Artigo Destaque dos editores

A atuação constitucional dos tribunais de contas e de seus magistrados (composição, atuação e deliberações): de Eisenhower a Zé Geraldo:

A natureza jurídica da proposta de decisão e do cargo de auditor (ministro ou conselheiro substituto)

Exibindo página 2 de 5
Leia nesta página:

3. A Magistratura de Contas: os Ministros, os Conselheiros e os Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos)

Sendo os Tribunais de Contas instituições voltadas para a proteção da República, dos cidadãos e da sociedade, mister compreender as funções exercidas por seus principais agentes, já que são eles que permitem a realização dos objetivos institucionais. Os membros dos Tribunais de Contas são os Ministros e os Auditores, no caso do Tribunal de Contas da União - TCU, e os Conselheiros e os Auditores nos demais Tribunais de Contas brasileiros.

Os Ministros e os Conselheiros, indicados nos termos do art. 73, §2°, da CR/88, podem vir a ocupar cargos de direção administrativa nos Tribunais de Contas, cabendo-lhes, ainda, participar das sessões de julgamento, no exercício das competências constitucionais  incumbidas aos Tribunais de Contas.

Embora a CR/88 não haja determinado a extensão dos mesmos direitos dos Magistrados aos membros dos Tribunais de Contas, na dicção literal do artigo 73, §§ 3º e 4º, tanto os Ministros quanto os Conselheiros e Auditores são considerados pelo Supremo Tribunal Federal, intérprete maior da nossa Constituição, como “membros de tribunal”, em tudo, pois, regidos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979). Com efeito, devem eles possuir as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens de membros do Poder Judiciário, de modo a assegurar o livre, independente e altivo exercício de suas funções, em prol do interesse público e em defesa do erário, livres de quaisquer influências e pressões de ordem política, econômica ou funcional.

Essa compreensão e interpretação, como adiante veremos, tem encontrado ampla guarida pelos próprios membros do Poder Judiciário, em lapidares e esclarecedoras decisões, tanto da Suprema Corte, quanto do Superior Tribunal de Justiça, quanto ainda de Tribunais de Justiça Estadual que, surpreendentemente, fazem uma leitura do texto constitucional mais consentânea com a mens legis do Constituinte do que alguns estudiosos de Tribunais de Contas que, arraigados a posições excessivamente conservadoras e a argumentos de poder e submissão funcional, defendem que apenas Conselheiros indicados é que teriam o status de magistrados, cabendo apenas a eles, em alguns casos indicados por critérios exclusivamente políticos, decidirem e votar as matérias sujeitas aos Tribunais de Contas.

Não é o que têm decidido os tribunais judiciais do país, como adiante veremos. Tais sodalícios compreendem que as Cortes de Contas são compostas por Magistrados especializados nas matérias contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos entes federados e das entidades da administração direta e indireta, sendo assim compreendidos os Ministros, Conselheiros e Auditores (Ministros Substitutos e Conselheiros Substitutos) dos Tribunais de Contas, doravante designados por Magistrados de Contas.

Qualquer interpretação visando a mitigar o alcance das “atribuições da judicatura” não possui supedâneo constitucional, tornando-se suscetível ao controle de constitucionalidade concentrado a ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal, por visar tão somente ao estabelecimento de uma odiosa discriminação, calcada em preconceitos inconfessáveis contra os Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) selecionados de forma impessoal, isonômica e meritória em dificílimos processos seletivos públicos acessíveis a qualquer cidadão que preencha os requisitos constitucionais preconizados pelo constituinte.

Tal mister encontra-se insculpido em norma constitucional proeminente (§4º do art. 73 da CR/88) e densificado, mesmo quando não estão em eventual substituição a Ministros e Conselheiros, nas atribuições da judicatura consistentes  naquelas previstas, entre outras, nos artigos 125 a 133 do Código de Processo Civil brasileiro, aplicável, mutatis mutandis, aos Tribunais de Contas os quais, pela necessidade de se fixar seu conteúdo e divulgar seu alcance, transcrevem-se ipsis litteris:

CAPÍTULO IVDO JUIZ

Seção IDos Poderes, dos Deveres e da responsabilidade do Juiz

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

II - velar pela rápida solução do litígio;

III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;

IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

Art. 127. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.

Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.

Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. (Redação dada pela Lei nº 8.637, de 31.3.1993)

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. (Incluído pela Lei nº 8.637, de 31.3.1993)

Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias. (Grifos nossos).

Sobreleva notar que a expressão Auditor dos Tribunais de Contas, presente no texto constitucional, é uma referência para salientar o fato de que, hodiernamente, existem várias categorias profissionais, não realçadas no texto constitucional, exercendo atividades nas mais variadas áreas do conhecimento, tais como vigilância sanitária, agropecuária, ambiental, veterinária, tributária, saúde, contábil, dentre outras.

