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O fortalecimento da Defensoria Pública no Brasil com a Emenda Constitucional nº 80/2014

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29/06/2014 às 12:22
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A EC nº 80/2014 é um grande passo ao fortalecimento da Defensoria Pública que, infelizmente, tem hoje pouca abrangência, falta de infraestrutura e de recursos humanos, o que resulta em um atendimento precário em grande parte do país.

RESUMO: O presente artigo, elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica, especialmente baseada na legislação, leitura de livros de teses de defensores públicos e relatórios sobre a Defensoria Pública, visa abordar a aprovação Emenda Constitucional nº 80/2014, derivada da “PEC das Comarcas”, “PEC das Defensorias” ou “PEC Defensoria para Todos” (Proposta de Emenda à Constituição nº 04/2014 do Senado Federal e 247/2012 da Câmara dos Deputados) que, além de fortalecer a autonomia da Defensoria Pública no Brasil, estipula um prazo de oito anos para a estruturação da Instituição. O trabalho abordará o que é a Defensoria Pública, fará um panorama de sua situação no país, para, então, detalhar o trâmite da EC nº 80/2014 e as modificações que ela trará na Constituição Federal de 1988. Conclui-se com este estudo que essa Emenda à Constituição é um grande passo ao fortalecimento da Defensoria Pública que, infelizmente, tem hoje pouca abrangência, falta de infraestrutura e de recursos humanos, o que resulta em um atendimento precário em grande parte do país.

PALAVRAS-CHAVE: EC nº 80/2014. Defensoria Pública. Estruturação. Autonomia.


1 INTRODUÇÃO

A célebre frase do poeta romano Ovídio (43 a.C. a 18 d.C.) cura pauberibus clausa est (o tribunal está fechado para os pobres) é uma realidade que ainda assola a sociedade brasileira. Visando solucionar esse problema (acesso à justiça pelos hipossuficientes), foi criada no Brasil a Defensoria Pública, instituição pública destinada a prestar orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, de forma integral e gratuita. A Instituição representa, pois, a garantia de acesso à justiça ao cidadão em situação de vulnerabilidade.

Infelizmente, a Defensoria Pública tem uma abrangência muito aquém da devida. Se não bastasse o grande déficit de defensores públicos no Brasil – mais de 10 (dez) mil (IPEA, 2013) –, pouquíssimas são as Defensorias Públicas que contam com um quadro de servidores públicos e estagiários em número satisfatório, que oferecem remuneração condigna aos seus quadros de pessoal e uma infraestrutura mínima para o exercício das suas atividades.

O objetivo deste estudo é, pois, abordar a aprovação da EC nº 80/2014, derivada da “PEC das Comarcas”, “PEC das Defensorias” ou “PEC Defensoria para Todos” (Proposta de Emenda à Constituição nº 04/2014 do Senado Federal e 247/2012 da Câmara dos Deputados) e a repercussão que ela causará na sociedade brasileira, já que seus dispositivos fortalecem a autonomia da Defensoria Pública e estipulam um prazo de oito anos para a estruturação da Instituição. O estudo foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica, especialmente baseada na leitura da legislação relativa à Defensoria Pública, livros de teses de defensores públicos e relatórios sobre a Instituição.

A organização deste artigo apresenta-se da seguinte forma: primeiramente, será exposto o que é a Defensoria Pública; na sequência, a sua situação no país. Adentrando-se no tema, será detalhado o trâmite da EC nº 80/2014, o que ela altera no texto constitucional e o impacto dessas modificações. Após, serão feitas algumas considerações finais.

2 DA DEFENSORIA PÚBLICA

2.1 Do papel da Defensoria Pública na sociedade

A Constituição Federal de 1988 definiu como objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos (artigo 3º da CF/88).

A fim de atender a esses objetivos, o artigo 5º, inciso LXXIV, da Carta Magna de 1988, dispôs que a assistência jurídica integral e gratuita é um direito fundamental dos necessitados. Por sua vez, a Defensoria Pública, por mandamento constitucional, foi a Instituição destinada a prestar esse serviço (artigo 134 da CF/88).

