Direito Penal do Inimigo, sua concepção e aplicação no direito hodierno

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Até que ponto a teoria do Direito Penal do Inimigo tem influência e aplicabilidade na dogmática jurídico-penal do atual Estado brasileiro.

 

1 INTRODUÇÃO

O trabalho de pesquisa científica que ora se apresenta terá como alvo discorrer sobre “Direito Penal do Inimigo”, sua concepção e aplicação no direito hodierno, sob a perspectiva do direito criminal brasileiro, e do ponto de vista do seu idealizador, o alemão Günther Jakobs, através de uma visão pós-finalista.

Em face da complexidade da própria sociedade moderna que se atormenta por se estabelecerem novas diretrizes as quais rematarão em mutações, este artigo visa perceber se os ditames penais na conjectura do funcionalismo sistêmico de Jakobs (2003) possuem aplicabilidade e legitimidade no Estado Democrático.

A contribuição deste trabalho de pesquisa será determinar em que termos ou até que ponto a teoria do Direito Penal do Inimigo tem influência e aplicabilidade na dogmática jurídico-penal do atual Estado brasileiro.

Objetivando também demonstrar a dogmática penal, sobretudo no que tange ao insurgente sistema criminal brasileiro, presentemente implantado, responder-se-ão determinados questionamentos, tais como: quais seriam os pontos positivos ou negativos, em meio às regras, princípios e legislações vigentes de se efetivar a concepção do jurista alemão? O direito penal é seletivo, visto que a crescente exclusão social se manifesta através de um quantitativo preocupante de normas que só duram para punir os mais fracos? Qual o conceito de “Cidadão” e de “Inimigo” no entendimento normativo de Jakobs?

Portanto, são esses os principais questionamentos que se enfrentarão no decorrer deste trabalho científico, sem, contudo, afastar outros pontos que se fizerem importantes os quais campearemos para melhor obtemperar ou simplesmente defender a teoria referida.

A contribuição deste trabalho de pesquisa será determinar em que termos ou até que ponto a teoria do Direito Penal do Inimigo tem influência e aplicabilidade na dogmática jurídico-penal do atual Estado brasileiro.

O referencial teórico proposto recai no modelo do Direito Penal do Inimigo, anunciado por Günther Jakobs em sua obra Direito Penal do Inimigo que a sustenta desde 1985, como medida eficaz contra a criminalidade nacional e internacional.

O marco teórico escolhido pelo pesquisador possibilitou uma interdisciplinaridade na investigação, visto que foram trabalhadas teorias de diversas áreas do conhecimento humano.

O procedimento metodológico compreenderá a coleta de documentos, de leis e de artigos, o levantamento bibliográfico (com listagem, formação e cruzamento de dados e elaboração de análises críticas); a definição de conceitos e teorias que serão usadas como categorias na investigação, para formulação da análise do conteúdo.

Todavia, não pode haver investigação apenas com dados secundários. A autonomia do pesquisador exige a utilização também de bases de dados oriundos de fontes primárias. Por isso, fez-se necessária a coleta e utilização de material jurisprudencial existente acerca da aplicação prática dos conceitos que serão pesquisados.

2 ASPECTOS DA SOCIEDADE HODIERNA

Antes de aprofundar o tema é conveniente situar o homem no contexto social atual para daí tirar conclusões mais acertadas sobre o tema.

Com apontamentos de uma palestra assistida sobre o tema da Reforma do Código Penal, o professor Alexandre de Moraes inicia seu discurso dizendo:

É preciso fazer algumas ponderações ou reflexões – a sociedade a partir da constituição de 1988 - está passando por transformações sem precedentes. Há um filósofo chamado Bertrand Russell, que diz: “é muito difícil se entender a história quando se vive a história”. Isso se dá porque os valores antigos não perderam completamente a sua força e os novos valores não tem força por si só para perdurar. Nós estamos vivendo uma grande revolução e estamos numa zona cinzenta de mistura de valores. (informação verbal)[1]

2.1    A POLÍTICA LEGISLATIVA

O Direito Penal, explica Alexandre de Moraes, (informação verbal) “como ele é retrato de um povo ele vai proteger demandas sociais”. [...] “Há algum tempo uma onda de ‘laxismo’ penal no Brasil tomando conta dos bancos acadêmicos e se projetando a necessidade de um direito penal que seja sempre fragmentário, subsidiário e ‘ultima ratio’ ” (Idem).

E por falar em direito penal fragmentário, o penalista apresenta a exagerada estatística de produção legislativa que é típica da atual sociedade brasileira, dizendo: “Sabe quantos tipos penais foram formatados desde 1988 no Brasil? Mais ou menos 800 entre figuras simples, privilegiadas e qualificadas e 166 leis penais extravagantes contidas no Brasil” (Idem). Vive-se, portanto, uma época de excesso de criação de normas.

Só para ilustrar reproduzem-se trechos do comentário na internet de uma notícia publicada por Jório (2012) com o título Presos ao pescar: ironias de um estado (in) eficiente, que retrata muito bem os efeitos de legislações simbólicas ou fragmentárias. Acredita-se não ser preciso tecer maiores digressões, posto que o relato por si só já narra o suficiente para refletir o que apresentou o professor. De tal modo:

