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Captação de sufrágio e inelegibilidade:

análise crítica do art. 41-a da Lei n° 9.504/97

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01/04/2002 às 00:00
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1. Conceito de captação ilícita de sufrágio.

O processo eleitoral é o procedimento pelo qual os candidatos habilitados pela Justiça Eleitoral buscam captar os votos dos eleitores, com a finalidade de serem eleitos para os mandatos eletivos em disputa. Os candidatos, entendidos tais aqueles que estejam registrados perante a Justiça Eleitoral, devem buscar captar o voto dos eleitores através de propaganda eleitoral, comícios, debates nos meios de comunicação social, exposição de suas idéias e ideologia etc. O convencimento dos eleitores é, em uma última análise, o fim da campanha eleitoral.

Porém, o convencimento dos eleitores não pode ser feito de qualquer modo, por meio de técnicas e formas que quebrem o equilíbrio da disputa entre os candidatos e que viciem a vontade livre e soberana dos cidadãos votantes. Assim, são repelidos pelo ordenamento jurídico o uso abusivo do poder econômico ou político, o uso indevidos dos meios de comunicação social, além de outras condutas que a legislação atribui a pecha de ilícitas e, para inibi-las, impõe a sanção de inelegibilidade.

Como a vivência da legislação eleitoral estava ocorrendo de maneira insatisfatória, começou a surgir na sociedade organizada um sentimento cada vez mais forte contra a impunidade daqueles políticos beneficiários de condutas ilícitas, em detrimento da democracia e da plenitude do exercício do direito do voto. Afinal, às pessoas comuns, aos cidadãos que pagam os seus impostos, parecia absurdo que os processos judiciais eleitorais demorassem tanto, fossem lenientes com os infratores da legislação e, quando conseguissem efetivamente punir alguém, a sanção fosse inexeqüível por excesso de tempo na tramitação processual. Essa realidade gerou um sentimento de indignação, consubstanciado no projeto de lei de iniciativa popular, liderado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e por sindicatos de trabalhadores, que findou por resultar na edição do art. 41-A da Lei n° 9.504/97.

Constitui captação ilícita de sufrágio, prescreve o art. 41-A, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição.

Quem pode cometer o ato ilícito é o candidato, e apenas ele. Se alguém, em nome dele, promete, doa, oferece ou entrega ao eleitor algum bem ou vantagem pessoal, com a finalidade de obter-lhe o voto, comete abuso de poder econômico ou corrupção, mas não captação de sufrágio. O candidato é que tem de ser flagrado praticando o ato ilícito, hipotisado naquele texto legal. Não poderá ser ele acusado de captação de sufrágio se outrem, ainda que em seu nome e em seu favor, estiver aliciando a vontade do eleitor. Para que a norma viesse de ter esse alcance, haveria de estar prescrevendo que o candidato ou alguém por ele captasse ilicitamente o sufrágio. Dado que não é possível emprestar interpretação elástica às normas que prescrevem sanções, apenas o candidato poderá realizar a conduta descrita no suporte fáctico da norma. A redação do texto legal, como se vê, limitou o campo material de sua incidência, condicionando apenas ao candidato a realização da conduta descrita como antijurídica.

