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Inconstitucionalidade da taxa de limpeza pública do Município de Salvador

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Sumário: 1. Introdução – delimitação do objeto de análise; 2. Comentários sobre o tema – Inconstitucionalidade da Taxa de Limpeza Pública do Município de Salvador; 2.1. Violação do requisito da divisibilidade; 2.2. Utilização de base de cálculo imprópria; 3. Conclusão; 4. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

A matéria aqui versada comporta acirrada discussão nos tribunais, principalmente, quando interesses políticos procuram ditar a consonância deste tributo com o sistema constitucional tributário. As regras de interpretação são aplicadas ou desvirtuadas em favor da vontade política. Nossa posição, entretanto, está desprovida de qualquer influência ideológica, significando apenas uma modesta análise da Lei n.º 5.262/97, que instituiu a Taxa de Limpeza Pública do Município de Salvador, à luz da Constituição Federal de 1988.

Entendemos pela inconstitucionalidade da Taxa de Limpeza Pública, assinalando a ilegalidade da sua cobrança pelo poder público municipal. Passaremos, então, a abordar os pressupostos jurídicos para instituição da denominada Taxa de Lixo (fato gerador, contribuinte, base de cálculo e os requisitos de divisibilidade e especificidade), a fim de demonstrar como está descaracterizada sua qualidade de taxa.


2. COMENTÁRIOS SOBRE O TEMA

Dispõe a Lei n.º 5.262/97, em seu art. 1º, que a hipótese de incidência da Taxa de Iluminação Pública do Município de Salvador é atribuída ao serviço de coleta e remoção do lixo domiciliar para, posterior, tratamento e destinação final. Enquanto isso, a base de cálculo é o custo destes serviços, calculado em função da área do imóvel, da localização e da sua utilização.

A princípio, poderíamos classificar a Taxa de Lixo como uma taxa de serviço, em que o fato gerador consistiria em uma atuação estatal responsável pela execução de um serviço específico e divisível (coleta de resíduos sólidos em cada domicílio), efetivamente prestado ou posto à disposição do contribuinte. Contudo, o critério da base de cálculo utilizado descaracteriza inteiramente a taxa, interferindo no requisito da divisibilidade do serviço prestado e aplicando ainda fator integrante da base de cálculo do IPTU, qual seja, a área do imóvel.

Ressalte-se que admitimos tão-somente como fato gerador a coleta dos resíduos sólidos na residência de cada contribuinte, não abrangendo o serviço de limpeza das vias e logradouros públicos, senão infringiria, de imediato, a natureza divisível da taxa. Nesse particular, o Min. Ari Pargendler manifestou-se com inequívoco acerto, quando analisou situação semelhante ao tema:

TRIBUTÁRIO. TAXAS. LEI 6.989/1966, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 10.921/ 1990, DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. LEI 8.822/1978. TAXA DE LIMPEZA URBANA.

1. A taxa de limpeza urbana, no modo como disciplinada no município de São Paulo, remunera - além dos serviços de "remoção de lixo domiciliar" - outros que não aproveitam especificamente ao contribuinte ("varrição, lavagem e capinação"; "desentupimento de boeiros e bocas-de-lobo"); ademais, a respectiva base de cálculo não está vinculada à atuação estatal, valorizando fatos incapazes de mensurar-lhe o custo (localização, utilização e metragem do imóvel) - tudo com afronta aos arts. 77, "caput", e 79, II, do CTN.

2. A taxa de conservação de vias e logradouros públicos, assim como instituída no município de São Paulo, tem como fato gerador serviços que beneficiam toda a comunidade (de conservação do calçamento e dos leitos não pavimentados das ruas, praças e estradas do município), insuscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários, contrariando o disposto no art. 79, III, do CTN.

3. Taxa de combate a sinistros. O fato de o município de São Paulo assumir, contratualmente, a responsabilidade pelo custeio, em parte, dos serviços prestados pelo estado de São Paulo no combate e extinção de incêndio ou de outros sinistros, não o autoriza a instituir taxa para obter os recursos correspondentes.