Pedimos ao leitor que considere a seguinte manchete: “Presos ao pescar: 26h na cadeia. E acorrentados. Desempregados foram detidos com 2kg de peixe em Vitória”. Do corpo da notícia, extraímos o seguinte: “Os desempregados Valmir Santos, 45 anos, e Rodrigo Dantas de Almeida, 27, deixaram a prisão, ontem à noite. Eles ficaram 26 horas atrás das grades, algemados e sem comer, acusados da pesca ilegal de dois quilos de peixe. Os dois foram flagrados pela Polícia Ambiental na área da Estação Ecológica do Lameirão, na região da Ilha da Pólvora, na Baía de Vitória, na tarde de terça-feira. [...] Algemados pelos pés e presos por correntes a uma barra de ferro, Valmir e Rodrigo permaneceram no Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) da Capital, sem comer, até as 18h50. Nesse horário, chegou o alvará de liberdade provisória. [...] Atuando descaradamente, os delinquentes foram surpreendidos com quase dois quilos de peixe em plena Baía de Vitória. Ambos alegaram tratar-se de pesca para consumo pessoal, mas a polícia, fazendo uma inteligente analogia com a lei de drogas, considerou a grande quantidade da substância apreendida, as circunstâncias do crime e as circunstâncias sociais e pessoais, e descartou a desculpa esfarrapada. Até mesmo porque foram apreendidas ferramentas do crime que indicam maior lesividade e certo profissionalismo (molinete). A esposa de um dos detidos, tentando amenizar a gravidade do ato e dramatizar a situação, declarou que: quando a gente não tem condições, não tem uma carne ou um ovo para dar a nossa filha de cinco anos para comer, ele vai pescar. Eu acho isso uma injustiça. (JÓRIO, 2012)

Por fim, a última reflexão que se expõe diante de tantas inconsequências dos legisladores infraconstitucionais em imprimir maior responsabilização à criação dessas normas de cunho simbólico, no sentido de evitar os exageros e procurar minimizar a confusão instalada no Estado, mormente, no que diz respeito a essa política emblemática que vem sendo imposta perante a sociedade numa falsa imagem de segurança. É preciso, porquanto, não perder a referência do Estado de Direito e muito menos a confiança no processo normativo, porque quando se perde isso, volta-se ao estado de natureza.

2.2     A SOCIEDADE DE RISCO

Cabe, ainda, outra reflexão para compreender como está a sociedade hodierna, para isso, vale-se de uma entrevista do cientista político Beck (2012), que define e aponta algumas causas que levam ao tipo de sociedade que se convive, diz o cientista: “‘Sociedade de Risco’, significa que vivemos em um mundo fora de controle. Não há nada certo além da incerteza”. Continua ele, “[...] rápidas inovações tecnológicas e respostas sociais aceleradas, estão criando uma nova paisagem de risco global”.

O filósofo Ulrich Beck (2012) fala, ainda, da “irresponsabilidade organizada” como característica da sociedade de risco, daí a ideia de que alguém é responsável e ninguém é responsável. Ele fala acerca do motivo para essa afirmação:

Os políticos dizem que não estão no comando, que eles no máximo regulam a estrutura para o mercado. Especialistas científicos dizem que meramente criam oportunidades tecnológicas eles não decidem como elas serão implementadas. Gente de negócios diz que está simplesmente respondendo a uma demanda dos consumidores. (BECK, 2012)

2.3    A CULTURA DO MEDO

Mais adiante o sociólogo, em resposta a questionamento, explica sobre a cultura do medo numa sociedade de risco e apresenta uma questão que se reflete nessa sociedade, narrando assim:

[...] Na era do risco, as ameaças com as quais nos confrontamos não podem ser atribuídas a Deus ou à natureza, mas à própria “modernização” e ao próprio “progresso”. Assim, a cultura do medo vem do fato paradoxal de que as instituições feitas para controlar produzem incontrolabilidade. [...] A principal questão é sobre a aceitação do risco e as suas condições. A aceitabilidade do risco depende se aqueles que perdem também recebem os benefícios. Não sendo esse o caso, o risco será inaceitável para aqueles afetados. (BECK, 2012)

Na cultura da sociedade atual, interpretando o pensamento do cientista, as pessoas procuram razões para se satisfazerem. Mas o que é pior, procuram certas compensações para essa satisfação.

A cultura do medo também é vista através das ações criminosas e já faz parte do cotidiano, sendo de conhecimento público as marcas evidentes da criminalidade. Percebe-se que em um caso como esse não dá para tratar o sujeito exatamente como um criminoso comum. Para que se tenha a noção do que se argumenta, reflete-se sobre o interrogatório em juízo de um membro da facção criminosa conhecida por PCC – Primeiro Comando da Capital em São Paulo na comarca de Limeira, degravado e transcrito, in litteris[2]:

– Senhor Carlos César dos Santos, o Senhor está sendo acusado pelo Ministério Público por coação no curso do processo. O Senhor tem o direito de permanecer em silêncio, mas se quiser pode aproveitar esta oportunidade para apresentar a sua versão, para se defender sobre os fatos. O Ministério Público diz que num júri que aconteceu aqui em Limeira, em 7 de fevereiro de 2008, o Senhor teria dito que mataria um tal de Rafael e mataria também a vítima daquele crime o qual o Senhor é acusado. O Senhor mataria ele se fosse condenado? O Senhor quer dizer alguma coisa?

– Ah, dizer... é isso mesmo aí. Demorou... pode condenar aí... não tem problema nenhum, não. E outra...

– O Senhor disse isso...

– Deixando bem claro também, moço, vocês me tirou de Presidente Venceslau lá pra fazer doze horas de viagem para escutar essa palhaçada aqui. Eu não vou ficar escutando isso daí não...

– O Senhor está me chamando de palhaço?

– Eu falei mesmo. Eu não quero saber de nada, não. Pode ser o Senhor, o Rogério de dona Chaga. Você não me intimida, não, rapaz aqui é o Primeiro Comando da Capital. Aqui é inimigo número um de vocês, rapaz!

– O Senhor tem mais alguma coisa a acrescentar?

– Tenho nada, não. E, por favor, quanto menos eu...

– Então o Senhor disse lá no Júri...

– Disse mesmo e digo pra ele e na frente dele aí. E quanto aos disparos lá na casa do Rafael, lá quantas vez for necessário eu mandar meus moleques lá, vou mandar tiro mesmo. Quero nem saber de nada, não. Já tão processando já, por atentado. (SIC)

O que se percebe no caso mostrado anteriormente é que se trata de outro tipo de criminalidade, outro tipo de enfrentamento. A proteção jurídica penal também tem que vir na mesma grandeza.