Para que o ilícito ocorra, não há a necessidade de que o eleitor obtenha, de fato, vantagem pessoal ou algum bem do candidato. À incidência da norma basta a promessa ou o oferecimento de vantagem de qualquer natureza. A entrega ou a consumação do benefício prometido apenas qualifica o fato ilícito, vez que a prova da sua ocorrência fica mais facilitada. Todavia, o simples aliciamento da vontade do eleitor através de promessa de futura vantagem, em troca do seu voto, já é ato ilícito punível. Destarte, enquanto o abuso de poder econômico ou político tem de ser provado, com a demonstração de sua repercussão para desequilibrar o processo eleitoral (relação de causalidade), à captação ilícita de sufrágio basta a prova do oferecimento ou da promessa de vantagem pessoal de qualquer natureza, para que ao candidato venha a ser aplicada a sanção de cancelamento do seu registro de candidatura. Noutro giro, o candidato pode até não consumar o seu intento de conspurcar a vontade do eleitor; pode, inclusive, sequer ser beneficiado pelo aliciamento que venha a fazer: pouco importa, ele terá mondado o seu registro. Assim, não há possibilidade de tentativa na realização do tipo legal: havida a promessa de vantagem, a norma infalivelmente incide, juridicizando a conduta do candidato como ilícita e deflagrando os efeitos nela previstos. Claro que a efetivação da sanção depende, nessa hipótese, de decisão judicial trânsita em julgado.

A vantagem pessoal oferecida ao eleitor pode ser de qualquer natureza: dinheiro, bicicleta, lotes de terrenos, vestido de noiva, feira, cheque, cestas básicas, dentadura, sapatos, panelas etc. Além de bens materiais, vantagens imateriais como cargo ou emprego, público ou privado, ensejam a sanção prevista de perda do registro de candidatura. Como a simples oferta já implica a ocorrência da captação ilícita de sufrágio, os bilhetes – muito comuns em eleições – autorizando o eleitor a apanhar feira ou cestas básicas em mercadinhos, ou tijolos e telhas em armazéns, irão ter muita importância para a efetiva inflição de pena aos candidatos corruptores.

A vantagem que constitui captação de sufrágio é aquela que não é coletiva (ou seja, que não é outorgada a um número indeterminado de pessoas) e que visa a cooptar o voto de um eleitor específico, individualizado, e não o de uma comunidade difusa. Se a vantagem outorgada transcender a pessoas determinadas, específicas, não haverá captação ilícita de sufrágio. Além disso, ainda que as pessoas sejam determináveis ou determinadas, é necessário que a vantagem outorgada seja individual, não as beneficiando coletivamente, enquanto conjunto de pessoas ou enquanto comunidade. Nessa segunda hipótese, em que a vantagem ofertada ou efetivamente dada não tem natureza pessoal, poder-se-á estar diante de abuso de poder econômico, a depender da probabilidade que tenha para influenciar o resultado do pleito (relação de causalidade). O Acórdão n° 19.176, de 16.10.2001 (rel. Ministro Sepúlveda Pertence, in: Informativo TSE – Ano IV – n° 05, 04 a 10 de março de 2002, p.07 et seq.) trouxe alguns delineamentos nesse sentido: "(...) II – Captação ilícita de sufrágios (Lei n° 9.504/97, art. 41-A): não-caracterização. Não configura a captação ilícita de sufrágios, objeto do art. 41-A da Lei n° 9.504/97, o fato, documentado no ‘protocolo de intenções’ questionado no caso, firmado entre os representantes de diversas igrejas de determinado município – travestidos de membros do conselho ético de um partido político – e certos candidatos a prefeito e vice-prefeito que formalmente se comprometem, se eleitos, ao atendimento de reivindicações imputadas à ‘comunidade evangélica’ e explicitadas no instrumento, entre elas, a doação de um imóvel do patrimônio municipal, se não voltadas as promessas a satisfazer interesses individuais privados".

Na linha da argumentação sustentada pelo juiz eleitoral de Aracruz (ES), Carlos Magno Telles, e mantida pela maioria dos membros do TRE/ES, o Tribunal Superior Eleitoral caracteriza a captação de sufrágio quando presentes três elementos indispensáveis: (a) a prática de uma ação (doar, prometer etc.), (b) a existência de uma pessoa física (o eleitor), e (c) o resultado a que se propõe o agente (a obtenção do seu voto). Como no caso julgado se entendeu que os atos prometidos (cargos públicos e terreno municipal a ser doado para a comunidade evangélica) não configuravam vantagem pessoal para os subscritores do protocolo de intenções, deixou o TSE de caracterizar a existência de captação de sufrágio. Nesse passo, seguiu-se o entendimento sustentado pelo procurador regional eleitoral do Espírito Santo, H. G. Herkenhoff, que asseverou: "De toda sorte, nenhum dos atos prometidos implicava vantagem pessoal para os signatários do documento, mas simples posturas individuais do prefeito em favor de certas coletividades, das quais poderia participar qualquer cidadão. Eram, pois, promessas eleitoreiras, tais como o calçamento de uma rua, a construção de escolas etc." (grifos originais).