A atuação da Defensoria Pública, entretanto, não se restringe em garantir a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; ela tem como objetivos a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; a afirmação do Estado Democrático de Direito; a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 3º-A da LC nº 80/94). Desse modo, a Instituição presta relevante serviço de justiça gratuita à imensa demanda dos excluídos socialmente, garantindo, assim, seus direitos humanos (artigo 1º, inciso III, e artigo 4º, inciso II, ambos da CF/88).

Conforme refere Bissochi[1]:

Na realidade, o papel da Defensoria Pública vai muito além do que se percebe da interpretação literal dos dispositivos constitucionais. A Defensoria Pública é, por vocação constitucional, instituição que se presta a buscar a realização da dignidade da pessoa humana e de grande parte dos demais que lhe são correlatos. É pacífico que o “não exercício” dos direitos fundamentais deve-se, em grande parte, à carência financeira da população brasileira. Fragilidade econômica que leva ao analfabetismo, a condições precárias de saúde, ao subemprego, à violência, à falta de moradia, à marginalidade social e especialmente à total e completa alienação quanto a seus próprios direitos, que culmina, inevitavelmente na ausência de dignidade. [....] Se a hipossuficiência é um dos maiores, se não o maior problema da sociedade brasileira, representando um grande entrave à eficácia social dos direitos fundamentais e a Defensoria Pública foi criada especialmente para garantir integralmente os direitos desta parcela da população, impossível não concluir pela essencialidade desta instituição à realização da cidadania plena. [grifei].

No julgamento da ADI 2903 PB, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello teceu os seguintes comentários acerca da importância da Defensoria Pública no que tange à concretização de direitos dos necessitados:

A Defensoria Pública, enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, qualifica-se como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas. É por essa razão que a Defensoria Pública não pode (e não deve) ser tratada de modo inconsequente pelo Poder Público, pois a proteção jurisdicional de milhões de pessoas - carentes e desassistidas -, que sofrem inaceitável processo de exclusão jurídica e social, depende da adequada organização e da efetiva institucionalização desse órgão do Estado. De nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apóiam - além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares - também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República. (STF. ADI 2903 PB. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Tribunal Pleno. Julgamento: 01/12/2005. DJe-177). [grifei].

É de bom alvitre esclarecer que a Defensoria Pública não é uma instituição que visa apenas defender o “pobre”. Essa interpretação restritiva do artigo 5º, LXXIV, CF/88, mostra-se defasada. O critério para o atendimento da Defensoria Pública não é apenas a insuficiência de recursos financeiros (hipossuficiência econômico-financeira). A Instituição defende o pobre, o idoso, o réu em processo penal, a criança e o adolescente, a mulher vítima de violência doméstica, o consumidor, a pessoa com deficiência, enfim, qualquer grupo socialmente vulnerável que mereça atenção especial do Estado (art. 4º, XI, LC nº 80/94). Além disso, a Defensoria Pública também exerce o múnus de curadoria especial (art. 4º, XVI, LC nº 80/94).

Um dos mais belos papéis da Defensoria Pública é promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico (art. 4º, III, LC nº 80/94). A função de educação em direitos (orientação, conciliação e conscientização) é um mecanismo moderno de prevenção de litígios e emancipação jurídico-social (art. 4º, II, LC nº 80/94). Essa função nada mais visa que solucionar o conflito sem a necessidade de afogar o Poder Judiciário com novas demandas.

Outra função que merece destaque é a atuação nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais (art. 4º, XVII, LC nº 80/94).

Em suma, a Instituição é indispensável ao exercício pleno da cidadania e ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito, já que serve como instrumento de efetivação de direitos humanos aos necessitados.

2.2 Da situação da Defensoria Pública no País

Podemos citar os seguintes marcos jurídicos na estruturação da Defensoria Pública: 1) a Constituição Federal de 1988 (artigos 5º, LXXIV e 134); 2) a Lei Complementar nº 80, de 1994 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública), com as alterações promovidas pela Lei Complementar nº 132, de 2009[2]; 3) a Emenda Constitucional nº 45, de 2004 (Reforma do Judiciário), que garantiu às Defensorias Públicas dos Estados autonomia funcional, administrativa e iniciativa de proposta orçamentária (dentro dos limites da lei orçamentária e no disposto no art. 99, § 2º); 4) a Lei nº 11.448, de 2007, que alterou o art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública[3], legitimando a Defensoria Pública para sua propositura; 5) a Emenda Constitucional nº 69, de 2012, que alterou os arts. 21, 22 e 48 da Constituição Federal, para transferir da União para o Distrito Federal as atribuições de organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal; 6) a Emenda Constitucional nº 74, de 2013, que assegurou autonomia às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, nos termos do artigo 134, § 2º, CF/88.