2.4    O CONTROLE SOCIAL

Existem múltiplos meios que servem para regular a conduta dos membros da sociedade visando à paz da vida social. Entre eles, podem-se destacar a religião, a escola, a família, os meios de comunicação e obviamente o próprio direito, constituindo cada instrumento de controle com objetivo e faixa de atuação específico.

2.4.1 Os meios de comunicação

Dentre as instituições de controle social mencionadas, observa-se que os meios de comunicação exercem grande influência sobre a criminalidade. Por isso, torna-se pertinente enfatizá-los aqui. Um exemplo disso é televisão que, se por um lado tem a função de entreter, promover a cultura e a educação do povo, por outro, o que se vê de forma abusiva são órgãos de imprensa divulgando, todos os dias, muitas notícias a respeito de crimes e situações de violência que despertam o maior interesse do público.

A cobertura jornalística escolhe os fatos criminosos mais graves e, com isso, passa a produzir vários efeitos sobre a opinião das pessoas. A respeito desses efeitos a imprensa ao noticiar determinados fatos criminosos, no formato sensacionalista, fomenta diversos problemas que se agravam nos tempos atuais. Sobre esse assunto comenta o Promotor de Justiça, Edilson Santana (2008):

Hodiernamente, essa situação agravou-se. Os excessos da mídia são gritantes, ora influenciando julgamento, ora influenciando as investigações policiais, ora seduzindo as massas populares e despertando, na opinião pública, um verdadeiro sentimento de revolta e vingança, em face do fenômeno social da criminalidade, tanto mais avassalador quanto mais sofisticado e cruel. (SANTANA, 2008, p.41)

2.4.2 O Direito

O Professor Alexandre de Moraes (informação verbal), comentando as lições de um grande filósofo brasileiro chamado Miguel Reale, expõe: “nós adotamos o tempo inteiro, mesmo de forma inconsciente a história do ‘fato – valor – norma’. Nós precisamos que a norma explique a proteção efetiva de um bem jurídico que seja caro para a sociedade brasileira”.

Além disso, ao perceber a pertinência do direito como controle social, utiliza-se outro trecho da fala do aludido professor: “dois filósofos dentro do livro de Miguel Reale debatendo sobre direito e moral, dizem: ‘quanto mais alta a moral de um povo menos direito eu preciso para disciplinar comportamento e quanto mais baixa a moral de um povo, mais eu preciso da heterônoma do direito para poder dizer faça isso sob pena de sanção’”.

Ademais, para entender e ao mesmo tempo refletir sobre o que o promotor criminal expôs, torna-se importante dizer que o povo brasileiro ainda está com a cidadania muito rasa e incipiente, visto que precisa colocar na lei, sob pena de sanção, a discriminação pela cor da pele, por conta da origem do Estado da Federação, por vir de outra região do país, ou por entrar em uma casa de massagem, em um salão de cabeleireiro. Só um povo que está muito aquém de cidadania para ter uma norma com tanta heteronomia como é o caso da Lei nº 12.288/2010 de discriminação racial.

Dessa forma, o simbolismo com a fragmentação da legislação, ou seja, com a criação exacerbada de leis sem nenhuma eficácia, notadamente, vem em sentido contrário, pois acarreta a angustiante e crescente criminalidade na complexa sociedade hodierna, uma criminalidade que se frutifica através dos múltiplos fatores de exclusão social dos quais predominam as berrantes desigualdades sociais e econômicas.

Em face da complexidade da própria sociedade moderna que se atormenta por se estabelecerem novas diretrizes as quais rematarão em mutações, este artigo visa perceber se os ditames penais na conjectura do funcionalismo sistêmico de Jakobs (2003) possuem aplicabilidade e legitimidade no Estado Democrático. Passar-se-á, agora, a enfrentar o modelo apresentado pelo teórico alemão Günther Jakobs.

3        REFERÊNCIA TEÓRICA

3.1    ORIGEM TEÓRICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

A despeito do conceito do Direito Penal do Inimigo existir há muito tempo, o professor Jakobs empregou esse conceito pela primeira vez no ano de 1985. Abordou esse tema em uma palestra na Universidade de Frankfurt em uma jornada de penalista cujo título era A Criminalização no Estado Prévio como Análise ao Bem Jurídico.

Naquele momento, Jakobs (2003) afirmou:

Normalmente o direito penal atua impondo uma pena quando se relaciona a um bem jurídico, por exemplo, quando se mata alguém e temos um morto em cima da mesa, tem-se, então, a constatação de um cadáver, então o direito penal imputa a alguém um delito em razão da norma que proíbe matar e a lei o condena à pena culminada no código penal. (JAKOBS, 2003, p. 38)

Sobre a mesma afirmação, pondera Jakobs (2003): “... então, direito penal atua quando não tem mais como devolver a vida”.

Assim sendo, na visão do jurista, a violação de uma norma penal não tem significação para o direito penal por suas consequências externas, pois não pode remediar tais consequências quando já produzidas. Há, portanto, uma desvinculação da missão do direito penal no que diz respeito à função de proteção de bens jurídicos.

3.1.1 Substrato Sociológico

Procurando melhor compreender a penetração teórica de Günther Jakobs é fundamental contextualizar o seu pensamento. Assim sendo, é válido analisar a resposta do professor Juarez Tavares (2012) quando em uma entrevista foi indagado acerca do funcionalismo. O professor disse que essa teoria se originou através da sociologia com a obra “A Divisão do Trabalho Social”, de Émile Durkheim, lançada em 1893 e até os nossos dias tenta justificar a existência das normas de condutas e encontrar explicações para os fenômenos sociais por meio das normas penais, atendendo à necessidade de fortalecer a coerção social já manifestada diante da indignação do fato criminoso. Desta forma, as pessoas ante o crime proporcionariam papel importante na formação da sociedade, por perseguir fins comuns.

