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Tributação municipal: a progressividade e eficácia do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

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02/08/2014 às 14:18
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2 CAPÍTULO II - O IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA

2.1 As Principais Características

Antes de estudar as especificidades do IPTU, é preciso explanar alguns conceitos tributários para melhor exposição de tal instituto. Sendo assim, faz-se necessário a apresentação do conceito de tributo trazido pelo artigo 3º do CTN, que aduz:

“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Posteriormente, o CTN no seu art. 5º, dispõe que os tributos são impostos taxas e contribuições de melhoria, adotando a teoria da tripartição dos tributos. Neste sentido, alguns entendem que a Constituição Federal segue a mesma teoria, ao estabelecer, no art. 145, que a União os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem instituir impostos, taxas e contribuição de melhoria.

A discussão sobre a classificação dos tributos em espécie fez com que brotassem quatro principais correntes a respeito do assunto: a primeira, dualista bipartida ou bipatite, que afirma serem espécies tributárias somente os impostos e as taxas; a segunda, a tripartida, tricotômica ou tripartite, que divide os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria; a terceira, a pentapartida ou quinquipartida que adiciona os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais[30].

O Supremo Tribunal Federal ao se deparar com o tema tem adotado a teoria da pentapartição. Apesar disso, é extremamente relevante ficar claro que mesmo os adeptos da teoria da tripartição dos tributos entendem que as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios são tributos, possuindo natureza jurídica de taxas ou impostos, dependendo de como a lei definiu o fato gerador[31].

Ademais, o tributo pode ter como fato gerador uma atuação estatal específica relativa ao contribuinte. Ou, então uma situação independente de qualquer atividade estatal específica ao contribuinte. Por isto a doutrina brasileira classifica os tributos em vinculados (taxas e contribuições de melhoria) e não vinculados (impostos) [32].

Feitas as considerações acima, destaca-se o imposto, visto que se trata da espécie tributária a qual pertence o IPTU, cumprindo assim apresentar a conceituação trazida pelo artigo 16 do CTN, que dispõe da seguinte forma: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

Neste sentido, em se tratando de imposto, a situação prevista em lei como necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária não se vincula a nenhuma atividade especifica do Estado relativa ao contribuinte. Assim, quando o Estado cobra o IPTU, por exemplo, o fato gerador é o direito de propriedade sobre bens imóveis situados em zona urbana[33]. Não importa que o Estado tenha ou não prestado algum serviço, executado alguma obra, ou desenvolvido alguma atividade relacionada com aquele de quem vai cobrar imposto.

O exame das várias hipóteses de incidência de impostos deixa evidente que nenhuma delas está presente à atuação estatal. Pelo contrário, em todas elas a situação descrita pela lei como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária é sempre relacionada ao agir, ou ao ter, do contribuinte e inteiramente alheia ao agir do Estado.

 Sabendo-se a qual espécie tributária pertence o IPTU, cumpre apresentar as características deste instituto jurídico de competência Municipal, como se observa pelo artigo 156, I da CRFB/1988, com a seguinte redação, “Compete aos municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana”. Deste modo, vê-se que apenas os Municípios possuem competência para instituir o IPTU, tornando-se assim o sujeito ativo típico de tal tributo, entretanto, como exceção a esta regra, tem-se a possibilidade da União instituir tal tributo nos Territórios, caso, em que estes não sejam divididos em Municípios, assim como ao Distrito Federal, que possui além competência tributária típica dos Estados, também a Municipal, conforme redação do artigo 147 da CRFB/88, “Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais”.  

Portanto, o IPTU é um imposto de competência dos municípios, que recai sobre a propriedade predial e territorial urbana, tendo como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, e tem como base de cálculo seu valor venal.

2.2 A Extrafiscalidade e a Progressividade

Para atingir o desiderato deste trabalho é importante comentar acerca de dois institutos: o da extrafiscalidade e o da progressividade tributária.

