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Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer

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01/04/2002 às 00:00
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9. A execução específica assegurada pelo art. 461

O art. 461 não teria maior significação se tivesse sido concebido apenas como meio de garantir o acesso à complicada execução forçada dos arts. 634 e seguintes do CPC, dado que é notória sua complexidade bem como sua escassa aptidão prática para levar rapidamente o credor à satisfação in natura de seu direito.

O que, em primeiro lugar, visou o legislador, no novo texto do art. 461, foi assegurar para o credor um julgamento que lhe propiciasse, na medida do possível, a prestação in natura [13], e ainda no âmbito do processo de conhecimento, obter medidas de tutela diferenciada, que, diante de particularidade do caso concreto pudessem reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e, se necessário, abreviar o acesso à satisfação de seu direito material.

Não se pode pretender que a execução forçada dos arts. 634 e seguintes do CPC tenha sido suprimida pela adoção da nova sistemática do art. 461. Nem sempre o juiz usará a tutela antecipada, que mesmo para as obrigações de fazer e não fazer continua subordinada às regras gerais do art. 273. Outras vezes, o uso de faculdades criadas pelo art. 461 servirá para determinar apenas o que será o objeto da execução do art. 634 e como ele será aplicado a seu tempo, ou seja, após a coisa julgada [14].

Muitas vezes, porém, acolhida a antecipação de tutela em moldes de maior amplitude, pelas características do caso concreto - como, por exemplo, no caso de demolição autorizada antecipadamente, ou de conclusão de obra, em igual conjuntura - totalmente afastada ficará a observância posterior da execução forçada tradicional. Aliás, a feição interdital do processo de conhecimento autorizada genericamente pelo art. 273, e não apenas especificamente pelo art. 461, traz como conseqüência a possibilidade de as duas funções jurisdicionais - conhecimento e execução - fundirem-se num mesmo processo [15]. Numa só relação processual o juiz acerta o direito da parte e o realiza, de sorte que a sentença, diante da tutela executiva antecipada, em sendo procedente a demanda, se limitará a tornar definitiva a providência satisfativa já tomada em favor do autor. Desaparecerá a actio iudicati, por falta de objeto.

Correta, nessa ordem de idéias, a observação de ADA PELLEGRINI GRINOVER, para quem "a execução em que o credor pedir o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, determinada em título judicial, será instaurada quando a tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao adimplemento não tiverem sido obtidos nos termos do art. 461" [16].

Pode-se concluir que o art. 461, posto que incluído entre as normas do processo de conhecimento, não se limita a propiciar apenas atividade cognitiva ou de acertamento. Em princípio, sim, o processo apoiado no art. 461 continuará sendo de acertamento e o juiz cuidará de definir o direito da parte e de assegurar-lhe convenientemente a execução específica para depois da sentença. Casos, porém, ocorrerão em que os provimentos antecipatórios e as medidas de apoio se concretizarão ainda na pendência do processo de conhecimento, eliminando-se, praticamente, a separação, em processos autônomos e distintos, entre cognição e execução [17].


10. Medidas sub-rogatórias para reforçar a exeqüibilidade in natura

Comprometido o processo moderno com a execução específica das obrigações de fazer e não fazer, a lei haverá de propiciar à parte meios imperativos para buscar o resultado prático a que corresponde o direito subjetivo do credor. Variados poderão ser esses expedientes, se a obrigação for fungível, isto é, realizável por ato de terceiro; ficarão, todavia, restritos à cominação de multa (astreinte) se, por ser infungível, apenas o devedor puder realizar, pessoalmente, a prestação a que se obrigou [18].