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Agora o funcionalismo moderno, a antiga regra de coerção social é substituída pelas categorias de expectativas cognitivas e normativas. Para esclarecer melhor essas expectativas, ampara-se em outro sociólogo, Niklas Luhmann (1997, p. 44), para procurar justificar o pensamento moderno sob a perspectiva do funcionalismo.

Em outras palavras o mesmo autor diz que o direito é uma estrutura que orienta a sociedade. Vivemos num Estado de direito, temos que nos orientar pelas normas e que estas representam a vontade geral das expectativas (LUHMANN, 1997, p. 44).

Segundo Luhmann, (1997, p. 44), baseando-se nos conflitos das sociedades modernas, criam-se sistemas para reduzir essas confusões os quais denominou de “Complexidade e Contingência”. A complexidade consiste nas experiências possíveis e a contingência nas experiências efetivas. Isso quer dizer que as pessoas podem praticar conduta e se comportar na expectativa de que outras pessoas irão se comportar da forma que delas se esperam, ou seja, elas podem sair sem medo, pois nada de ruim irá lhes acontecer. É nisso que consiste basicamente a Teoria dos Sistemas de Luhmann.

Apesar disso, essas expectativas são desenvolvidas pelo homem e estão sujeitas a frustrações, ou seja, os acontecimentos podem ocorrer de forma divergente ao esperado. Todavia, quando isso ocorre o homem pode tomar duas atitudes: ou modifica o seu comportamento, ou mantém a expectativa da norma.

Dessa forma, o sociólogo, sustenta a existência de duas espécies de expectativas: a cognitiva e a normativa. A diferença entre essas expectativas residirá em como as pessoas reagirão quando houver algum desapontamento. A cognitiva se ajusta à complexidade da sociedade, isto é, frente a um evento qualquer da natureza, havendo a defraudação dessa expectativa cognitiva, não há como manter a expectativa viva, posto se tratar de um evento natural. Assim, o que se faz? Muda-se o comportamento do ser humano.

Por outro lado, as expectativas normativas são preservadas mesmo após as decepções. Nesse caso, à reação a uma expectativa normativa defraudada se aplica uma sanção penal como forma de manutenção dessa expectativa. Isso demonstra, com efeito, as atitudes do Estado ao revelar aos cidadãos que apesar de aquela expectativa ter sido defraudada, os cidadãos devem continuar confiando na norma.

Agora, com relação à interação do homem nessas expectativas, o assunto se torna bem mais complicado, pois surgem expectativas de expectativas. Para explicar de forma mais didática essa ideia, coloca-se a seguinte situação: dois homens estão diante do último ou único objeto de desejo. Um espera do outro, no mínimo, duas atitudes: a primeira, o que ele próprio pensa sobre tal objeto; a segunda: o pensamento do outro sobre esse mesmo objeto. Desse modo, as expectativas geradas por meio da interação humana despertam não apenas as expectativas do “eu”, mas, geram expectativas sobre o “eu”, que o sociólogo denomina de “dupla contingência”.

Portanto, de acordo com pensamento hobbesiano, essa “dupla contingência”, se não for estrategicamente harmonizada pelo direito, poderá ocasionar a destruição do indivíduo, pois quando cada um não sabe o que esperar do outro, para se resguardar, espera o pior e, por conseguinte, buscará eliminá-lo antes mesmo que o outro.  Assim sendo, o homem parte para planejar ajustes competentes, por meio da composição mútua de expectativa para constitucionalizar a norma concentrando no direito.

Sobre isso Jakobs (2003, p. 38) afirma: “o direito penal não protege um bem jurídico, ou seja, não protege um dano potencial a vida ou ao patrimônio, mas ele protege é a vigência da norma”. Desse modo, se alguém pratica um determinado crime ele estará violando o valor dessa norma, não um bem jurídico. A norma, segundo o artigo 121 do Código Penal Brasileiro, descreve o tipo e a culminação legal “Matar alguém: Pena - reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”. Se essa morte acontece por motivo de doença, com efeito, será uma perda para o ser humano. Mas, uma morte por assassinato é uma lesão à vigência da norma.

Ao analisar a ideia em questão provocada pelo alemão, afirma-se a título de esclarecimento que ao se praticar um crime não se viola um bem, mas sim a vigência da norma. Ele faz referência à tentativa branca ou incruenta, quando o objeto jurídico não é atingido, por exemplo, alguém desfecha cinco tiros em outrem, porém, erra os cinco tiros. Nesse caso a punição recairá na modalidade tentada como crime consumado, conforme se apresenta no parágrafo único, artigo 14 do Código Penal Brasileiro. Destarte reafirma-se que o infrator vai ser punido pelo crime, mesmo não havendo dano à integridade física da vítima. Desse modo, o direito penal protege a vigência da norma, e não o bem jurídico vida.

3.1.2 Embasamentos filosóficos para definir o Cidadão e o Inimigo

Na filosofia, o teórico se ampara nos pensamentos dos grandes filósofos de bases contratualistas como Rousseau, Fichte, Kant e Hobbes para sustentar sua teoria e vitalizar seus argumentos quanto ao delinquente que, como é considerado, está à margem da sociedade, sobretudo, quando expõem que o indivíduo ao infringir o pacto social não pode ser favorecido com os benefícios desse contrato social.

Para Rousseau citado por (JAKOBS; MELIÁ, 2007, p. 26) ,“o malfeitor que ataque o direito social deixa de ser membro do Estado, ou seja, aquela pessoa que viola qualquer norma de contrato social perde a condição de indivíduo”.

Por sua vez, o filósofo Fichte citado por (JAKOBS; MELIÁ, 2007, p. 25) através de um raciocínio lógico parecido com o de Rousseau assegura: “quem abandona o pacto do cidadão perde os seus direitos como cidadão e como ser humano”.

Para Hobbes, na obra Leviatã, citado por (JAKOBS; MELIÁ, 2007, p. 27), filósofo das instituições e teórico do pacto social, o indivíduo que quebra essa convenção social volta ao estado de natureza, pois perturba o processo de auto-organização do Estado e, portanto, deve ser excluído da convenção social.