Recurso Especial não conhecido.(RESP 61604/SP; STJ; Segunda Turma; Relator Min. ARI PARGENDLER; Julgado em 05/06/1997)

Com efeito, a regra matriz de incidência da Taxa de Limpeza Pública reclama uma atuação do poder público municipal no sentido de recolher o lixo domiciliar, autorizando, a primeira vista, a cobrança de taxa da pessoa a quem aproveita aquela atividade, desde que constitua um reembolso do custo de serviço prestado. Caso descumpra esse preceito, restará descaracterizada sua qualidade de taxa.

2.1. VIOLAÇÃO DO REQUISITO DA DIVISIBILIDADE

Conforme o art. 2º, da Lei Municipal n.º 5.262/97, contribuinte é o proprietário, titular de domínio útil ou possuidor do imóvel, beneficiado com a prestação do serviço. Tratando-se de coleta de lixo exclusivamente residencial, apenas aquele que é titular do domínio ou possuidor poderia utilizar-se do serviço. A figura do proprietário como contribuinte, portanto, é legítima, sucede que a base de cálculo não está vinculada a atuação estatal, valorizando aspectos (localização e metragem do imóvel) que não refletem o custo do serviço, mas sim a capacidade contributiva deste contribuinte.

Por oportuno, destaque-se que o serviço de coleta e tratamento final do lixo domiciliar atende à exigência da especificação, posto que o Estado se aparelha para executar o serviço destacado. Já a divisibilidade estaria caracterizada na possibilidade de fruição isolada por cada usuário do serviço de coleta de lixo, o que justificaria, inclusive, a repartição das despesas da atividade entre os usuários, efetivos ou potenciais, em consonância com o quanto lhe fora ofertado.

Observe que a Taxa de Limpeza Pública também exigiria o caráter contraprestacional desta espécie de tributo, em que a soma dos valores cobrados dos beneficiários diretos ou indiretos dos serviços deve corresponder ao custo da atuação estatal. Não sendo assim, a taxa se confundiria com o imposto, na medida em que o valor fosse muito superior a esse custo.

Em relação à Taxa de Lixo do Município de Salvador, a base de cálculo está fundada na área da propriedade, circunstância que desnatura o caráter divisível do serviço, pois apenas a quantidade de resíduos sólidos retirados de cada residência compatibilizaria a base de cálculo com o fato tributável. Será que, necessariamente, um imóvel com maior dimensão produziria maior quantidade de lixo a ser coletada?

Estamos convictos de que a base de cálculo fundada na dimensão do imóvel não atende a relação custo x serviço prestado ou à disposição. Daí, advém um dos fundamentos da inconstitucionalidade da taxa em questão, já que o elemento "custo individualizado do serviço" não é levado em consideração.

O Professor Luiz Antonio Ribeiro em artigo intitulado a "Inconstitucionalidade da Taxa de Serviço de Limpeza Pública" (1), explica tal situação com bastante clareza:

Por fim, por imperatividade constitucional, o serviço público, para ser passível de tributação, deve ser "divisível", implicando este fato na exigência de que o custo da atividade estatal seja dividido entre os seus vários usuários, efetivos ou potenciais, na proporção do uso, se for o caso, do serviço utilizado, ou por custo mínimo, se o serviço, embora não utilizado, for colocado à disposição. Porém, cabe realçar que sempre deve ser tomado por base de cálculo o aspecto econômico inerente ao serviço desempenhado, e o único possível para tanto é o "custo" da atividade a ser tributada Não há hipótese de ser usada como base de cálculo para a taxa em questão outra que não seja o custo do serviço implementado. (grifo nosso)

O serviço de limpeza pública, mesmo que imaginemos o recolhimento exclusivo de lixo domiciliar (apesar de não evidenciado na prática), é prestado a todos os cidadãos indistintamente, beneficiando um número indeterminado de pessoas que passam nas ruas e/ou os donos de imóveis, além de não ser possível individualizar a quantidade de lixo que cada um gasta para ser passível de cobrança de taxa. Seria divisível se existissem mecanismos suficientes para apurar a utilização individual do contribuinte.