O primeiro está presente na classificação tributária quanto à finalidade que é dividida em duas espécies, são elas: fiscal e extrafiscal. O tributo possui finalidade fiscal quando visa precipuamente arrecadar tributos para os cofres públicos. Já a finalidade extrafiscal existe quando o objetivo fundamental é intervir numa situação social ou econômica [34].

Portanto, a finalidade extrafiscal supera o mero arrecadamento para valer-se do tributo como forma de intervenção pública no domínio econômico, incitando ou desestimulando comportamentos dos contribuintes mediante a majoração dos tributos [35].

O segundo, a progressividade, traduz-se em técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame. O critério da progressividade diz com aspecto quantitativo, desdobrando-se em duas modalidades: a progressividade fiscal e a progressividade extrafiscal. Esta, por sua vez, filia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório. Aquela se alia ao brocado "quanto mais se ganha, mais se paga", caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contemplar o grau de "riqueza presumível do contribuinte" [36].

Inserindo tais institutos ao âmbito do IPTU, historicamente, à luz dos artigos 156, parágrafo 1º e 182, parágrafo 4º ambos da CRFB/88, sempre se admitiu a este imposto à progressividade no tempo, para fins extrafiscais, como instrumento de pressão ao proprietário do bem imóvel que, devendo dar ao bem o adequado aproveitamento da propriedade, para cumprir à necessária função social do imóvel.

Preservando a redação anterior à Emenda Constitucional 29/2000, a progressividade aparecia também no artigo 156, parágrafo 1º, do texto constitucional, nos seguintes termos: "O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade". Todavia, o artigo 182, parágrafo 2º da CRFB/88, em sua literalidade, vincula a noção de função social ao atendimento das exigências do plano diretor, o artigo 156 não trazia qualquer especificação nesse sentido, referindo-se apenas genericamente ao "cumprimento da função social da propriedade".

Diante disso, tornou-se necessário definir se a aplicação do IPTU progressivo era possível fora da hipótese de violação ao plano diretor. A doutrina dividiu-se entre os que sustentavam que a progressividade apenas poderia ser fixada com base no critério do artigo 182, parágrafo 2º da CRFB/88, e aqueles que, ao contrário, defendiam a ampla incidência do IPTU progressivo com base em quaisquer critérios que, no entendimento do Poder Público, configurassem meio de efetivação da função social da propriedade.

O Supremo Tribunal Federal à época pacificou jurisprudência no sentido de considerar o IPTU como imposto de natureza real, não sujeito a progressividade com base em qualquer aspecto da capacidade econômica do contribuinte. Vejamos o Enunciado da Súmula 668 “É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”. Segundo a suprema corte, o IPTU progressivo era admitido pelo ordenamento constitucional excepcionalmente, e apenas na hipótese de descumprimento do plano diretor, conforme consignado no artigo 182, parágrafo 2º da lei fundamental. Esse também é o entendimento adotado por Luciano Amaro:

“A progressividade do IPTU referida pela constituição (na redação original de seu art. 156, §1º, c/c o art. 182, §4º, II) nada tinha que ver com a técnica a que se confere aquela denominação. O que a Constituição disciplinava, quanto ao IPTU, era seu aumento, ao longo dos anos, como “sanção”, no caso de propriedade que não cumprissem sua função social.”[37]

Com o advento da nova redação do artigo 156, trazida pela Emenda Constitucional 29/2000, a condição da progressividade condicionada ao estrito cumprimento da função social da propriedade privada foi excluída. Passa a ser possível estabelecer a progressividade em razão do valor do imóvel, bem como a formatação de alíquotas diferenciadas em razão do seu uso e localização, podendo assim estimular ou desestimular a ocupação de uma ou outra área da cidade. A seguir a atual redação do artigo 156 da Carta Magna:

“[...]

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, §4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

[...]”