Quis o Constituinte distinguir o Auditor magistrado, posto que a única vez que a Constituição de 1988 se referiu à palavra Auditor foi no tocante ao Tribunal de Contas. Eis o porquê da expressão Auditor, no texto constitucional, relativo aos Tribunais de Contas, referindo-se, portanto, a um cargo vitalício de magistrado especializado nas matérias contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e equiparado, constitucionalmente, aos membros do Poder Judiciário em garantias, impedimentos e atribuições, nos termos do art. 73, § 4º, da Constituição da República, regidos pela Lei Orgânica da Magistratura por analogia e em compatibilidade teleológica aos juízes de Tribunais.

Tal construção foi alvo de intensos debates na Constituinte de 1988, como nos rememora, em seu magistral artigo, Cláudio Canha[22], ao nos revelar a justificação da primeira emenda ao texto do Primeiro Substitutivo da Comissão de Sistematização da Constituinte de 1988 (volumes 236 a 239),  in verbis:

Justificação. Os auditores são juízes permanentes do Tribunal de Contas que têm por missão relatar os processos que são distribuídos entre eles e os Ministros titulares.

Mesmo quando não estão substituindo os Ministros, estão ao lado deles relatando e fazendo propostas de decisões que constituem inequivocamente atos de judicatura.

Por isso é necessário que mesmo nessa situação e, especialmente nelas, estejam protegidos pelas garantias tradicionais da magistratura. Se quando substituem são equiparados aos Ministros, quando executam as atribuições da sua judicatura, sem substituírem, devem, por hierarquia, ser equiparados aos juízes dos Tribunais regionais Federais.

Desse modo, funções diuturnas inerentes às suas atividades são participar efetivamente de julgamentos, presidindo a instrução de processos e proferindo decisões, inclusive interlocutórias, e despachos nos autos de todos os processos de competência dos Tribunais de Contas, de todas as naturezas, originariamente distribuídos a sua Relatoria.

Portanto, exsurge do texto constitucional, sem extremes de dúvidas, a natureza judicante das atribuições dos Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) no exercício da atividade-fim das Cortes de Contas perante as quais atuam, no exercício, inclusive da competência prevista no art. 71, II, da Constituição da República.

Corrobora o que se afirma a lição de  Ricardo Lobo Torres[23], ao aduzir comentário acerca do Tribunal de Contas da União, a qual se irradia simetricamente para todos os Tribunais de Contas do país, nos termos do art. 75 da Constituição da República de 1988,  de que ao Auditor compete, permanentemente, presidir a instrução dos processos e elaborar o relatório com a proposta de decisão.

Veja-se que o nomen juris “Proposta de Decisão” não define sua natureza jurídica, posto que a decisão proposta por Ministro, Conselheiro ou Auditor será sempre colegiada, cabendo-se, pois, discutir o que faremos em tópico adiante, qual a natureza jurídica da referida “proposta”: parecer, decisão monocrática, decisão de mérito ou outra.

Pode um magistrado ser impedido de exercer o seu mais consectário mister, qual seja, o de decidir?

Parece-nos absurda essa hipótese, notadamente ao se explorar os fundamentos do  magistério jurisprudencial de Ayres Brito, em voto na ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade) n. 1994-ES[24], ao referendar o aprovação do voto do Ministro Relator Eros Grau, que declarou a inconstitucionalidade de norma da Constituição do Estado do Espírito Santo que suprimira o cargo de Auditor dos Tribunais de Contas, in verbis:

Senhora presidente, louvando muito o voto bem-elaborado, inclusive agudamente percebeu que entre as inconstitucionalidades das normas impugnadas está a usurpação de iniciativa de lei privativa dos tribunais de contas, pela remissão que a Constituição faz ao art. 96, prevendo que aos tribunais cabem poderes, mutatis mutandis, que são próprios dos tribunais judiciários. E, realmente, a Constituição Federal faz do cargo de auditor um cargo de existência necessária, porque, quando ela se refere formalmente a um cargo, está dizendo que faz parte, necessariamente, da ossatura do Estado, e só por efeito de emenda à Constituição – e olhe lá – é que essa matéria poderia ser modificada. De outra parte, auditor ainda tem uma particularidade: é regrado pela Constituição como um elemento de composição do próprio Tribunal; [...] O fato é que o art. 75 deixa claro que o modelo de composição, exercício e fiscalização que adota a Constituição Federal é impositivo para os demais entes federativos. (Grifos nossos)

