O vocábulo princípio emana do latim principium, pincipii, significando "aquilo que se toma por primeiro". Sugere, pois, início, começo, fonte, alicerce, base, ponto de partida. No plano jurídico, sem se descurar totalmente de seu sentido etimológico, os princípios consistem em enunciados fundamentais que condicionam e dão estrutura ao sistema, porquanto lhe conferem unidade e coerência.
Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira observa que "os sistemas jurídicos, em suas dimensões (macrossistemas, subsistemas, microssistemas) são informados por princípios que descrevem, em enunciados gerais, o fundamento e a razão de ser do sistema." [1]
Percebe-se, desta feita, a relevância ímpar dos princípios para o Direito. São eles autênticos vetores, linhas-diretivas, regras-mestras que orientam o intérprete em sua atividade hermenêutica, ceifando eventuais antagonismos entre as normas jurídicas. Servem, ainda, como importante instrumento na materialização de uma orientação sensata, eficaz e útil à sociedade por ocasião da subsunção do fato à lei.
Por este prisma, o denominado Direito Ambiental não decepciona. Apesar de novo, apresenta principiologia bem definida e já consolidada por abalizada doutrina. Destacam-se os seguintes: princípio da supremacia do bem ambiental, princípio do desenvolvimento sustentável, princípio do poluidor-pagador, princípio da função social e ambiental da propriedade, princípio da cooperação internacional etc. Dentre esses, o princípio do desenvolvimento sustentável ocupa posição de predominância, mormente porque irá, numa escala axiológica, influenciar, complementar e orientar os demais, viabilizando o trato correto, seguro e adequado à temática ambiental.
Em linhas gerais, o princípio do desenvolvimento sustentável colima compatibilizar a atuação da economia com a preservação do equilíbrio ecológico. Nessa perspectiva, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento definiu o desenvolvimento sustentável como "aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades."
Referido princípio encontra-se previsto, implicitamente, no artigo 225, caput, da Constituição Federal. Sua formalização expressa, porém, decorre do Princípio nº 4, insculpido na Declaração da RIO/92, que contém a seguinte dicção: "Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele".
Infere-se, portanto, que seu escopo é equalizar, conciliar, encontrar um ponto de equilíbrio entre atividade econômica e uso adequado, racional e responsável dos recursos naturais, respeitando-os e preservando-os para a gerações atuais e subseqüentes.
O princípio do desenvolvimento sustentável, valendo-se da expressão cunhada por Paulo Roberto Pereira de Souza, representa o grande "desafio" da humanidade neste início de Século. [2]
Como se sabe, a atividade econômica pauta-se pela conjugação do binômio "maximização de lucros – minimização de custos", sendo que tudo o mais que perpassa pelo processo produtivo é rotulado como externalidade, [3] conforme linguagem própria desse ramo.
Assim, a grande divergência entre economia e meio ambiente consiste no fato de que a natureza é estruturada em eventos cíclicos, ao passo que a economia em comportamentos lineares. Enquanto no meio ambiente um determinado comportamento humano pode gerar um impacto ambiental, seguindo-se-lhe um efeito em cascata passível de afetar o próprio ser humano, ante a interdependência e interconexão dos seres e elementos que compõem o globo terrestre; na economia o que importa é a lei da oferta e da procura, a busca de novos mercados. Enfim, o lucro, mesmo que à custa de danos ao meio ambiente, considerados, invariavelmente, como externalidades na visão do empresário desavisado e descompromissado socialmente.
É da colisão destes segmentos que se afiguram inúmeros danos ao meio ambiente, colocando em risco o equilíbrio ecológico e a sobrevivência das espécies no planeta, inclusive da humana. Por exemplo, na ânsia de reduzir custos e ampliar as margens de lucros, o homem, em sua atividade agrícola, tem procedido ao uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes, contaminando com isso os lençóis freáticos, fonte principal de água doce do planeta. Ainda nesta seara, o desrespeito às normas legais que impõem a obrigatoriedade das reservas florestais e das matas ciliares, seja por comodidade, seja para ampliar o espectro de "produção", tem contribuído significativamente para o assoreamento de rios e erosão do solo, o que também colabora e em muito para o desequilíbrio ecológico.
