regras gerais do art. 273. Outras vezes, o uso de faculdades criadas pelo art. 461 servirá para determinar apenas o que será o objeto da execução do art. 634 e como ele será aplicado a seu tempo, ou seja, após a coisa julgada [14].
Muitas vezes, porém, acolhida a antecipação de tutela em moldes de maior amplitude, pelas características do caso concreto - como, por exemplo, no caso de demolição autorizada antecipadamente, ou de conclusão de obra, em igual conjuntura - totalmente afastada ficará a observância posterior da execução forçada tradicional. Aliás, a feição interdital do processo de conhecimento autorizada genericamente pelo art. 273, e não apenas especificamente pelo art. 461, traz como conseqüência a possibilidade de as duas funções jurisdicionais - conhecimento e execução - fundirem-se num mesmo processo [15]. Numa só relação processual o juiz acerta o direito da parte e o realiza, de sorte que a sentença, diante da tutela executiva antecipada, em sendo procedente a demanda, se limitará a tornar definitiva a providência satisfativa já tomada em favor do autor. Desaparecerá a actio iudicati, por falta de objeto.
Correta, nessa ordem de idéias, a observação de ADA PELLEGRINI GRINOVER, para quem "a execução em que o credor pedir o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, determinada em título judicial, será instaurada quando a tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao adimplemento não tiverem sido obtidos nos termos do art. 461" [16].
Pode-se concluir que o art. 461, posto que incluído entre as normas do processo de conhecimento, não se limita a propiciar apenas atividade cognitiva ou de acertamento. Em princípio, sim, o processo apoiado no art. 461 continuará sendo de acertamento e o juiz cuidará de definir o direito da parte e de assegurar-lhe convenientemente a execução específica para depois da sentença. Casos, porém, ocorrerão em que os provimentos antecipatórios e as medidas de apoio se concretizarão ainda na pendência do processo de conhecimento, eliminando-se, praticamente, a separação, em processos autônomos e distintos, entre cognição e execução [17].
10. Medidas sub-rogatórias para reforçar a exeqüibilidade in natura
Comprometido o processo moderno com a execução específica das obrigações de fazer e não fazer, a lei haverá de propiciar à parte meios imperativos para buscar o resultado prático a que corresponde o direito subjetivo do credor. Variados poderão ser esses expedientes, se a obrigação for fungível, isto é, realizável por ato de terceiro; ficarão, todavia, restritos à cominação de multa (astreinte) se, por ser infungível, apenas o devedor puder realizar, pessoalmente, a prestação a que se obrigou [18].
Na verdade, a nova postura legislativa é de valorização da execução específica, ainda quando a obrigação de fazer seja infungível. Por meio da cominação de multa diária por atraso no cumprimento da prestação devida, tenta-se compelir o devedor a realizá-la, antes de convertê-la em perdas e danos. A multa, porém, não chega, por si só, a realizar a prestação a que tem direito o credor. Em muitos casos, porém, essa prestação pode, perfeitamente, ser alcançada por obra do credor ou de terceiro, cabendo ao devedor suportar o respectivo custo. Outras vezes, não se alcança exatamente a prestação devida, mas chega-se a resultado prático a ela equivalente. Fala-se, então em meios sub-rogatórios, que vêm a ser todo e qualquer expediente adotado pelo juiz para alcançar, como ou sem a cooperação do devedor, o resultado correspondente à prestação devida.
A mais enérgica medida para agir sobre o ânimo do devedor, é sem dúvida, a sanção pecuniária, a multa. Esta pode ser cominada tanto no caso das obrigações infungíveis como das obrigações fungíveis, com uma diferença, porém: a) se se tratar de obrigação infungível, não substituirá a prestação devida, porque a astreinte não tem caráter indenizatório. Não cumprida a obrigação personalíssima, mesmo com a imposição de multa diária, o devedor afinal ficará sujeito ao pagamento tanto da multa como das perdas e danos; b) se o caso for de obrigação fungível, a multa continuará mantendo seu caráter de medida coertiva, isto é, meio de forçar a realização da prestação pelo próprio devedor, mas não excluirá a aplicação dos atos executivos que, afinal, proporcionarão ao credor a exata prestação a que tem direito, com ou sem a colaboração pessoal do inadimplente.
11. O emprego de meios sub-rogatórios em relação a obrigações fungíveis
Como meios sub-rogatórios entendem-se as medidas que, sem depender da colaboração do devedor, podem levar ao resultado prático desejado [19].