No mesmo sentido é a lição de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[25], ao  elencar a forma de atuação dos Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) dividindo-a no que denomina ordinárias e extraordinárias. É forçoso ressaltar, porém, que a função denominada por Jacoby de extraordinária é, não obstante, compulsória e corriqueira, fazendo parte da normalidade institucional das Cortes de Contas, sendo exemplo disso o fato de que os Auditores do Egrégio Tribunal de Contas da União e em vários Estados da Federação, além das Câmaras, têm assento permanente no Tribunal Pleno dos referidos órgãos.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ressalta Jacoby Fernandes[26] que a própria Constituição da República dispõe, em seu art. 73, § 4º, que “o auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de Juiz de Tribunal Regional Federal.” Para Jacoby, “o constituinte foi muito criterioso ao definir as atribuições ordinárias do auditor, qualificando-as, não sem motivo, de ‘judicatura’, dada a feição judicialiforme do julgamento das contas.”

Adiante, enfatiza Jacoby[27] que “esse argumento reforça o fato dos ministros e conselheiros, e do próprio Tribunal de Contas, exercerem funções jurisdicionais e outras funções. Já os auditores, voltados precipuamente para as funções de contas, têm atribuições ordinárias de judicatura, isto é, próprias de juiz, do exercício da magistratura.”, sendo isso necessário para que, conforme já destacara Rui Barbosa[28], fosse cessada a dilapidação do erário que ocorria: “[...] enquanto não erguemos a sentinela dessa magistratura especial, envolta nas maiores garantias de honorabilidade, ao pé de cada abuso, de cada gérmen ou possibilidade eventual dele.”

Jacoby[29] ainda traz a observação de que o cargo de Auditor, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal[30], é provido, necessariamente, por concurso público, sendo que a substituição exercida pelos Auditores em relação aos Conselheiros dos Tribunais de Contas é norma cogente, constituindo atividade privativa dos Auditores, conforme acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios[31].

Visando às próprias e intrínsecas peculiaridades da função por eles exercida, a própria palavra Auditor, utilizada para designar o cargo, foi objeto de Lei ordinária federal que equiparou o referido vocábulo a Ministro Substituto. Veja-se o conteúdo do art. 3º da Lei 12.811, 16 de maio de 2013, o qual transcrevemos ipsis litteris:

Art. 3o Os titulares do cargo de Auditor de que trata o § 4º do art. 73 da Constituição Federal, os quais, nos termos do texto constitucional, substituem os Ministros e exercem as demais atribuições da judicatura, presidindo processos e relatando-os com proposta de decisão, segundo o que dispõe o parágrafo único do art. 78 da Lei no 8.443, de 16 de julho de 1992, também serão denominados Ministros-Substitutos.

Tal mudança iniciou-se por deliberação do Senado Federal[32] sobre o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados (PLC) n. 168/10, tendo-se em vista que a acepção do vocábulo auditar, pelo senso comum, é diferente da função precipuamente desempenhada pelos Ministros Substitutos e Conselheiros Substitutos, que é a de exercer as atribuições da judicatura. O vocábulo judicatura, ressalte-se, está em consonância com a atividade de julgamento, nos termos do art. 71, II, da Constituição da República. Veja-se resumo da deliberação do Senado Federal que expôs as razões para as mudanças introduzidas pela  Lei 12.811/2013, acima destacada, in verbis:

COMISSÕES / CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA - 09/11/2011 - 14h21

Aprovada criação de dois cargos para TCU 

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou em decisão terminativa, nesta quarta-feira (9), projeto de lei da Câmara (PLC 168/10) que cria dois cargos em comissão para o gabinete do quarto Auditor do Tribunal de Contas da União (TCU): um de oficial de gabinete e outro de assistente.

A medida se justificaria - conforme argumentou o relator, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), no parecer favorável ao projeto [...].

Se a criação dessas duas funções não gerou dúvidas, o mesmo não se deu com a emenda do relator alterando a denominação do cargo de Auditor do TCU para Ministro-Substituto. Segundo explicou Vital do Rêgo no parecer, o Auditor do TCU tem a missão constitucional de substituir os ministros da Corte, presidindo processos e relatando-os com proposta de decisão.

"Os Auditores (Ministros-Substitutos) exercem a judicatura com autonomia e independência, presidem a instrução de processos, relatam processos de controle externo perante as Câmaras e o Plenário do TCU e decidem monocraticamente, são nomeados pelo Presidente da República, devem preencher os mesmos requisitos dos Ministros para a assunção dos cargos, são regidos pela Lei Orgânica da Magistratura, substituem os Ministros e; quando não estão em substituição, exercem a judicatura com as mesmas prerrogativas dos desembargadores federais", detalhou ainda o relator.