É preciso aqui fazer um corte metodológico, e chamar a atenção para o fato de que não se pode colocar em um mesmo patamar as promessas, feitas em campanha, de construção de escolas, calçamentos de rua etc., que são legítimas e dizem respeito à justa aspiração da comunidade de eleitores, com as promessas de vantagem de natureza privada, ainda que seja para uma igreja ou denominação religiosa (que é pessoa jurídica privada, ainda que venha a representar uma comunidade de fiéis e se proponha a defender interesses públicos), com a finalidade de obtenção de apoio político e de captação de votos. Essa postura, eticamente reprovável, deixa de constituir captação ilícita de sufrágio por lhe falecer um pressuposto legalmente exigível: a promessa de vantagem pessoal. A vantagem ofertada é para pessoas indeterminadas, posto possam ser determináveis. Além disso, fruem do seu resultado coletivamente, e não individualmente.

Ademais, é necessário que se demonstre, para a caracterização do ilícito, que a finalidade da vantagem oferecida ou efetivamente dada seja a captação de sufrágio, é dizer, tenha fins explicitamente eleitorais. Não basta se provar que houve a oferta de ganho, ou que tenha havido a entrega de algum bem ao eleitor individualmente caracterizado: é fundamental que haja a demonstração de que esse benefício ou promessa de benefício tenha a finalidade eleitoral de cooptar à sua vontade. Sem esse plus, não estará também configurada a captação ilícita de sufrágio, consoante já se pronunciou o Tribunal Superior Eleitoral: "Representação (art. 41-A, da Lei n° 9.504/97). Termo inicial. Finalidade eleitoral. Caracterização. (...) Para a caracterização da conduta descrita no referido artigo é imprescindível a demonstração de que ela foi praticada com o fim de obter o voto do eleitor. O Tribunal não conheceu do recurso. Unânime (Recurso Especial Eleitoral n° 19.229/MG, rel. Min. Fernando Neves, em 15.2.2001, in: Informativo TSE – Ano III – n° 02, 12 a 18 de fevereiro de 2001, p.01). Ao art. 41-A, consoante se vê, vem sendo aplicada a mesma interpretação outorgada ao art. 299 do Código Eleitoral, que tipifica criminalmente a corrupção eleitoral. De fato, para que resulte configurada o crime de corrupção eleitoral, necessário que o pedido de obtenção de voto seja específico, caracterizado pela intenção de cooptar a vontade do eleitor. "Recurso especial. Crime eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. 1. Pedido de obtenção de voto efetuado de forma genérica, ou meramente implícito, não se enquadra na ação descrita no art. 299 do Código Eleitoral, que exige dolo específico, caracterizado pela intenção de obter a promessa de voto do eleitor. Recurso especial conhecido e provido" (Recurso Especial Eleitoral n° 16.108/MG, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 17.12.1999, in: Informativo TSE – Ano II – n° 01, 31 de janeiro a 06 de fevereiro de 200, p.03). É dizer, na linha jurisprudencial adotada pelo TSE, o pedido genérico ou implícito não ensejam as sanções do art. 299 do CE, nem tampouco do art. 41-A da Lei n° 9.504/97.