Interessante esclarecer que a base de cálculo permite definir a espécie tributária, constituindo-se num atributo selecionado pelo legislador para mensurar o fato descrito na hipótese de incidência. A base de cálculo desempenha, assim, algumas funções como determinar a materialidade da hipótese de incidência e apurar, conseqüentemente, o montante devido.

Com isso, se a base de cálculo não fornece o elemento fundamental para identificação, classificação e diferenciação dos tributos, ela não se presta para fixar o valor da espécie tributária, sendo considerada inconstitucional, tendo em vista sua importância para a individualização de cada tributo. Em realidade, a base de cálculo da Taxa de Limpeza Pública não estabelece correlação alguma com o serviço de coleta de lixo domiciliar, não se prestando para o papel de identificar este tributo, além de ferir o requisito da divisibilidade.

Nesse diapasão, salutares são as considerações também proferidas pelo Professor Luiz Antonio Ribeiro (2):

No caso da taxa de limpeza pública, que também é chamada de taxa de coleta de lixo, por várias vezes o Poder Público municipal, que tem competência para exigi-la, tem utilizado base de cálculo manifestamente inconstitucional, pois ela é divorciada da atividade empreendida..., a base de cálculo é o custo da limpeza pública.

Qualquer aspecto quantitativo dissociado do fato gerador do tributo certamente implicará em sua inconstitucionalidade, ocasionando a impossibilidade jurídica da imposição tributária.(grifo nosso)

2.2. UTILIZAÇÃO DE BASE DE CÁLCULO IMPRÓPRIA

Por outro lado, a área do imóvel também é fator determinante da base de cálculo do IPTU. Sabe-se que a base de cálculo do IPTU corresponde ao valor venal do imóvel, enquanto que a taxa de limpeza pública é cobrada em função da área do imóvel e de sua localização. Entretanto, o metro quadrado da propriedade serve para determinar o valor venal do imóvel, ceifando de inconstitucionalidade sua aplicação em ambos os tributos.

Tal circunstância viola preceito constitucional, previsto no art. 145, § 2º, qual seja, "as taxas não poderão ter base de cálculo própria do imposto". Este dispositivo procura afastar a instituição de um tributo, com o nome de taxa, contendo base de cálculo intimamente relacionada com o imposto. Como esse elemento dimensiona a materialidade da hipótese de incidência, sua utilização, simultaneamente, em um tributo e em uma taxa implica tributar duplamente a mesma situação fática, por isso é natural que a taxa não tenha base de cálculo própria de imposto.

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Embora a área do imóvel não seja o único elemento da base de cálculo do IPTU, ela a integra, sendo determinante para a fixação do montante devido pelo contribuinte. E, ao repercutir no cálculo de um imposto, sua utilização como aspecto quantitativo da taxa está vedada. Nesse sentido, existe precedente jurisprudencial, a saber:

EMENTA: IPTU. MAJORAÇÃO. ATO DO PODER EXECUTIVO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. Pelo princípio da reserva legal, a majoração do tributo é privativa da lei, formalmente elaborada, ainda quando essa majoração decorra da modificação da base de cálculo. Aplicação do art. 97, inc. II, § 1º e § 2º, do Código Tributário Nacional e art. 150, inc. I, da Constituição Federal. Entretanto, "in casu", a base de calculo do imposto, para o exercício de 1992, foi fixada por lei complementar e não por decreto. Taxa de lixo. Base de cálculo. Sempre que o critério usado para a base da taxa contenha em si mesmo critério já utilizado para o imposto, estará configurada a violação da norma legal. Tem evoluído e preponderado o entendimento jurisprudencial no sentido de que a área construída do imóvel, embora não constituía, ´per se´, a base de calculo do IPTU, se inclui entre os elementos que a formam e a completam, cujo fato, impede seja a mesma também adotada como fator componente da base de cálculo das taxas, à luz da vedação insculpida no art. 145, par. 2º, da CF e do art. 77, par. único do CTN, que deve ser interpretado harmonicamente com aquele dispositivo (Reexame necessário n. 193082062), Relator o eminente Dr. Salvador Horacio Vizzotto. (APC nº 193120565, Primeira Câmara Cível, TARGS, Relator: Des. Heitor Assis Remonti, julgado em 16/11/1993)

Ademais, a interpretação deste dispositivo constitucional ainda nos indica que a taxa não pode utilizar base de cálculo que, pela sua essência, é própria do imposto, mesmo que determinado fator não tenha servido para incidência de algum imposto. A base de cálculo tem um papel realmente determinante na caracterização de cada tributo.

