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Inquérito policial.

Comentários acerca do Projeto de Lei nº 4.209/01

01/07/2002 às 00:00
Leia nesta página:

            O inquérito policial é um procedimento preliminar, extrajudicial e preparatório para a ação penal, sendo por isso considerado como a primeira fase da persecutio criminis (que se completa com a fase em juízo). É instaurado pela polícia judiciária e tem como finalidade a apuração de infração penal e de sua respectiva autoria. No Código de Processo Penal está disciplinado entre os arts. 4º. e 23º.

            O seu surgimento no Brasil, ao menos com essa denominação, deu-se por meio da Lei n.º 2.033/1871, regulamentada pelo Decreto n.º 4.824, de 22 de dezembro de 1871. Neste Decreto, em seu art. 42, lia-se:

            "O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices".

            Adilson Mehmeri, no entanto, informa-nos que já em 1841 "havia lei disciplinando os trabalhos de investigação policial dos crimes, suas circunstâncias e seus autores". De fato, naquele ano, a Lei nº. 261, de 03 de dezembro, em seu art. 4º., § 9º. determinava que as autoridades policiais deveriam "remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma exposição do caso e das circunstâncias, aos juízes competentes, a fim de formarem a culpa". Aliás, este autor, em alentado estudo sobre o instituto, mostra-nos que "desde a remota Antiguidade, sempre houve o processo investigatório para apuração dos delitos, suas circunstâncias e seus autores". (1)

            Discute-se a respeito da necessidade e importância do inquérito policial, principalmente frente à existência em alguns países do juizado de instrução. Na Exposição de Motivos do atual Código de Processo Penal, o legislador já sinalizava no sentido de sua preferência pela peça investigatória ao dizer:

            "O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fáceis e rapidamente superáveis" (grifos no original).

            Outra grande dificuldade em se admitir o juízo de instrução é a sua apregoada incompatibilidade com o sistema acusatório, já que naquele procedimento o Juiz instrutor preside a investigação e a formação de culpa, prescindindo da imparcialidade própria da atividade jurisdicional e assumindo uma posição flagrantemente ativa, diferentemente do sistema acusatório onde o Juiz, na instrução, tem uma posição preponderantemente passiva.

            Como anota Geraldo Prado, "não há razão, dentro do sistema acusatório ou sob a égide do princípio acusatório, que justifique a imersão do juiz nos autos das investigações penais, para avaliar a qualidade do material pesquisado, indicar diligências, dar-se por satisfeito com aquelas já realizadas ou, ainda, interferir na atuação do Ministério Público, em busca da formação da opinio delicti". (2)

            Ao enfrentar o assunto, Vicenzo Manzini explica perfeitamente que "i magistrati istruttori, nella giurisdizione comune, compiono una funzione preparatoria attiva: nel che esta una delle principali caratteristiche del processo inquisitorio e del processo misto, in confronto dell’accusatorio, nel quale la funzione del giudice nella istruttoria è passiva, l’istruzione venendo compiuta dalle parti, come nel processo civile". (3)

            André Vitu, a respeito do Juiz de instrução, escreveu que: "En dehors de sa fonction d’officier de police judiciaire déjà signalée, ce magistrat possède un double rôle: enquêteur et juridiction tout à la fois. Il est d’abord chargè de rassembler les preuves et de constituer le dossier du procès pénal; puis, cette tâche remplie, il statue sur les charges relevées et, s’il y a lieu, renvoie l’inculpé devant la juridiction compétente". (4)

            Vê-se, portanto, que em França o Juiz instrutor tem também uma função de polícia judiciária, além de exercer a sua jurisdição, ao mesmo tempo. Inicialmente ele é encarregado de reunir as provas e de constituir os autos do processo penal; em seguida, tendo cumprido esta obrigação, ele estabelece os encargos e, se for o caso, envia o culpado ao Juiz competente.

            Porém, como não adotamos, entre nós, o juízo de instrução esta primeira fase, preparatória/investigatória, fica afastada das autoridades judiciais e a cargo apenas de órgãos administrativos, salvo quanto a determinadas medidas urgentes e de caráter cautelar (prisão provisória, busca e apreensão, etc.) e ao controle de legalidade (conhecimento imediato do auto de prisão em flagrante, por exemplo).

            Para Borges da Rosa "inquérito policial é o conjunto dos atos praticados pela Polícia acerca de fato reputado criminoso e dos responsáveis pela prática do mesmo.

            "O inquérito policial se destina a instruir a propositura da ação penal. Deve preceder ou servir de base ao processo repressivo.

            "O inquérito policial é um processo meramente administrativo, que não está adstrito às fórmulas do Processo em geral; pois tem existência à parte, assim como está a cargo de funcionários especiais". (5)

            A atribuição para presidir o inquérito policial é do Delegado de Polícia da circunscrição onde se consumou a infração penal (art. 4º., CPP), salvo no caso das chamadas Delegacias de Polícia Especializadas, com atribuições ratione materiae (em Salvador, por exemplo, há a Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes, Delegacia de Homicídios, Delegacia das Mulheres, Delegacia de Furtos e Roubos, Delegacia de Estelionato e outras Fraudes, etc). São os Delegados de Polícia, portanto, os funcionários especiais aos quais se referia o mestre gaúcho.

