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O advogado público e a independência funcional

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12/11/2014 às 11:36
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Notas

[1] José Afonso da Silva diz que as funções essenciais à justiça são “compostas por todas aquelas atividades profissionais públicas ou privadas, sem as quais o Poder Judiciário não pode funcionar ou funcionará muito mal. São procuratórias e propulsoras da atividade jurisdicional, institucionalizadas nos arts. 127 a 135 da Constituição de 1988, discriminadamente: o Advogado, o Ministério Público, a Advocacia-Geral da União, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (representação das unidades federadas) e a Defensoria Pública”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 594.

[2] No âmbito da Advocacia-Geral da União vigora a Lei Complementar n.° 73/1993. Cumpre ressaltar também  que são aplicáveis aos seus integrantes a Lei 8112/90 (naquilo que não contrariar as disposições da lei específica). 

[3] O advogado não concursado, ocupante de cargo em comissão, que exerce atividade de assessoria ou consultoria não se enquadra na denominação acima. É contestável o exercício de tão relevante função por pessoas que podem, a qualquer momento, ser exoneradas da função, sem necessidade sequer de motivação, pela simples alegação de quebra de confiança. Por estar vinculado e comprometido com a autoridade que o nomeou, fica difícil assegurar-lhe uma independência, pois o receio de desagradar quem o ajudou, poderá colocar em risco uma atuação direcionada ao atendimento do interesse público. A Constituição Federal não parece amparar o exercício dessas atividades por profissionais que não integram os quadros da advocacia pública. A fim de criar mecanismos para a sustentação da ordem jurídica, o constituinte definiu a competência da Advocacia-Geral da União para as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, na esfera federal, estabelecendo a mesma atribuição aos procuradores dos estados e distrito federal (art. 132). O ingresso nessas carreiras dá-se por meio de concurso público, justamente para assegurar-se um comprometimento exclusivo desses agentes como interesse público. A corroborar o entendimento que ora se expõe cite-se a ADIN n.° 881-1, mencionada no Informativo STF, n. 68, DJ de 25.04.1997.  

[4] O advogado privado possui o compromisso de defender o interesse individual do seu cliente, mesmo que se contraponha ao interesse público, respeitados os princípios éticos que norteiam a advocacia. Já o advogado público não pode defender o interesse individual do seu “cliente” (o Estado), deve perseguir sempre o interesse da coletividade, o bem comum (o interesse público primário). 

[5] Essa denominação é adotado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Esclarece o jurista que a Constituição manteve “a distinção entre a Advocacia privada e pública, instituindo-se a subdivisão desta, aqui tomada em seu sentido lato, em três ramos: o Ministério Público, a Advocacia de Estado e a Defensoria Pública, postando-as, com isso, como Procuraturas constitucionais, exercitando poderes tipicamente estatais, pois que referentes à sua estruturação e funcionamento. Não por outra razão estão inseridos como um Capítulo do Título IV, que trata Da Organização dos Poderes, ou seja, das definições cratológicas fundantes da organização estatal”. (2002, p. 169).

[6] Hugo Nigro Mazzili leciona que “durante os trabalhos da Constituinte, uma das maiores dificuldades de harmonizar os interesses do Ministério Público nacional consistiu na separação das funções de Ministério Público das de advogado da Fazenda.” Explica que “há total incompatibilidade do exercício da advocacia pelos membros do Ministério Público, ainda que tal advocacia se exerça em prol de interesses da própria Fazenda Pública. Afinal, como ficaria o procurador-geral da República, para opinar ou para recorrer, quando de um conflito entre o interesse público primário e o secundário, na clássica distinção de Renato Alessi [...]? Suponhamos que, numa decisão de que só coubesse recurso seu, quando estivesse a União a defender interesse público secundário (visto do ângulo da administração, o que nem sempre se confunde com o interesse do bem comum, do que temos fartos exemplos), com a defesa de que interesse ficaria o defensor de ambos?! E nos casos em que devesse dar um parecer: estaria opinando como advogado da Fazenda ou como Defensor da coletividade?! [...]” MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 239. É interessante notar que o consagrado professor chega a considerar a possibilidade da Administração perseguir interesses públicos secundários. Porém, entende-se neste trabalho que tanto a Administração quanto os advogados públicos só podem buscar o interesse público secundário se coincidente com o interesse primário, sob pena de responsabilização. Em outra palavras o interesse público é o único interesse a ser visado tanto pela Administração quanto pelos seus agentes públicos, aqui incluído o advogado público.  

[7] Ou seja, livre de ingerência vindas de fora da instituição a que pertence ou mesmo de dentro dela.

[8] Dispõe o artigo 7.°, inciso I, da Lei 8.906/94: “são direitos do advogado exercer, com liberdade, a profissão em todo território nacional.”

[9] O Código de Ética e Disciplina do Advogado no artigo 4.°, assim dispõe: “o advogado vinculado ao cliente ou constituinte, mediante relação empregatícia ou por contrato de prestação permanente de serviços, integrante de departamento jurídico, ou órgão de assessoria jurídica, público ou privado, deve zelar pela sua liberdade.”