Na verdade, a nova postura legislativa é de valorização da execução específica, ainda quando a obrigação de fazer seja infungível. Por meio da cominação de multa diária por atraso no cumprimento da prestação devida, tenta-se compelir o devedor a realizá-la, antes de convertê-la em perdas e danos. A multa, porém, não chega, por si só, a realizar a prestação a que tem direito o credor. Em muitos casos, porém, essa prestação pode, perfeitamente, ser alcançada por obra do credor ou de terceiro, cabendo ao devedor suportar o respectivo custo. Outras vezes, não se alcança exatamente a prestação devida, mas chega-se a resultado prático a ela equivalente. Fala-se, então em meios sub-rogatórios, que vêm a ser todo e qualquer expediente adotado pelo juiz para alcançar, como ou sem a cooperação do devedor, o resultado correspondente à prestação devida.

A mais enérgica medida para agir sobre o ânimo do devedor, é sem dúvida, a sanção pecuniária, a multa. Esta pode ser cominada tanto no caso das obrigações infungíveis como das obrigações fungíveis, com uma diferença, porém: a) se se tratar de obrigação infungível, não substituirá a prestação devida, porque a astreinte não tem caráter indenizatório. Não cumprida a obrigação personalíssima, mesmo com a imposição de multa diária, o devedor afinal ficará sujeito ao pagamento tanto da multa como das perdas e danos; b) se o caso for de obrigação fungível, a multa continuará mantendo seu caráter de medida coertiva, isto é, meio de forçar a realização da prestação pelo próprio devedor, mas não excluirá a aplicação dos atos executivos que, afinal, proporcionarão ao credor a exata prestação a que tem direito, com ou sem a colaboração pessoal do inadimplente.


11. O emprego de meios sub-rogatórios em relação a obrigações fungíveis

Como meios sub-rogatórios entendem-se as medidas que, sem depender da colaboração do devedor, podem levar ao resultado prático desejado [19].

O primeiro expediente que se manifestou como meio sub-rogatório utilizável nas execuções de obrigações de fazer foi a substituição da declaração de vontade nos compromissos de contratar pela sentença judicial. Entendia-se a princípio que a promessa de declaração de vontade compreendia obrigação de fazer infungível, já que somente o devedor tinha condições para manifestar sua própria vontade. O direito evoluiu, no entanto para a fungibilidade, pois sem nenhum constrangimento direto e pessoal ao devedor, bastaria a lei conferir a outrem a função de declarar vontade em lugar do devedor. E foi o que se fez ao criar-se a ação de adjudicação compulsória em que o juiz, diante da recusa do promitente a outorgar o contrato definitivo, profere sentença que o substitui e produz em favor do promissário todos os efeitos jurídicos que deveriam ser gerados pela declaração sonegada pelo devedor inadimplente.

Com a sentença do procedimento previsto nos arts. 639 a 641 do CPC, o credor obtém, portanto, execução específica da obrigação de fazer contida na promessa de contratar. Por expediente diverso do contrato prometido chega-se a efeito jurídico e prático a ele equivalente.

O segundo meio de buscar o efeito visado pela obrigação de fazer,, já antigo em nosso direito processual, é a multa diária (a astreinte) a que já nos referimos. Essa cominação, porém, não produz uma sub-rogação plena, porque sua força é apenas intimidativa: pela coação econômica procura-se demover o devedor de sua postura de resistência ao cumprimento da prestação devida [20]. Não se chega, só por meio dela, à satisfação do direito do credor. Quando muito amedronta-se o devedor, fragilizando sua vontade de não cumprir a obrigação e criando clima de favorecimento prático ao adimplemento pelo próprio devedor. É meio indireto de execução, portanto [21].