            Hoje (como amanhã) o inquérito policial não é (e não será) peça indispensável à instauração da ação penal, podendo ser iniciado a partir de outros elementos informativos chegados ao Ministério Público ou ao querelante (em caso de ação penal de iniciativa privada). O atual Código de Processo Penal deixa claro a dispensabilidade desta peça informativa ao prescrever no parágrafo único daquele art. 4º. não ser exclusiva da polícia judiciária a atribuição para apurar infrações penais e a sua autoria, permitindo que outras "autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função" o façam. No mesmo sentido, arts. 12, 39, § 5o. e 46, todos do atual CPP.

            Pensamos, inclusive, que o próprio Ministério Público possui esta atribuição, nada obstante opiniões em contrário. O certo é que tal atribuição transparece suficientemente possível à luz da Constituição Federal e de textos legais (6).

            Como principais características do inquérito policial podemos apontar o fato de ser um procedimento escrito (art. 9º., CPP), relativamente sigiloso (7) e inquisitório, pois não admite o contraditório.

            O inquérito policial pode ser civil (instaurado pela polícia civil ou federal) ou militar (instaurado pela polícia militar para apurar crimes militares).

            Durante o andamento do inquérito policial, não pode o indiciado ser posto incomunicável, ainda que exista a hodierna previsão do art. 21, parágrafo único do Código de Processo Penal; esta previsão, por força do disposto nos arts. 5o., LXIII e 136, § 3º., IV da Constituição Federal e do art. 7º., III do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, não mais pode ser aplicada, tendo em vista o seguinte raciocínio: se em pleno Estado de Defesa, quando a ordem pública ou a paz social estão ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza, é vedada a incomunicabilidade do preso, evidente que em uma situação normal também não será admissível tal restrição.

            De lege lata, o inquérito policial pode se iniciar através de simples notitia criminis (art. 5º., § 3º., CPP), mediante requisição do Ministério Público ou da autoridade judiciária (art. 5º., II, CPP), através de requerimento da vítima (art. 5º., II, CPP) ou a partir da prisão em flagrante. No primeiro caso, a peça inicial será uma Portaria subscrita pela autoridade policial, enquanto que nas hipóteses de requisição ou requerimento inicia-se com o próprio instrumento requisitório ou de requerimento. Em caso de flagrante delito, a peça inaugural será o respectivo auto de prisão em flagrante.

            Se se tratar da apuração de crime de ação penal pública condicionada, o inquérito policial só poderá se iniciar através da representação do ofendido ou do seu representante legal (art. 5º., § 4º., CPP) ou através da requisição do Ministério Público (se acompanhada da respectiva representação ou da requisição do Ministro da Justiça) ou do Juiz (se acompanhada da representação).

            Tratando-se de crime de ação penal de iniciativa privada, instaura-se somente a partir do requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. A propósito, anote-se que a Súmula 594 do STF estabelece que "os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal". O art. 35 do CPP, como se notou na introdução a este trabalho, foi expressamente revogado pela Lei n. 9.520/97, de forma que hoje a mulher casada tem direito amplo de representar contra quem quer que lhe tenha ofendido.

            Diz-se indiciado aquele que está sendo investigado nos autos do inquérito policial. Não é necessário que se indique expressamente quem é o indiciado, pois este poderá ser identificado a partir do encaminhamento das diligências policiais, não sendo necessário um indicativo formal daquela condição. (8)

            Para instruir o procedimento investigatório a autoridade policial deverá de imediato proceder às diligências especificadas nos atuais arts. 6º. (9) e 7º., sempre que cabíveis e se for possível. Veja-se, a propósito, o disposto no art. 22 do mesmo código.

            Na inquirição do indiciado devem ser observadas as regras próprias para o interrogatório feito em Juízo, inclusive atentando-se para todas as garantias previstas na Constituição e nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil (10), como, por exemplo, o direito ao silêncio; não há, porém, o contraditório, dado o já referido caráter inquisitorial do inquérito. A condução coercitiva é permitida. (11)

            Por outro lado, a ouvida do ofendido é de imperiosa necessidade.

            O ofendido ou a vítima é o sujeito passivo da infração, aquele que sofreu diretamente a violação da norma penal ou, como diz Bettiol, é a "pessoa que é efetivamente titular daquele interesse específico e concreto que o crime nega". (12)

            Não se confunde ofendido com testemunha, pois enquanto este é um terceiro desinteressado, aquele é um terceiro interessado que pode, inclusive, habilitar-se como assistente da acusação e compor a relação jurídica processual.

            A ouvida da vítima é obrigatória nos termos do art. 201 do CPP: "sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado...". Vê-se que da própria redação do artigo ressoa clara a obrigatoriedade em se ouvir a vítima. A inquirição é um dever imposto ao Juiz, ao Promotor de Justiça ou ao Delegado de Polícia, pois o "ofendido não precisa ser arrolado; deve ser ouvido sempre que possível, independentemente da iniciativa das partes. O art. 201 do Código de Processo Penal cria para o juiz o dever jurídico de ouvir o ofendido". (13)

            O advogado constituído também poderá estar presente a este ato. No entanto, se não houver profissional da confiança do indiciado, a presença de um advogado não é imprescindível para a validade da peça investigatória; tratando-se, porém, de menor de 21 anos, necessária é a nomeação de um curador, sob pena de nulidade do auto de prisão em flagrante (se assim foi instaurado o inquérito policial).

            Os vícios porventura existentes nesta primeira fase da persecutio criminis não contaminam a ação penal, podendo tornar apenas imprestáveis alguns atos procedimentais, como um reconhecimento de pessoa ou uma acareação que não tenha obedecido às formalidades legais, ou, em caso de flagrante delito, motivar o relaxamento da prisão ilegal. Não há que se falar, portanto, em nulidade do inquérito policial.

