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A intervenção mínima para um direito penal eficaz

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01/07/2002 às 00:00
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3.O Objeto do Crime Interpretado pela Criminologia e pela Correta Aplicação da Política Criminal.

Não se pode conceber um direito penal ao modo de Binding, num plano extremo do positivismo, erigido unicamente em função dos valores escolhidos pelo legislador, como que se ele fosse dotado de uma razão clarividente e justa, capaz de determinar, por seu único arbítrio, a satisfação das necessidades e interesses de uma comunidade. Um direito penal cunhado dessa forma, correria o risco de ceder sua função instrumental a uma função puramente simbólica [30]. Ademais, o ajuste do direito penal ao tempo e a uma determinada sociedade pode pressupor uma atividade dinâmica e em constante mutação, não só criminalizando [31], mas também descriminalizando [32], para alcancar-se maior eficácia. Justamente no ponto da descriminalização é que se encontra a maior barreira, face aos prejuízos políticos que a atitude pode desencadear [33]. Não obstante isso, deixando-se de lado o modelo de Binding e situando o legislador ordinário mais próximo do ideal, que esteja sempre atento aos verdadeiros anseios da comunidade, surgem algumas dificuldades para o ajuste do direito penal, uma vez que, como dito acima, mesmo orientando-se pelos ditames constitucionais, o legislador não encontrará resposta para tudo na Constituição. Tratando-se de norma de caráter orientador e possuindo a qualidade de fragmentária, a Constituição não pode servir como tábua de salvação ao legislador, ou seja, ela não determina que bens jurídicos devam ser abrangidos pela tutela penal. O que fazer?

O fenômeno do crime passou a preocupar os estudiosos sobretudo a partir do século XIX, quando ao mesmo tempo em que se colocava em causa a eficácia dos meios punitivos [34], procurava-se encontrar as causas dos desajustes para encontrar-se os meios do seu combate. Daí que o estudo sobre o fenômeno do crime passou a atribuir diversas razões para o seu surgimento. Lombroso, por exemplo, expunha no seu L’Uomo delinquente, a concepção do determinismo endógeno, cujo ponto axial residia na formação do criminoso a partir de características biotipológicas, enquanto que outros tentavam explicar o fenômeno a partir de concepções exógenas, explicando o crime em razão de fatores sociais, como fez, por exemplo, Ferri. Surgia, assim, a criminologia. O novo estudo postulava a categoria de ciência, desenvolvendo investigações criteriosas sobre o fenômeno do crime, dentro de uma metodologia rigorosa.

Como ciência humanística, que estudava um fenômeno tipicamente social, logo a partir da segunda metade do século XIX a criminologia aliava-se à sociologia, para, através dos seus princípios e postulados básicos encontrar as causas do crime. Surgiam as escolas sociológicas, que viam nas desigualdades sociais e nos problemas econômicos alguns dos fatores criminógenos. Para essa consecução, além do trabalho de observação bem próprio à sociologia, passou-se a utilizar das estatísticas para a medição da criminalidade frente a diversos fatores.

A criminologia mudou de figura [35] e sofreu uma sensível evolução. Hoje seu obejto precípuo não mais é a tentativa de conceitução de crime, mas é sim entendê-lo em face às diversas realidades sociais existentes [36]. Nesse contexto, a criminologia passa a trabalhar diretamente com as condutas anti-sociais e tudo que as cerca, percebendo, por exemplo, onde e como elas repercutem. Dessa forma, na medida em que apura a danosidade social, a criminologia também distingue os atos mais bem assimilados pela sociedade. Enfim, a criminologia abrange um vasto campo de investigações para o entendimento do processo do crime, assumindo um papel de relevo, como auxiliar do direito penal.

Como ensina Eduardo Correia, "não é só no plano normativo-sociológico referido que o crime pode ser visto, mas ainda num outro plano: o naturalístico" [37]. E é sob essa perspectiva que se dedica a criminologia.

Os dados colhidos pela criminologia oferecem um panorama geral sobre o crime, proporcionando seu melhor conhecimento. E o conhecimento do fenômeno, por sua vez, oferece condições para a escolha dos remédios necessários ao seu combate. A essa escolha e à determinação das diretrizes a serem tomadas no âmbito do direito penal é que se chama de política criminal.