Dessa forma o IPTU passou a ter um caráter de progressividade fiscal, deixando de prevalecer à exigência de que o IPTU poderia ser progressivo, somente para atender a função social da propriedade privada. Assim, o município, por força desta Emenda e de lei municipal específica, poderá fixar alíquotas progressivas na medida do valor dos imóveis. [38]

A progressividade fiscal referente ao IPTU tem sua aplicação através da variação das alíquotas em relação aos diferentes contribuintes, pois a base de cálculo, como se sabe, será sempre a mesma, o valor venal do imóvel. A seguir transcrevemos as considerações de Leandro Paulsen e José Eduardo Soares de Melo acerca da apuração do valor venal:

“A apuração pode ser realizada pela prefeitura segundo normas e métodos específicos, tomando em conta as características de toda área urbana, em função de diversos elementos (preços correntes das transações e das ofertas à venda no mercado imobiliário, custos de produção, locações correntes, face de quadras ou quarteirões; a logradouros; profundidade, terrenos encavados; de fundo interno; idade do imóvel; reconstrução, ampliação etc.”[39]

A Emenda Constitucional 29 alterou o artigo 156, mas manteve a redação do art. 182, com a exigência da lei federal que regule a matéria. Esta Emenda estabeleceu que o IPTU progressivo deverá se ater ao valor do imóvel e sua localização, mas não resolveu o problema. O artigo 182, caput, permaneceu com a redação original. Assim, o referido artigo, continua exigindo uma lei federal para regular a progressividade. Essa lei trata-se do Estatuto da Cidade, promulgado em julho de 2001.

É em tal base constitucional que se escora a Lei n. 10.257 (Estatuto da Cidade), limitando-se a fixar diretrizes gerais que devem ser suplementadas pelo legislador estadual e especialmente o municipal ao qual compete implementar a sua política de desenvolvimento e expansão urbana, através do Plano Diretor, que é obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, e facultativo para as demais. A clara intenção do legislador constitucional foi conferir à norma estrutural do art. 182 da CRFB/88, um elemento objetivo para aferição do atendimento da função social da propriedade, qual seja, a elaboração do plano diretor. A finalidade da exigência é evitar a substituição da legalidade pelo arbítrio e ilicitude, que, a toda evidência, não se harmoniza com as disposições contidas no art. 37, caput, da CRFB/88, as quais exigem da administração pública respeito aos primados da legalidade, pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

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O direito de uma dada propriedade urbana passa, assim, a ser reconhecido a partir de regras legais municipais definidoras de suas potencialidades de uso, e o seu conteúdo econômico é atribuído pelo Estado mediante a consideração dos interesses sociais envolvidos durante o processo de formatação do plano diretor.  A partir da vigência deste, áreas consideradas não utilizadas ou subutilizadas, situadas em regiões dotadas de infraestrutura estão sujeitas à edificação e parcelamento compulsórios.

O município tem o poder de determinar os critérios para indicação das terras que considera ociosas ou subutilizadas. O imóvel subutilizado é aquele em que o aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente, hipótese em que o proprietário será notificado pelo Município, para cumprir com a obrigação imposta, esta notificação deve ser averbada junto ao cartório de registro de imóveis. Um ano após a notificação o proprietário deve iniciar as obras do empreendimento em dois anos, após a aprovação do projeto.

No caso do não cumprimento dos prazos ou condições da edificação ou utilização compulsória, o Município poderá aplicar sobre esses terrenos o instrumento do IPTU progressivo no tempo, previsto no art. 182 da Constituição Federal. Tal progressividade tem por finalidade desestimular os proprietários de imóveis de os manterem contrariando os planos de urbanização das cidades. Esta progressividade não é um instrumento de justiça tributária, e sim, de política urbana.

“§ 4.º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”.

O texto constitucional é claro ao estabelecer limites para a utilização da progressividade no IPTU como forma de assegurar a função social da propriedade. Assim, o instituto poderá ser utilizado nas seguintes condições: a) sobre imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados; b) mediante lei específica para o imóvel; c) nos termos de lei federal; d) com prévia notificação do contribuinte; e) podendo promover o parcelamento ou edificação compulsórios; f) progressivo apenas do tempo. Dessa forma, ficaram definidos os limites para utilização do IPTU como instrumento de política urbana que visa assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana (função extrafiscal do imposto).