Em que pese todo esse arcabouço legislativo, passadas mais duas décadas e meia desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e duas décadas desde a promulgação da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, a Instituição somente foi instalada em todos os Estados da Federação em 2013, sendo que o último a contar com Defensoria Pública foi o Estado de Santa Catarina.

Consoante dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010), 82% (oitenta e dois por cento) da população brasileira que recebe até três salários mínimos são potenciais usuários da Defensoria Pública. De 160 (cento e sessenta) milhões de pessoas, apenas 45 (quarenta e cinco) milhões têm, hoje, acesso à Instituição. Segundo o “Mapa da Defensoria Pública do Brasil”, estudo realizado pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), faltam defensores públicos em 72% (setenta e dois por cento) das comarcas brasileiras.

De acordo com esse estudo, em 2013, no Brasil, havia 8.489 (oito mil quatrocentos e oitenta e nove) cargos criados de defensor público dos Estados e do Distrito Federal, dos quais apenas 5.054 (cinco mil e cinquenta e quatro) estavam providos (59%). Na Defensoria Pública da União, havia 1.270 (mil duzentos e setenta) cargos criados e apenas 479 (quatrocentos e setenta e nove) efetivamente providos, para atender 58 (cinquenta e oito) sessões judiciárias de um total de 264 (duzentos e sessenta e quatro), o que corresponde a uma cobertura de 22% (vinte e dois por cento).

Os únicos Estados que não apresentam déficit de defensores públicos, considerando o número de cargos providos, são Distrito Federal e Roraima; os que possuem déficit de até 100 (cem) defensores públicos são Acre, Tocantins, Amapá, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rondônia e Sergipe. Por outro lado, os Estados com maiores déficits em números absolutos são os Estados de São Paulo (2.471), Minas Gerais (1.066), Bahia (1.015) e Paraná (834). O déficit total do Brasil é de 10.578 defensores públicos. Vejamos nas imagens abaixo a situação da Defensoria Pública no Brasil:

Figura 1 – Defensores Públicos em atuação (ANADEP/IPEA, 2013).

Consoante os dados do estudo, a Defensoria Pública atende, atualmente, uma população de cerca de quarenta milhões de brasileiros, quando o potencial da Instituição estimado seria de cento e cinquenta milhões de pessoas, considerando o quadro socioeconômico vigente no país. Como se pode verificar, a situação da Defensoria Pública no Brasil ainda é marcada por uma grande assimetria, já que diversas comarcas e sessões judiciárias não são atendidas pela Instituição. Tendo em vista a situação precária da Defensoria Pública, relegada em segundo plano por décadas pelos governantes, a Instituição é incapaz de cumprir com seu dever constitucional. Se não bastasse a pouca abrangência no país, há ainda a falta de infraestrutura e recursos humanos, baixa remuneração aos membros e servidores, entre outras mazelas. Segundo Bissochi[4]:

Em que pese a relevância da Instituição [...] a maior parte das Defensorias Públicas do país encontram-se em situação precária de funcionamento, sendo frequente a falta de recursos materiais e humanos e má remuneração dos Defensores Públicos, afora pouquíssimas exceções.

É certo que, em sua situação social, a Defensoria Pública é incapaz de cumprir com rigor sua missão constitucional e os maiores prejudicados são, sem dúvidas, a grande parcela da população que sobrevive sem cidadania.

Nestor Távora e Rosmar Antonni[5] comentam a necessidade de aparelhamento da Defensoria Pública; a falta de estrutura da Instituição impossibilita a aplicação do princípio da igualdade processual ou paridade de armas, na medida em que

[...] seria fictícia a paridade, se o órgão ministerial, acusador oficial, desfrutasse da estrutura e condição digna e necessária de trabalho, ao passo que os defensores, assoberbados pelas demandas que se acumulam, ficassem na condição de pedintes, subjugados a boa vontade do Executivo para que pudessem galgar um mínimo de estrutura para desempenhar as suas funções.

