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Um réquiem às condições da ação.

Estudo analítico sobre a existência do instituto

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01/04/2002 às 00:00
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13. A existência da possibilidade jurídica do pedido como condicionadora da ação é uma concessão ao antigo pensamento de Wach e Chiovenda, que vinculava a existência do direito de ação à existência do direito material. Com toda razão, portanto, Calmon de Passos e Marinoni, quando afirma que o pensamento de Enrico Liebman é restritivo, à semelhança dos concretistas, podendo ser colocado ao lado deles, expressando um meio termo entre a concepção tradicional e a concepção abstrata A verdade é uma só: a possibilidade jurídica do pedido foi uma grande falha, que originou outras tantas. Não obstante a reformulação do pensamento de Liebman; a incoerência de posicionamento do nosso código (cf. item 2), que conquanto tenha seguido a doutrina de Pávia, cometeu alguns "escorregões"; a inviabilidade de se condicionar um direito que é abstrato e autônomo a um outro direito, o material, a que serve de instrumento de realização, como queriam os concretistas; o sofisma de afirmar-se que não se entra no mérito quando há carência de ação em razão da ausência desta condição, "os doutrinadores nacionais continuam a tentar explicar, herculeamente e com olhos postos no texto da lei, a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, elaborando, para tanto, construções teóricas tão mais mirabolantes quanto infirmes".


14. Vejamos Rodolfo de Camargo Mancuso, quando tenta justificar a possibilidade jurídica do pedido: "Normalmente, a possibilidade jurídica do pedido é concebida como a necessidade da previsão, in abstracto, no ordenamento jurídico, da pretensão formulada pela parte. O que bem se compreende porque, sendo nosso sistema jurídico filiado à legalidade estrita, cabendo ao juiz fazer a subsunção do fato à norma (da mihi factum dabo tibi jus), tal atividade ficaria inviável, à míngua de texto legal que previsse, mesmo que genericamente, a pretensão formulada pelo autor". Para nós, trata-se de uma explicação sobre possibilidade jurídica paradigmática: não explica nada, apenas elenca frases lugares-comuns para justificar o injustificável. O primeiro dos equívocos está na conceituação – o calcanhar de aquiles da doutrina nacional. A possibilidade jurídica do pedido não seria a "previsão, in abstracto, no ordenamento jurídico, da pretensão formulada pela parte", pois, como bem explica o prof. Moniz de Aragão, citado, curiosamente, também pelo próprio autor: "A possibilidade jurídica, portanto, não deve ser conceituada, como se tem feito, com vistas à existência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma previsão que o torne inviável". Eduardo Oliveira complementa o pensamento do professor paranaense, para abarcar, também, as hipóteses em que o ordenamento não permita o pedido expressamente, como nos casos de permissões numerus clausus, quando haveria tanta proibição quanto o veto explícito. É a aplicação direta do princípio ontológico do direito. Que cabe "ao juiz fazer a subsunção do fato à norma" é duvidoso, pois o que entendemos é que a ele cabe verificar se o fato se subsume à norma – quando há norma –, o que é diferente. A subsunção do fato à norma ocorre quando há procedência do pedido; em caso de improcedência (impossibilidade jurídica do pedido ser atendido), não houve subsunção, direta ou por algum dos processos de integração, e exatamente por isso houve improcedência. Dizer que "tal atividade ficaria inviável, à míngua de texto legal que previsse" – e queremos entender que o autor se refere à jurisdição – é manifesto equívoco, pois distorce a função jurisdicional, limitando-a