Já para Kant citado por (JAKOBS; MELIÁ, 2007, p. 27) “quem não se recusa definitivamente a participar da vida em comunidade, não pode ser tratado como constituinte cidadão, posto que, configura em constante ameaça à paz social, portanto, deve ser tratado como inimigo e não como pessoa”.

3.1.3 Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo

Para conceituar o “cidadão” e o “inimigo”, é imprescindível primeiramente esclarecer que não são conceitos ontológicos, nem tão pouco religiosos ou políticos, mas conceitos normativos, conceitos funcionalistas em que a primeira função da norma é institucionalizar as expectativas. A segunda é orientar a conduta ou o caminho do cidadão. Desse modo, consoante Jakobs (2003, p.22), o Estado legitima dois modelos distintos: o Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo.

O Direito Penal do Cidadão, primeiramente, propõe-se ao sujeito que cumpre a norma, ou seja, ao indivíduo que não mata, não rouba, não comete qualquer outra infração. Portanto, comporta-se como “cidadão”. O seu comportamento de respeito à norma gera a cidadania e o civismo, possibilitando que os demais vivam tranquilamente. Em uma segunda opção é direcionado aos criminosos que, mesmo cometendo alguns deslizes, continuarão com status de pessoa na relação jurídica.

Já o Direito Penal do Inimigo, ao contrário, impede que os demais sejam pessoas de direito. É um direito penal direcionado aos delinquentes que não respeitam as normas estabelecidas, mormente, aqueles que perturbam a ordem social. Para essas pessoas, o Estado não pode esperar que entrem em ação, devem ser interceptadas no estágio prévio do ato. Elas devem ser neutralizadas para evitar danos futuros.

Diante do exposto, o Estado não pode dar aos delinquentes o mesmo tratamento que dá ao cidadão comum, pois aqueles que praticam crimes com habitualidade, com profissionalismo e não prestam uma segurança cognitiva mínima de que vão se adequar às normas sociais, não podem ser tratados como pessoas.

Comungando com a ideia de Jakobs (2003, p. 23), no que tange ao conceito de “inimigo”, o professor Silva Sanchez (2002, p. 149) avaliza que o inimigo em face de seu comportamento é qualificado como sendo aquele que, de maneira reincidente, habitual ou profissional abandona o direito de forma duradoura ou até mesmo mediante vinculação com organizações delitivas estruturadas.

3.1.4 Formas de combater a ação delituosa do inimigo

O professor Jakobs (2008, p. 17) declara que para manter a vigência da norma e assegurar as expectativas, algumas medidas excepcionais deverão ser adotadas. Esses conceitos caracterizam o modelo do Direito Penal do Inimigo.

Logo para o professor alemão, as principais medidas materiais ou penais são: a) passagem do direito penal à legislação de combate à criminalidade; b) antecipação da punição do inimigo em uma atuação prospectiva com visão para o futuro; c) relativização e/ou supressão de certas garantias penais.

E as principais medidas formais ou processuais são: a) restrição de garantias e direitos processuais aos imputados; b) alargamento dos prazos da prisão preventiva; c) ampliação dos prazos de prisão, de detenção policial para fins investigatórios.

3.1.5 Características do Direito Penal do Inimigo

A primeira característica desse direito se dará como troca de paradigma, ou seja, o direito penal atual é um direito retrospectivo, castiga pelo passado, pelo que sucedeu antes; enquanto que o Direito Penal do Inimigo atua de maneira a enxergar o amanhã de forma mais prospectiva, ponderando o que o sujeito representou ou representa para a sociedade.

A segunda característica aborda especificamente a forma de atuação do Direito Penal do Inimigo, porquanto não espera a finalização do ato, mas a ação da criminalização em um momento anterior. Por isso, é tido como um direito especialmente preventivo. Não obstante o direito preconizado pelo autor alemão tenha a intenção de impedir que um determinado indivíduo cometa um delito mais grave, ou seja, de prevenir um mal maior, ele recebe incisivas críticas por estar atrelado ao conceito de castigo, de insurreição de garantias, de sublevação de direitos políticos ou direitos fundamentais, e por nunca ser visto como forma preventiva.

A terceira característica descreve a respeito das garantias. Alguns doutrinadores penalistas censuram o conceito de Direito Penal do Inimigo, pois o consideram como fictício e declaram ainda a impossibilidade de sua aceitação em um Estado de Direito. Nesse caso, será verdade que no estado brasileiro, no seu ordenamento jurídico, no Código Penal não haveria esse tipo de norma?

4        METODOLOGIA

O marco teórico escolhido pelo pesquisador possibilitou uma interdisciplinaridade na investigação, visto que foram trabalhadas teorias de diversas áreas do conhecimento humano.

O procedimento metodológico compreenderá a coleta de documentos, de leis e de artigos, o levantamento bibliográfico (com listagem, formação e cruzamento de dados e elaboração de análises críticas); a definição de conceitos e teorias que serão usadas como categorias na investigação, para formulação da análise do conteúdo.

5        ANÁLISE DOS DADOS

5.1    INFLUÊNCIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Em resposta à indagação formulada alhures, examina-se de início na legislação vigente do país a figura da quadrilha ou bando, configurada no artigo 288 do Código Penal desta forma: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”. Demanda, por conseguinte, a delinquência de organização, ajustando-se sobre dois pilares fundamentais: o primeiro é organizativo, ou seja, dá-se através da concorrência de várias pessoas, logo, de uma pluralidade de pessoas, mais de três; o segundo elemento se manifesta por meio da finalidade delitiva, ou seja, quando há o objetivo de cometer infração penal.