Questionamento em relação à emenda foi apresentado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), em dúvida sobre o impacto da mudança de denominação sobre as funções do TCU e o interesse público. Ao ser informado que o objetivo da alteração era distinguir o magistrado responsável pela relatoria dos processos (Auditor/Ministro Substituto) dos demais servidores do TCU responsáveis pela execução de auditorias, não levando a aumento de despesas, Aloysio Nunes decidiu votar favorável ao PLC 168/10.

Também se manifestaram a favor da proposta os senadores pelo PMDB Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL); Humberto Costa (PT-PE); Gim Argello (PTB-DF) e Pedro Taques (PDT-MT).

Se não houver recurso para votação em Plenário, a matéria voltará a ser examinada pela Câmara dos Deputados, já que sofreu alteração no Senado. (Grifos nossos).

Igualmente, no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, a recente Lei Complementar Estadual n. 133/2014 trouxe, simetricamente, sem qualquer aumento de despesa pública, a consentânea e nova designação dos cargos de Auditores do Tribunal de Contas.

Outro aspecto digno de nota é a distinção entre o cargo de Auditor (Ministros e Conselheiros Substitutos) dos cargos dos servidores públicos, também denominados Auditores, responsáveis por executar procedimentos de auditoria nas diversas áreas do conhecimento humano.

Nesse sentido, os termos constitucionais distintivos dos  Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) dos Tribunais de Contas de outros agentes públicos são, com maestria, explorados por  Leonardo dos Santos Macieira[33], cuja riqueza da exposição justifica a transcrição de sua minuciosa abordagem doutrinária, in verbis:

Com extrema didática, o Exmo. Sr. Ministro do STF, o Dr. Octavio Gallotti, já em meados da década de 80 tinha perfeita clareza das atribuições do cargo de Auditor constitucional do Tribunal de Contas, assim se manifestando a respeito:

"O status dos Auditores dos Tribunais de Contas tem dado margem a muitas perplexidades, que começam com a impropriedade da denominação do cargo, ligada a uma tradição respeitável, mas totalmente divorciada do atual conceito de atividades de auditoria. Imprópria, por isso mesmo, para designar o servidor que tem normalmente assento no Plenário do Tribunal de Contas, com atribuições de relatar processos, formalizar propostas conclusivas e exercer plena jurisdição quando convocado para substituir Conselheiro ou Ministro [...]"

Com isso, nota-se que importa menos o nomem juris ou denominação do cargo e mais a sua natureza jurídica.

O raciocínio contrário também pode ser feito, à medida que cargos com nomem juris diferentes podem ter natureza jurídica semelhante, como é o caso do cargo de Ministro do TCU e o de Conselheiro dos TCE e TCM que, apesar de nomes diversos, tem a mesma natureza, mesmo pressuposto de fundamento e atribuições e competências análogas.

Ressalte-se que a plena atuação dos Ministros e Conselheiros Substitutos agrega sobremaneira legitimidade às decisões e fortalece a atuação das Egrégias Cortes de Contas, visto que a função de fiscalização in loco, tradicionalmente realizada por Analistas e Inspetores de Controle Externo, virá a ser sopesada e avaliada por aqueles que detém conhecimento técnico comprovado, de forma impessoal e com independência funcional, respondendo a todos os anseios sociais por um Tribunal de Contas mais, técnico, ético, transparente e efetivo.

Tal distinção, mais que um simples “rótulo” ou “perfumaria semântica”, como alguns detratores da boa técnica jurídica asseveram, serve ao esclarecimento da sociedade que, não raro, não reconhece os Tribunais de Contas como instituição idônea e confiável para ser depositária dos inúmeros reclamos da sociedade por qualidade nos serviços públicos.

Isto porque o cargo de Analista de Controle Externo, no Tribunal de Contas da União, é denominado de Auditor Federal de Controle Externo por força da Lei Federal nº 11.950, de 17 de junho de 2009, art. 4º, sendo essa denominação seguida, com variações, por alguns Tribunais de Contas brasileiros como Pernambuco e Rondônia. Entende-se que a denominação de Auditor Federal de Controle Externo é, com efeito, muito mais adequada, pois os referidos servidores públicos realizam auditorias e inspeções em contas públicas.

Já a nomenclatura mais adequada para os Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) é aquela que traduza suas elevadas funções da judicatura conferidas pelo Constituinte originário,  nos termos do art. 73, § 4º, da Constituição da República e previsto na Lei Federal n. 12.811/2013, acima citada. Sem que a nomenclatura corresponda às atribuições do cargo há perda da identidade entre a atividade e seu conhecimento pela sociedade, o que viola, por si só, o interesse público. A correspondência do cargo com a sua nomenclatura adequada constitui, assim, uma exigência democrática.

Mas uma mudança de nomenclatura é muito pouco. É preciso mais! É preciso dar máxima efetividade à Constituição para tornar os Tribunais de Contas efetivos e dignos da confiança que o Constituinte e seu inspirador maior, Ruy Barbosa, a eles confiou.