            A jurisprudência vem admitindo pacificamente a impetração de habeas corpus para trancar inquérito policial sempre que não houver justa causa para a sua instauração, utilizando-se a analogia com o art. 648 do Código de Processo Penal; assim, quando se tratar de fato cuja punibilidade induvidosamente já estiver extinta ou seja manifestamente atípico, concede-se a ordem, impedindo-se o andamento do procedimento. Ressalva-se, no entanto, a impossibilidade de, nestes casos, analisar-se questões como a antijuridicidade ou a culpabilidade.

            O valor probatório do inquérito policial é relativo, devendo a prova nele colhida ser reiterada em Juízo, salvo aquela que haja impossibilidade ou absoluta desnecessidade, como, por exemplo, a prova pericial inconteste. (14)

            Atualmente, o prazo para conclusão do inquérito policial é de 10 dias se o indiciado estiver preso ou de 30 dias, se solto. Neste último caso, o prazo poderá ser prorrogado pelo Juiz a requerimento do Delegado de Polícia quando o fato for de difícil elucidação (art. 10, § 3º., CPP). Deve a autoridade policial, ao final, fazer um relatório de tudo o que foi produzido naqueles autos, sem, contudo, nele emitir qualquer juízo de valor, nem mesmo qualificar juridicamente o fato investigado, salvo para a hipótese de concessão de fiança e na hipótese prevista no art. 30 da nova Lei de Tóxicos (Lei nº. 10.409/01). Aliás, nesta última referida lei estabelece-se que o inquérito policial deverá ser concluído em 15 dias se o indiciado estiver preso e 30, quando solto, podendo tais prazos ser duplicados pelo Juiz, mediante pedido justificado da autoridade policial (art. 29).

            O inquérito policial não pode em nenhuma hipótese ser arquivado pela autoridade policial (art. 17, CPP). Depois de arquivado, a autoridade policial somente poderá proceder a novas diligências a partir de outras provas (art. 18).

            Saliente-se que a Lei nº. 9.099/95 ao disciplinar os Juizados Especiais Criminais, estabeleceu não mais ser preciso instaurar-se o inquérito policial quando se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo, devendo a autoridade policial lavrar tão-somente um termo circunstanciado. Esta peça nada mais é do que um bem elaborado boletim de ocorrência, onde se descreverá a infração penal com todas as suas circunstâncias, qualificar-se-á o autor do fato e o ofendido e se indicarão as respectivas testemunhas, além da prova material a ser produzida.

            Vejamos agora as modificações a serem introduzidas pelo Projeto de Lei nº. 4.209/01 que trata da investigação criminal e visa a modificar os artigos do Código de Processo Penal atinentes a esta matéria.

            Inicialmente ressaltamos que este foi o único dos projetos de lei não encaminhados desde logo ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. À época, comentando a respeito do não envio imediato do projeto ao Parlamento, o Dr. Petrônio Calmon Filho, um dos integrantes da Comissão de Reforma, escreveu, sob o sugestivo título "Reforma do CPP avança e Governo cede ao lobby da Polícia", o seguinte:

            "O Presidente da República, atendendo ao lobby das lideranças policiais resolveu reter um dos projetos de lei elaborados pela Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover", exatamente o que tratava da "investigação criminal, que elimina do CPP os ranços da ditadura do ‘estado novo’, quando foi editado o código." (...)

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            "O Ministro da Justiça analisou os projetos e não elaborou nenhuma modificação, encaminhando-os para o Presidente da República no dia 23 de janeiro. Examinados pela Casa Civil da Presidência da República, os projetos não sofreram nenhuma crítica. Tão somente não levarão adiante o projeto que trata da investigação criminal, permitindo, assim, que continuem em vigor as regras atuais que estabelecem um inquérito burocrático, sem participação efetiva da vítima e com poderes absolutos para a polícia." (...)

            "Concluindo, o Presidente da República deve enviar ao Congresso Nacional, ainda nesta semana, apenas 6 dos 7 projetos de lei elaborados pela Comissão Pellegrini, encaminhando, ainda, um projeto simples, apenas com a alteração no art. 295 do CPP. O projeto sobre a investigação criminal fica engavetado. Seu encaminhamento somente será possível se houver pressão de outros setores da sociedade. Do contrário prevalecerá o lobby único que surgiu até o momento, operado por setores reacionários, que pretendem a continuidade do sistema de investigação criminal hoje reinante em nosso pais, como se fosse muito eficiente." (15)

            Mantém-se o Título II do Livro I, modificando-se apenas a epígrafe nos seguintes termos "DO INQUÉRITO POLICIAL E DO TERMO CIRCUSTANCIADO", ajustando-se à Lei n. 9.099/95 que estabeleceu os Juizados Especiais Criminais e substituiu, em relação às infrações de menor potencial ofensivo, o inquérito policial pelo termo circunstanciado.

            O art. 4opassará a ter a seguinte redação:

            "Sendo a infração penal de ação pública, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência, de ofício, a requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo ou mediante requisição do Ministério Público, procederá na função essencial de Polícia Judiciária ao correspondente registro e à investigação por meio de:

            I - termo circunstanciado, quando se tratar de infração de menor potencial ofensivo;

            II - inquérito policial, em relação às demais infrações."

