A “despenalização” do crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 e a possível discricionariedade em sua aplicabilidade

07/06/2014 às 15:35
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O presente estudo investiga o crime de posse de drogas para consumo pessoal com enfoque na sua “despenalização”, termo vastamente utilizado pela doutrina; e na possibilidade de sua aplicação discricionária no tocante à percepção da autoridade competente para identificar, no caso concreto, se o fim da posse é, realmente, o consumo pessoal da droga.

É correta a expressão “despenalização”, bastante comum na doutrina, tendo em vista a ausência de pena privativa de liberdade, não obstante existam penas restritivas de direito aplicáveis ao caso? Ademais, a autoridade policial é dotada de discricionariedade ao inferir se a quantidade de drogas em posse do agente se destinava ao consumo pessoal?

O objetivo geral é analisar o crime de posse de drogas para consumo pessoal sob a égide da Lei de Drogas no tocante à sua despenalização, uma vez que não há a previsão da pena privativa de liberdade, constante em todos as outras condutas descritas pelo Direito Penal. Além disso, observar a margem de discricionariedade conferida pelo §2º do supracitado dispositivo ao juiz para a averiguação da destinação.

Nada obstante, o estudo tem ainda objetivos específicos, como verificar se é correta a utilização do termo “despenalização” amplamente utilizado pela doutrina e jurisprudência, uma vez que o art. 28 da Lei 11.343/2006 prevê penas em seu corpo; analisar a natureza jurídica do crime tratado, uma vez que o STF já decidiu que não houve “abolitio criminis” do delito de posse de drogas para consumo pessoal; relacionar o crime em questão com o Princípio da Lesividade; examinar a legitimidade da Portaria nº 344/SVS da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – que complementa e integra o dispositivo enunciado, no sentido de taxar o rol de drogas proibidas, por tratar-se de norma penal em branco; e investigar a discricionariedade conferida pelo art. 28, §2º do referido diploma legal para determinar se a droga teria como finalidade o consumo pessoal.

Trata-se de tema bastante atual, uma vez que o consumo de drogas é uma realidade constante em todo o território nacional, independente de classe social ou localidade. A verdade é que não há dificuldade de acesso às drogas no Brasil, como se percebe sem esforço em tão somente acompanhar as notícias midiáticas.

Por esse motivo, o presente trabalho busca analisar a posse de drogas para consumo pessoal, crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006, em todos os seus termos, concretizando um paralelo fático/jurídico que permita entender a problemática.

O crime de posse de drogas para consumo pessoal é muitas vezes confundido pela população e pelos próprios meios de informação com o crime de tráfico de drogas, de forma a taxar o usuário como traficante.

Percebendo equívocos como este, além da complexidade do tema tratado, por cuidar de assunto polêmico e, em geral, não desmistificado, faz-se necessário enfrentar todos seus pontos pertinentes através de um estudo detalhado e percuciente.

Tratando-se, em apertada síntese, de análise do crime de posse de drogas para consumo pessoal sob a égide da Lei de Drogas no tocante à sua despenalização com observância à possível margem de discricionariedade conferida pelo art. 28, §2º do supracitado diploma legal, faz-se necessário colacionar à pesquisa embasamento teórico que permita a feitura idônea da pesquisa.

Dessa forma, em virtude do estudo no que tange à verificação da ocorrência de “despenalização” do crime tratado, é imprescindível a lição de Cesare Beccaria em seu clássico texto “Dos delitos e das penas”, que trata da origem e da finalidade das penas, do direito de punir, de suas consequências, da proporção entre os delitos e as penas, entre outros temas indispensáveis para a realização do trabalho.

Há uma verdadeira subsunção do tema em análise a passagens como “[...] a única e verdadeira medida dos delitos é o dano feito à nação e por isso erraram aqueles que pensavam ser verdadeira medida dos delitos a intenção de quem os comete” e “[...] cada delito, ainda que privado, ofende a sociedade, mas nem todo delito procura sua destruição imediata”, o que ratifica a obrigatoriedade da inclusão da célebre obra de Beccaria como referencial teórico do trabalho.

O autor Cláudio Brandão, em “Teoria Jurídica do Crime” traz de forma sensata e atual uma concepção de Direito Penal liberal, tendo por enfoque a dignidade da pessoa humana, contrapondo densamente o bem jurídico tutelado e o homem verdadeiro, real.