Nesse sentido, quanto às atribuições dos referidos cargos, leciona Leonardo dos Santos Macieira[34] que existe uma clara dicção constitucional insculpida na Constituição da República e refletida nas Constituições Estaduais, sem margem para a competência legislativa em nível infraconstitucional, tampouco no nível infralegal (por exemplo, através de Regimento Interno), de maneira que apenas o Poder Constituinte originário ou reformador e a Lei Complementar nacional  poderiam definir atribuições para o cargo de Auditor (Ministro e Conselheiro Substituto)  dos Tribunais de Contas, in verbis:

Assim, é juridicamente impossível a criação de novas atribuições para os Auditores ou a prática de atos administrativos que interfiram na independência, imparcialidade e autonomia exclusivamente por força de ato de nível apenas regimental, em face de a atribuição do referido cargo ser de matéria constitucional, regulada por lei complementar em obediência ao princípio da estrita reserva legal.

Conforme bem recorda Macieira[35], somente a lei em sentido estrito pode estabelecer atribuições de cargos públicos, mesmo assim com adstrição aos limites impostos pela Constituição, de maneira que as próprias legislações infraconstitucional e infralegal do Tribunal de Contas da União detalharam a Lei Maior, estabelecendo que as atribuições da judicatura seriam presidir a instrução processual e atuar como Relator mediante proposta de decisão a ser votada pelo Plenário e pelas Câmaras.

Macieira[36] ressalta, ainda, outro ponto merecedor de destaque, qual seja, de que não há subordinação ou vinculação entre o Auditor (Ministro e Conselheiro Substituto) e os demais membros dos Tribunais de Contas, in verbis:

Judicatura significa o mesmo que poder de julgar, função ou cargo de magistratura. Em decorrência do exercício de judicatura, sobrevêm as garantias constitucionais que asseguram a independência, autonomia e imparcialidade.

A respeito da imparcialidade e garantias do magistrado, o doutrinador Alexandre Freitas Câmara destaca o seguinte:

"Para se assegurar a imparcialidade do Estado, é preciso que haja imparcialidade do agente estatal que irá, no caso concreto, exercer a função jurisdicional. Assim, em primeiro lugar, cuida o ordenamento jurídico, através de norma jurídica hierarquicamente superior às demais, de estabelecer garantias para os magistrados, ou seja, a Constituição da República arrola uma série de garantias dos juízes, destinadas a assegurar que a atuação do magistrado se dê, no processo, de forma imparcial."

Isso quer dizer que, nos termos da Constituição Federal, no exercício das atribuições de judicatura, cada Auditor atua "sem subordinação jurídica, vinculando-se exclusivamente ao ordenamento jurídico", com o objetivo de "colocar-se acima dos poderes políticos e das massas que pretendem exercer pressão sobre suas decisões".

Conforme leciona o professor Humberto Theodoro Júnior, a atividade do juiz é "subordinada exclusivamente à lei, a cujo império se submete com penhor de imparcialidade".

Corroborando o lapidar entendimento, verifica-se a plena guarida da exegese constitucional, da simples leitura das razões trazidas em Medida Liminar concedida pela Desembargadora Marilza Maynard Salgado de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Sergipe, nos autos do Mandado de Segurança n. 2012107425[37], julgado em 30/10/2012, as quais se transcrevem ipsis litteris:

Trata-se de mandado de segurança impetrado pela Associação Nacional dos Auditores dos Tribunais de Contas do Brasil contra ato do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, com objetivo de, liminarmente, suspender a eficácia dos artigos 29, parágrafo único, e artigo 31, inciso II, do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 270/2011, que impingem ao Auditor atribuições não previstas na Carta Magna, na Constituição deste Estado e na Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (LOTCE).

Com efeito, aduz o impetrante que, ao excluir os Auditores de sua relatoria de contas, em detrimento das Constituições Federal e Estadual, e da Lei Orgânica, o TCE-SE desrespeitou o Princípio do Devido Processo Legal, e os que dele são corolários, como o do Juiz Natural, situação esta que reclama a atuação do Poder Judiciário.

[...] Sendo assim, forçoso admitir que a atribuição do Auditor, cargo classificado como sendo de provimento vitalício e cuja investidura depende de habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos, quando não está em substituição a Conselheiro, exerce a atribuição própria da judicatura de contas, qual seja, a de presidir a instrução processual dos feitos distribuídos, relatando-os perante os integrantes do Plenário ou da Câmara para a qual estiver designado.