            Aqui temos a importante supressão da possibilidade de requisição do Inquérito Policial por parte da autoridade judiciária (art. 5o., II, primeira parte do atual código) e absolutamente estranha aos postulados do sistema acusatório. Sobre o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, temos que atentar para a Lei n. 10.259/2001 (art. 2o., parágrafo único) que criou os Juizados Especiais Criminais Federais, modificadora, a nosso ver, do art. 61 da Lei n. 9.099/95; de modo que infração penal de menor potencial é toda aquela cuja pena máxima seja igual ou inferior a dois anos, independentemente de ter ou não procedimento especial, além de todas as contravenções penais.

            O § 1o. deste art. 4o. não traz novidades em relação ao atual sistema: "§ 1o Quando a ação penal pública depender de representação ou de requisição do Ministro da Justiça, sem ela o inquérito policial não poderá ser instaurado."

            Tampouco o §§ 2o. e 3o.: "§ 2o Nos casos de ação penal de iniciativa privada, a autoridade policial procederá à investigação por meio de uma das modalidades previstas nos incisos I e II do caput, agindo somente mediante requerimento de quem tiver qualidade para ajuizá-la, formulado com observância dos seguintes requisitos:

            I - narração do fato, com todas as suas circunstâncias;

            II - individualização do autor ou determinação de seus sinais característicos, ou explicação dos motivos que as impossibilitam;

            III - dados demonstrativos da afirmação da autoria;

            IV - testemunhas do fato e de suas circunstâncias, quando possível com as respectivas qualificações e endereços, ou com anotação dos locais em que possam ser encontradas.

            § 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da prática de infração penal cuja ação seja de iniciativa pública, poderá comunicá-la, oralmente ou por escrito, à autoridade policial, que registrará a ocorrência e adotará as providências cabíveis.

            O § 4o. ao disciplinar que o "ofendido ou quem tiver qualidade para representá-lo poderá requerer, oralmente ou por escrito, à autoridade policial o início da investigação ou dirigir-se ao Ministério Público para que este a requisite" retira do Juiz a possibilidade de receber do ofendido o requerimento de abertura do Inquérito Policial ou do Termo Circunstanciado, depurando mais uma vez o sistema acusatório em nosso processo penal. Nada obstante, se a vítima preferiu dirigir-se à autoridade judiciária, deverá esta imediatamente remeter o requerimento ao Promotor de Justiça que, então, sendo o caso, requisitará a respectiva peça investigatória.

            Continuando, temos o § 5o. nos seguintes termos: "Da decisão que indeferir o requerimento de investigação, ou quando esta não for instaurada no prazo, poderá o interessado recorrer em cinco dias para a autoridade policial superior, ou representar ao Ministério Público". Esta "autoridade policial superior" é o chefe da Polícia Civil em cada Estado da Federação. Se a vítima, ou quem a represente, optar pela comunicação ao Ministério Público, o Promotor de Justiça requisitará o início das investigações, se houver efetivamente necessidade.

            Em consonância com o disposto no art. 129, VII da Constituição Federal que impõe ao Ministério Público o controle externo da atividade policial, estabelece o § 6o. que tomando "conhecimento da ocorrência, a autoridade policial fará, imediatamente, o seu registro, que ficará à disposição do Ministério Público, podendo este requisitá-lo periódica ou especificamente", garantindo-se, assim, a efetiva continuidade das investigações.

            O § 7o., por sua vez, determina:

            "Tratando-se de infração penal atribuída a policial, a autoridade comunicará imediatamente a ocorrência ao Ministério Público, para as providências cabíveis." Importantíssima modificação: ao invés de apenas encaminhar o fato à Corregedoria da Polícia, a autoridade policial deverá comunicá-lo ao Ministério Público, permitindo ao parquet investigar diretamente a infração penal ou acompanhar a apuração procedida pela Corregedoria da Polícia.

            Cobrindo lacuna existente na Lei n. 9.099/95, o art. 5o do projeto de lei especifica o conteúdo do Termo Circunstanciado, nos seguintes termos:

            "Se a infração for de menor potencial ofensivo, a autoridade lavrará, imediatamente, termo circunstanciado, de que deverão constar:

            I- narração sucinta do fato e de suas circunstâncias, com a indicação do autor, do ofendido e das testemunhas;

            II - nome, qualificação e endereço das testemunhas;

            III - ordem de requisição de exames periciais, quando necessários;

            IV - determinação da sua imediata remessa ao órgão do Ministério Público oficiante no juizado criminal competente, com as informações colhidas, comunicando-as ao juiz;

            V - certificação da intimação do autuado e do ofendido, para comparecimento em juízo nos dia e hora designados."

            O art. 6o. passa a ter a seguinte redação:

            "Art. 6o Não sendo a infração de menor potencial ofensivo, ao tomar conhecimento da prática da infração, a autoridade policial instaurará inquérito, devendo:

            I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, preservando-o durante o tempo necessário à realização dos exames periciais;

            ..................................................

            IV - ouvir o investigado;

            V - proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas;

            VI - determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias (art. 159);

            VII - providenciar, quando necessária, a reprodução simulada dos fatos, desde que não contrarie a moralidade ou a ordem pública."

            Nada obstante não mais constar a necessidade da ouvida do ofendido, tal providência se nos afigura de relevância absoluta, e mesmo imprescindível, até por força do disposto no art. 201, caput do CPP.

            O § 1o. deste artigo determina que as "diligências previstas nos incisos V e VII deverão ser realizadas com prévia ciência do Ministério Público e intimação do ofendido e do investigado." Continua o projeto de lei privilegiando o acompanhamento das investigações por parte do Ministério Público, além de permitir ao investigado um maior conhecimento do que contra si está sendo produzido ou se produzirá.