Nesse sentido, incluindo a ideia da abrangência do crime organizado em contraposição ao crime comum, aproveita-se, então, Montoya (2007) para revelar o pensamento das estruturas mafiosas, em especial, sobre o sequestro de pessoas e o tráfico de armas:

[...] o sequestro de pessoas. Os lucros são altos e não há tanto risco quanto no tráfico de narcóticos ou no contrabando de cigarros; o dinheiro é utilizado em investimentos e em negócios mais lucrativos. Uma segunda especialidade é o tráfico de armas. Tentaram, inclusive, adquirir o controle de um instituto de crédito em São Petersburgo (Rússia) e comprar 34 milhões de rublos russos para reinvestir em atividades produtivas na ex-união soviética. (MONTOYA, 2007, p.501)

Outra atividade diferenciada das organizações é o tráfico de seres humanos em larga escala, que tem por alvo a mão de obra escrava, principalmente, na Europa.

Não obstante, a Constituição Federal de 1988, no título dos Direitos e Garantias Fundamentais de cada cidadão, reserva cinco incisos do artigo 5º para tratar do direito de associação. Subtrai-se a necessidade de ressaltar nesse ponto que o pensamento não configura crime. Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro oferece duas formas de combater esse delito: a primeira seria aguardar a concretização do crime; a segunda seria sancionar os autores de delito ou bando por terem a intenção de cometer um crime no futuro, através do crime organizado. Essa segunda forma seria um exemplo do Direito Penal do Inimigo, ou seja, um direito de prevenção, pois se age de forma antecipada.

Por oportuno, ressalta-se que a nova Lei nº 12.694 de 24 de julho de 2012, de Crime Organizado destacou pelo incremento da decisão colegiada, distribuindo responsabilidades e fragmentando o peso de decisões sobre entes criminosos. Além disso, a nova lei afastou as celeumas existentes com relação ao seu conceito, pois dessa vez albergou uma definição sobre tais organizações criminosas.

Outra legislação brasileira que se enquadra no direito de prevenção é a Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006, que se aplica aos usuários e traficantes de drogas ilícitas a conhecida Lei antidrogas a qual estabelece as diversas condições para enquadrar a conduta do agente ao tipificado, em seu artigo 28, § 2º, que traslada, in verbis: “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.

Compreende-se, assim, de forma clara o caráter preventivo da referida Lei ao se analisarem cuidadosamente as características do agente quanto à nocividade para a aplicação da pena ao usuário de substâncias entorpecentes. Portanto, a inequívoca política de prevenção adotada pelo legislador no que se refere ao uso de drogas ilegais, situa-se como mais um exemplo de Direito Penal do Inimigo.

Outro exemplo de ato preventivo de delito constante na legislação brasileira é a ação controlada e disciplinada pelo Exército Brasileiro, por meio do Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), aprovado pelo Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000, para o uso de tipos de explosivos sem a devida autorização legal. Colaciona a notícia de Tahiane Stochero (2012)[3], que tem por objetivo esboçar as ações desenvolvidas pelo Exército Brasileiro no sentido de coibir esse crescente delito:

Para conter o uso de explosivos em ataques a caixas-eletrônicos, o Exército resolveu endurecer as regras no controle de segurança de empresas que fabricam, vendem ou usam o material, buscando evitar furtos, roubos e desvios. As novas regras foram publicadas no Diário Oficial da União nesta semana. Só em 2010, mais de uma tonelada de explosivos dos mais variados tipos foi parar nas mãos de criminosos, segundo levantamento da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, órgão subordinado ao Comando de Logística do Exército. O número é 170% superior ao ano anterior. São esses explosivos, segundo delegados da Polícia Civil, que estão sendo usados em assaltos a agências bancárias em todo o país”. (STOCHERO, 2012)

A Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, quanto à proibição do porte ilegal de arma de fogo em todo o território nacional, dispõe acerca de registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. O órgão responsável pela aplicação dessa Lei, o Sistema Nacional de Armas (SINAM), salvo os casos excepcionais que caberão à Polícia Federal, concede porte de arma de fogo, desde que o requerente demonstre a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou por ameaça à sua integridade física, além de atender às demais exigências do artigo 10 da legislação mencionada, configura-se presença do modelo em discussão.

Por conta disso, sobrevém a pergunta que logo em seguida entende-se respondida: qual o motivo de penalizar alguém como autor de delito de manter armas (porte ilegal de armas)? Essa seria, portanto, uma forma de se evitar um delito maior, ou seja, de se prevenir uma morte.

Mais uma legislação brasileira aberta ao direito penal de Günther Jakobs é a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, também conhecida como Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988.

Descrevendo sobre o direito penal antes da Lei Maria da Penha, sobretudo, nos crimes de menor potencial ofensivo, Carvalho (2012) argumenta que:

Em relação à atuação do Poder Judiciário no enfrentamento desse grave problema social antes do advento da Lei Maria da Penha, foi notório sua ineficiência na Maria das comarcas do país, principalmente nos crimes de menor potencial ofensivo. [...] afirmavam que as medidas mais duras na persecução e o agravamento da pena seriam armas fundamentais no combate a esse tipo de violência. (CARVALHO, 2012)

Destarte, a prevenção penal criada por meio dessa legislação tem como parâmetro não a confiança no infrator, mas na norma. Reduzem-se alguns direitos fundamentais, em face da liberdade do indivíduo mantendo-o a certa distância da vítima para que não cometa um mal maior. Essa medida se aplica como pena, como medida de seguridade e medida cautelar de caráter processual. Além disso, é de significante importância frisar que essas ações são realizadas na fase preliminar, ou seja, antes que o Estado declare a culpabilidade do infrator.

A Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, modificando parte do Código Penal e da Lei de Execuções, consiste na implantação da tornozeleira ou bracelete eletrônico que possibilite o monitoramento eletrônico via satélite do infrator. Uma análise célere que se faz sobre esse sistema é a de que ele apresenta vários benefícios os quais garantem a segurança da sociedade, acompanhada de maior efetividade da norma penal, servindo como instrumento acautelatório, portanto, não deixa de ser uma espécie de prevenção penal e, ainda, um patrocínio à diminuição da população prisional.