Há, na nova sistemática do art. 461 algumas inovações importantes no emprego da multa na tutela judicial às obrigações de fazer e não fazer:

a)a aplicação da multa não se liga a poder discricionário do juiz; sempre que esta for "suficiente e compatível com a obrigação" (art. 461, § 4º), terá o juiz de aplicá-la". Só ficará descartado o emprego da multa quando esta revelar-se absolutamente inócua ou descabida, em virtude das circunstâncias" [22]. Imagine-se a situação em que após o inadimplemento a prestação se tornou impossível. Não teria sentido, obviamente, impor multa coercitiva a um devedor que não mais tem como cumprir a prestação. Só restaria ao credor, em semelhante situação, reclamar a compensação das perdas e danos, se a impossibilidade se dever à culpa do devedor. Pode-se pensar também na inadequação da multa quando o devedor estiver comprovadamente insolvente;

b)uma vez cabível a multa, o juiz não dependerá de requerimento da parte para aplicá-la; deverá fazê-lo de ofício, como prevê o art. 461, § 4º [23];

c)o juiz não pode simplesmente multar o devedor; deve, sempre que usar a astreinte, fixar "prazo razoável para cumprimento da obrigação" (art. 461, § 4º); somente depois de seu escoamento é que, persistindo o inadimplemento, o devedor estará sujeito à pena cominada [24];

d)não apresenta a lei parâmetros obrigatórios para a fixação da multa; cabe ao juiz agir com prudência a fim de arbitrar multa que seja, segundo o mandamento legal, "suficiente ou compatível" com a obrigação. Cabe-lhe procurar a "adequação", que vem a ser o juízo de possibilidade de a multa realmente servir para provocar o cumprimento da obrigação, segundo a visão que o juiz tenha da causa [25]; não se multa só com o propósito de penalizar o inadimplente e muito menos com o direto e único intento de arruiná-lo economicamente; é necessário que a medida sancionatória seja de fato útil e adequada ao fim proposto [26]. É de acolher-se a ponderação de CARREIRA ALVIM, segundo a qual embora o valor da multa possa, em tese, ultrapassar o valor da obrigação, a sua fixação, deve, na prática, guardar certa proporção com o dano experimentado pelo autor, em função da obrigação inadimplida. Em outros termos, deve conter-se num valor razoável, consoante as condições econômico-financeiras do devedor, sob pena de tornar-se tão ineficaz quanto a condenação principal;

e)a multa tanto pode ser aplicada pela sentença final de mérito, como por medida de antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Naturalmente, para fazê-la incidir antes do julgamento definitivo da causa, o juiz haverá de apoiar-se em dados que justifiquem, in concreto, a tutela antecipada;

f)a multa uma vez fixada não se torna imutável, pois ao juiz da execução atribui-se poder de ampliá-la ou reduzi-la, para mantê-la dentro dos parâmetros variáveis, mas sempre necessários, da "suficiência" e da "compatibilidade" [27]; mesmo quando a multa seja estabelecida na sentença final, o trânsito em julgado não impede ocorra sua revisão durante o processo de execução; ela não integra o mérito da sentença e como simples medida executiva indireta não se recobre do manto da res iudicata [28];

g)a multa vigora a partir do momento fixado pela decisão, o qual se dará quando expirar o prazo razoável assinado pelo juiz para o cumprimento voluntário da obrigação. Vigorá, outrossim, crescendo dia a dia, enquanto durar a inadimplência e enquanto for idônea para pressionar o devedor a realizar a prestação devida. Uma vez evidenciado que não há mais como exigir-se a prestação in natura, não terá como se prosseguir na imposição da pena diária. Não tem sentido, por exemplo, insistir na sua aplicação enquanto não forem pagas as perdas e danos. Se a obrigação se converter em perdas e danos, já não há mais razão para praticar um expediente sub-rogatório cuja existência pressupõe a exigibilidade in natura da obrigação de fazer. In casu, o devedor permanecerá responsável pelas astreintes vencidas até quando se constatou a inviabilidade do prosseguimento da execução específica [29].

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Por outro lado, enquanto for viável obter-se a prestação in natura, continuará cabível a multa, ainda que ultrapasse o valor da dívida, porque a astreinte não é meio de satisfação da obrigação, mas simples meio de pressão. Há, porém, quem não admita uma perpetuação da multa, principalmente depois que seu montante acumulado já tenha ultrapassado o valor total da obrigação. O STJ já chegou a declarar que, na espécie, poderia ocorrer um enriquecimento sem causa [30]. Na doutrina, também, há vozes abalizadas recomendando, depois de passado algum tempo sem que a multa tenha produzido o esperado efeito, que o juiz faça cessar a incidência das astreintes. Para essa doutrina, a situação evidenciaria a impossibilidade de a multa conduzir ao resultado específico, ou pelo menos a inadequação da multa para tanto [31].