[10] O artigo 18 do Estatuto da Advocacia e da OAB estabelece que “a relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.” Esse dispositivo, no entanto, por determinação legal, não se aplica aos advogados públicos da administração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados-membros e dos Municípios. Dispõe o artigo 4.°, da Lei 9.527, de 10 de dezembro de 1997: "as disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.” Porém, como ver-se-á na seqüência do texto, isso não retira a independência funcional dos advogados públicos federais, pois essa garantia decorre da Constituição Federal. 

[11] Em total prejuízo ao interesse público.

[12] Para reforçar essa independência cumpre também assegurar a inamovibilidade (nos mesmos moldes do disposto no artigo 128, parágrafo 5.º, inciso I, alínea b, da CF)  e o recebimento de remuneração por subsídio (artigo 135 da CF) em valor compatível com a complexidade e responsabilidade do cargo.

[13] Cumpre destacar que a Advocacia Pública não está inserida no Título III – “Da Organização do Estado”,    Capítulo VII – “Administração Pública”, mas sim no Título IV – “Da Organização dos Poderes”, Capítulo IV – “Das funções essenciais à Justiça”, o que reforça a idéia de uma Advocacia independente e comprometida exclusivamente com a realização da Justiça. De nada valeria conferir relevantes atribuições a Advocacia-Geral da União e a seus membros, sem a contrapartida da independência.

[14] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 94.

[15] Com o devido respeito a nobre administrativista, a súmula vinculante não estabeleceu uma hierarquia parcial aos membros da magistratura. A independência funcional dos membros da magistratura permanece na sua plenitude. A instituição da súmula vinculante apenas retirou o poder de decisão dos magistrados acerca de questões já decidas e sumuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Porém, até que a matéria seja julgada em definitivo, com a expedição de súmula vinculante, os juízes mantém ampla autonomia para julgar (nos limites da lei e da Constituição).

[16] Destaque-se que a Advocacia-Geral da União é composta por aproximadamente 8 (oito) mil advogados públicos.

[17] Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores Federais.

[18] Dispõe o art. 28 da Lei complementar 73/93 “Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União é vedado: I - exercer advocacia fora das atribuições institucionais; II - contrariar súmula, parecer normativo ou orientação técnica adotada pelo Advogado-Geral da União; III - manifestar-se, por qualquer meio de divulgação, sobre assunto pertinente às suas funções, salvo ordem, ou autorização expressa do Advogado-Geral da União.”

[19] Sobre as súmulas, pareceres e orientações normativas assim dispõe a Lei complementar 73/93: “Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República. § 1o O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento. [...]; Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas; Art. 43. A Súmula da Advocacia-Geral da União tem caráter obrigatório quanto a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2o e 17 desta lei complementar. [...]”

[20] In: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A advocacia no setor público e os limites da responsabilidade funcional. GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo (Org.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 507.

[21] BARRAGAT, Marcelo Rogério. Agentes políticos e as procuraturas constitucionais. Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 60, p. 6823, fev. 2006.

[22] Cumpre acrescentar o que diz Marcelo Rogério Barragat: “a matéria de direito pode ser altamente complexa e controvertida. Neste caso, enquanto não pacificada, deve o membro da Procuratura assumir a posição de parcialidade que lhe é peculiar, utilizando-se da melhor tese em favor do Estado.” (2006, p. 6819).

[23] Essa situação se assemelha aos membros do Ministério Público quanto ao arquivamento de ação penal.

[24] FREITAS, Juares. O controle dos atos administrativos. 3. ed. rev. e atual.. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 152-153.

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[25]Celso Antônio Bandeira de Mello com propriedade explica que a “função jurisdicional é a função que o Estado, e somente ele, exerce por via de decisões que resolvem controvérsias com força de “coisa julgada”, atributo este que corresponde à decisão proferida em última instância pelo Judiciário e que é predicado desfrutado por qualquer sentença ou acórdão contra o qual não tenha havido tempestivo recurso”. (2002, p. 33). Esclarece também Juarez Freitas que “em nosso sistema, por vários motivos funcionais, sem menosprezo ao papel da autoridade administrativa (justamente ao revés), é de todo conveniente entender que o legislador fecunda e parteja o preceito jurídico, mas incumbe ao julgador efetivar o controle definitivo e cabal de adequação e qualidade”. (2004, p. 151).

[26] Dispõe o artigo 4.°, da Lei n.° 9.469, de 10 de julho de 1997, “não havendo Súmula da Advocacia-Geral da União (arts. 4º, inciso XII, e 43, da Lei Complementar nº 73, de 1993), o Advogado-Geral da União poderá dispensar a propositura de ações ou a interposição de recursos judiciais quando a controvérsia jurídica estiver sendo iterativamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores.” O artigo 1.° dessa mesma lei, por sua vez, assim dispõe: “o Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não-propositura de ações e a não-interposicão de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos, atualizados, de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições aqui estabelecidas.[...]”

[27] O termo jurisprudência pacificada deveria ser usado somente quanto houvesse súmula vinculante sobre a questão.

[28] Esse tema será abordado no capítulo final.

[29] Essa questão será tratada com mais vagar no próximo capítulo.

[30] Esses profissionais, cumpre ressaltar, exercem função pública, que se caracteriza, “pela atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica.” Essa é a lição do brilhante Celso Antônio Bandeira de Mello (2002, p. 27).    

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUFINO, Fernando Bianchi. O advogado público e a independência funcional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4151, 12 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29887. Acesso em: 23 abr. 2024.

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