Esse modelo predatório, inconseqüente e egoísta não deve remanescer. Além de não mais encontrar alicerce no plano jurídico universal hodierno, haja vista a principiologia encartada nas Declarações da ONU sobre meio ambiente, tampouco se vê legitimado no plano empírico, especialmente porque a cada dia que passa a natureza evidencia mais sinais de esgotamento, exigindo mudanças comportamentais por parte do homem.
De se ressaltar que nossa Carta Magna, ao adotar o modelo econômico de produção capitalista, em seu artigo 170, traz em si diretriz que não autoriza o profissional do setor produtivo a se eximir de seu compromisso social, inclusive ambiental. O texto constitucional é claro e não permite evasivas: "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social", observando-se, dentre outros princípios, "a defesa do meio ambiente".
Dessa forma, não é consentido ao empresário atuar de maneira aleatória e indiferente em relação aos bens ambientais. Deve, ao revés, em atitude ética e socialmente responsável, internalizar no processo produtivo todos os custos, inclusive ambientais, empregando os avanços tecnológicos a serviço da sociedade, mas em harmonia com o meio ambiente. Deve evitar e prevenir condutas lesivas ao meio ambiente, como também empregar mecanismos eficazes na restauração de eventuais danos ambientais.
Exemplo pertinente de aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável pode ser encontrado no manejo florestal,nas atividades de reciclagem, na produção de energia limpa, como aquelas obtidas a partir da luz solar ou dos ventos, dentre outras.
Não se trata, portanto, de cercear a atividade econômica que tem como meta a satisfação das necessidades e aspirações humanas. Reconhece-se que no mundo contemporâneo milhares de pessoas ainda sofrem de males primários, como fome e analfabetismo, vindo, por vezes, a óbito quando lhes são negados o acesso à infra-estrutura básica na área da saúde. Muito ainda há a ser feito de forma a plasmar a dignidade do ser humano que se arvora no limiar do Século XXI, não sendo concebível o sobrestamento de novas tecnologias, ou a estagnação no desenvolvimento de uma sociedade estruturada em economia de mercado.
No entanto, esse "desenvolvimento" há de ser "sustentável", vale dizer, deve ser implementado mediante uma visão holística e sistêmica, inserida no complexo indissociável que une homem e natureza, concretizando entre ambos um convívio sóbrio e saudável, ecologicamente equilibrado, propiciando ao homem de hoje e ao de amanhã, uma sadia qualidade de vida.
Notas
1. FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Direito Ambiental: Por uma principiologia para o Terceiro Milênio. Revista Jurídica, Tupã, v. 1, n.1, p. 143-150, 1998.
2. SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. O Direito Brasileiro, a Prevenção de Passivo Ambiental e seus Efeitos no Mercosul. Scientia Juris, Londrina, v. 1, n.1, p. 117-151, jul./dez. 1997.
3. Para Luiz Antônio Abdalla de Moura "em economia, o conceito de externalidade refere-se à ação que um determinado sistema de produção causa em outros sistemas externos. Trata-se de um conceito desenvolvido pelo economista inglês Pigou em 1920, que estabeleceu que existe uma externalidade quando a produção de uma empresa (ou um consumo individual) afeta o processo produtivo ou um padrão de vida de outras empresas ou pessoas, na ausência de uma transação comercial entre elas. Normalmente esses efeitos não são avaliados em termos de preços. Um exemplo disso é a poluição causada por uma determinada indústria." MOURA, Luiz Antônio Abdalla de. Economia Ambiental. Gestão de Custos e Investimentos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 5.