apenas aos casos de procedência, o que nem mesmo Liebman fê-lo. Enfim, ao dizer que o pedido é juridicamente impossível, o julgador aplica a norma de direito material, pois é lá que ele verifica a impossibilidade – e essa aplicação também é jurisdição. Cândido Dinamarco, brilhante jurista e discípulo dileto de Liebman, elaborou construção teórica para tentar melhor aplicar a possibilidade jurídica do pedido, por nós seguida, em parte, no estudo anterior. Demonstra, o eminente professor paulista, que a impossibilidade jurídica deve estender-se para os casos em que, embora previsto o pedido no direito positivo, haja uma ilicitude na causa de pedir, como ocorre nos casos de cobrança de dívida de jogo: a cobrança de dívida pecuniária é possível; a antijuridicidade decorre de vício na origem do crédito. O conceito haveria de ser entendido como impossibilidade jurídica da demanda. Embora coerente com seus princípios e bem intencionada, a construção não explica os questionamentos por nós já formulados: quando averiguamos a ilicitude da causa de pedir, estamos inspecionando o próprio direito material; não é algo que está à sua margem. A relação jurídica a ser composta tem como elementos os sujeitos, o objeto (o pedido) e o fato propulsor; quando se analisa o fato está-se analisando, também, o direito material. Além disso, a própria expressão "impossibilidade jurídica da demanda" é equívoca, porquanto não explica que espécie de fenômeno ocorreu até o momento em que essa impossibilidade fosse declarada. Por fim, também aqui não se justifica que se extinga o processo sem julgamento do mérito. Se a demanda é impossível, continuará a ser impossível, devendo, por isso, o Legislativo emprestar a essa decisão as qualidades de imutabilidade e indiscutibilidade. Conceitualmente, não há como diferenciar a hipótese de inexistir previsão legal ou esta existir para hipóteses de fato distintas; em ambos os casos, a conseqüência é a mesma. Não há, finalmente, como separar a análise da possibilidade jurídica do pedido da análise da causa petendi. Para quem, entretanto, quiser continuar aplicando a possibilidade jurídica do pedido, a teoria terá a sua utilidade. Um passo à frente das outras, mais coerente e corajosa é a linha de pensamento adotada pelo prof. Humberto Theodoro Jr., não menos prenhe, entretanto, de certos equívocos. Em breve síntese do seu pensamento, podemos elencar as seguintes conclusões: a) o entendimento generalizado na doutrina brasileira, de que o exame da possibilidade jurídica deve ser feito sob o ângulo da adequação do pedido ao direito material, é equivocado, pois o cotejo do pedido com o direito material só pode levar a uma conclusão de mérito (funda-se, o autor mineiro, em posição de Allorio); b) a possibilidade jurídica do pedido deve ser restringida a seu aspecto processual; c) como, ao ingressar em juízo, o pedido formulado pelo autor é dúplice (imediato, contra o Estado, que se refere à prestação da tutela jurisdicional; mediato, contra o réu, que se refere à providência material que se pretenda aplicar), a análise da possibilidade jurídica do pedido deve ser localizada no pedido imediato; d) cita como exemplo de impossibilidade jurídica a ação de acidente do trabalho, sem a discussão prévia da questão na esfera administrativa; e) diz que a distinção dos pedidos foi agasalhada pelo nosso Código, no art. 295, parágrafo único, ao cuidar dos casos de indeferimento da inicial; f) quando "da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão", seria impossibilidade de direito material, com extinção do processo com julgamento do mérito; g) quando o "pedido for juridicamente impossível", seria impossibilidade jurídica de ordem processual, extinção do processo sem julgamento do mérito, pois o juiz diz que o pedido de tutela jurisdicional é