A política criminal, pois, quando "recolhe e valora os resultados da criminologia" [39], arma-se de condições para reagir contra o crime. Pode, por exemplo, enfatizar a repressão ou os meios preventivos. Serve como valioso instrumento ao legislador ordinário, para a eleição dos bens carentes de proteção penal, ou para descriminalizar as condutas que já não exijam a proteção penal.

Portanto, num estado de direito moderno, de feição democrática, paradigmático do mundo ocidental, que traçou na Constituição os princípios de liberdade, de igualdade e de respeito a uma sociedade multifacetada; e que por isso mesmo pretende o direito às diferenças; onde não mais se reinvidica uma moral básica ou um padrão de educação; onde a intolerância cede lugar a uma maior permissividade, o legislador deve mover-se com cautela. Além de ater-se nos princípios e direitos básicos da Constituição, deve escolher a política criminal mais adequada [40]. Segundo esse modelo de Estado, não seria adequada, por exemplo, a criminalização de condutas que atingissem unicamente a moral. Assim é que atualmente se tornou inconcebível a intervenção penal para perseguir hábitos atípicos de comportamento sexual, desde que a conduta não venha a comprometer a autodeterminação sexual e o desenvolvimento do jovem.

Com base nessa perspectiva, a política criminal da Alemanha de 1969 não admitia um Estado super-intervencionista, que perseguisse um enorme leque de crimes. Ao invés do caráter retributivo, advogava-se a instituição de um sistema penal voltado para a prevenção especial, dando-se ênfase à ressocialização do delinqüente. Por isso, os autores do Projeto Alternativo de Código Penal orientaram-se no sentido de uma ampla descriminalização, eliminando do direito penal a segurança do Estado, o aborto e os comportamentos sexuais (sendo que neste item, o direito penal limitou-se a garantir a autodeterminação sexual e o desenvolvimento do jovem); posteriormente, o corte estenderia-se ao direito penal de bagatela [41].

Tendo-se em vista que a criminologia e a política criminal não são instrumentos estáticos, haja vista representarem uma realidade da conformação social e do modelo político de Estado, delimitada pelo tempo e espaço, orientarão o direito penal no mesmo rumo que a sociedade e o Estado tomarem. Para ilustrar essa característica, vem bem a calhar um exemplo referido por Maria da Conceição Ferreira da Cunha ao citar Roxin. Segundo este jurista, "enquanto que no actual estádio civilizacional comportamentos exibicionistas (o referido art. 183º, do StGB) (ainda) perturbam a paz jurídica, sendo assim legítima a sua criminalização, no futuro, quando (e se - acrescentamos nós) se impuser a convicção de que tal conduta apenas traduz uma perturbação psíquica não perigosa, deverá deixar de ser criminalizada(…)" [42]. Isto na medida em que a criminologia colha dados referentes a um consenso social sobre a desnecessidade da intervenção penal e que a política criminal veja mais vantajosa, por exemplo, a intervenção de outros aparelhos para a correção do delinqüente.

Ainda aqui podem surgir mais indagações sobre a legítima intervenção penal. Que outras balizas podem delimitar a atividade penal? Será sempre necessária sua intervenção diante do clamor social medido pela criminologia? Que outros critérios podem ditar a criminalização ou a descriminalização?