O art. 7º do Estatuto da Cidade, regulamentando o dispositivo constitucional supracitado, permite que o Município aumente progressivamente, ao longo dos anos, a alíquota do IPTU para aqueles imóveis cujos proprietários não obedecerem aos prazos fixados para o parcelamento, edificação ou utilização compulsória. É uma maneira de penalizar a retenção para fins de especulação da valorização imobiliária, fazendo com que essa espera, sem nenhum benefício para a cidade, se torne inviável economicamente. Neste caso, o IPTU progressivo é empregado mais pelo caráter de sanção do que de arrecadação.

De notar que as “sanções” são progressivas, e não alternativas. Assim, terá que haver a determinação de parcelamento ou edificação compulsórios antes da imposição do imposto progressivo, e só depois deste é que poderá ocorrer a desapropriação. Isso denota que na prática será muito difícil atingir o último estágio. Vale ressaltar o questionamento feito por José Afonso da Silva tratando do assunto em tela.

“A utilização do solo urbano fica sujeita às determinações de leis urbanísticas e do plano urbanístico diretor. Isso decorre do disposto no art. 182 quando faculta ao pode público municipal, mediante lei especifica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento sob pena, sucessivamente, de parcelamento ou edificação compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da divida publica de emissão previamente aprovada pelo senado federal, com prazo de até 10 anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valo real da indenização e os juros legais. Vê-se, por aí, que, embora seja um avanço, é de exequibilidade praticamente inalcançável. Raramente se chegará a desapropriação prevista no texto” [40]. A maioria dos instrumentos de indução ao desenvolvimento urbano aprovados no Estatuto da Cidade tentam assim mesmo estabelecer, no cenário brasileiro, uma perspectiva de uma nova presença do Estado na regulamentação, indução e controle dos processos de produção da cidade, mesmo que esse seja, como vimos, um desafio e tanto. Visam, em essência, refrear o processo especulativo e regular os preços ao forçar o exercício da função social da propriedade urbana punindo o "mau proprietário". Buscam também permitir um maior controle do Estado sobre usos e ocupações do solo urbano, em especial em áreas que demandem uma maior democratização.

2.3 A Eficácia do IPTU Progressivo Induzindo na Função Social da Propriedade

A ideia central do IPTU progressivo é punir com este tributo de valor crescente, ano a ano, os proprietários de terrenos cuja ociosidade ou mal aproveitamento acarrete prejuízo à população. Aplica-se aos proprietários que não atenderam à notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.

O objetivo é estimular a utilização socialmente justa e adequada desses imóveis ou sua venda. Neste caso, os novos proprietários se responsabilizarão pela adequação pretendida.

O IPTU progressivo no tempo está na sequência das sanções previstas pelo art. 182 da Constituição Federal, que se vincula ao não cumprimento do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. A aplicação do imposto predial e territorial progressivo no tempo ocorrerá, segundo o Estatuto, mediante elevação da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos, tendo como limite máximo 15% do valor venal do imóvel.

Parece que as melhores perspectivas de efetividade do IPTU progressivo no tempo ocorrerão em municípios que possuam um adequado sistema de cobrança. Faz-se necessário, também, a permanente organização e atualização do cadastro imobiliário. O imposto progressivo no tempo, para ser aplicado com justiça e eficácia, implica em um preparo cuidadoso, por parte do poder público municipal. Ao considerar sua adoção num determinado município, cabe, inicialmente, avaliar se a cidade tem de fato problemas decorrentes da ocupação excessivamente dispersa, e se o governo municipal está preparado para adotar um instrumento novo e relativamente sofisticado de gestão [41].