            "§ 2o Os instrumentos, armas e objetos materiais que tiverem relação com o fato, necessários para exame pericial complementar, ficarão sob a guarda dos peritos oficiais até a conclusão dos trabalhos periciais."

            § 3o No inquérito, as informações serão colhidas de forma singela e, sempre que possível, celeremente, podendo os depoimentos ser tomados em qualquer local, oral, informal e resumidamente.

            No § 4o. introduz-se no Código de Processo Penal regra já estabelecida no art. 65, § 3o. da Lei n. 9.099/95: "O registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas poderá ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. Na forma por último indicada, será encaminhado ao Ministério Público o registro original, sem necessidade de transcrição."

            O § 5o. determina que a "prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão imediatamente comunicados à autoridade judiciária competente, ao Ministério Público e à família do preso, ou a pessoa por ele indicada." Aliás, sobre a comunicação da prisão ao Ministério Público já defendemos ser obrigatória, ainda que regra específica a respeito não haja no Código de Processo Penal.

            Assim pensamos porque prescreve a Constituição Federal no seu art. 129, VII que ao Ministério Público cabe, como função institucional, "exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior", delegando, assim, ao legislador infraconstitucional a missão de regulamentar a forma como se exteriorizaria tal controle externo, ou seja, o modo como ele deveria ser exercido.

            A lei complementar referida é exatamente aquela prevista no art. 128, § 5º. da Carta Magna, ou seja, lei complementar estadual de iniciativa do Procurador-Geral de Justiça que estabelece "as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público".

            Deixe-se, claro, portanto, que a citada lei complementar não precisa ser uma norma federal, mas uma lei estadual, sem dúvidas; basta ler o texto constitucional com alguma acuidade. Ou seja, o legislador constituinte, induvidosamente, deixou para o legislador estadual disciplinar o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público.

            Assim, por exemplo, no Estado da Bahia, a Lei Complementar estadual nº. 11/96 disciplina no art. 72, XVI, e, que dentro das atribuições imanentes ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público está o de "receber, imediatamente, comunicação da prisão de qualquer pessoa por parte da autoridade policial, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão".

            Nem se invoque o art. 5º., LXII da Constituição Federal que exige a comunicação da prisão de qualquer pessoa ao Juiz competente, pois tal disposição constitucional não exclui a necessidade da mesma comunicação também ser feita a outras autoridades públicas, como aos membros do Ministério Público. O referido dispositivo apenas obriga a comunicação ao Juiz de Direito (não proibindo que o seja a outras autoridades), o que não retira absolutamente a possibilidade de se exigir o mesmo em relação ao Promotor de Justiça, como o fez a citada lei complementar estadual, respaldada, repita-se, pela Constituição Federal.

            Não se diga, tampouco, que o art. 307 do Código de Processo Penal determina a comunicação da prisão em flagrante apenas "ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso", bastando lembrar que o referido diploma adjetivo é da década de 40...

            Invocamos, ainda, o art. 10 da Lei Complementar Federal nº. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), utilizada subsidiariamente pelo Ministério Público estadual (por força do art. 80 da Lei nº. 8.625/93) que exige expressamente a comunicação ao Ministério Público da prisão de qualquer pessoa.

            Procurando evitar excessos investigatórios que poderiam constranger desnecessariamente o investigado, determina o novo art. 7o. que os "elementos informativos da investigação deverão ser colhidos na medida estritamente necessária à formação do convencimento do Ministério Público ou do querelante sobre a viabilidade da acusação, bem como à efetivação de medidas cautelares, pessoais ou reais, a serem autorizadas pelo juiz." Se excessos houver, cabível será a impetração de habeas corpus para evitá-los.

            O parágrafo único deste artigo explicita regra já consagrada por boa parte da doutrina, segundo a qual as provas colhidas nesta fase inquisitorial "não poderão constituir fundamento da sentença, ressalvadas as provas produzidas cautelarmente ou irrepetíveis, que serão submetidas a posterior contraditório." Como exemplo de uma prova irrepetível temos um exame de lesões corporais. A ouvida de uma testemunha enferma gravemente pode servir como exemplo de uma prova produzida cautelarmente.

            No art. 8o. temos:

            "Reunidos os elementos informativos tidos como suficientes, a autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a situação jurídica de indiciado, com as garantias dela decorrentes" e "§ 1o O indiciado, comparecendo, será interrogado com expressa observância das garantias constitucionais e legais", entre os quais o direito ao silêncio (art. 5o., LXIII da Constituição) e o de não auto-incriminar-se (art. 8º., 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e art. 14, 3, g do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, assinada em 19 de dezembro de 1966, ambos já incorporados em nosso ordenamento jurídico, por força, respectivamente, do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992).

            No § 2o. estabelece-se que o "indiciado será identificado datiloscopicamente nas hipóteses previstas em lei". A respeito desta diligência, é importante ressaltar que a Constituição Federal a proíbe sempre que já houver a identificação civil, salvo exceção prevista em lei. Tais exceções encontramos em nosso ordenamento jurídico na Lei nº. 9.034/95 (art. 5º.) que definiu a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas e no art. 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sem aplicação, destarte, a Súmula 568 do STF editada anteriormente à Constituição.

            Observa-se que neste aspecto já existe legislação específica: a Lei n. 10.054/00. (16)

            Visando, inclusive, a auxiliar o Juiz no momento da aplicação da pena (art. 59, CP) e, antes, ao Ministério Público no instante da proposta de transação penal ou da suspensão condicional do processo, o § 3o. estabelece que a "autoridade policial deverá colher informações sobre a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, e outros dados que contribuam para a verificação de sua personalidade", além de "informar ao indiciado a importância do endereço por ele fornecido, para efeito de citação e intimação, bem como sobre o dever de comunicar qualquer mudança de endereço." (§ 4o.).