Vale destacar que situações paliativas à ausência da Defensoria Pública são inconstitucionais, sem contar que representam um total descaso com a população carente do Brasil. É comum observar-se país afora tentativas do Estado em suprimir a ausência do Defensor Público, v. g., por meio de defensores públicos municipais [sic], defensores temporários nomeados, defensores dativos, convênios com a Ordem dos Advogados do Brasil, dentre outras soluções que se mostram extremamente dispendiosas aos cofres públicos e ineficientes aos cidadãos, porquanto não oferecem um serviço de qualidade aos que dela necessitam. Nesse sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

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O descumprimento, pelo Poder Público, do dever que lhe impõe o art. 134 da Constituição da República traduz grave omissão que frustra, injustamente, o direito dos necessitados à plena orientação jurídica e à integral assistência judiciária e que culmina, em razão desse inconstitucional inadimplemento, por transformar os direitos e as liberdades fundamentais em proclamações inúteis, convertendo-os em expectativas vãs. É que de nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apoiam – além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República. O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um “facere” (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse “non facere” ou “non praestare” resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. Precedentes (ADI 1.458-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). [...] (STF. AI 598212 ED, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/03/2014, publicado em 24/04/2014). [grifei].

A título de exemplo, o Estado de Santa Catarina foi o último a contar com Defensoria Pública. Somente a implantou em razão das Ações Diretas de Constitucionalidade (ADI) nº 3892 e 4270, as quais pretendiam a declaração de inconstitucionalidade do artigo 104 da Constituição Estadual de Santa Catarina e da Lei Complementar nº 155/1997, que tratava da “defensoria dativa e assistência judiciária gratuita”, pois estes atentariam o artigo 5º, LXXIV e o art. 134 da Constituição Federal de 1988.

O Governador do Estado enviou à Assembleia Legislativa do Estado, Projeto de Lei Complementar, que se converteu na Lei Complementar Estadual nº 575/2012. No mesmo ano, foram abertos os primeiros concursos para o preenchimento de sessenta vagas de defensor público e noventa vagas de servidores. Todavia, a situação da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina ainda é extremamente precária. De 110 comarcas, apenas 21 (vinte e uma)[6] são atendidas, sendo que o atendimento basicamente se limita à atuação penal, execução penal e na área de saúde (medicamentos, cirurgias, exames e similares). Nos núcleos regionais maiores, o atendimento também se estende à área de família e infância e juventude. Em geral, a DPE/SC não tem contingente para atuar na área cível (salvo algumas demandas na Sede), juizados especiais, área de consumidor, entre outras tantas áreas.

Ora, a preponderância do defensor público sobre os demais advogados que prestam assistência jurídica gratuita deve-se por inúmeros motivos: a) a orientação jurídica preventiva e extrajudicial; b) o ajuizamento de ações civis públicas, defendendo direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos; c) as prerrogativas inerentes ao cargo, como independência funcional; e) a existência de órgãos internos que fiscalizam a atuação dos seus membros e servidores etc.

O Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública, realizado em parceria com a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) constatou que os Estados que menos investem nas defensorias são os que apresentam os piores indicadores sociais – e que mais necessitariam dos serviços da Instituição.

Segundo o Ministro Joaquim Barbosa[7]:

Não se pode ignorar que enquanto o defensor público, integrante de carreira específica, dedica-se exclusivamente ao atendimento da população que necessita dos serviços de assistência, o advogado privado – convertido em defensor dativo – certamente prioriza os seus clientes que podem oferecer uma remuneração maior do que aquela que é repassada pelo Estado, a qual observa a tabela de remuneração básica dos serviços de advogados.

A Defensoria Pública, portanto, é o único modelo organizacional a ser seguido para a prestação de serviços de orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. Pelos motivos acima expostos, a aprovação da EC nº 80/2014[8] representa um grande marco para a Defensoria Pública no Brasil, já que visa à estruturação da Instituição e a solução do déficit de defensores públicos.