O imposto tem como fato gerador algo que seja indicativo da capacidade contributiva, ou seja, sempre relacionado à expressão econômica de uma atividade ou de um patrimônio do contribuinte. Enquanto, a taxa admite como fato gerador uma atividade estatal prestada ao contribuinte ou posta à disposição. A vedação constitucional visa, portanto, tornar efetiva a distinção entre esses dois tributos.

Sendo próprio do imposto a expressão econômica do patrimônio do contribuinte, a área do imóvel e sua localização não podem ser utilizadas indiscriminadamente como base de cálculo da taxa, pois esses aspectos quantitativos refletem a riqueza do sujeito passivo, e não o grau de utilização do serviço público ou seu respectivo custo. Os imóveis não residenciais, por exemplo, terão o valor da taxa alterada quanto maior a sua área, sem qualquer limitação, podendo representar valores absurdos, sem vinculação alguma ao serviço de coleta de lixo domiciliar.

Nesse particular, de grande valia é a explicação daquele dispositivo constitucional (art. 145, § 2º), proferida pelo mestre Hugo de Brito Machado (3), reforçando nossa posição de que a área da propriedade não constitui elemento adequado para compor a base de cálculo da Taxa de Limpeza Pública, pois não reflete o custo da atividade municipal, mas sim a capacidade contributiva. Vejamos:

Na verdade, não é preciso que determinada grandeza tenha servido para a incidência de impostos. Nem que tenha servido para o cálculo de um imposto qualquer. Basta que seja própria, vale dizer, seja adequada para o cálculo de impostos. Se a grandeza é própria, ou adequada, para o cálculo de imposto, é porque não é pertinente à atividade estatal, mas à vida do contribuinte. Logo, não tendo pertinência à atividade estatal, que constitui o fato gerador da taxa, não poderá ser sua base de cálculo.


3. CONCLUSÃO

I. O serviço de limpeza das vias e logradouros públicos fere, de plano, a natureza divisível da taxa;

II. O serviço de coleta de lixo em cada domicílio autoriza, prima facie, a instituição de taxa, desde que a base de cálculo corresponda ao custo do serviço ofertado;

III. A figura do proprietário ou possuidor como contribuinte é legítima, pois somente eles poderiam realmente utilizar-se de um serviço prestado em cada residência;

IV. A Taxa de Limpeza Pública do Município de Salvador é composta por base de cálculo que não reflete o custo da atividade estatal, infringindo o requisito da divisibilidade;

V. A área do imóvel é elemento integrante da base de cálculo do IPTU, violando vedação constitucional (art. 145, § 2º).

VI. Desta forma, concluímos pela inconstitucionalidade da referida taxa, caracterizando a ilegalidade de sua cobrança e reconhecendo que o serviço de coleta de lixo deve ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos.


NOTAS

(1) Texto extraído da Internet, no dia 06/08/00, in http://www.cpc.adv.br/ARTIGOS/DTRINC.htm

(2) Idem.

(3) Curso de Direito Tributário. pág. 328. 14ª Edição. Malheiros Editores. 1998


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo. Ed. Saraiva. 5ª edição. 2000.

RIBEIRO, Luiz Antonio. in Texto extraído da Internet, no dia 06/08/00, http://www.cpc.adv.br/ARTIGOS/DTRINC.htm.

BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 14ª Edição. Malheiros Editores. 1998.

BRITO MACHADO, Hugo de. in Texto extraído da Internet, no dia 06/08/00, http://www.hugomachado.adv.br/pareceres/tcl.html

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Sobre o autor
Luiz Augusto de Mello Carvalho

bacharel em Direito em Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Luiz Augusto Mello. Inconstitucionalidade da taxa de limpeza pública do Município de Salvador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2927. Acesso em: 25 abr. 2024.

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