4. Os Princípios Basilares para Criminalização e Descriminalização

Toda a história da ciência do direito penal, com especial relevo para as escolas clássica e positiva, que se ocuparam da delimitação da atividade penal, criando sistemas de identificação do objeto do crime e da esfera de atuação do Estado, revela uma dinâmica extraordinária, principalmente se se levar em consirderação o curto transcurso de tempo que medeia entre o início dos estudos sistemáticos e o atual momento histórico. Trata-se, pois, de uma ciência relativamente nova, mas que apanhou o andar ligeiro da evolução social e soube seguir seu ritmo. O notório destaque para a teoria do bem jurídico em muito contribuiu para esse dinamismo, uma vez que o seu conceito não é estanque e imutável, mas sim variável de acordo com os rumos e prioridades perseguidos pelo Estado e por uma determinada sociedade. O que ontem sustentava a categoria de bem jurídico tutelado pelo direito penal, pode hoje prescindir dessa intervenção, na medida em que outros meios surjam mais eficientes para debelar os desvios sociais e para garantir aquele valor. De outro vértice, a evolução tecnológica pode colocar em risco determinados bens essenciais, como o da reserva da vida privada, que pode ser devassada através de interceptação ou de escuta telefônica ou por meio da informática, exigindo a intervenção penal [43].

Disso extrai-se a constatação da invariável necessidade de atualização penal, segundo a leitura de uma realidade social. O direito penal está sempre a confrontar-se com a determinação ou a exigência de nova criminalização ou de descriminalização [44].

Apesar de estar-se a falar do contexto propiciador da menor intervenção penal, através do sistema do bem jurídico e do estabelecimento de uma linha indissociável entre direito penal e Constituição e do relevante auxílio promovido pela criminologia e pela política criminal, não é descabido se falar além da orientação de descriminalização, na determinação de uma política de criminalização. A menor intervenção penal, antes de significar um corte radical do direito penal, ou sua completa negação, à maneira que propugna Hulsman [45], é a idéia representativa de uma atuação sensata do Estado, voltado a proteger penalmente os bens relevantes da comunidade. Por isso, o princípio da menor intervenção não descarta a criminalização, desde que ela se estabeleça dentro da filosofia de uma real necessidade e quando outros meios da política criminal mostrarem-se ineficazes.

Estando-se diante de um Estado democrático, constituído por uma sociedade pluralista, os valores de relevo são medidos pela sua representação social. Ou seja, determinados valores de interesse social podem ser erigidos à categoria de bens jurídicos penais, para que se os proteja de danos [46]. Assim, os bens jurídicos devem representar uma proeminente importância social, mesmo que, num primeiro lance de olhos não soe como tal. Quando o sistema penal garante proteção ao patrimônio, criminalizando o furto, pode, à primeira vista pensar-se na proteção individual daquele que efetivamente sofrer dano no seu patrimônio. Mas o alcance da norma tem, em realidade, o fim de promover o equilíbrio, paz e segurança numa sociedade.

Ao contrário, quando determinado interesse ou valor não tiver alcance social, não se poderá instituir um bem jurídico sujeito à proteção penal. É justamente nessa zona obscura de definição do socialmente importante ou indiferente que se encontram as maiores controvérsias sobre criminalização e descriminalização. Algumas questões solucionam-se pela acurada observação da criminologia. É o caso, mais de um vez citado, das relações homossexuais, praticadas por adultos, que não afetam valores ou interesses sociais, desde que não interfiram na autodeterminação sexual e na formação dos jovens. Já se não apresentam simples as tentativas de respostas às indagações sobre a descriminalização do aborto e do homicídio consentido (a eutanásia), por envolverem fortes sentimentos sociais e princípios arraigados desde há muito nas sociedades. Que espécies de repercussões geraria a diminuição da proteção do bem jurídico da vida? Surgiriam tendências a novas manipulações desse bem jurídico? A permitir-se a abreviação da vida, também seria admissível o contrário, ou seja, a reprodução humana por clonagem? Surgiriam inseguranças, quando, por exemplo, não se colhesse um consentimento de eutanásia estreme de dúvidas por parte de um enfermo terminal? Todas são questões merecedoras de ponderação para que, ao adotar-se uma política de descriminalização ou de criminalização não se venham a causar outras espécies de danos. Em questões como as apresentadas, há de medir-se a relação entre os custos e as vantagens. A atividade penal estabelece-se a partir de uma ligação fundamental entre o necessário sacrifício de um bem jurídico (o da liberdade, v.g., quando se impõe a pena de prisão) e as vantagens sociais decorrentes da realização de proteção a um bem jurídico. As vantagens, obviamente, deverão ser significativas em relação ao custo.

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Mas como apurar-se a correta política criminal no sentido de legitimar-se a intervenção do Estado?