insuscetível de apreciação. Como já dissemos, concordamos com o fato de a discussão sobre a possibilidade jurídica do pedido estar equivocada; de que a extinção do processo, nestes casos, deveria produzir coisa julgada material, porque decisória da lide; de que a análise, à luz do direito positivo, da possibilidade jurídica deverá ser puramente processual, e que há, de fato, uma divisão didática dos pedidos. Para mantermo-nos em linha coerente, contudo, não podemos aceitar a viabilidade lógica de o chamado pedido imediato ser recusado. Que natureza possui o ato do juiz que extingue o processo, nestes casos, senão a de sentença, provimento jurisdicional, pois? Se o pedido imediato se refere à prestação da tutela jurisdicional, qualquer que seja ela, jamais o Estado poderia negar-se a prestá-la: rejeitando a inicial, ou julgando procedente ou improcedente o pedido, o magistrado estará cumprindo a sua missão de "jurisdizer", que é inescusável. O Estado, uma vez acionado, sempre haverá de manifestar-se; ou seja, sempre haverá a tutela jurisdicional, o que nos leva à conclusão de que o "pedido imediato" jamais será "insuscetível de apreciação", jamais será impossível. Sérgio Gischkow e Eduardo Ribeiro de Oliveira, com propriedade, levantam mais um obstáculo ao pensamento de Theodoro Jr., afirmando que se ter em conta apenas o pedido imediato, sem se considerar o bem da vida que se pretende assegurar, não permite conclusão alguma sobre a possibilidade jurídica; a análise deve ser feita sob o aspecto do pedido mediato. Até porque, completamos, a distinção entre os pedidos mediato e imediato é meramente didática, não se referindo a ela o Código em nenhum momento, máxime quando regula o pedido (arts. 286 e segs., CPC). Justificar a possibilidade jurídica do pedido, com este fundamento, nos parece, pois, arbitrário. Estamos, ainda, com Calmon de Passos e Furtado Fabrício, ao defenderem que quaisquer das hipóteses de impossibilidade jurídica do pedido, seja a contida no inciso II, seja a contida no inciso III do art. 295, CPC, redundam em sentença declaratória de impossibilidade jurídica, denegatória do bem da vida pretendido, cujos efeitos devem ser os da coisa julgada material. A distinção feita por Theodoro Jr., portanto, não tem pertinência. Ademais, o exemplo de impossibilidade sugerido pelo professor da Escola de Minas não se aplica ao conceito de impossibilidade, pois o que haveria, naqueles casos, é ausência de interesse processual, pois a intervenção do Estado-juiz ainda não se faz necessária, porquanto caibam as vias administrativas. Pode-se dizer, sem medo, que se trata de um exemplo clássico de ausência de interesse de agir – e ressalte-se que consideramos o interesse de agir, como hoje se entende, como pressuposto processual. Fabrício, sem identificar com o interesse processual, comunga conosco quando afirma tratar-se de um pressuposto processual extrínseco, o que nos parece corretíssimo. O Estado não analisará se o autor possui ou não razão, até que as vias administrativas estejam esgotadas – opção legislativa. Trata-se de uma análise puramente processual, que em nada diz com o pedido, tampouco podendo ser alçada à categoria de condicionadora da existência do direito de ação. A tentativa do mestre é válida, pois se predispõe a distinguir, com precisão, as esferas do mérito e do processo, defendendo, inclusive, ser a análise da possibilidade jurídica, como vem sendo feita, uma análise de direito material – o que é inegável avanço, no pudico mundo jurídico em que vivemos. Mas, de acordo com o ponto de vista que adotamos sobre os conceitos de ação e jurisdição, já amplamente demonstrados, os quais reputamos como dogmaticamente mais aceitáveis, a construção é imprestável. Para quem defende a possibilidade jurídica do pedido, porém, será útil.