[...] Significa isto dizer, portanto, que o Auditor, enquanto ocupe a função de magistrado da Corte de Contas, é cargo de dupla função judicante de contas: quando em substituição a Conselheiro, função extraordinária, goza de todas as prerrogativas e atribuições do titular, e enquanto não substitui Conselheiro, a interpretação que se abstrai da Constituição Federal (art. 73, §4° c/c art. 75), da Constituição de Sergipe (art. 71, §4°) e da Lei Orgânica do TCE-SE (art. 26, caput), é que o Auditor exerce sua função ordinária, a judicatura própria e independente, razão pela qual tem direito líquido e certo à distribuição processual, devendo exercer o seu mister constitucional de magistrado presidente da instrução.

[...] Assim, conclui-se que as atribuições do Auditor do TCE-SE, prescritas na nova redação dada aos artigos 29, parágrafo único e 31, inciso II, do Regimento Interno, pela Resolução n° 270/2011 - em especial, preparar "proposta de decisão" para avaliação pelo Conselheiro, que se concordar, a levará à apreciação da Câmara ou Pleno - não encontram respaldo na Constituição Federal (art. 73, §4° c/c art. 75), na Constituição de Sergipe (art. 71, §4°), e na Lei Complementar Estadual n° 205/2011 - Lei Orgânica do TCE-SE, a qual prevê este último diploma em seu art. 26, caput, como atribuição do Auditor não substituindo Conselheiro, o direito de presidir a instrução de processos que lhe sejam distribuídos pelo Tribunal, relatando-os diretamente perante os integrantes do Plenário ou da Câmara para a qual estiver designado, mister este exercido como função judicante.

[...]

Diante do exposto, concedo a medida liminar pleiteada, a fim de suspender a eficácia dos artigos 29, parágrafo único, e artigo 31, inciso II, do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 270/2011, ao tempo em que deve se providenciar a imediata distribuição de processos de contas aos Auditores, com toda equidade, mediante critérios impessoais de sorteio aplicáveis a todos os magistrados da Corte de Contas, para que possam presidir a sua instrução dos processos, relatando-os perante os integrantes do Plenário ou da Câmara para a qual estiver designado. [...] (Grifos nossos).

O próprio Supremo Tribunal Federal, em juízo mínimo de delibação, já examinou o tema no processo de Suspensão de Segurança n. 4005, tendo-a indeferido  e, assim, assegurado a medida judicial que determinava a distribuição de processos aos Auditores (Conselheiros Substitutos) do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, in verbis:

Trata-se de pedido de suspensão de segurança ajuizado pelo Estado do Ceará contra decisão formalizada pelo relator do Mandado de Segurança n.º 2009.0007.1576-4, em tramitação no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

Na origem, Fernando Antônio Costa Lima Uchoa Junior, Auditor do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM/CE), impetrou mandado de segurança contra dois atos do TCM, sendo um omissivo, por ausência de distribuição de processos ao impetrante, e outro comissivo, ante a formalização da Resolução n.º 6/2008, que alega ter criado novas atribuições aos auditores. Assevera que os atos atacados violam os arts. 73, § 4ª, e 75 da CF/88; os arts. 71, 73 e 79, § 4º, da Constituição estadual; bem como o art. 74, § 1º, da Lei Orgânica do TCM/CE (n.º 12.160/1993).

[...] A Constituição Federal e a Constituição Estadual atribuem função de judicatura aos auditores quando não estejam a substituir o Conselheiro da Corte de Contas. A Lei Orgânica do TCM/CE, por sua vez, estabelece atribuição expressa e específica para o cargo de auditor, ou seja, há estabelecimento por lei de atribuição de determinado cargo público.

Além disso, antes da alteração regimental discutida, o RI-TCM/CE reiterava a determinação legal. Após a entrada em vigor da Resolução n.º 6/2008, foi revogada a repetição da determinação legal, com o estabelecimento de novas atribuições. [...] (Grifos nossos)

Também é imperioso aduzir que, ao proferir voto do Desembargador Francisco Lincoln Araújo e Silva, do Tribunal de Justiça do Ceará, em Mandado de Segurança[38], impetrado em face do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará,  que assim consignou, in verbis:

[...] 10º- de outra parte, o ministro Gilmar Mendes, quando apreciou o pedido de suspensão da segurança, formulado pelo Estado do Ceará, para indeferir o pedido, em juízo mínimo de delibação, entendeu que restou evidenciado plausibilidade jurídica para a concessão da medida liminar, a fim de assegurar a pretensão jurídica individual reclamada em juízo (fl. 272).

E mais, na sua decisão, o douto ministro, textualmente, ainda asseverou: "A Constituição Federal e a Constituição Estadual atribuem função de judicatura aos auditores quando não estejam a substituir o Conselheiro da Corte de Contas. A Lei Orgânica do TCM/CE, por sua vez, estabelece atribuição expressa e específica para o cargo de auditor, ou seja, há estabelecimento por lei de atribuição de determinado cargo público. Além disso, antes da alteração regimental discutida, o RI-TCM/CE reiterava a determinação legal. Após a entrada em vigor da Resolução nº 6/2008, foi revogada a repetição da determinação legal, com o estabelecimento de novas atribuições. Ao considerar todos os elementos no presente pedido, entendo não existir grave lesão à ordem pública". (cf. fl. 271).