            O novo art. 9o. passa a estabelecer prazo para a instauração do Inquérito Policial que será de 10 dias "após a autoridade policial tomar conhecimento da infração penal (art. 4o, caput e §§ 1o a 4o)."

            Neste tocante, muda-se o prazo para término da peça inquisitiva, pois o § 1o. deste art. 9o. prevê que a autoridade policial deve remeter o respectivo procedimento "ao Ministério Público no prazo de vinte dias, sem prejuízo da continuidade e da realização de outras diligências tidas como necessárias, que serão especificadas pela autoridade policial, cujos resultados serão imediatamente transmitidos ao mesmo órgão." Vê-se que acaba com a desnecessária exigência de envio dos autos investigatórios ao Juiz de Direito para que este aponha um singelo "remeta-se ao Ministério Público" e só.

            Chegando o expediente ao Ministério Público, o seu representante, caso não seja o caso de arquivamento ou denúncia, poderá "aguardar por até trinta dias as diligências especificadas pela autoridade que presidiu a investigação" ou "requisitar, fundamentadamente, a realização de diligências complementares, indispensáveis ao oferecimento da denúncia, que deverão ser realizadas em, no máximo, trinta dias." Esta requisição "não obsta, se for o caso, ao oferecimento da denúncia." Ademais, "encerrada a investigação, a autoridade policial remeterá as demais peças de informação, documentadas em autos suplementares, e com relatório, ao Ministério Público" que, por sua vez, "somente poderá oferecer denúncia ou promover o arquivamento, consoante o disposto no art. 28." Se se tratar de indiciado preso, o retorno dos autos à Delegacia de Polícia acarretará inevitavelmente a sua soltura, por excesso de prazo na conclusão da peça investigativa.

            Se não for o caso de diligências complementares, o Ministério Público, tal como hoje, poderá, então, "oferecer denúncia" ou "promover o arquivamento da investigação, consoante o art. 28."

            Em qualquer hipótese o "inquérito deverá ser concluído no prazo de sessenta dias, contados do conhecimento da infração penal pela autoridade policial, salvo se o indiciado estiver preso, quando o prazo será de dez dias." Na contagem deste prazo, aplica-se a regra do art. 798, § 1º. do CPP, salvo no caso de indiciado preso, quando se conta o dies a quo, aplicando-se a regra do art. 10, do Código Penal, excepcionalmente, obedecendo-se o princípio do favor rei. Se houver descumprimento deste limite, "o ofendido poderá recorrer à autoridade policial superior ou representar ao Ministério Público, objetivando a finalização do inquérito e a determinação da responsabilidade da autoridade e de seus agentes" que poderão responder, por exemplo, pelo crime de prevaricação (art. 319, CP) e por improbidade administrativa (art. 11, II da Lei n. 8.429/92).

            Nesta fase, as "diligências que dependerem de autorização judicial serão requeridas ao juiz competente pelo Ministério Público, autoridade policial, ofendido, investigado ou indiciado", sem prejuízo de poder o Juiz, de ofício, "ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida", conforme estabelece o novo art. 156 que analisaremos adiante. Melhor seria que não se permitisse ao Juiz esta atividade persecutória, preservando-se na sua inteireza o sistema acusatório. Se o Juiz vier a determinar esta produção antecipada de prova, certamente, à luz do nosso sistema, tornar-se-á prevento (art. 83, CPP). Ocorre que, como afirma com muita propriedade, Aury Lopes Jr., esta prevenção, longe de se constituir em causa de determinação da competência, deveria, contrariamente, "ser uma causa de exclusão", pois "pode fulminar a principal garantia das partes no processo penal: o direito a um juiz imparcial." Informa este autor que "partindo das decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, a maior parte dos países europeus passou a considerar a prevenção como geradora de uma presunção absoluta de parcialidade. Isto é, o juiz prevenido ou prevento tem sua imparcialidade comprometida e não pode participar do julgamento." Conclui, então, o autor gaúcho que "a prevenção é sinônimo de pré-julgamento, de comprometimento, de tal forma que gera uma fundada dúvida sobre a imparcialidade praticar atos tipicamente investigatórios, ou mais bem próprios de um instrutor." (17)

            O arts. 11, 12 e 14 não trazem novidades ao prescreverem, respectivamente, que os "instrumentos da infração penal, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos da investigação"; que os "autos da investigação instruirão a denúncia ou a queixa, sempre que lhe servirem de base" (o que indica ser dispensável o Inquérito Policial) e que o "ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo e o investigado ou indiciado poderão requerer à autoridade policial, ou ao Ministério Público, a realização de qualquer diligência, que será efetuada, se entendida necessária." Nesta última hipótese, se "o pedido for indeferido, o interessado poderá recorrer à autoridade policial superior, ou representar ao Ministério Público, objetivando a requisição da diligência."

            Modifica-se ligeiramente o art. 13, alterando-se-lhe o inciso IV, nos seguintes termos:

            "Art. 13.... ................................................

            IV - requerer, ao juiz competente, a concessão de medida cautelar prevista em lei." Como se nota, a nova lei deixa de usar o termo "representação" e prefere "requerimento".

            Repetindo regra estabelecida no art. 15, se "o indiciado for menor, a autoridade nomeará curador para assisti-lo". Ocorre que agora a lei prefere que este curador seja advogado e proíbe expressamente, o que é ótimo, "a nomeação de pessoa analfabeta e de servidor da Polícia Judiciária, do Ministério Público ou do Poder Judiciário."