Assim, pode-se perceber que a implantação do IPTU progressivo extrafiscal para o cumprimento da função social é complexa. Precisando seguir alguns pressupostos para o estabelecimento legal, segundo Colodetti:

“Destarte, podemos dizer que os pressupostos para o estabelecimento legal da progressividade do IPTU como instrumento de política urbana são: a) a existência de lei federal, estabelecendo normas gerais (que já existe) e b) a elaboração de um Plano Diretor da Cidade. Agora, para a regular criação da progressividade do IPTU no tempo (art. 182, § 4°, II, da CF/88), deve-se acrescentar: c) a existência de uma lei municipal específica para a área incluída no plano diretor; d) a existência de notificação ao particular, devidamente averbada no registro de imóveis, que fixe prazo e condições ao particular para que cumpra os deveres estatuídos na lei municipal específica; e) o descumprimento do dever pelo particular” [42].

O processo de aplicabilidade do instituto, quando obrigatório pela legislação municipal, é lento e questionável por parte do proprietário do imóvel, o que retarda ou mesmo impossibilita um projeto de reforma urbana baseado na ocupação de vazios urbanos. Verifique-se o que se afirmou quanto à dificuldade de aplicação do IPTU progressivo:

“É necessária a elaboração de um Plano Diretor que, ao planejar a ocupação do território, preveja as áreas passíveis de aplicação dos instrumentos de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. Com o Plano Diretor em vigor, e verificando-se a existência de terrenos subutilizados, o próximo passo será propor à Câmara de Vereadores um projeto de lei determinando que aquele proprietário específico dê a seu imóvel a devida destinação, procedendo a seu parcelamento, edificação ou utilização no prazo estabelecido (no mínimo um ano para a entrada de um projeto no órgão competente, e dois anos a partir de sua aprovação para a efetiva edificação); e já prevendo, caso não seja cumprida a tarefa, a aplicação do IPTU progressivo. Aprovada a lei, um funcionário da Prefeitura deve notificar o proprietário, informando-lhe suas obrigações e o prazo para a regularização da situação de seu imóvel. Se não for possível localizar o proprietário a Prefeitura deve, após três tentativas, proceder à notificação por meio da publicação de um edital. A partir da ciência do proprietário (em caso de notificação pessoal) ou da publicidade do edital (no caso de notificação por edital) inicia-se a contagem do prazo para cumprimento do determinado em lei. Se o proprietário cumprir a determinação legal - isto é, se proceder ao parcelamento, edificação ou utilização de sua propriedade - o imóvel passa a ter a destinação definida pelo Plano Diretor, não sendo mais necessária a aplicação do IPTU progressivo” [43].

Portanto, mesmo autores defensores do instrumento reconhecem que há problemas na aplicabilidade do mesmo. Afirma-se, por exemplo, que atingir os objetivos propostos no Estatuto depende, além da aplicação responsável pela Administração Municipal, todo um trabalho em conjunto com os governos federal, estaduais, e representações dos vários setores da sociedade. A eficácia na aplicação do IPTU progressivo no tempo depende de um corpo técnico capaz de avaliar de forma eficiente os paramentos de utilização, para que não ocorra injustiça na cobrança do imposto, tanto para o proprietário quanto para o próprio município. Defende-se que o problema reside no fato de que o planejamento, por parte dos administradores municipais, na maioria das vezes, encontra-se baseado em informações imprecisas e desatualizadas sobre aspectos físicos e espaciais do município [44].

Por sua vez, os municípios enfrentarão problemas ao questionar a propriedade privada: “Muitas pessoas ainda acreditam que a propriedade é um direito absoluto e que podem dar a destinação que quiserem a seu imóvel, independentemente de sua postura prejudicar o município como um todo” [45]. Segundo a autora, o IPTU progressivo é visto pela sociedade como “uma maneira da Prefeitura arrecadar mais”.

Reconhece-se ainda que muitos proprietários podem recorrer ao Judiciário, retardando ou mesmo impedindo a aplicação do IPTU progressivo. Acertadamente, reconhece-se que o setor imobiliário e os grandes proprietários estão normalmente organizados e articulados estrategicamente ao Poder Público: “Por esta razão deve-se ficar preparado para disputas internas ao próprio Executivo e para a representação dos interesses desse setor também no Legislativo, por meio de vereadores eleitos. Esses fatores podem trazer dificuldades tanto na aprovação da legislação necessária, quanto em seu cumprimento” [46].