O primeiro expediente que se manifestou como meio sub-rogatório utilizável nas execuções de obrigações de fazer foi a substituição da declaração de vontade nos compromissos de contratar pela sentença judicial. Entendia-se a princípio que a promessa de declaração de vontade compreendia obrigação de fazer infungível, já que somente o devedor tinha condições para manifestar sua própria vontade. O direito evoluiu, no entanto para a fungibilidade, pois sem nenhum constrangimento direto e pessoal ao devedor, bastaria a lei conferir a outrem a função de declarar vontade em lugar do devedor. E foi o que se fez ao criar-se a ação de adjudicação compulsória em que o juiz, diante da recusa do promitente a outorgar o contrato definitivo, profere sentença que o substitui e produz em favor do promissário todos os efeitos jurídicos que deveriam ser gerados pela declaração sonegada pelo devedor inadimplente.
Com a sentença do procedimento previsto nos arts. 639 a 641 do CPC, o credor obtém, portanto, execução específica da obrigação de fazer contida na promessa de contratar. Por expediente diverso do contrato prometido chega-se a efeito jurídico e prático a ele equivalente.
O segundo meio de buscar o efeito visado pela obrigação de fazer,, já antigo em nosso direito processual, é a multa diária (a astreinte) a que já nos referimos. Essa cominação, porém, não produz uma sub-rogação plena, porque sua força é apenas intimidativa: pela coação econômica procura-se demover o devedor de sua postura de resistência ao cumprimento da prestação devida [20]. Não se chega, só por meio dela, à satisfação do direito do credor. Quando muito amedronta-se o devedor, fragilizando sua vontade de não cumprir a obrigação e criando clima de favorecimento prático ao adimplemento pelo próprio devedor. É meio indireto de execução, portanto [21].
Há, na nova sistemática do art. 461 algumas inovações importantes no emprego da multa na tutela judicial às obrigações de fazer e não fazer:
a)a aplicação da multa não se liga a poder discricionário do juiz; sempre que esta for "suficiente e compatível com a obrigação" (art. 461, § 4º), terá o juiz de aplicá-la". Só ficará descartado o emprego da multa quando esta revelar-se absolutamente inócua ou descabida, em virtude das circunstâncias" [22]. Imagine-se a situação em que após o inadimplemento a prestação se tornou impossível. Não teria sentido, obviamente, impor multa coercitiva a um devedor que não mais tem como cumprir a prestação. Só restaria ao credor, em semelhante situação, reclamar a compensação das perdas e danos, se a impossibilidade se dever à culpa do devedor. Pode-se pensar também na inadequação da multa quando o devedor estiver comprovadamente insolvente;
b)uma vez cabível a multa, o juiz não dependerá de requerimento da parte para aplicá-la; deverá fazê-lo de ofício, como prevê o art. 461, § 4º [23];
c)o juiz não pode simplesmente multar o devedor; deve, sempre que usar a astreinte, fixar "prazo razoável para cumprimento da obrigação" (art. 461, § 4º); somente depois de seu escoamento é que, persistindo o inadimplemento, o devedor estará sujeito à pena cominada [24];
d)não apresenta a lei parâmetros obrigatórios para a fixação da multa; cabe ao juiz agir com prudência a fim de arbitrar multa que seja, segundo o mandamento legal, "suficiente ou compatível" com a obrigação. Cabe-lhe procurar a "adequação", que vem a ser o juízo de possibilidade de a multa realmente servir para provocar o cumprimento da obrigação, segundo a visão que o juiz tenha da causa [25]; não se multa só com o propósito de penalizar o inadimplente e muito menos com o direto e único intento de arruiná-lo economicamente; é necessário que a medida sancionatória seja de fato útil e adequada ao fim proposto [26]. É de acolher-se a ponderação de CARREIRA ALVIM, segundo a qual embora o valor da multa possa, em tese, ultrapassar o valor da obrigação, a sua fixação, deve, na prática, guardar certa proporção com o dano experimentado pelo autor, em função da obrigação inadimplida. Em outros termos, deve conter-se num valor razoável, consoante as condições econômico-financeiras do devedor, sob pena de tornar-se tão ineficaz quanto a condenação principal;
e)a multa tanto pode ser aplicada pela sentença final de mérito, como por medida de antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Naturalmente, para fazê-la incidir antes do julgamento definitivo da causa, o juiz haverá de apoiar-se em dados que justifiquem, in concreto, a tutela antecipada;
f)a multa uma vez fixada não se torna imutável, pois ao juiz da execução atribui-se poder de ampliá-la ou reduzi-la, para mantê-la dentro dos parâmetros variáveis, mas sempre necessários, da "suficiência" e da "compatibilidade" [27]; mesmo quando a multa seja estabelecida na sentença final, o trânsito em julgado não impede ocorra sua revisão durante o processo de execução; ela não integra o mérito da sentença e como simples medida executiva indireta não se recobre do manto da res iudicata [28];
g)a multa vigora a partir do momento fixado pela decisão, o qual se dará quando expirar o prazo razoável assinado pelo juiz para o cumprimento voluntário da obrigação. Vigorá, outrossim, crescendo dia a dia, enquanto durar a inadimplência e enquanto for idônea para pressionar o devedor a realizar a prestação devida. Uma vez evidenciado que não há mais como exigir-se a prestação in natura, não terá como se prosseguir na imposição da pena diária. Não tem sentido, por exemplo, insistir na sua aplicação enquanto não forem pagas as perdas e danos. Se a obrigação se converter em perdas e danos, já não há mais razão para praticar um expediente sub-rogatório cuja existência pressupõe a exigibilidade in natura da obrigação de fazer. In casu, o devedor permanecerá responsável pelas astreintes vencidas até quando se constatou a inviabilidade do prosseguimento da execução específica [29].