3 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 80/2014

3.1 Do trâmite da “PEC das Comarcas”, “PEC das Defensorias” ou “PEC Defensoria para Todos”

Visando assegurar a todos os cidadãos brasileiros, em todo o seu território, o acesso aos serviços da Defensoria Pública, em 12/03/2013, foi apresentada na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição nº 247, de 2013, de autoria dos deputados federais André Moura (PSC/SE), Alessandro Molon (PT/RJ) e Mauro Benevides (PMDB/CE).

A referida PEC altera o “Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça” do “Título IV – Da Organização dos Poderes” e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, propondo a fixação de um prazo de 08 (oito) anos para que a União, os Estados e o Distrito Federal se organizem para poder contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais.

Nos termos do § 2º do art. 202 do Regimento Interno, a Presidência da Câmara dos Deputados constituiu Comissão Especial destinada a proferir parecer à PEC nº 247/2013, tendo sido, em 10/06/2013, designado relator o Deputado Federal Amauri Teixeira (PT-BA).

Em 19/02/2014, a PEC nº 247/2013 foi submetida ao Plenário da Câmara dos Deputados, sendo aprovada, em primeiro turno, com o substitutivo adotado pela Comissão Especial, por 392 (trezentos e noventa e dois) votos favoráveis, 02 (duas) abstenções e nenhum voto contrário. Em 12/03/2014, a PEC nº 247/2013 foi aprovada em segundo turno com 424 (quatrocentos e vinte e quatro) votos favoráveis, 01 (um) voto contrário e 01 (uma) abstenção. Na sequência, a PEC nº 247/2013 foi remetida ao Senado Federal por meio do Ofício nº 319/14/SGM-P.

Apresentada ao Senado Federal, em 13/03/2014, foi protocolada como Proposta de Emenda à Constituição nº 04, de 2014, sendo aprovada em 20/05/2014, por unanimidade, com 61 (sessenta e um votos) favoráveis em primeiro turno e 59 (cinquenta e nove) votos favoráveis em segundo turno, com quebra do interstício (intervalo regimental entre primeiro e segundo turnos de votação).

Assim, discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, e aprovada, já que obteve, em cada casa, três quintos dos votos dos respectivos membros (artigo 60, § 2º, CF/88), a PEC foi encaminhada à promulgação pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem (artigo 60, § 3º, CF/88). Após a promulgação, a PEC nº 04/2014 passa a ser a Emenda Constitucional nº 80/2014.

Discutido o trâmite da EC nº 80/2014, cumpre, doravante, tratar das alterações por ela promovidas na Constituição Federal de 1988.

3.2 Das modificações realizadas pela EC nº 80/2014

3.2.1 Das Funções Essenciais à Justiça – Seção IV – Da Defensoria Pública

A Defensoria Pública sai da Seção III (Da Advocacia e da Defensoria Pública) do Capítulo “Das Funções Essenciais à Justiça” do Título IV “Da Organização dos Poderes”, e passa a ter uma seção exclusiva, a Seção IV. Portanto, assim como a Advocacia Pública constitui uma sessão própria, com suas normas e estatuto jurídicos próprios, o mesmo passa a ocorrer com a Defensoria Pública. A alteração proposta traz sistematização mais adequada à realizada jurídica das distintas e complementares funções essenciais à justiça.

Antigamente, os defensores públicos eram chamados de “Advogados dos Pobres” e depois, “Advogados de Ofício”, vez que exerciam a função de postulação junto ao Poder Judiciário, privativa dos advogados. Segundo refere Monica Barroso[9]:

Nunca é por demais lembrar que foi a chamada Constituição Cidadã que retirou as defensorias públicas das dependências do Ministério da Justiça e de diferentes secretarias nos estados federados, tornando-a uma instituição diferenciada até então no serviço público. Mesmo assim, os defensores eram seres híbridos, ora funcionários públicos, ora profissionais liberais, ligados à OAB. [...] O entendimento que deve prevalecer, todavia, é que os defensores públicos não são nem advogados, nem servidores públicos, mas sim agentes políticos de transformação social [grifei].