15. Eduardo Ribeiro de Oliveira elaborou o mais contundente e aceitável estudo de direito positivo sobre a possibilidade jurídica do pedido a que tivemos acesso. Não alcança o ideal, entretanto, por não pugnar pela extinção das condições da ação como categoria autônoma – o que o faz incorrer no talvez único senão do seu trabalho –, conquanto insinue não concordar com o sistema vigente e não faça as concessões dogmáticas que a doutrina nacional sói fazer. Seu pensamento pode ser resumido desta forma: a) critica com razão a conceituação da possibilidade jurídica do pedido elaborada pela doutrina nacional, pois seria caso de exame de mérito, o que colidiria com o ordenamento; b) desenvolve todo o estudo no sentido de adequar tanto quanto possível a possibilidade jurídica do pedido a uma análise puramente processual, de acordo com o que o código afirma; c) que a impossibilidade jurídica do pedido, da forma como vem sendo analisada, levaria à improcedência, e não à carência de ação, devendo o art. 267, I, CPC, "ser interpretado com temperamentos"; d) só existirá impossibilidade jurídica do pedido quando ao juiz fosse vedado a pronunciar-se sobre aquela matéria; quando não possa haver processo com aquela pretensão, e não quando a pretensão for de logo repelida por manifestamente desamparada; e) cita como exemplo de impossibilidade a proibição de exame judicial dos atos administrativos praticados com fundamento nos atos institucionais e complementares (art. 3º da EC nº 1, CF/67); f) por fim, considera que, em nossa ordem constitucional, que consagra o princípio do acesso irrestrito à justiça, a casuística de exemplos que justificassem a utilização do instituto seria pobre. A tese claudica no final. Os casos elencados pelo autor como sendo de impossibilidade jurídica do pedido correspondem, é verdade, a um exame puramente processual – o que é um tremendo avanço. Contudo, continua o jurista sem explicar, já que careceria de ação o autor em tais casos, qual o fenômeno que surge da propositura da demanda: se não houve ação, que natureza tem a movimentação processual que até ali se perpetrara? Qual a natureza do provimento judicial? O que foi que aconteceu? As questões continuam sem resposta. O equívoco, a nosso ver, consiste no não-afastamento da "condição da ação", que como dissemos é incondicionada; há ação, assim como há processo e jurisdição, nestas situações. Os exemplos citados pelo ilustre autor são casos de pressupostos de desenvolvimento regular do processo – in casu, impeditivos de ingresso no exame do mérito da demanda – como também o são: a inexistência de compromisso arbitral, a coisa julgada, a litispendência etc., considerados, inclusive, equivocadamente, por alguns, como condições da ação. O processo, que se formara, está impedido de prosseguir, por razões de conveniência legislativa. Dizer, simplesmente, que não há ação é omitir a realidade, pois permanecem inexplicados os fenômenos já apontados. Se há, no universo jurídico, dois institutos equívocos em sua essência, podemos concluir, um, com certeza, é a "condição da ação" – quanto ao segundo, não vem ao caso a menção, pois, sem dúvida, deve existir algum outro... Ressalve-se que, em se tratando de estudo de direito posto, a lição de Eduardo Ribeiro de Oliveira nos parece a mais próxima do ideal e dogmaticamente aceitável. Para além da mera utilidade, àqueles que persistem na utilização do instituto em debate, é construção fundamental.

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16. Enfim, sofismas e mais sofismas, equívocos e mais equívocos surgem constantemente na doutrina como forma de explicar o inexplicável. A perplexidade é geral, pois a falha do legislador é manifesta, justificando as advertências de Barbi e Davi, a que anteriormente nos referimos. A situação de alguém pedir algo que o direito repila ou não permita expressamente, em nada difere daquela em que outrem pede algo que o direito agasalha, pois as decisões que confirmarem a repugnância ou a afeição serão conseqüência de "relações processuais substancialmente idênticas, expressivas do exercício do direito de ação do sujeito e de atividade jurisdicional do órgão, em tudo semelhante". Aplica-se o direito material – a relação jurídica está sendo composta. Entra-se no mérito; injustificável que não se produza coisa julgada material. Finalmente, para o caso de não se querer bani-la do ordenamento, defendemos a reformulação do Código de Processo – apenas