É mister ter esta obra como referência para concretizar objetivos da pesquisa ao analisar a natureza jurídica do crime de posse de drogas para consumo pessoal, bem como para relacionar o crime em questão com os princípios do Direito Penal, dentre eles o Princípio da Lesividade.

Segundo entendimento doutrinário dominante, o bem jurídico protegido pela Lei 11.343/2006 é a saúde pública, tendo em vista as consequências do consumo de drogas pelos usuários, como a dependência química, sequelas psicomotoras ou até mesmo a morte. Nas palavras de Cláudio Brandão, “o bem jurídico é o valor objetivo que a norma penal visa proteger”.

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Mais adiante, ainda em “Teoria Jurídica do Crime”, “[...] para que o papel do bem jurídico cumpra a sua função de legitimar a intervenção penal, é imprescindível interpretá-lo à luz da sociedade, como pretende a atual dogmática alemã. A ideia de bem jurídico não é desvinculada da ideia de valor, visto que o bem jurídico é precisamente o valor protegido pela norma penal, mas esse valor cumpre a função de resguardar as condições de convivência em sociedade de um determinado grupo humano”.

Fernando Capez elucida, ainda, que “para a existência do delito não há necessidade de ocorrência do dano. O próprio perigo é presumido em caráter absoluto, bastando para a configuração do crime que a conduta seja subsumida em um dos verbos previstos”.

A Lei 11.343/2006 tem, portanto, como finalidade proteger a saúde pública proibindo condutas que dirimam o mal antes que se concretize em lesão propriamente dita, ou seja, tipificando delitos de perigo abstrato ou presumido.

Ao tratar da saúde pública como bem juridicamente tutelado pela Lei de Drogas, não há uma lei que liste as substâncias tratadas como ilícitas, mas um dispositivo infralegal, qual seja a Portaria 344/SVS da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que arrola taxativamente os entorpecentes vedados pelo ordenamento jurídico nacional.

Para examinar a legitimidade da Portaria SVS/MS nº 344 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que complementa e integra a Lei 11.343/2006 no sentido de taxar o rol de drogas proibidas em virtude de seu caráter de norma penal em branco, deve-se, primeiramente entender o Sistema Nacional de Políticas Púbicas sobre Drogas, tratado nos artigos 3º a 17 do referido diploma.

Dessarte, Renato Marcão examinou meticulosamente a Lei de Tóxicos, de forma anotada e interpretada, tratando cirurgicamente de cada dispositivo que a compõe, através de comentários e considerações sobre o tema. Na obra “Tóxicos: Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006: Lei de Drogas”, o autor esclarece pontos importantes para embasar o presente trabalho.

Samuel Miranda Arruda vai além, ao tratar dos aspectos penais e processuais da Lei 11.343/2006, de forma a elucidar os temas da “despenalização”, da instrução criminal, da apreensão, arrecadação e destinação de bens do acusado e da cooperação internacional, dentre outros de suma importância.

Esta obra norteia especificamente no caso do art. 28, que prevê o crime de consumo ilícito de drogas, ao tratar fartamente do procedimento aplicável no caso de infração, da impossibilidade da prisão em flagrante, do conteúdo da proposta de transação penal neste referido caso, bem como do prazo de duração e forma de cumprimento das sanções restritivas de direito cominadas.

Comparando o novo diploma que substituiu a antiga lei 6.368/76, que dispunha sobre a repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes, este autor entende que “agiu muito bem o legislador reformador ao ampliar o leque das condutas que podem ser reconhecidas como infrações penais de consumo de drogas, evitando-se a possibilidade de injusta sujeição do agente às pesadas sanções estabelecidas para os traficantes”.

A sistematização dos conceitos, em aspectos penais e processuais penais, indubitavelmente permite uma melhor compreensão da lei em si, dando suporte ao exame, inclusive, do art. 28, §2º quanto à possível discricionariedade conferida para determinar se a droga teria como finalidade o consumo pessoal.

Sendo assim, as obras colacionadas constituem-se como valioso material de referencial teórico para o presente trabalho, seja em pontos específicos, seja em caráter geral, de modo a servir de subsídio para a consecução da realização da pesquisa, alcançando os objetivos inicialmente traçados.

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