4.1. A Dignidade Penal e a Carência de Tutela Penal.

Já foi visto que o ponto de partida para uma correta definição da atividade penal do Estado, de modo que sua intervenção seja eficaz e não comprometa a vocação democrática e o direito à individualidade, considerando-se um meio social pluralista, é a completa omissão de intervenção no âmbito da moral. O Estado não pode se utilizar de um meio gravoso e forte, como é o direito penal, para forjar uma moral padrão. E isso nem é o seu papel. Essa diminuição da atividade estatal deu-se com a cristalização do conceito de bem jurídico, que está muito mais ligado aos valores essenciais da sociedade do que à noção frágil e de grande subjetividade da moral.

O segundo passo ocorreu com a queda dos Estados absolutistas. Os Estados modernos não só impõem obrigações e deveres, mas, antes, consolidam as garantias e os direitos individuais. Estão também sujeitos à obediência da normativização, do que se conclui não poderem extrapolar os seus limites em detrimento dessas garantias e desses direitos. Por isso, toda a normativização penal deve pressupor esses elementos mínimos que alicerçam o Estado de direito, ligando-se umbilicalmente à Constituição. É da lei Fundamental que se geram as normas de direito penal. Mas ela não impõe uma obrigação de criminalização ou de descriminalização. E, por tratar-se de norma de caráter fragmentário, a Constituição não esgota o rol de valores dignos de proteção penal.

Por isso, além de utilizar-se daqueles primeiros indicativos, o legislador ordinário vai apoiar-se nas matérias auxiliares do direito penal. Busca subsídios das observações e investigações da criminologia. É esta ciência que tem medido os índices de tolerância social, condutas desviantes, interesses mais sensíveis da sociedade, enfim, ela tenta retratar com fidelidade tudo o que circunscreve o a fenomenologia ou o que leve ao entendimento do crime.

Mas chegado a esse ponto, o direito criminal (e agora preferimos o uso deste termo, para referirmo-nos sobre o campo mais largo do crime, como salientava Eduardo Correia) defronta-se com novos limites. O direito criminal voltado, modernamente como ultima ratio para a solução de graves problemas sociais, que reclamam pelo remédio extremo; por isso mesmo mais diminuído, desde de que assente seu caráter fragmentário e subsidiário; inclinado para proteger os valores mais representativos da comunidade, necessita de conceitos legitimadores.

É assim que surgem na dogmática penal alemã os conceitos de dignidade penal (Strafwürdigkeit) e de necessidade ou carência de tutela penal (Strafbedürftigkeit), que se inserem naquela sistemática penal dos Estados modernos.

A dignidade penal ou o merecimento de pena, como preferem alguns autores [47], é um conceito que está intimamente ligado à teoria do bem jurídico, uma vez que, em termos amplos, tem por princípio a atribuição de pena a uma conduta socialmente danosa. Os primeiros casos de aplicação do conceito são atribuídos a Gallas e a Sauer, apesar de que sua origem possa remontar ao século XIX [48].

Mesmo não sendo o objeto do trabalho uma exposição aprofundada acerca dos conceitos de dignidade penal e de carência da tutela penal, não podemos ficar apenas com a rápida noção acima exposta..

Segundo Luzón Peña, a dignidade penal (ou como ele prefere, merecimento de pena), "expresa un juicio global de desvalor sobre el hecho, en la forma de desaprobación especialmente intensa por concurrir un injusto culpable especialmente grave (injusto penal) que debe acarrear un castigo(…) [49], frisando, ainda, a sua complementação pela idéia de necessidade de pena, que pressupõe a inexistência de outro meio menos grave para proteger o bem jurídico.

Inserindo-se a dignidade penal no contexto dos postulados já referidos e lembrando-se que sua aplicabilidade é oriunda de um conceito de bem jurídico, constata-se, desde logo, que ela exclui da esfera de proteção penal os valores morais. A dignidade penal não se presta a legitimar normas perseguidoras de um modelo moral. É antes um sistema de identificação dos valores mais representativos da sociedade, que emanam das áreas de consenso [50]. É, na definição de Costa Andrade, "a expressão de um juízo qualificado de intolerabilidade social, assente na valoração ético-social de uma conduta, na perspectiva da sua criminalização e punibilidade" [51]. Portanto, só a gama dos valores sociais ligados à promoção da dignidade humana (vida, honra, integridade física e patrimônio), cuja ofensa repercute em grave dano social, é digna de proteção penal.