para evitar e dirimir as controvérsias, pois, em uma visão sistêmica, a mudança nos pareceria desnecessária –, para que se elenque, no rol das causas de improcedência prima facie – extinção do processo com julgamento do mérito –, à semelhança do que já ocorre com a prescrição e a decadência, a impossibilidade jurídica do pedido, que, como tentamos provar, não é nem pode ser condição da ação. A inicial que contiver pedido manifestamente improcedente haverá de ser extinta liminarmente – como já ocorre –, mas a sentença declaratória da impossibilidade jurídica haverá de produzir coisa julgada material. A melhor solução, todavia, é, sem dúvida, extinguir a categoria "possibilidade jurídica do pedido", pois a sua existência autônoma é injustificável: equiparando-se à nossa conhecida improcedência (prima facie ou não), não há porque erigi-la à categoria distinta. É sem medo, portanto, que defendemos que a extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido, de lege lata, gera coisa julgada material (estamos, pois, com Calmon de Passos, Theodoro Jr., Eduardo Oliveira, Furtado Fabrício, entre outros), à luz do art. 269, I, CPC, cotejando-o com o quanto previsto no inciso III do parágrafo único do art. 295, CPC. A referência à possibilidade jurídica do pedido como condição da ação (art. 267, VI) deverá ser, simplesmente, desconsiderada, por manifestamente equivocada. Nas II Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, agosto de 1997, Brasília, o prof. Cândido Dinamarco, eminente mestre da escola paulista e um dos grandes referenciais para os novos processualistas brasileiros, ao responder uma pergunta da audiência exatamente acerca da possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, disse que, em razão de outras preocupações, há muito não estudava o assunto, atendo-se a enunciar as correntes doutrinárias sobre a matéria, sem enfrentá-la, entretanto, de forma contundente. (Nota do autor Sobre a problemática do acesso à justiça em nível de Brasil, conferir, por todos, o excelente trabalho de Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 1996. Adroaldo Furtado Fabrício, "Extinção do Processo e Mérito da Causa", Revista de Processo, nº 58, p. 16. Criticando a posição do Código, com toda a razão, Celso Barbi: "É discutível o acerto dessa orientação, de um Código adotar uma teoria da ação, quando é sabido que nenhuma das teorias até hoje construídas está isenta de críticas irrespondíveis. A construção de Liebman, apesar de sua engenhosidade, não resiste a uma análise mais aprofundada. Basta apresentar a mesma crítica que se fez à teoria civilista e à teoria de Chiovenda, com ligeiras modificações: quando o juiz, depois de ter sido desenvolvida larga atividade jurisdicional, conclui que o autor não tem direito de ação, porque falta uma daquelas três condições, como se explica a movimentação da máquina estatal por quem não tinha o direito de ação?" (Comentários ao Código de Processo Civil, 9ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, vol. I, 1994, pp. 20-21.) Chiovenda conceituava as condições da ação como as condições de uma decisão favorável ao autor; de acordo, portanto, com a sua concepção concretista – não obstante o manifesto equívoco. Enumerava-as da seguinte forma: existência do direito; legitimidade, que seria a identidade da pessoa do autor com a pessoa favorecida pela norma; interesse processual. Tem o mérito, entretanto, de afirmar que a decisão sobre a existência ou não das condições da ação seria decisória da lide, produzindo coisa julgada material. (Nota do autor) "Per proporre una domanda o per contradire alla stessa è necessario avervi interesse." José Joaquim Calmon de Passos, A Ação no Direito Processual Civil Brasileiro, Imprensa Oficial da Bahia, 1960. O Código português, uma das nossas maiores inspirações, conquanto mencione a ilegitimidade de parte, em nenhum momento se utiliza da expressão "condição da ação", quer quando regra o direito de ação (arts. 1º ao 4º), quer quando trata da absolvição da instância, instituto semelhante à nossa extinção sem julgamento do mérito (art. 288). O Código argentino também não as menciona, sequer assistematicamente. Segundo informação do Prof. Barbosa Moreira, com sua incontestável autoridade intelectual, nas II Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, agosto de 1997, Brasília, a Alemanha não adota as condições da ação como categoria autônoma: ou são pressupostos processuais (Prozessvoraussetzungen) ou são mérito. (Nota do autor) Apud José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., p. 51. Em brilhante estudo sobre o problema das nulidades da sentença e do processo, Teresa Wambier sugere a utilização de dois critérios para extremar as condições da ação do mérito – afirmando, no entanto, que estas "são facilmente identificáveis, porém, outras vezes, quase se confundem, ou se confundem realmente com o mérito": o momento da prolação da decisão e o grau de imediatidade de aferição do conteúdo desta. Como sugere a sempre arguta professora paulista: "Nessa constatação não vai elogio algum à sistemática processual brasileira, neste particular, pelo menos do ponto de vista científico, pois criam-se situações patentemente absurdas, em que, v.g., o exame perfunctório da existência de um direito pode levar, ou não, à possibilidade de um exame mais profundo desse mesmo direito." (Nulidades do Processo e da Sentença, 4ª edição, RT, 1998. Ob. cit., p. 38. Enrico Tullio Liebman, "O Despacho Saneador e o Julgamento do Mérito", Revista Forense, nº 104, pp. 224-225 Sem razão Waldemar Mariz de Oliveira Junior, quando coloca Liebman ao lado de Degenkolb e Ploz, como abstracionista puro. Incoerentemente, o autor manifesta-se partidário da teoria abstrata, mas não questiona a existência de condições para a ação, tampouco classifica o pensamento liebmaniano como intermediário entre a teoria tradicional e a moderna (Curso de Direito Processual Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 1968, vol. I). Barbi, ao menos, em seus "Comentários...", conquanto diga que Liebman é um abstracionista – o que de fato é uma verdade –, trata de sublinhar os pontos do pensamento do professor italiano, para distingui-lo da linha de pensamento do abstracionismo puro Ob. cit., p. 225. Conosco, no particular: "Se o ato que inadmite exame do mérito não é jurisdicional, dificilmente poderá ser classificado como próprio de outra função do Estado. Natureza legislativa, certamente não tem; nem seria adequado considerá-lo como administrativo." (Eduardo Ribeiro de Oliveira, "Condição da Ação: a possibilidade jurídica do pedido", Revista de Processo, nº 46, p. 39.) "Caberia a explicação do que teria provocado a jurisdição e determinado a instauração do processo. Além disso, não podemos aceitar a idéia de que em caso de carência de ação não há processo, mas mero fato, não exercendo o juiz, nessa hipótese, função jurisdicional. Ainda que a jurisdição não seja provocada pela ação condicionada, mas sim pela ação incondicionada, é óbvio que o juiz, a partir da instauração do processo, passa a desenvolver atividade substitutiva para atuar a vontade do direito." (Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, 2ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 1996, p. 120 Apud José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., p. 30 Com razão Alfredo Rocco, quando afirma que, além de obter um julgamento de fundo, cada um tem o direito de obter um julgamento sobre a possibilidade de o mérito ser julgado. Ugo Rocco, nesta linha de raciocínio, afirma que o direito de ação será sempre atendido, mesmo nos casos de carência de ação, pois haverá o julgamento que declarará a inexistência das supostas condições. (apud Humberto Theodoro Jr., "Pressupostos Processuais e Condições da Ação no Processo Cautelar", Revista de Processo, nº 50, p. 13.) (Nota do autor Eduardo Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 39. L’azione nella teoria del processo civile, p. 32, apud José Ignácio Botelho de Mesquita, ob. cit., p. 39 "(...) para se manter coerente, teve de imaginar uma atividade prévia exercida pelo juiz que ainda não seria verdadeira jurisdição, uma espécie de atividade de filtragem...", Ovídio A. Baptista da Silva, ob. cit., p. 107 Fairën Guillén, "La accion, derecho procesal y derecho político", in Estudios de Derecho Procesal, pp. 79-80, apud José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., pp. 26-27. Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, Ed. RT, vol. I, 1998. Enrico Tullio Liebman, Manual de Direito Processual Civil, trad. Cândido Dinamarco, 2ª ed., Ed. Forense, 1985, vol. I, p. 154. Ob. cit., vol. I, p. 154. Osvaldo Afonso Borges, "Inépcia da Petição e Direito de Ação", Revista Forense, vol. 138, p. 31 Donald Armelin, Legitimidade para Agir no Direito Processual Civil Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 1979, pp. 46-47. Em nosso apoio: "O princípio da economia processual nada ganha com a teoria eclética...", Luiz Guilherme Marinoni, ob. cit., p. 121. Mais um problema da teoria de Liebman está exatamente no fato de que, para este autor, a carência de ação poderá ser verificada em qualquer momento processual, e não apenas em face de sua alegação pelo autor. As perplexidades que surgem deste entendimento são inúmeras, conforme se observa nos casos que elencamos. Sem razão, no particular, Ada Pellegrini e Dinamarco ao seguirem o pensamento liebmaniano. Para maiores exemplos, Ovídio Baptista e Calmon de Passos, obras amplamente citadas Kazuo Watanabe, Da Cognição no Processo Civil; Flávio Luiz Yarshell, Tutela Jurisdicional Específica nas Obrigações de Declaração de Vontade. A pretensão de direito material é a faculdade de se poder exigir a realização do direito. Quem exige, ou seja, exerce a pretensão, ainda não age para realização do direito; limita-se a esperar a satisfação por parte do destinatário. Se esse exercício da pretensão não leva à satisfação, surge ao titular a ação de direito material, que é o agir por meio do qual o titular do direito realizá-lo-á por seus próprios meios. Essa ação é veiculad José Carlos Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, 18ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1996. Na mesma linha, Hélio Tornaghi Ob. cit., p. 58. Lembra Mariz de Oliveira, que, para Degenkolb e Ploz, além de não precisar ter razão para vir a juízo, o autor pode, inclusive, estar de má-fé; a lide pode ser temerária. (Ob. cit., p. 67) Estamos de acordo, pois agindo de boa-fé ou temerariamente, o autor terá exercido o seu direito de ação de forma plena. Os casos de litigância temerária podem configurar, isso sim, abuso de direito de ação, que será punível na forma da legislação. O direito existe, mas foi exercido abusivamente. (Nota do autor "Pressupostos Processuais, Condições da Ação e Mérito da Causa", Revista de Processo, nº 17, p. 49 "Extinção do Processo e Mérito da Causa", Revista de Processo, nº 58, pp. 16-17 Hélio Tornaghi, acatando o ensinamento de Goldschmidt, entende haver três esferas normativas: a processual (Direito Judiciário), a material (Direito Material) e a relativa à ação (Direito Judiciário Material) – Comentários ao Código de Processo Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 1975, vol. II, pp. 327-328) Ob. cit., p. 33. Neste sentido, ainda, questionando a validade desta categoria processual, Luiz Guilherme Marinoni, ob. cit., p. 121 José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., p. 42 A indecisão doutrinária e jurisprudencial que sempre cercou a conceituação da carência de ação, bem como a equivocidade da expressão, estão muito bem postas no excelente trabalho de Cândido de Oliveira Neto, "Carência de Ação", Revista Forense, nº 115, janeiro de 1948, pp. 66-75. Remetemos o leitor ao brilhante, erudito e fundamental estudo de Adroaldo Furtado Fabrício (ob. cit.), que em muitos pontos nos apóia Calmon de Passos, em sua tese tantas vezes citada, já enquadrava o interesse de agir como um dos pressupostos processuais. Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, 8ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1995, vol. II, p. 393. José Joaquim Calmon de Passos, Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas Data – Constituição e Processo, Ed. Forense, São Paulo, 1991. Enrico Tullio Liebman, Manual de Direito Processual Civil, trad. Cândido Dinamarco, 2ª ed., Ed. Forense, 1985, vol. I, pp. 160-161. Fredie Souza Didier Junior, "Reflexões sobre a Possibilidade Jurídica do Pedido como Condição da Ação", in Revista Jurídica dos Formandos em Direito da UFBA, Nova Alvorada Edições, Belo Horizonte, vol. II, 1997. Buzaid lembra opinião de Alberto Reis no sentido de que se o divórcio não pode ser autorizado, o pedido não tem fundamento legal e a decisão do juiz decidirá a causa em seu fundo. Eduardo Oliveira enfrentando o problema resolve-o de forma idêntica, pois, diz o autor, apresentando o pedido, quando ainda inadmissível a medida, a sentença haveria de negá-lo e não afirmar a impossibilidade de examiná-lo. A pretensão seria rejeitada e a lide, decidida. (apud Eduardo Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 45) (Nota do autor) Irrepreensível a lição de Furtado Fabrício (ob. cit., p. 23): "Ora, responder o juiz ao autor que ele não tem o direito invocado porque, mesmo em tese, sua pretensão não encontra amparo no sistema jurídico, quaisquer que sejam os fatos, é a mais radical de todas as formas possíveis de negar-lhe razão. É uma negativa mais terminante e desenganadora do que, e.g., a fundada na inexistência ou mera insuficiência de prova dos fatos alegados. E, no entanto, a crer-se na letra da lei, a res iudicata não cobriria aquele julgado, e as portas da Justiça continuariam franqueadas à reiteração indefinida do mesmo pedido." Ob. cit., pp. 303-304. Ob. cit., p. 23. Ob. cit., p. 33. Fredie Souza Didier Junior, ob. cit., p. 301. Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Popular, 2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1996, pp. 117-118. Ob. cit., p. 394. Ob. cit., p. 41. Concordamos que não se trate, o caso, de impossibilidade jurídica do pedido, como se costumou a aceitar em nossa doutrina. Há manifesta improcedência, pois o pedido, como bem afirma Dinamarco, de cobrança de dívida, é possível; a origem da dívida, o jogo, é que é ilícita, que não gera, na forma do art. 1.477, CC, uma relação de débito e crédito. É manifestamente uma questão de mérito, por isso inaplicável a idéia do professor paulista. (Nota do autor) Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais. Calmon de Passos afirma não se poder abstrair, para a construção do conceito de possibilidade jurídica, da causa de pedir, citando o exemplo do pedido de nulidade de casamento por incompatibilidade de gênios. ("Em Torno das Condições da Ação – A possibilidade jurídica", Revista de Direito Processual Civil, nº 4, apud Eduardo Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 42. Concordamos com o mestre, mas continuamos a afirmar que não se trata de impossibilidade jurídica do pedido como condição da ação, não nos servindo o exemplo pelos mesmos motivos já expostos. O prof. Calmon de Passos considera ambas as situações de impossibilidade distinguidas por Theodoro Jr. como caso de improcedência prima facie, que conduzem à inépcia da petição inicial com julgamento preliminar de mérito; cf. Comentários ao Código de Processo Civil, 8ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998. (Nota do autor) Ob. cit., pp. 46-47. Ob. cit., p. 44. Ob. cit., pp. 215-217. Ob. cit., p.


17. O autor, muito embora elogie a intenção do mestre mineiro, enumera uma série de senões à sua teoria. Para ilustrar que há controvérsia, inclusive, quanto ao exemplo indicado pelo autor: "Nada obstante os arts. 181 e 182 da CF de 1969 mencionarem a exclusão de apreciação, pelo Poder Judiciário, de atos praticados com fundamento no AI 5 e demais atos institucionais, complementares e adicionais praticados pelo comando da revolução, estas duas normas eram inconstitucionais (Verfassungswidrige Verfassungsnormen? Otto Bachof). Isso porque ilegítimas, já que outorgadas por quem não tinha competência para modificar a Constituição, estavam em contradição com normas constitucionais de grau superior (direitos e garantias individuais), infringiam direito supralegal positivado no texto constitucional (direito de ação)." Nelson Nery Jr., Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 4ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 90. Ob. cit., pp. 39-47. Conferir, a propósito, Antônio Carlos Araújo Cintra, et alii; Teoria Geral do Processo, 10ª ed., Ed. Malheiros, 1994, p. 255; "Constitui tendência contemporânea, inerente aos movimentos pelo acesso à justiça, a redução dos casos de impossibilidade jurídica do pedido (tendência à universalização da jurisdição)." Galeno Lacerda defende que, quando o juiz julgar inexistente a possibilidade jurídica do pedido, proferirá sentença de mérito, porque decisória da lide. (Despacho Saneador, Porto Alegre, 1953, p. 82.

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Sobre o autor
Fredie Didier Jr.

Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Processual Civil da LFG-Anhanguera Uniderp. Livre-docente (USP), Pós-doutorado (Universidade de Lisboa), Doutor (PUC/SP) e Mestre (UFBA). Professor-associado de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia. Diretor Acadêmico da Faculdade Baiana de Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, da Associação Internacional de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIDIER JR., Fredie. Um réquiem às condições da ação.: Estudo analítico sobre a existência do instituto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2918. Acesso em: 19 abr. 2024.

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