Outra legislação não menos importante, recheada de princípios do Direito Penal do Autor, a Lei nº 10.792/2003, alterou a Lei de Execuções Penais e introduziu Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, que, de forma resumida, pode-se definir como sendo um conjunto de regras rígidas que orienta o cumprimento da pena privativa de liberdade ou a custódia do preso provisório. No seu artigo 52, caput e incisos, o dispositivo assume a natureza punitiva. Já nos seus parágrafos 1º e 2º, adota a natureza cautelar.

Discorrendo sobre o poder especial de cautela, retira-se trecho do acórdão jurisprudencial da 2ª Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, de relatoria da Desembargadora Federal, Dra. Liliane Roriz, para fundamentar de forma mais completa o assunto: “[...] 4. O RDD cautelar, também por força de sua própria natureza, está adstrito ao poder de cautela do órgão judicial, com vistas a eliminar uma situação de perigo evidente para a sociedade.” Desse modo, o Regime Disciplinar Diferenciado é mais um instrumento jurídico constitucionalmente legal que tem por fim tanto a sanção penal quanto a prevenção penal por meio da função cautelar.

A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, também considerada como Lei Seca, alterou dispositivos da Lei nº 9.503/1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, principalmente, na redação do artigo 306 que tipifica o delito de embriaguez ao volante como infração penal, ou seja, incrimina o indivíduo por conduzir veículo automotor após ter consumido determinada quantidade de álcool ou por estar sob a influência de qualquer outra substância psicoativa.

O assunto foi objeto de estudo do respeitável jurista e professor Luiz Flávio Gomes (2012) que, em artigo publicado, definiu a norma, no que tange a figura penal, como sendo de “perigo concreto indeterminado”. No que pese esse entendimento, percebe-se tratar de forma viva de prevenção penal. Partindo do ponto de vista prático que se demonstra por meio da elevada importância que trouxe a legislação no sentido de evitar ou mesmo diminuir os alarmantes índices de acidentes de trânsito. Portanto, apesar da categorização utilizada, essa legislação é eminentemente preventiva, pois tem o condão de inibir o consumo de bebida alcoólica e, consequentemente, de evitar acidentes.

O Código Brasileiro de Aeronáutica, através da Lei nº 7.565/86, alterada pela Lei 9.614/98, regulamentada pelo Decreto nº 5.144/2004, conhecida como Lei do Abate, no seu capítulo IV, trata da detenção, interdição e apreensão de aeronave no artigo 303, § 1º e § 2º. Essa lei permite à autoridade aeronáutica, com a autorização do Presidente da República, empregar meios que julgar necessários para compelir qualquer aeronave a efetuar um pouso indicado; caso contrário, esgotados todos os meios possíveis, a aeronave é considerada hostil, ficando sujeita à medida de destruição. É dessa forma que o ordenamento pátrio justifica um dos postulados da teoria de Jakobs (2003), referente à relativização dos direitos e garantias em favor de um bem maior à segurança nacional.

Por derradeiro, sem, contudo, esgotar o tema, no que se refere à influência do Direito Penal do Autor e ainda, para reforçar os argumentos antes expostos, outra figura se apresenta como forma do Direito Penal do Inimigo: é o caso da reincidência, disposta no capítulo III, da aplicação da pena, no artigo 63, caput do Código Penal. Um exemplo disso se dá quando o sujeito é preso, culpado e condenado à prisão por um determinado delito, cumpre a pena, então é solto. Tempos depois, comete o mesmo delito. De acordo com o instituto penal, será penalizado de forma mais incisiva. A partir desse exemplo, incumbe aqui uma interrogação. Qual a razão de se impor uma pena maior já que o indivíduo pagou a pena? Argui-se como resposta o potencial ofensivo do indivíduo à infração da norma ser maior ao que comete a infração pela primeira vez. É nesse ato que o Direito Penal do Inimigo se fundamenta.

5.2    A LEGITIMIDADE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A apreciação diante dos argumentos alhures dá evidentes exemplos da teoria em debate no ordenamento jurídico pátrio. Apesar disso, há muitas manifestações no sentido de que o Direito Penal do Inimigo é próprio de uma ditadura. Há rígidas críticas feitas por alguns doutrinadores questionando a aplicação desse tipo de direito, sobretudo, enquanto instrumento de legitimação no Estado de Direito.

Afastando qualquer dúvida quanto ao entendimento, afirma-se que nenhum direito é absoluto. Portanto, a opinião de que o Direito Penal do Inimigo conflita com os princípios constitucionais estabelecidos e que só é possível nos regimes ditatoriais é, no mínimo, enganosa ou pura falácia, pois as normas que se enquadram dentro do conceito são aplicadas e justificadas, segundo as extensas alegações antes expostas.

Quanto aos argumentos de que é colidente a constituição, por conseguinte, inconstitucional, o que se examina é que no aspecto formal, com razão, o Direito Penal do Inimigo pode se apresentar como ilegítimo, porém, quanto à materialidade é aceito como legítimo pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme ampla legislação apresentada. E ainda impende ressaltar, consoante lição do professor Miguel Polaino Orts (2011) (informação verbal)[4], que a implantação do Direito Penal do Inimigo só tem sentido no Estado de Direito, porque na ditadura todas as normas são ilegítimas, porquanto não refletem o desejo da sociedade. São manipuladas somente pelo ditador.

Comenta ainda o professor que no Direito Penal do Inimigo, a norma vigente pode ser mudada como em toda democracia, posto que a norma é um espelho da constituição de uma sociedade. Por isso, o Direito Penal do Inimigo só tem sentido em uma democracia. É importante, ainda, firmar que o direito penal é de ultima ratio, última fronteira. O Direito Penal do Inimigo é a ultima ratio da ultima ratio do ordenamento jurídico.

Portanto, finaliza-se partilhando a ideia de que no Direito Penal do Inimigo há aspectos positivos que o legitimam como um Estado Democrático de Direito. Mas é necessário adequar a Justiça ao enfrentamento da criminalidade hodierna. Por um lado, a fixação de uma legislação mais severa a certos criminosos e, por outro, o oferecimento de proteção àqueles que atuam de acordo com o direito e que não rompem com a convenção social.

6        CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificando a atual conjectura da sociedade que diante da criminalidade incontrolável ocasionada por inúmeros fatores e, ainda, diante da ineficiência dos vários sistemas de controle social, a instituição estatal se vale de seu último instrumento, o direito penal, para tentar por meio da normatização criar mecanismos que possibilitem suprir essas ineficiências.

Abordou-se o tema do Direito Penal do Inimigo mostrado de forma interdisciplinar interagindo com outros ramos do saber humano. Buscaram-se substratos na sociologia, na filosofia e, além disso, no próprio direito para tentar entender e explicar a sociedade dentro dessas normas em meio a princípios e legislações vigentes na perspectiva do modelo do Direito Penal do Inimigo. Posteriormente, feita a exposição de diversas leis, verificou-se a pertinência do tema no que diz respeito à influência da legislação brasileira na prevenção penal nos moldes de Jakobs (2003).

Conclui-se, pois, que o Direito Penal do Inimigo deverá suscitar amplos debates, que necessitarão de ajustes, mas espera-se que, em meio a essas discussões, apresentem-se sugestões ou opções de solução para o problema. O conceito de Direito Penal do Inimigo é muito criticado em todo o mundo. Entende-se que é no mínimo mal entendido, como se fosse algo negativo. Percebe-se de tal modo que para o Estado de Direito continuar existindo haverá necessidade de pelo menos um mínimo das normas do Direito Penal do Inimigo. Com efeito, o Direito Penal do Inimigo estritamente controlado e proporcional à periculosidade do sujeito é a melhor garantia da proteção dos direitos fundamentais. Nesse sentido o Direito Penal do Inimigo nesses aspectos, ao contrário do que muitos pensam, é a melhor garantia ao Estado de Direito.

 

REFERÊNCIAS

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______. Direito Penal do Inimigo – Noções e Críticas. 2ª ed. Trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 27.

______. Direito Penal do Inimigo – Noções e Críticas, op. cit., p. 27.

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NOTAS:

[1] MORAES, Alexandre R. A. In: I Seminário sobre a Reforma do Código Penal Brasileiro. Codificação e um novo perfil de Promotor Criminal. Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Ceará. Fortaleza/CE, 2012.

[2] SANTOS. Carlos César. In: Interrogatório de membro do PCC (degravação de vídeo da internet). Limeira/SP,  2011. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=A9QoFip5CJY >. Acesso em: 26 out. 2012.

[3] STOCHERO, Tahiane. Exército torna rígidas regras de segurança para uso de explosivos. Portal G1, São Paulo, 2012. Disponível em: < http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/exercito-torna-rigidas-regras-de-seguranca-para-uso-de-explosivos.html >. Acesso em: 27 out. 2012.

[4] ORTS, M. P. In: Conferência OAB (Apontamentos). Direito Penal do Inimigo: Verdades e Mitos (significados e consequências). Porto Alegre, 2011.

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Sobre o autor
Hargos José Moreira de Oliveira

Bacharel em Direito, graduado pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza - FGF. Especialista em Direito Penal e Processual Penal, Pós-graduado pela Faculdade Entre Rio do Piauí - FAERPI. Servidor Público (Técnico Ministerial) da Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Resumo: A complexa sociedade hodierna diante da angustiante e crescente criminalidade verificada pelos múltiplos fatores de exclusão social dos quais predominam as berrantes desigualdades sociais e econômicas, aliada às falhas dos meios de controle social para regular a conduta dos indivíduos em sociedade e do preocupante quantitativo de normas que só duram para punir os mais fracos, legislação de cunho simbólico, e pela criação exacerbada de leis sem nenhuma eficácia, possibilita ao Estado lançar mão de sua última fronteira, o direito penal, para tentar suprir essas falhas. Com isso, este artigo aponta algumas dessas deficiências, bem como mostra de forma interdisciplinar interagindo com outros ramos do saber humano, buscando substratos no próprio direito e, além disso, na sociologia e na filosofia para tentar entender e explicar a sociedade dentro dessas normas em meio a princípios e legislações vigentes na perspectiva do modelo de Günther Jakobs (2003). Isso posto, o modelo caracterizado na prevenção legitimando o Estado por dois modelos distintos, o direito penal do cidadão e o direito Penal do Inimigo, exibido pelo professor alemão em 1985, em uma palestra na Universidade de Frankfurt em uma jornada de penalista cujo título era A Criminalização no Estado Prévio como Análise ao Bem Jurídico. Mas, até que ponto há influência desse modelo no ordenamento jurídico brasileiro? O Direito Penal do Inimigo está penetrado nas diversas legislações infraconstitucionais, tais como: a Lei Maria da Penha; o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD; a Lei Antidrogas; a Lei de Execução Penal – Tornozeleira e bracelete eletrônico, dentre outras. Palavras-chave: Direito Penal. Cidadão. Inimigo. Legislação. Prevenção. Sumário: 1 INTRODUÇÃO.2.1 A POLÍTICA LEGISLATIVA. 2.2 A SOCIEDADE DE RISCO.2.3 A CULTURA DO MEDO..2.4 O CONTROLE SOCIAL.2.4.1 Os meios de comunicação.2.4.2 O Direito.3 REFERÊNCIA TEÓRICA.3.1 ORIGEM TEÓRICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO.3.1.1 Substrato Sociológico.3.1.2 Embasamentos filosóficos para definir o Cidadão e o Inimigo.3.1.3 Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo.3.1.4 Formas de combater a ação delituosa do inimigo.3.1.5 Características do Direito Penal do Inimigo.4 METODOLOGIA.5 ANÁLISE DOS DADOS.5.1 INFLUÊNCIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.5.2 A LEGITIMIDADE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS

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