Nesses termos, o critério de dignidade penal delimita o campo de atuação do Estado na esfera do crime, não viabilizando a neocriminalização. Mas sua inteira aplicabilidade num direito penal eficaz só será possível se a ela acrescermos o conceito de carência de tutela penal.

A filtragem da atividade estadual não depende apenas da catalogação dos bens relevantes da sociedade, mas também de um racional equacionamento dos meios idôneos para a solução dos problemas. Assim, quando os meios menos aflitivos forem convenientes para o combate das condutas significativas de danos, deve descartar-se a punição. O Estado, como agente da punição, só seria chamado a intervir quando os diversos mecanismos sociais e jurídicos falhassem na prossecução do combate de uma determinada conduta (quando não fossem eficazes na prevenção da danosidade social), significando que ela necessita de tutela penal [52]. Portanto a carência de tutela penal está ligada ao caráter de subsidiariedade do direito penal, que determina sua intervenção como o remédio extremo.

A carência da tutela penal pressupõe um juízo de necessidade (Erforderlichkeit) de intervenção, por inexistir outro meio idôneo e eficaz de proteção do bem jurídico e um juízo de idoneidade (Geeignetheit) do direito penal, na medida em que outros meios se mostrem não apropriados [53]. Ninguém há de contestar, por exemplo, a necessidade de intervenção do direito penal para a proteção do bem jurídico vida, proibindo-se o homicídio e impondo-se a ameça de pena restritiva de liberdade, como remédio mais forte do ordenamento jurídico. De outro lado, quando constatada a violação desse bem jurídico, é também o direito penal o meio idôneo para aplacar suas repercussões, através da punição na medida da culpa. Já se põe em dúvida a validade do direito penal para reagir contra o adultério, na medida em que inexiste um consenso social a reclamar por sua intervenção.

Da exposição em linhas gerais desses dois conceitos, podem-se extrair algumas características fulcrais para a definição do direito penal. Observa-se, primeiramente o caráter de complementariedade existente entre esses dois conceitos para a consecução da legitimação penal. Enquanto a dignidade penal emite um juízo de valoração (dos bens significativos da comunidade), a carência de tutela penal traduz a idéia de utilidade e de eficácia da intervenção do direito penal [54]. Os dois critérios interagem-se, de forma que somente a determinação de dignidade penal é insuficiente para desencadear a legítima intervenção do direito penal. Faz-se necessária a indagação sobre a carência de tutela penal do bem jurídico. Depois observa-se a sensível influência dos dois conceitos não só sobre a política criminal, mas também no plano dogmático. Partindo-se da investigação empírica realizada pela criminologia, obtem-se o quadro da realidade do consenso social sobre a exigência de proteção a determinados valores, que determinará uma política criminal. Em vista disso, os juristas deterão inúmeros elementos para a construção de uma dogmática penal. Por fim, observa-se a identificação da dignidade penal com a moderna teoria do bem jurídico, balizada pela orientação estabelecida pelo modelo de Constituição do Estado democrático. Rejeita-se a intervenção do Estado no âmbito da moral e legitima-se a proteção dos valores essenciais da comunidade, fazendo surgir a reação contra condutas danosas de repercussão social. A carência da tutela penal, por sua vez, identifica-se com o caráter subsdiário do direito penal, uma vez que esse só se presta a garantir e a proteger os valores representativos da comunidade, quando outros meios menos gravosos mostrarem-se inadequados ou insuficientes.

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Sobre o autor
Isaac Sabbá Guimarães

promotor de Justiça em Santa Catarina, professor de Direito na UNISUL e na Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina, mestre em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Isaac Sabbá. A intervenção mínima para um direito penal eficaz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2954. Acesso em: 20 abr. 2024.

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