[...] 13º- por tal razão, continuo não entendendo o motivo pelo qual o Tribunal de Contas dos Municípios, na contramão de comezinhos princípios, aqui e ali, de vez em quando, resolve se atribuir função típica de órgão legislativo, disciplinando, algumas vezes, por via de simples resolução, matéria reservada ao domínio estritamente legislativo, usurpando, dessa forma, competência que a Constituição adjudica, privativamente, ao Poder Legislativo;

14º- isso porque, importa reiterar: em se tratando de Auditor, em face de suas peculiaridades funcionais e da relevância do cargo, entendo que a sua disciplina, em caráter exaustivo, só pode ser estabelecida, precipuamente, em nível constitucional, principalmente, no que concerne à definição de suas específicas atribuições institucionais; isso porque, como, textualmente, já nos ensinou o eminente constitucionalista e magistrado Carlos Ayres Britto (STF),"[...] a Constituição Federal faz do cargo de auditor um cargo de existência necessária, porque, quando ela se refere nominalmente a um cargo, está dizendo que faz parte, necessariamente, da ossatura do Estado, e só por efeito de emenda à Constituição e olhe lá é que a matéria poderia ser modificada. De outra parte, auditor ainda tem uma particularidade: é regrado pela Constituição como um elemento de composição do próprio Tribunal; (.....)". (cf. voto proferido na ADI nº 1.994-5/ES);

14.1º- como se vê, o Auditor, diferentemente, portanto, do que sustenta o Agravante, com base em uma interpretação literal e puramente lexicográfica, é, sim, um elemento de composição do próprio Tribunal de Contas, porque, nas lições do autorizado jurisconsulto e magistrado da Suprema Corte, aqui citado - Min. Ayres Britto - a Constituição Federal faz do cargo de Auditor um cargo de existência necessária, porque, quando se refere nominalmente a um cargo a Constituição está dizendo que esse cargo faz parte da ossatura do próprio Estado. E acrescenta, ainda, que o cargo de auditor tem uma particularidade, qual seja, é regrado pela Constituição como elemento de composição do próprio Tribunal de Contas! Sem comentários! [...]

17º- em síntese, a atribuição de emitir parecer, no âmbito do Tribunal de Contas dos Municípios, segundo se pode depreender do disposto no Anexo II, a que se refere o Parágrafo Único, do Artigo 9º, da Lei nº 14.255/2008, constitui incumbência legalmente cometida aos ocupantes dos cargos de ANALISTA DE CONTROLE EXTERNO (cf. fl. 132) e não aos titulares do cargo de Auditor, porque este, o Auditor, ex vi legis, quando não estiver substituindo os Conselheiros, exercerá, ordinariamente, funções equivalentes às de juiz de entrância especial, segundo a clara dicção do § 4º, do Artigo 79, da Constituição Estadual, com a redação dada pela EC nº 9, de 16 de dezembro 1992, competindo-lhe, pois, no exercício de tal mister institucional, coordenar a instrução dos processos que lhe forem equitativamente distribuídos, mediante sorteio, conforme previsto no artigo 33, inciso IV, do Regimento Interno do Tribunal (TCM- cf. fl. 77); mas não se deve, ainda, perder de vista que a instrução processual, típica atividade judicante, não pode ser confundida com a daquele que emite parecer, incumbência esta com a qual, sabidamente, se ocupam outras especialidades profissionais;

18º- noutro giro verbal: a Resolução impugnada, da lavra do próprio Tribunal de Contas, assumiu todas as características de um ato regulamentar ilegal - mais que isso, inconstitucional - uma vez que, laborando em espaço já disciplinado por Lei e, sobretudo, pela Constituição, o faz, flagrantemente, na contramão de regras e princípios constitucionais e legais, inovando na ordem jurídica, para incluir, ampliativamente, atribuições funcionais incompatíveis com a Constituição e com a respectiva Lei Orgânica. (Grifos nossos)

Destaque-se ainda  breve trecho do conteúdo de julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça do Ceará, no próprio Mandado de Segurança Cível n. 5918-31.2009.8.06.0000/1, Relator Desembargador Francisco Lincoln Araújo e Silva,  in verbis:

Como se vê, portanto, com muita clareza, aliás, os auditores, assim como os magistrados, recebem, diretamente, da Constituição e das Leis, nunca dos Regimentos Internos, o seu acervo de competência institucional. [...] Demais disso, deve-se reconhecer que o Auditor deverá atuar como magistrado, dentro dos limites constitucionalmente previstos, exercendo, portanto, o seu mister institucional, com total independência funcional, como o fazem, ordinariamente, os magistrados integrantes do Poder Judiciário.