Por outro lado, enquanto for viável obter-se a prestação in natura, continuará cabível a multa, ainda que ultrapasse o valor da dívida, porque a astreinte não é meio de satisfação da obrigação, mas simples meio de pressão. Há, porém, quem não admita uma perpetuação da multa, principalmente depois que seu montante acumulado já tenha ultrapassado o valor total da obrigação. O STJ já chegou a declarar que, na espécie, poderia ocorrer um enriquecimento sem causa [30]. Na doutrina, também, há vozes abalizadas recomendando, depois de passado algum tempo sem que a multa tenha produzido o esperado efeito, que o juiz faça cessar a incidência das astreintes. Para essa doutrina, a situação evidenciaria a impossibilidade de a multa conduzir ao resultado específico, ou pelo menos a inadequação da multa para tanto [31].
A meu ver, não se deve adotar nenhuma posição rígida a respeito do tema. O fato de prolongar-se muito a inadimplência, mesmo depois de cominada a multa diária, representará, sem dúvida, motivo para melhor avaliação da pena como medida executiva indireta e funcionará como indício de sua inadequação à espécie do processo. Mas daí a dizer, só por isso que, ela deverá cessar de incidir, vai uma distância muito grande e o argumento envolve um raciocínio nem sempre convincente. O devedor pode justamente estar se prevalecendo de seu poderio econômico para prejudicar o credor, que depende substancialmente da prestação in natura para seus negócios. Parece-me correta a ponderação de EDUARDO TALAMINI de que o juiz não pode singularmente "premiar a recalcitrância do réu". Em vez de se preocupar com o possível "enriquecimento sem causa" gerado pela indefinida protelação do cumprimento da sentença, deverá o juiz indagar se houve algum outro motivo para concluir que a multa se tornou inadequada ao seu objetivo institucional [32].
h)exigibilidade da multa: se a imposição se der na sentença, naturalmente sua exigência se dará na execução do referido julgado. Dependerá, todavia, de prévia liqüidação, em que se comprove o inadimplemento e a respectiva duração, para aperfeiçoamento do título executivo judicial.
O problema torna-se mais complexo e suscita a formação de divergências doutrinárias, quando se trata de cobrar a multa aplicada em antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Para CÂNDIDO DINAMARCO, tal multa somente se tornaria exigível depois do trânsito em julgado da sentença definitiva [33]. Assim pensa, também, ADA PELLEGRINI GRINOVER [34].
Para TALAMINI, todavia, o que se tem de indagar é a finalidade da multa. Se ela foi estipulada em antecipação de tutela, para assegurar desde logo o provimento antecipado, deve ser exigível de pronto. Muito embora, deva se atentar para o caráter provisório de tal execução (CPC, art. 588, c/c art. 273, § 3º) [35]. Parece-me que se o juiz usou a multa como expediente para forçar o cumprimento imediato da prestação de fazer, não se deve recusar sua exigibilidade também imediata. O mesmo, porém, não acontecerá se a fixação liminar da multa não se vinculou aos pressupostos do art. 273 e 461, § 1º, necessários a exigir do réu a submissão antecipada os efeitos da tutela de mérito. Limitando-se o juiz a estipular a astreinte antes da sentença, sua exigibilidade, então, dependerá do ulterior trânsito em julgado, muito embora o dies a quo de seu cálculo possa retroagir ao momento fixado pela decisão primitiva.
i)Forma de execução de multa: a multa, em qualquer situação deverá ser exigida sob o rito da execução por quantia certa [36].
Mesmo quando o devedor só esteja incurso na multa estipulada em antecipação de tutela, não há na cobrança urgência para o credor capaz de justificar o afastamento do rito normal da execução por quantia certa.
Não é possível executar-se multa judicial, qualquer que seja ela, sem previamente submetê-la ao procedimento liqüidatório. Só após tal procedimento é que se terá o título executivo judicial líqüido, certo e exigível [37]. Essa liquidação compreenderá não só a comprovação de que a prestação não se cumpriu no prazo assinado, como também de quanto durou o retardamento. Se esses dados já estiverem certificados nos autos, a liqüidação se resumirá num simples cálculo aritmético; havendo necessidade de apuração de dados novos, o procedimento terá de ser o da liqüidação por artigos.