No ordenamento jurídico brasileiro, o conceito legal de poder de polícia é encontrado no artigo 78 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional), que assim dispõe:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
A previsão topográfica do conceito no referido Código justifica-se em virtude de o exercício do poder de polícia configurar um dos fatos geradores da taxa - espécie tributária -, consoante dispõem o artigo 145, inciso II, da Constituição Federal e o artigo 77, caput, do aludido Código.
A par da conceituação legal expressa, é preciso, no entanto, buscar também as diferentes acepções que definem o poder de polícia.
O denominado “poder de polícia”, em sentido amplo, corresponde à atividade estatal de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade dos cidadãos ajustando-as aos interesses coletivos, abrangendo, assim, atos tanto do Legislativo quanto do Executivo.
Rememorando a etimologia do termo, Heraldo Garcia Vitta ressalta que “A expressão ‘poder de polícia’ na época medieval era concebida como potestade absoluta dos príncipes; em nossos dias deixou de expressar essa onipotência do monarca, devido à submissão do Estado aos ‘parâmetros normativos’”[1].
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a seu turno, destaca a repartição do poder de polícia entre Legislativo e Executivo:
O Poder Legislativo, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas.
A Administração Pública, no exercício da parcela que lhe é outorgada do mesmo poder, regulamenta as leis e controla a sua aplicação, preventivamente (por meio de ordens, notificações, licenças ou autorizações) ou repressivamente (mediante imposição de medidas coercitivas). [2] (grifos no original)
Tomada em sua acepção mais restrita, contudo, a expressão “poder de polícia” abrange exclusivamente as intervenções do Poder Executivo, quer gerais e abstratas, quer concretas e específicas, destinadas a atingir o mesmo objetivo de prevenir e obstar a prática de atividades particulares para salvaguardar o interesse público[3]. Esta acepção corresponde à noção de polícia administrativa.
Na doutrina, a distinção entre poder de polícia em sentido amplo ou restrito assume contornos bastante precisos, como se extrai, por exemplo, da lição de Márcio Pestana, a seguir transcrita:
O legislador possui, de acordo com o credenciamento e com os limites previstos no ordenamento jurídico, a competência para exercitar o designado poder de polícia em sentido amplo, qual seja, o de editar normas de polícia consubstanciadas em enunciados jurídicos de natureza prescritiva, que estabelecem restrições à liberdade e à propriedade dos indivíduos. (...)
Pois bem, tais normas, no caso, de natureza restritiva, estabelecem os domínios dentro dos quais será exercido o poder de polícia em sentido estrito, mediante a prática de atos de polícia administrativa, que consiste na atividade, submetida ao regime de Direito Público, de a Administração Pública emitir atos administrativos e de agir concretamente com o objetivo de conformar a liberdade e a propriedade aos interesses públicos alojados no ordenamento jurídico.[4]
Na acepção mais estrita da expressão – equivalente, como visto, à noção de polícia administrativa –, Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua o poder de polícia como “a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (‘non facere’) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”[5].
A esse respeito, Hely Lopes Meirelles preleciona que o poder de polícia é “o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional” [6].
José Cretella Júnior, em termos mais sintéticos, define o poder de polícia como “a faculdade discricionária da Administração de, dentro da lei, limitar a liberdade individual em prol do interesse coletivo”[7].
Marçal Justen Filho, por sua vez, alude ao poder de polícia administrativa como “a competência para disciplinar o exercício da autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da legalidade e da proporcionalidade” [8].
Além disso, no sentido estrito do termo, o poder de polícia configura “atividade tipicamente administrativa e, como tal, subjacente à lei, de forma que esta já preexiste quando os administradores impõem a disciplina e as restrições aos direitos”, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho[9].
Por fim, em que pese a utilização há muito consagrada da expressão “poder de polícia”, convém frisar que essa terminologia sofre também críticas de parte da doutrina brasileira. É o caso, por exemplo, de Carlos Ari Sundfeld, que propõe a substituição desse termo por “administração ordenadora”, que, segundo ele, “congrega as operações estatais de regulação do setor privado (e, portanto, ligadas à aquisição, exercício e sacrifício de direitos privados), com o emprego do poder de autoridade”[10]. Por esse conceito, buscar-se-ia em que medida e sob que regime pode o Estado interferir na aquisição, exercício e extinção de direitos da vida privada, não somente no tocante à ação administrativa, mas também em relação à atividade legislativa, de forma a agregar as duas acepções do poder de políca.
Bibliografia:
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CRETELLA JÚNIOR, José. Do poder de polícia. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
PESTANA, Márcio. Direito administrativo brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003.
VITTA, Heraldo Garcia. Soberania do Estado e Poder de Polícia. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
[1] VITTA, Heraldo Garcia. Soberania do Estado e Poder de Polícia. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 59.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 128.
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 829.
[4] PESTANA, Márcio. Direito administrativo brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 583.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 844.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 133.
[7] CRETELLA JÚNIOR, José. Do poder de polícia. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 20.
[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 7ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 567.
[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 71-72.
[10] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 16-17.