O difícil, do ponto de vista prático, é estremar o que seja pedido genérico de obtenção de voto, do que seja pedido específico. Se algum candidato distribui cestas de alimentos para várias pessoas, em um caminhão com vários adesivos e cartazes com o seu nome e foto pregados no veículo, sem que peça explicitamente votos para si, estará praticando captação ilícita de sufrágio? Da mesma forma, se um outro candidato é flagrado distribuindo tijolos e sacos de cimento para uma comunidade carente, sem que esteja pedindo votos, haverá captação de sufrágio? Nessas hipóteses, e em outras símiles, o pedido de votos decorre do gesto filantrópico, todavia não se enquadraria no pedido explícito exigido pelo TSE: seria um pedido genérico de votos, e como tal poderia configurar abuso de poder econômico, mas não se qualificaria como captação ilícita de sufrágio, não incidindo o art. 41-A da Lei n° 9.504/97.

O art. 41-A prescreve que os fatos reputados como captação ilícita de sufrágio são aqueles que ocorrerem desde o registro de candidatura até a eleição. O marco temporal de incidência da norma ficou assim definido. Temos que ler o texto do art. 41-A como se ele prescrevesse que a captação de sufrágio é vedada desde o pedido de registro de candidatura, que é quando nasce para o nacional o direito expectado de ser candidato, já podendo exercer algumas das faculdades próprias daqueles já reconhecidos como candidatos pela Justiça Eleitoral. Há casos lamentáveis em nossa prática eleitoral, em que o pré-candidato tem o seu pedido de registro negado e, malgrado isso, continua atuando como se fosse candidato, tendo acesso ao horário eleitoral gratuito e quejandos. Ora, sem registro de candidatura não há elegibilidade, não podendo o nacional ser reputado validamente candidato. Imagine-se a hipótese de uma eleição municipal, em que o juiz eleitoral negasse ao interessado o registro de sua candidatura. Interposto recurso, cujo efeito é apenas o devolutivo, o interessado continuaria sem ser candidato, não podendo praticar atos de campanha. Nada obstante isso, a justiça eleitoral permite que alguém, sem se revestir da qualidade de candidato, continue a participar dos atos de campanha inerentes aos candidatos. Como poderia esse nacional ter sobre ele irrogada a sanção de perda do registro, se age como candidato sem ter o registro, que foi indeferido? O absurdo ressalta! Ora, se o registro de candidatura foi negado pelo juiz eleitoral, não há candidatura nem elegibilidade, não havendo com incidir o art. 15 da LC 64/90. Nada obstante isso, o TSE vem entendendo que o pedido de registro de candidatura, por já ensejar o direito expectado à candidatura, habilitaria o candidato a participar das eleições, ainda que o registro lhe seja negado em todas as instâncias, até o trânsito em julgado dessa decisão: "Reclamação. Agravo regimental. Candidato. Contas. Rejeição. Inelegibilidade. Decisão do TSE. Art. 15, LC n° 64/90. Não-aplicabilidade. (...) 3. Ausência de deferimento do registro em todas as instâncias ordinárias inviabiliza a aplicação do art. 15, LC n° 64/90. 4. Concluída a prestação jurisdicional, há de ser dado imediato cumprimento à proferida, mormente quando não atacada por remédio jurídico suspendendo sua eficácia. 5. Precedentes. 6. Agravo regimental a que se nega provimento (Acórdão n° 107, de 15.02.2001, relator Min. Waldemar Zveiter, DJU de 27.4.2001, in: Informativo TSE – Ano III – n° 12, de 23 a 29 de abril de 2001, p. 3 - grifei). Note-se que o pedido de registro de candidatura já estaria habilitando o nacional, sob condição resolutiva: negado o registro em definitivo, seria sem valor os votos dados. Esse entendimento termina beneficiando, nas eleições proporcionais, os partidos políticos que lancem um candidato sabidamente inelegível e que seja reconhecidamente bem votado, para que aumente o seu quociente eleitoral, na forma do § 4° do art. 175 do Código Eleitoral. Eis a prova de que, por vezes, a ilicitude compensa.