            Em consonância com os arts. 93, IX e 129, VIII da Constituição Federal, diz o novo art. 16 que "todos os atos da autoridade policial e do Ministério Público deverão indicar os fatos que os determinaram e ser fundamentados." Assim, não poderão mais ser determinadas ou requisitadas, por exemplo, diligências policiais que venham a constranger o investigado ou indiciado sem que esteja demonstrada a sua necessidade para as investigações. Não se poderá produzir uma reprodução simulada dos fatos sem que se fundamente a sua necessidade para o êxito da apuração em curso.

            Os arts. 17, 18 e 19 também não trazem maiores novidades, senão vejamos:

            "Art. 17. A autoridade policial não poderá determinar o arquivamento dos autos da investigação."

            "Art. 18. Arquivados os autos da investigação, por falta de base para a denúncia, havendo notícia de outras provas, a autoridade policial deverá proceder a novas diligências, de ofício, ou mediante requisição do Ministério Público."

            "Art. 19. Nas infrações penais, cuja ação seja de iniciativa privada, os autos da investigação serão remetidos ao juízo ou ao juizado criminal competente, onde aguardarão providência do ofendido, ou de quem tenha qualidade para representá-lo, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado."

            Entendemos que ao se estabelecer no art. 20 que a "autoridade policial, o Ministério Público e o juiz assegurarão, na investigação, o sigilo necessário ao esclarecimento dos fatos" não foi usurpado o direito do advogado de "examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante ou de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos." (art. 7º., XIV do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei n.º 8.906/94), mesmo porque a nova regra não é incompatível, muito pelo contrário, com a anterior, o que não acarreta a sua revogação implícita. O § 1o. deste art. 20 procura garantir que durante "a investigação, a autoridade policial, o Ministério Público e o juiz tomarão as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do investigado, do indiciado, do ofendido e das testemunhas, vedada sua exposição aos meios de comunicação", vedando, por conseguinte, a prática odiosa que hoje se prolifera em expor presos seminus (que sequer foram indiciados) às câmaras de televisão, maculando e estigmatizando as pessoas, em um espetáculo verdadeiramente desumano e degradante.

            Ademais, tenha ou não havido condenação anterior, não mais poderá a autoridade policial, nos "atestados que lhe forem solicitados", "mencionar quaisquer dados referentes à investigação, salvo em caso de requisição judicial ou do Ministério Público."

            O art. 21 veda expressamente o que hoje já está proibido por força de uma interpretação conforme a Constituição (como demonstramos acima): a incomunicabilidade do preso.

            A nova redação dos arts. 22 e 23 não representa inovação substancial, como se nota, in verbis:

            "Art. 22. A autoridade policial poderá, no curso da investigação, ordenar a realização de diligências em outra circunscrição territorial, independentemente de requisição ou precatória; assim como tomar as providências necessárias sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição, comunicando-as à respectiva autoridade.

            "Art. 23. Ao remeter os autos da investigação ao Ministério Público, a autoridade policial oficiará ao órgão competente, transmitindo as informações necessárias à estatística criminal."

            O art. 26 traz regra dirigida principalmente às autoridades fiscais, fazendárias, bancárias, etc, ao obrigar que se tratando "de infração penal praticada contra o sistema financeiro nacional, a ordem tributária ou econômica, os elementos de informação serão remetidos pela autoridade administrativa também diretamente ao Ministério Público para as providências cabíveis", não sendo necessária, portanto, a remessa do procedimento administrativo à Polícia para a instauração de investigação, pois é bem possível que já se tenha em mãos (e este Juízo inicialmente cabe ao Ministério Público e, depois, ao Poder Judiciário que receberá ou não a peça acusatória) os elementos necessários para a propositura da ação penal. Se já houver justa causa, dispensa-se investigação policial.

            Vejamos agora certamente a mudança mais importante trazida por este projeto de lei, referente ao arquivamento da peça informativa, quando se retirou das mãos do Juiz de Direito esta decisão, privilegiando, sem dúvidas, os princípios reitores do sistema acusatório.

            Com efeito, o novo art. 28 assim está redigido:

            "Se o órgão do Ministério Público, após a realização de todas as diligências cabíveis, convencer-se da inexistência de base razoável para o oferecimento de denúncia, promoverá, fundamentadamente, o arquivamento dos autos da investigação ou das peças de informação." Assim, o arquivamento passa a ser objeto apenas da apreciação do órgão do Ministério Público, retirando-se do Poder Judiciário essa anômala função de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal, tudo em conformidade com o art. 129, I da Carta Magna.

            Mas, para que não fique o arquivamento em mãos apenas do respectivo Promotor de Justiça, o que não deixaria de ser temerário, prevê o projeto de lei ora analisado que "cópias da promoção de arquivamento e das principais peças dos autos serão por ele remetidas, no prazo de três dias, a órgão superior do Ministério Público, sendo intimados dessa providência, em igual prazo, mediante carta registrada, com aviso de retorno, o investigado ou indiciado e o ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo." Assim, a Procuradoria Geral de Justiça de cada Estado da Federação deverá formar um colegiado especialmente destinado a examinar os casos de promoção de arquivamento, preferencialmente formado a partir de eleição entre todos os membros da Instituição (com período determinado), tornando mais democrática esta etapa do processo penal brasileiro e evitando injunções políticas nas promoções de arquivamento. (18)

            Visando a evitar possível procrastinação, dispõe o § 2o. do novo art. 28 que se "as cópias referidas no parágrafo anterior não forem encaminhadas no prazo estabelecido, o investigado, o indiciado ou o ofendido poderá solicitar a órgão superior do Ministério Público que as requisite.

            Ademais, até "que, em sessão de órgão superior do Ministério Público, seja ratificada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão o investigado ou indiciado e o ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo, apresentar razões escritas."

            "§ 4o A promoção de arquivamento, com ou sem razões dos interessados, será submetida a exame e deliberação de órgão superior do Ministério Público, na forma estabelecida em seu regimento.

            § 5o O relator da deliberação referida no parágrafo anterior poderá, quando o entender necessário, requisitar os autos originais, bem como a realização de quaisquer diligências reputadas indispensáveis.

            § 6o Ratificada a promoção, o órgão superior do Ministério Público ordenará a remessa dos autos ao juízo competente, para o arquivamento e declaração da cessação de eficácia das medidas cautelares eventualmente concedidas." Observa-se que, tomando a primeira providência, o Juiz de Direito agirá administrativamente, e não jurisdicionalmente, pois determinará que se arquive o procedimento investigatório como chefe que é dos serviços cartorários.

            "§ 7o Se, ao invés de ratificar o arquivamento, concluir o órgão superior pela viabilidade da ação penal, designará outro representante do Ministério Público para oferecer a denúncia." Evidentemente que este outro representante não estará obrigado a denunciar, podendo invocar, justificando sua recusa, a independência funcional inerente ao exercício das suas atividades (art. 127, § 1o. da Constituição Federal). E não se diga que este outro Promotor de Justiça deverá fazê-lo como uma longa manus do órgão superior (agindo por delegação), pois isto representaria uma verdadeira e absoluta violência à consciência jurídica do profissional.

            "Art. 30. A ação de iniciativa privada caberá ao ofendido, ou a quem tenha qualidade para representá-lo, ou às entidades legitimadas por lei à defesa de direitos difusos ou coletivos, quando se trate de ação penal que os envolva", como, por exemplo, as entidades e associações referidas no art. 82, III e IV da Lei n.º 8.078/90.

            O art. 46 continua estabelecendo o prazo de cinco dias "para oferecimento da denúncia, ou promoção de arquivamento, estando o indiciado preso", "contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito, ou de sua complementação, e de quinze dias, se estiver solto ou afiançado."

            "§ 1º Quando o Ministério Público dispensar a investigação, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informação ou a representação", o que indica que o Inquérito Policial continua sendo peça dispensável.

            ..................................................

            "§ 3o Descumprido qualquer dos prazos estabelecidos neste artigo:

            I - os autos poderão ser requisitados pelo órgão superior do Ministério Público, de ofício, ou a pedido do ofendido, do investigado, ou do indiciado;

            II - o ofendido poderá proceder na forma do disposto no art. 29", ou seja, oferecendo queixa subsidiária (ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública – art. 5o., LIX, Constituição Federal).


Notas

            1. Inquérito Policial - Dinâmica, São Paulo: Saraiva, 1992, p. 03.

            2; Sistema Acusatório, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 153.

            3. Trattato di Procedura Penale Italiana, Torino: Fratelli Bocca, vol. I, 1914, p. 316.

            4. Procédure Pénale, Paris: Presses Universitaires de France, 1957, p. 57.

            5. Processo Penal Brasileiro, Porto Alegre: Globo, vol. I, 1942, p. 110.

            6. Conferir o texto sobre a investigação policial presidida pelo Ministério Público.

            7. Observar quanto aos advogados, o disposto no art. 7º., XIV, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei n.º 8.906/94.

            8. Para Hélio Tornaghi, "em relação ao indiciado, não há necessidade de qualquer ato declaratório ou constitutivo dessa qualidade; ela decorre das circunstâncias. Não é indiciado quem foi qualificado e identificado pelo processo datiloscópico, mas, ao reverso, pode ser feita a identificação de quem é indiciado". (apud Afrânio Silva Jardim, Direito Processual Penal, 7ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 178).

            9. A respeito do reconhecimento do acusado, veja-se a disposição contida no art. 55 da nova lei de tóxicos (Lei nº. 10.409/02).

            10. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos firmado em Nova York, em 19 de dezembro de 1966 e promulgado pelo Governo brasileiro através do Decreto nº. 592/92 e Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, promulgado entre nós pelo Decreto nº. 678/92.

            11. Fernando da Costa Tourinho Filho assim o entende, sob o argumento de que o inquérito policial é uma peça eminentemente inquisitiva e inquisitio sine coercitione nulla est (ob. cit., p. 247).

            12. Giuseppe Bettiol, Direito Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. III, 1976, p. 46.

            13. Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 8ª. ed., São Paulo: Saraiva, vol. I, 1991, p. 387.

            14. A propósito, leia-se o nosso artigo que analisa o projeto de lei sobre provas.

            15. In www.direitocriminal.com.br, 29/01/2001

            16. Leia-se a respeito artigos de Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró (Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 100, p. 9) e de Luiz Flávio Gomes (Revista Consulex, n. 99, p. 42).

            17. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2001, pp. 153/155.

            18. No âmbito do Ministério Público Federal há as Câmaras de Coordenação e Revisão com atribuição para, dentre outras funções, "manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral." (art. 62, IV da Lei Complementar n. 75/93).

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Inquérito policial.: Comentários acerca do Projeto de Lei nº 4.209/01. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2959. Acesso em: 18 abr. 2024.

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