Ademais, já existem municípios que possuem lei especifica para o IPTU progressivo, por exemplo, o município de São Paulo/SP que criou a lei nº 15.234, de 1º de julho de 2010. Entretanto, segundo Pesserl, não há qualquer referência sobre o sucesso de sua implementação:

“O Ministério das Cidades possui um Banco de Experiências em Planos Diretores, no qual se pode encontrar relatórios da aplicação do Estatuto da Cidade em diversas cidades em todos os estados brasileiros. Não há, porém, qualquer referência sobre o sucesso da implementação do IPTU progressivo em cidade alguma. É certo que as experiências são recentes, mas se houvesse resultados significativamente positivos, com certeza haveria referência disponível no site. Nos relatórios em que o assunto é levantado, o tratamento é superficial e não envolve uma estratégia clara de implementação” [47].

Neste contexto, existe um outro grupo de cidades que apesar possuírem planos diretores que fazem referência ao IPTU progressivo nunca criaram leis especificas para dar aplicabilidade. Como exemplo, o município do Recife/PE que aplica o IPTU apenas na acepção fiscal.

“Tratando da progressividade do IPTU, o Recife apenas a aplica em razão do valor venal, estabelecendo alíquotas variáveis de acordo com o imóvel. A administração tributária entende que assim estará atingindo o princípio da capacidade contributiva conquanto também mantenha uma política de isenção para imóveis de baixa renda. A progressividade no tempo, conforme posta no Estatuto da Cidade, ainda não foi objeto de estudo de conveniência na cidade do Recife. Estima a administração que o número relativamente pequeno de terrenos na cidade (13 mil) tornaria a medida de pouca eficácia, além de gerar um custo político desnecessário” [48].

Ainda resta um terceiro grupo de cidades que não possui Plano Diretor. Neste sentido, em 20/12/2012 o Estado de Santa Catarina disse que depois de um levantamento feito pela Secretaria de Estado do Planejamento (SPG), por meio da Diretoria de Desenvolvimento das Cidades nos 293 municípios catarinenses, constatou-se que 162 municípios estão com seus Planos Diretores concluídos. Do total, sete tramitam para aprovação na Câmara de Vereadores; 39 precisam ser revisados, pois já estão com mais de 10 anos e 85 municípios ainda não possuem o Plano Diretor e devem ser elaborados [49].

Portanto, sem Plano Diretor muitos municípios brasileiros estão distantes em dar eficácia ao IPTU progressivo por falta de regulamentação.

Quando se fala em eficácia da norma, deve-se tomar a expressão em dois sentidos, que são a eficácia social e a eficácia jurídica.

A eficácia social, segundo José Afonso da Silva, "designa uma efetiva conduta acorde com a prevista pela norma; refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e aplicada; nesse sentido, a eficácia da norma diz respeito, como diz Kelsen, ao ‘fato real de que ela é efetivamente aplicada e seguida, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos’. É o que tecnicamente se chama efetividade da norma. Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas" [50] . Tratando-se de normas jurídicas, complementa o autor, a eficácia consiste na capacidade de atingir os objetivos nela traduzidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador. Por isso é que se diz que a eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica [51].

Assim, para que o IPTU progressivo tenha eficácia, o município deverá, após a feitura do Plano Diretor, editar uma lei dando exequibilidade ao instituto e ainda precisará aplicar tal norma.

Entretanto, percebe-se no presente trabalho que não há documentação das experiências práticas quanto à implementação e regulamentação que comprove a eficácia do IPTU progressivo induzindo na função social da propriedade nos municípios brasileiros.

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Sobre o autor
Roberto Mota

Advogado formado pela Faculdade Estácio do Recife; Pós-graduado em direito Administrativo pela Universidade Estácio de Sá; Pós-graduando em direito Público pela Universidade Braz Cubas e Formado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Pernambuco -UFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Roberto. Tributação municipal: a progressividade e eficácia do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4049, 2 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29074. Acesso em: 16 abr. 2024.

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