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Dissemos que o marco inicial em que a captação ilícita de sufrágio pode ocorrer é o momento do pedido de registro de candidatura. Não do registro efetivamente deferido, que seria consectário de um procedimento com prazos determinados pela legislação, mas apenas do pedido de registro, quando todos os pré-candidatos escolhidos em convenção partidária já manifestaram, perante a Justiça Eleitoral, o seu pleito de se lançarem candidatos a um mandato eletivo. Nesse sentido: "Representação (art. 41-A, da Lei n° 9.504/97). Termo inicial. Finalidade eleitoral. Caracterização. O termo inicial do período de incidência do art. 41-A da Lei n° 9.504/97, é a data em que o registro da candidatura é requerido e não a do seu deferimento. (...). O Tribunal não conheceu do recurso. Unânime (Recurso Especial Eleitoral n° 19.229/MG, rel. Min. Fernando Neves, em 15.2.2001, in: Informativo TSE – Ano III – n° 02, 12 a 18 de fevereiro de 2001, p.01 – grifei).

A sanção prevista pelo art. 41-A, visando a fustigar os que cometerem a captação ilícita de sufrágio, é desdobrada em uma multa pecuniária e na poda do registro de candidatura ou do diploma: "(...) sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990", prescreve o documento normativo.

A aplicação de multa entre 1.000 (mil) e 50.000 (cinqüenta mil) unidades fiscais de referência (Ufir) é dosada de acordo com a prudente discrição judicial, em face da gravidade do caso concreto. Já a cassação do registro ou do diploma não está na zona de discricionariedade judicial: ocorrida e comprovada a captação ilícita de sufrágio, além da multa, deve o juiz eleitoral também cassar o registro de candidatura ou o diploma do apenado. As penas são cumulativas e devem, obrigatoriamente, ser aplicadas em conjunto.


2 – A aplicação do art. 41-A pelos tribunais eleitorais.

Após a análise da intimidade do texto do art. 41-A, sem cotejá-lo com o ordenamento jurídico no qual está inserto, passaremos agora a mostrar como ele vem sendo aplicado pelo Tribunal Superior Eleitoral, bem como as profundas mudanças que acabou por gerar em nossa prática judiciária.

No Recurso Especial Eleitoral n° 19.229/MG, foi submetida à cognição do TSE a ação de investigação judicial eleitoral proposta contra o candidato à reeleição para o cargo de prefeito municipal, por ter ele doado quatro tíquetes-refeição a uma eleitora e por ter solicitado à concessionária de água e esgoto que não suspendesse o fornecimento de água na residência dessa mesma eleitora. Note-se que o fato objeto da ação é potencialmente inofensivo para o equilíbrio da eleição: afinal, tratava-se da entrega de quatro tíquetes-refeição para uma única eleitora, bem como de um pedido para que o fornecimento de água lhe fosse suspenso. Não se tratava, portanto, de um esquema de grandes proporções eleitorais. Em razão disso, "ante a pequenez do fato", no dizer do Ministro Pertence, e porque "não estabelecida na inicial a clara imputação de uma conexão ideológica entre a doação e o objetivo de conseguir votos", haveria a própria inépcia da petição inicial (Vide Acórdão n° 19.229, de 15.2.2001, DJ de 5.6.2001, rel. Min. Fernando Neves, in: Informativo TSE – Ano III – n° 19, 11 a 17 de junho de 2001, p.04 a 06).