Por fim, a  paradigmática decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas[39], aduz a exegese que ora se expõe, no sentido do exercício da magistratura por parte do Auditor (Ministro ou Conselheiro Substituto) dos Tribunais de Contas, cabendo pois, na interpretação a ser feita, considerar a totalidade do ordenamento, in verbis:

[...] as substituições dos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE/AM), nos casos regulamentados, deve se proceder por Auditores do mesmo órgão, observada a ordem de antiguidade dentro de uma escala específica a ser estabelecida para tanto (§ 3.º) e administrada pelo Presidente daquela Corte de Contas.

Esta identificada sistemática cria não apenas um rodízio entre os ocupantes do cargo de Auditor, mas um imprescindível direito funcional agregado à carreira de auditores que remete a sua aplicação ao princípio constitucional do devido processo legal. A pretendida concessão da ordem mandamental faz precisa referência a isso.

[...]

Ressalta-se, então, que o argumento utilizado pela Autoridade Coatora de que para o estabelecimento da regularidade das convocações bastava a aplicação do caput do art. 93, não atende ao preceito mínimo de uma interpretação razoável ao caso.

A interpretação é uma tarefa de conjunto: pano de fundo da interpretação é sempre o ordenamento em globo. O sentido de cada fonte está sempre em necessária conexão com o de todas as outras, pelo que será adulterado se o pretendermos tomar isoladamente. De fato, apesar da mera impressão visual, o artigo de qualquer lei só completa sua missão hermenêutica quando absorvido na integridade de seus eventuais incisos, alíneas e parágrafos.

É exatamente a esta orientação que foge a interpretação dada pela Autoridade Coatora ao art. 93 da Lei Estadual n. 2.423/96, de onde, então, se denota razão ao Impetrante. (Grifamos).

A razão dessa já caudalosa jurisprudência encontra-se fincada, entre outras, em motivações que remontam à origem histórica e, nos países centrais, à elevada missão de controle das contas públicas, em regra, entregue às mãos de juízes concursados, especializados e independentes, como se observa na judiciosa pesquisa realizada por Cláudio Augusto Canha[40], o qual, de modo magistral, em minuciosa revisão da literatura, perscruta a reminiscência histórica da palavra Auditor.

Assim, é imperioso concluir que os Auditores previstos na Constituição da República de 1988, que atuam como Ministros Substitutos no Tribunal de Contas da União e como Conselheiros Substitutos nos demais Tribunais de Contas brasileiros, são Magistrados das Cortes de Contas.

Como elementos de composição institucional dos Tribunais de Contas, eles são essenciais ao funcionamento do Sistema Constitucional de Controle Externo das Contas Públicas brasileiras criado pelo próprio Poder Constituinte, sendo-lhes assegurado relatar e decidir, originariamente, todos os processos de competência dos Tribunais de Contas, posto que indissociável tal mister do exercício das atribuições da magistratura de que trata o art. 73, § 4°, da CR/88. Esse dispositivo lhes alçou à condição equiparada à de Desembargador Federal, no caso dos Ministros Substitutos do TCU, e de Juiz da entrância mais elevada, no caso dos Conselheiros Substitutos dos demais Tribunais de Contas.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Licurgo Mourão

Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Doutorando em Direito Econômico e Financeiro (USP), Mestre em Direito Econômico (UFPB) com extensões universitárias na The George Washington University (USA), na Fundação Dom Cabral (MG) e na Universidade del Museo Social Argentino (ARG); pós-graduado em Direito Administrativo, Contabilidade Pública e Controladoria Governamental (UFPE). Coautor dos trabalhos técnico-científicos ganhadores do Prêmio Internacional conferido em 2009 e 2013 pela OLACEFS.

DIOGO RIBEIRO FERREIRA

Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Doutorando e Mestre em Direito Processual (UFMG). Especialista em Direito Público Constitucional e em Direito Privado (UCAM). Graduado em Direito (UFMG). Autor de livros e de artigos em várias disciplinas jurídicas. Coautor do trabalho técnico-científico ganhador do Prêmio Internacional conferido em 2013 pela OLACEFS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURÃO, Licurgo ; FERREIRA, , DIOGO RIBEIRO FERREIRA. A atuação constitucional dos tribunais de contas e de seus magistrados (composição, atuação e deliberações): de Eisenhower a Zé Geraldo:: A natureza jurídica da proposta de decisão e do cargo de auditor (ministro ou conselheiro substituto). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4013, 27 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29760. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos