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Tutelas jurisdicionais de urgência: uma sucinta análise

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4. A tutela cautelar

Inicialmente, cumpre trazer à baila a lição de Bedaque (2001, p. 119) no que tange a esta espécie de tutela jurisdicional de urgência, utilizada em larga escala no ordenamento jurídico pátrio: “a necessidade da tutela cautelar está ligada a uma normal disfunção do processo, incapaz de dar solução imediata aos problemas de direito material. Representa, na verdade, antídoto contra a demora para entrega da tutela jurisdicional”.

Por ser um meio utilizado para se corrigir as mazelas do direito processual no que se refere à duração da tramitação dos processos, pode-se afirmar que o objetivo da tutela cautelar,

[...] está limitado a assegurar a eficácia e a utilidade do resultado buscado pelas demais tutelas, cognitivas ou satisfativas. A demora para sua obtenção pode comprometer a efetividade que delas se espera no plano jurídico-material. Surge a necessidade de providências de natureza assecuratória, voltadas a garantir os resultados a serem produzidos ulteriormente. (BEDAQUE, 2001, p. 119). 

Insta salientar, consoante Câmara (2006), que a tutela cautelar é uma modalidade de tutela jurisdicional que é prestada através do processo cautelar, consistente em assegurar a efetividade de um provimento a ser produzido em outro processo, dito principal. Esta espécie de tutela não satisfaz o direito substancial, mas apenas garante que o mesmo possa ser realizado em momento posterior, permitindo, assim, uma forma de tutela jurisdicional mediata.

O Código de Processo Civil reservou um livro inteiro (Livro III, artigos 796 a 889) para tratar do processo cautelar, no bojo do qual são concedidas medidas cautelares antecedentes / preparatórias ou incidentes ao processo principal, com uma relação de instrumentalidade com este segundo processo, sendo patente em doutrina a afirmação de que o processo cautelar seria “instrumento do instrumento” [5], eis que se apresenta como mecanismo de realização de outro processo, sendo este, por sua vez, instrumento de realização do direito material.

Theodoro Júnior (2007, p. 57) assevera que a tutela cautelar é “espécie de tutela jurisdicional de urgência que apenas preserva a utilidade e eficiência do futuro e eventual provimento”.

Na mesma esteira, Arruda Alvim (2002, p. 268) ao afirmar que “a razão de ser da cautelaridade corresponde à função de tornar possível a plena eficácia do pronunciamento jurisdicional pleiteado ou a não frustração da execução”.

E ainda, Reis Friede (1995) que diz ser o objetivo precípuo da cautelar assegurar a plena efetividade do pronunciamento judicial (decisão) de caráter meritório a ser oportunamente proferido.

Para a concessão da tutela cautelar, é imprescindível o preenchimento de certos requisitos pela parte requerente, sob pena de não se alcançar referida tutela; para Adroaldo Furtado Fabrício (1996, p. 14), “é necessário que exista algo passível de proteção provável (fumus boni iuris), que demande medida urgente para afastar algum perigo, incompatível com o tempo necessário para que a tutela seja concedida definitivamente (periculum in mora)”.

Uma característica da tutela cautelar é a que diz respeito a sua condição de não ser satisfativa do direito substancial pleiteado pela parte, o que a difere da tutela antecipatória acima apresentada, dizendo Marinoni (2002, p. 126) que “é imprescindível que a tutela não satisfaça o direito material para que possa adquirir o perfil de cautelar”.

Para o referido autor,

[...] a tutela cautelar não pode antecipar a tutela de conhecimento. De fato, como já disse Armelin, uma das formas de distorção do uso da tutela cautelar verifica-se sempre que se dá ao resultado de uma prestação de tutela jurisdicional cautelar uma satisfatividade que não pode ter. (MARINONI, 2002, p. 126).

Ovídio Batista da Silva (1986) ao se referir à lição de Cristofolini, lembra que este processualista mostrou que as provisionais, ao anteciparem a eficácia do provimento final de acolhimento da demanda, em verdade realizam plenamente o direito posto em causa, ainda que sob forma provisória, ao passo que as medidas propriamente cautelares – enquanto tutela apenas de segurança – limitam-se a “assegurar a possibilidade de realização”, para o caso de vir a sentença final a reconhecer a procedência da pretensão assegurada.

Nas lições de Marinoni (2002, p. 127),

[...] a tutela cautelar visa assegurar a viabilidade da realização do direito. Assim, se afirmarmos que a tutela cautelar pode realizar o próprio direito, estaremos incidindo em contradição, pois uma vez realizado o direito material nada mais resta para ser assegurado. Ou seja, quando o direito material é satisfeito nada é assegurado e nenhuma função cautelar é cumprida. (Grifo nosso).

Antes da introdução em nosso ordenamento jurídico da antecipação de tutela em caráter geral, feita pela lei 8.952 de 1994, havia na ordem processual brasileira uma grande utilização do processo cautelar como forma de se buscar medidas preventivas do direito da parte, chamadas pela doutrina de “ações cautelares satisfativas”, o que corrompia de maneira veemente com o sentido teleológico desta espécie de tutela de urgência, conforme visto acima.

A utilização leviana do instituto da tutela cautelar, como forma de satisfazer a pretensão de direito material deduzida em juízo, teve no ordenamento processual italiano a sua fonte de inspiração, no clássico caso Barzizza X Vanucci (encontrado de forma iterativa em doutrina).

No direito brasileiro o fundamento seria o poder geral de cautela do juiz, previsto no artigo 798 [6] do Código de Processo Civil, pelo qual o juiz tem a faculdade de deferir medidas que sejam acautelatórias do direito material da parte, ou seja, medidas que visam a garantir que o direito pleiteado não seja lesado pela parte contrária.

Reis Friede (1995, p. 170) preconiza que:

[...] na tutela cautelar é importante observar que há sempre um aspecto de referibilidade processual (e não propriamente material, comum nas tutelas cognitivas) a um direito efetivo que se deseja, a seu tempo, ver referendado no processo principal. (Grifo nosso). [7]

Há uma enorme divergência doutrinária quanto à característica de a tutela cautelar ser temporária ou provisória, sendo posição dominante a que adota a provisoriedade como um de seus aspectos.

Neste sentido, de grande valia a lição de Bedaque (2001, p. 125), nos seguintes termos:

Na verdade, o provimento cautelar, embora possa ter características cognitivas ou executivas, será sempre e necessariamente provisório, ou seja, interino. Jamais assume caráter definitivo. Os efeitos da tutela cautelar estão limitados no tempo, invariavelmente.

É não só temporário, como também provisório, isto é, sobrevive somente até a emissão do provimento definitivo, de cognição ou de execução. Temporário significa de duração limitada no tempo, enquanto provisório implica interinidade, ou seja, duração até a superveniência de evento sucessivo.

Nessa medida, assim que a tutela definitiva é prestada, cessa a eficácia da cautelar, dado o seu caráter provisório ou interino. Provisoriedade se opõe, portanto, a definitividade. (Grifos nossos).

Com os argumentos acima expendidos, pode-se inferir que esta modalidade de tutela jurisdicional de urgência tem por escopo assegurar a viabilidade, em matéria de eficácia e utilidade, de um ulterior provimento jurisdicional (cognitivo ou executivo), não podendo ser confundida com as demais tutelas de caráter emergencial, a saber, a tutela antecipatória e a tutela inibitória, eis que não visa a satisfazer, de imediato, a pretensão resistida.


5. Considerações Finais

O decurso de uma demanda que se leva ao conhecimento do Poder Judiciário não deve ser extremamente morosa ao extremo de, ao final do processo cognitivo, quando a possível solução a ser dada à lide for apresentada, a posição jurídica de vantagem do autor (ou do réu, inclusive) consubstanciada em seu direito subjetivo, já tiver se esvaecido. Tal situação contribui para o descrédito nos órgãos judiciários e para o aviltamento da justiça.

Quando um cidadão busca a proteção do Estado para o resguardo de seus direitos, espera que a mesma lhe seja concedida de forma célere, eficaz e efetiva; neste campo é que se inserem as tutelas jurisdicionais de urgência estudadas neste artigo, a saber, as tutelas antecipatória ou antecipada, cautelar e inibitória.

Devido ao fato de serem espécies do mesmo gênero de tutelas jurisdicionais, estas técnicas têm pontos em comum, e até similares no que se refere aos seus requisitos, sobretudo no fato de terem por finalidade proteger uma situação jurídica contra um risco iminente de dano de reparação dificultosa.

Infere-se, pois, que o ponto em comum entre as sobreditas tutelas jurisdicionais é a busca plena pela efetividade processual, visto que o processo não é um fim em si mesmo, senão um meio instrumental posto à disposição dos jurisdicionados para a resolução de seus conflitos de interesse.

Assim, é de grande utilidade a existência de técnicas processuais que possibilitem o resguardo imediato de uma posição jurídica da parte que pode sofrer graves danos caso fique à mercê do problema estrutural dos serviços judiciários, o qual, na maioria das vezes, é creditado à morosidade burocrática da legislação processual.


6. Referências Bibliográficas

ALVIM, Arruda. Direito Processual Civil - Coleção Estudos e Pareceres II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

ASSIS, Araken de. Fungibilidade das medidas inominadas cautelares e satisfativas. Revista de Processo nº. 100, 2002.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (Tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 2001.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Colaboradores: Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, 1 v; 2 v.

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lineamentos da Nova Reforma do CPC. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro:Forense, 2007, 1 v.


Notas

[1] No mesmo sentido: WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALMEIDA, Flávio Renato Correia. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, vol. 1, 8ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 308.

[2] Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

§ 1º. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

§ 2º. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

§ 3º. A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588.461, §§ 4º e 5º, e 461-A.

§ 4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 5º. Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.

§ 6º. A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

§ 7º. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.  (BRASIL. Lei 5.869 de 11 de janeiro de1973. Institui o Código de Processo Civil).

[3] Art. 4º. Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (BRASIL, Lei 7.347 de 24 de julho de 1985)

[4] (BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de19990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Art. 81, parágrafo único, II).

[5] Neste sentido, CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, - Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, 3 v, p. 3. CALAMANDREI, Piero. Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari, in Opere Giuridiche, vol. IX, Nápoles: Morano, 1983, p. 176.

[6] Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinas as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave ou de difícil reparação. (BRASIL. Lei 5.869 de 11 de janeiro de1973. Institui o Código de Processo Civil).

[7] No mesmo sentido, Marinoni, Luiz Guilherme. A Antecipação de Tutela. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 124.

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Sobre o autor
Walace Heleno Miranda de Alvarenga

Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais<br>Advogado Inscrito na OAB/MG n°. 125.438 (não-exercício por posse em cargo público)<br>Professor dos Cursos de Direito, Administração e Ciências Contábeis do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais - UNILESTE/MG<br>Especialista em Direito Processual Aplicado - PUC/MG<br>Especialista em Advocacia Trabalhista - UNIDERP/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARENGA, Walace Heleno Miranda. Tutelas jurisdicionais de urgência: uma sucinta análise. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4105, 27 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29692. Acesso em: 22 dez. 2024.

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