No Acórdão n° 16.242, de 1°.3.2001 (rel. designado Min. Nélson Jobim, DJ 22.6.2001, in: Informativo TSE – Ano III – n° 21, de 25 a 30 de junho de 2001, p. 5-12), o Tribunal Superior Eleitoral julgou uma ação de investigação judicial eleitoral proposta, por abuso de poder econômico, contra um candidato a deputado federal que havia doado, em uma partida de futebol realizada em cidade do interior, uma kombi para uma associação de bairro do município. O veículo doado era utilizado para fazer o transporte de doentes, idosos e entrega de cestas básicas, circulando com propaganda do candidato e uma inscrição chamando a atenção a origem da doação do veículo. A tônica do debate travado no plenário do Tribunal, durante o julgamento, dizia respeito à existência do nexo de causalidade entre o fato reputado ilícito (abuso de poder econômico) e o resultado das eleições. Durante o debate, o Ministro Nélson Jobim, querendo realçar a necessidade de se demonstrar, além das provas da ocorrência do fato abusivo, a relação entre os votos obtidos e o delito praticado, afirmou o seguinte: "(...) Mas lembro que a lei complementar exige, para efeito da prática de abuso de poder econômico, o risco de perturbação da livre manifestação popular. É isso que tem que ser demonstrado. Ou seja, quando a captação de sufrágio foi criada pelo art. 41-A da Lei n° 9.840/99, não se falou de inelegibilidade, e sim em captação do sufrágio com o fim de obter o voto. No caso concreto poder-se-ia pensar em captação de sufrágio, mas captação de sufrágio não leva à inelegibilidade, que exige o risco de perturbação da livre manifestação popular. Esta é a diferença fundamental. Ou seja, se estivéssemos perante a captação de sufrágio, sim, porque estaríamos discutindo o problema com o fim de obter o voto do art. 41-A; todavia, não é a hipótese" (grifei).

Como se pode observar, naquele primeiro aresto, o TSE exige que os fatos narrados como sendo de captação de sufrágio sejam relevantes e influenciem à eleição; no segundo, a relação de causalidade entre o delito praticado e o resultado das eleições passa a ser considerado apenas para o caso de abuso de poder econômico, sendo próprio para a captação de sufrágio apenas a discussão sobre a finalidade de obtenção de votos, e não sobre a sua probabilidade de modificar o resultado eleitoral ("risco de perturbação da livre manifestação popular", como dito pelo Ministro Jobim).

Ora, se a norma do art. 41-A prevê como ilícita a conduta do candidato de apenas prometer uma vantagem pessoal de qualquer natureza, com a finalidade de obter do eleitor o voto, está claro que não se há falar em relação de causalidade ou em gravidade do ato do candidato para se lhe infligir uma sanção. Havida a promessa – note-se, basta a promessa –, consumado está o tipo da captação ilícita de sufrágio. Seja como for, parece-nos que tanto na hipótese de abuso de poder econômico, como na de captação de sufrágio, se busca coibir a perturbação da livre manifestação popular, sendo essa joeira retórica utilizada naquele julgamento sem densidade alguma para servir de critério para apartar ambos os ilícitos eleitorais. Quem oferece ou promete vantagem pessoal ao eleitor, com o fito de lhe obter o voto, está perturbando a livre manifestação popular, corrompendo assim a vontade a ser manifestada pelo eleitor.

O que sobreleva do aresto glosado é a afirmação clara de que a captação de sufrágio não enseja a inelegibilidade, mas apenas o cancelamento do registro. Tal posicionamento do TSE vem se repetindo quando o assunto é a sanção de cassação do registro, prevista para as condutas vedadas ao agente público (art. 73 da Lei n° 9.504/97) e para a captação de sufrágio (art. 41-A).

Aqui há importante conseqüência, que merece uma meditação mais aprofundada, para a qual chamo a atenção do leitor: diz respeito à aplicação ou não do efeito suspensivo da sanção de inelegibilidade, prevista no art. 15 da LC 64/90.

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Sobre o autor
Adriano Soares da Costa

Advogado. Presidente da IBDPub - Instituição Brasileira de Direito Público. Conferencista. Parecerista. Contato: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Adriano Soares. Captação de sufrágio e inelegibilidade:: análise crítica do art. 41-a da Lei n° 9.504/97. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2909. Acesso em: 25 abr. 2024.

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