Os defensores públicos exercem atividade de advocacia (ex vi artigo 3º, § 1º do EOAB), mas não só isso, pois defendem direitos supraindividuais. Por isso, são totalmente equivocados os termos “Advogado de Pobre” (conotação pejorativa), “Advogado para Pobre” (conotação assistencialista) ou “Advogado do Estado” (confunde o defensor público com procuradores de estado).

Embora, à primeira vista, a inclusão dessa nova Seção possa parecer ter poucos efeitos práticos, o desmembramento da Seção da “Defensoria Pública” da “Advocacia” permite realçar a diferença entre as atividades desses profissionais (defensor público e advogado), salientando, igualmente, o caráter público de uma e o privado da outra.

3.2.2 Ampliação do conceito de Defensoria Pública

O artigo 134 da CF/88 passa dispor que a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal (alterações em negrito). Trata-se de fiel reprodução do artigo 1º da LC nº 80/1994, com redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009.

Essa modificação traz para a Constituição Federal elementos estruturantes e conceituais à definição do papel e missão da Defensoria Pública, como seu atrelamento ao Estado Democrático de Direito, sua vocação para a solução extrajudicial dos litígios de forma prioritária, para a promoção dos direitos humanos e para a defesa individual ou coletiva.

A definição de “expressão e instrumento do regime democrático” reforça a ideia de que a Defensoria Pública, como instrumento de efetivação de direitos humanos, possibilita que a população marginalizada e vulnerável tome ciência de seus direitos, reivindique-os e exerça, assim, a sua cidadania, participando efetivamente na construção de uma democracia participativa.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a significativa importância jurídico-constitucional e político-social da Defensoria Pública, com destaque expresso a que, enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, qualifica-se como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas (ADI nº 2.903, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.9.2008).

Em resumo, a nova redação destaca, constitucionalmente, a relevância da Instituição. Extirpa, por outro lado, quaisquer dúvidas que pairem sobre a abrangência do dever da Defensoria Pública. 

3.2.3 Inclusão dos princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional e a aplicação dos artigos 93 e 96, II, da CF/88 à Defensoria Pública

A EC nº 80/2014 inclui o parágrafo 4º na Constituição Federal: “São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se-lhe também, no que couber, o disposto no art. 93 e 96, inciso II[10]”.

A Emenda à Constituição apenas incorporou à Carta Magna de 1988 os princípios já positivados na Lei Complementar nº 80, de 1994, com redação determinada pela Lei Complementar nº 132, de 2009.

Segundo Reis[11], pelo princípio da unidade, “é possível afirmar que a Instituição é uma só, apesar de todas as prerrogativas e a independência de seus órgãos de execução que atuam sem subordinação técnica. Assim, não há que falar em interesse próprio de um Defensor ou de um núcleo”. Pelo princípio da indivisibilidade, “a Defensoria Pública não está sujeita a rupturas ou fracionamentos. A indivisibilidade liga-se à necessidade de continuidade na prestação da assistência jurídica. Como consequência, a indivisibilidade garante que um defensor pode ser substituído por outro sem prejuízo de legitimidade”. Por fim, no que tange ao princípio da independência funcional, “o defensor pode desempenhar suas funções, ainda que em desagrado de autoridades que podem ser atingidas por sua atuação”.

Quanto à aplicação do artigo 93 da CF/88 à Defensoria Pública, é de bom alvitre verificar, na íntegra, o seu teor:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;

b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

d) na apuração de antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

III - o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IV - previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

VII - o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VIII - o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VIII-A - a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas “a”, “b”, “c” e “e” do inciso II; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XII - a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XIV - os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

XV - a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Com isso, constitucionalmente, estabeleceu-se aos defensores públicos a regra da fixação da residência na respectiva comarca ou seção judiciária, salvo com autorização superior (o que já era previsto no artigo 45, I; 90, I; 129, I, todos da LC nº 80/94).

Além disso, tal como ocorre na magistratura, deverão ser adotados requisitos objetivos de promoção na carreira dos defensores públicos; a realização de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção; a aplicação de normas claras de remoção, disponibilidade, aposentadoria e permuta e a existência de profissionais na unidade jurisdicional em número “proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população” (texto esse que foi repetido no § 1º do artigo 98 do ADCT).

Todavia, infelizmente, a desafortunada expressão “aplicando-se-lhe também, no que couber” o artigo 93 à Defensoria Pública certamente gerará controvérsias e diversas demandas judiciais (tal como ocorre com o artigo 129, § 4º, CF/88, que trata do Ministério Público). Vejamos: a) exigir-se-á do bacharel em direito candidato a defensor público, no mínimo, três anos de atividade jurídica (art. 93, inciso I, CF/88) ou segue a regra dos dois anos de prática forense (art. 26 e 71 da LC nº 80/94)?; b) os defensores públicos deixam de gozar apenas da estabilidade e da inamovibilidade (art. 134, § 1º, CF/88) para gozar da vitaliciedade (referida no art. 93, inciso IV, CF/88), tal como os magistrados (art. 95, I, CF/88), membros do Ministério Público (art. 128, § 5°, I, a, CF/88), Ministros de Tribunais de Contas (art. 73, § 3º, CF/88) e os de oficiais militares (art. 142, VI, CF/88)?

Questões como essas surgirão. E a resposta somente se dará com a formação de jurisprudência e, quiçá, com a alteração da legislação infraconstitucional.

Por fim, cumpre salientar que a aplicação do artigo 96, inciso II, da CF/88, não estava prevista na redação original da EC nº 80/2014. A Comissão Especial da Câmara dos Deputados consignou o seguinte:

“As modificações propostas, ainda que signifiquem notável avanço, não garantem à Defensoria Pública a iniciativa de lei naquilo que concerne diretamente à sua organização e funcionamento, como a criação e a extinção de seus cargos e dos serviços auxiliares. Esta relatoria considera que é o momento de fazê-lo”.

Assim, foi apresentado substitutivo à PEC nº 247, de 2013, nos seguintes termos: “Art. 134 [omissis] § 4º. São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no art. 96, II, desta Constituição”. Esse último artigo dispõe o seguinte:

Art. 96. Compete privativamente:

II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:

a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;

b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;

d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;

Desse modo, a aplicação do inciso II, do artigo 96 permitirá que a Defensoria Pública tenha a iniciativa de projetos de lei sobre a alteração do número dos seus membros, a criação e extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares, bem como a fixação do subsídio de seus membros; a criação ou extinção dos seus órgãos; e a alteração de sua organização e divisão, assegurando-se como nunca a autonomia como instituição democrática e de nível constitucional.

A EC nº 45/2004, embora tenha expressamente reconhecido a autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, assim como a iniciativa para propositura de seus orçamentos (§ 2º do artigo 134), “não conferiu à Defensoria Pública a iniciativa para criação de cargos, outorgada ao Ministério Público: nesse ponto segue [seguia] a Defensoria Pública vinculada ao Poder Executivo Estadual (Constituição, art. 61, § 1º)” (STF. ADI 3569, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2007).

Cessou, portanto, qualquer meio de vinculação da Defensoria Pública ao Poder Executivo. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já havia se manifestado:

CONSTITUCIONAL. ARTS. 7º, VII, 16, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.559/2006, DO ESTADO DO MARANHÃO, QUE INSEREM A DEFENSORIA PÚBLICA DAQUELA UNIDADE DA FEDERAÇÃO NA ESTRUTURA DO PODER EXECUTIVO LOCAL. OFENSA AO ART. 134, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADI PROCEDENTE. I – A EC 45/04 reforçou a autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, ao assegurar-lhes a iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, § 2º). II – Qualquer medida normativa que suprima essa autonomia da Defensoria Pública, vinculando-a a outros Poderes, em especial ao Executivo, implicará violação à Constituição Federal. Precedentes. III – ADI julgada procedente.

(ADI 4056, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 07/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-150 DIVULG 31-07-2012 PUBLIC 01-08-2012) [grifei].

Desse modo, com a EC nº 80/2014, foi reforçada a ideia de que, assim como o Ministério Público, a Defensoria Pública é uma instituição constitucional autônoma, sem subordinação a qualquer um dos Poderes.

3.2.4 Artigo 98 no ADCT e o prazo de oito anos

Por fim, a EC nº 80/2014 incluiu o artigo 98 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias nos seguintes termos:

Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população.

  § 1º No prazo de oito anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo.

  § 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo às regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.

Justamente em razão desse artigo é que a EC nº 80/2014 foi apelidada de “PEC das Comarcas” ou “PEC Defensoria para Todos”. Desse modo, durante esse período de implantação de oito anos, é prioridade a lotação de defensores públicos em localidades “com maior índice de exclusão social e maior adensamento populacional”. 

Registre-se que esses critérios de lotação já se encontravam previstos no artigo 107 da LC nº 80/94: “A Defensoria Pública do Estado poderá atuar por intermédio de núcleos ou núcleos especializados, dando-se prioridade, de todo modo, às regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional”.

A EC nº 80/2014, portanto, estabeleceu uma meta concreta e legítima quanto ao número de defensores públicos na unidade jurisdicional (comarca ou sessão judiciária), de forma proporcional à efetiva demanda pelo serviço de Defensoria Pública e à respectiva população e um prazo para que isso ocorra.

É mais uma tentativa de reverter o quadro de déficit de profissionais acima exposto e conscientizar o Poder Público e a sociedade da importância da Defensoria Pública. Certamente, se a Defensoria Pública não for implantada até esse prazo, medidas judiciais serão cabíveis, v.g. ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, CF/88 e art. 12-B, inciso I, da Lei nº 9.868/99), obrigando o Poder Público a cumprir com o seu dever constitucional, tal como ocorreu com a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho apresentamos a Defensoria Pública, instituição pública destinada a prestar orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, de forma integral e gratuita. A Instituição representa, pois, a garantia de acesso à justiça ao cidadão em situação de vulnerabilidade. Vimos também a sua situação no país, que, infelizmente, é precária, dada a pouca abrangência de seu atendimento. Em vista disso, a Instituição é incapaz, hoje, de cumprir com rigor sua situação missão constitucional face à sua falta de infraestrutura e recursos humanos, baixa remuneração aos membros e servidores públicos, entre outras mazelas.

Para solucionar esse problema, a EC nº 80/2014 estipulou um prazo de oito anos para a estruturação da Instituição determinando a presença de defensores públicos nas unidades jurisdicionais de forma proporcional à demanda dos serviços da Instituição e à população. Com isso, buscar-se-á efetivar direitos a 160 milhões de usuários potenciais dos serviços da Instituição. Se não bastasse isso, a Emenda Constitucional reforçou a ideia do que é a Defensoria Pública, da sua importância como instrumento de prevenção e solução dos conflitos, de efetivação de direitos humanos e do regime democrático. Representa, desse modo, um grande marco para a Instituição.

O legislador constituinte derivado, além de traçar a meta acima referida, ampliou as atribuições da Defensoria Pública e, com isso, fortaleceu a Instituição, na medida em que, a partir de agora, a Instituição poderá propor diretamente ao Poder Legislativo a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e membros, bem como a fixação dos seus subsídios.

A única crítica a ser feita à EC nº 80/2014 é a aplicação à Defensoria Pública do artigo 93 da CF/88 com a expressão “no que couber”, que, por seu subjetivismo, certamente ocasionará demandas no Poder Judiciário e necessidade de alteração da legislação correlata à Defensoria Pública.

Conclui-se com este estudo que essa Emenda à Constituição será um grande passo ao fortalecimento da Defensoria Pública que, infelizmente, tem hoje pouca abrangência, falta de infraestrutura e de recursos humanos, o que resulta em um atendimento precário em grande parte do país.

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Sobre o autor
José Pedro Oliveira Rossés

Graduado em Direito pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP) (2011). Advogado da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Chefe da Divisão de Instrumentos Jurídicos. Exerceu o cargo de Analista Jurídico da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Membro do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) e membro do Comitê de Conformidade e Gerenciamento de Riscos (Compliance) da Epagri. Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologias para a Inovação (Ufsc-Profnit). Especialização em Direito do Trabalho pela Universidade Candido Mendes (2013) e em Direito Previdenciário pela Universidade Candido Mendes (2015). Especialização em Licitações e Contratos pela Faculdade Pólis Civitas (2021).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSÉS, José Pedro Oliveira. O fortalecimento da Defensoria Pública no Brasil com a Emenda Constitucional nº 80/2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4015, 29 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29527. Acesso em: 24 nov. 2024.

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