A meu ver, não se deve adotar nenhuma posição rígida a respeito do tema. O fato de prolongar-se muito a inadimplência, mesmo depois de cominada a multa diária, representará, sem dúvida, motivo para melhor avaliação da pena como medida executiva indireta e funcionará como indício de sua inadequação à espécie do processo. Mas daí a dizer, só por isso que, ela deverá cessar de incidir, vai uma distância muito grande e o argumento envolve um raciocínio nem sempre convincente. O devedor pode justamente estar se prevalecendo de seu poderio econômico para prejudicar o credor, que depende substancialmente da prestação in natura para seus negócios. Parece-me correta a ponderação de EDUARDO TALAMINI de que o juiz não pode singularmente "premiar a recalcitrância do réu". Em vez de se preocupar com o possível "enriquecimento sem causa" gerado pela indefinida protelação do cumprimento da sentença, deverá o juiz indagar se houve algum outro motivo para concluir que a multa se tornou inadequada ao seu objetivo institucional [32].

h)exigibilidade da multa: se a imposição se der na sentença, naturalmente sua exigência se dará na execução do referido julgado. Dependerá, todavia, de prévia liqüidação, em que se comprove o inadimplemento e a respectiva duração, para aperfeiçoamento do título executivo judicial.

O problema torna-se mais complexo e suscita a formação de divergências doutrinárias, quando se trata de cobrar a multa aplicada em antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Para CÂNDIDO DINAMARCO, tal multa somente se tornaria exigível depois do trânsito em julgado da sentença definitiva [33]. Assim pensa, também, ADA PELLEGRINI GRINOVER [34].

Para TALAMINI, todavia, o que se tem de indagar é a finalidade da multa. Se ela foi estipulada em antecipação de tutela, para assegurar desde logo o provimento antecipado, deve ser exigível de pronto. Muito embora, deva se atentar para o caráter provisório de tal execução (CPC, art. 588, c/c art. 273, § 3º) [35]. Parece-me que se o juiz usou a multa como expediente para forçar o cumprimento imediato da prestação de fazer, não se deve recusar sua exigibilidade também imediata. O mesmo, porém, não acontecerá se a fixação liminar da multa não se vinculou aos pressupostos do art. 273 e 461, § 1º, necessários a exigir do réu a submissão antecipada os efeitos da tutela de mérito. Limitando-se o juiz a estipular a astreinte antes da sentença, sua exigibilidade, então, dependerá do ulterior trânsito em julgado, muito embora o dies a quo de seu cálculo possa retroagir ao momento fixado pela decisão primitiva.

i)Forma de execução de multa: a multa, em qualquer situação deverá ser exigida sob o rito da execução por quantia certa [36].

Mesmo quando o devedor só esteja incurso na multa estipulada em antecipação de tutela, não há na cobrança urgência para o credor capaz de justificar o afastamento do rito normal da execução por quantia certa.

Não é possível executar-se multa judicial, qualquer que seja ela, sem previamente submetê-la ao procedimento liqüidatório. Só após tal procedimento é que se terá o título executivo judicial líqüido, certo e exigível [37]. Essa liquidação compreenderá não só a comprovação de que a prestação não se cumpriu no prazo assinado, como também de quanto durou o retardamento. Se esses dados já estiverem certificados nos autos, a liqüidação se resumirá num simples cálculo aritmético; havendo necessidade de apuração de dados novos, o procedimento terá de ser o da liqüidação por artigos.

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Sobre o autor
Humberto Theodoro Júnior

professor titular de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, doutor em Direito, advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2904. Acesso em: 25 abr. 2024.

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