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Responsabilidade pessoal do agente público por danos ao contribuinte

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01/08/2002 às 00:00
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6. Questão da insegurança jurídica

6.1. Como argumento do agente fiscal.

Um dos argumentos quase sempre desenvolvidos contra a responsabilidade pessoal do agente público consiste na insegurança jurídica resultante da imprecisão das normas da legislação tributária, e da freqüente alteração destas. Em face da inegável insegurança jurídica que há de enfrentar todos os dias o agente fiscal de tributos, não seria justo responsabilizá-lo pelos erros eventualmente cometidos em sua atividade.

Ocorre que a legislação tributária não é produzida pelo contribuinte, mas pela Administração Tributária, que inclusive produz, quase sempre, os anteprojetos de lei, e de emendas constitucionais. É menos injusto, portanto, que a insegurança jurídica recaia sobre os seus agentes, do que sobre os contribuintes. E assim não é razoável a sua invocação em favor daqueles, quando a estes não exime de responsabilidade.

6.2. Divisão eqüitativa

Na verdade a insegurança jurídica existe na relação de tributação, mas a ela submete-se inteiramente o contribuinte, que se está sujeito a pesadas sanções quando deixa de cumprir qualquer das normas que integram a legislação tributária. Não importa se a norma é obscura ou imprecisa, nem se a jurisprudência é divergente. A essa insegurança, portanto, tem de submeter-se também o agente fiscal.

Responsabilizando-se, pessoalmente, o agente fiscal, pelos erros que cometer na aplicação da legislação tributária, ter-se-á uma divisão eqüitativa dessa insegurança jurídica.

6.3. Padronização de comportamentos

Para fugir à insegurança jurídica o agente fiscal tenderá a adotar, em sua atividade, apenas aqueles comportamentos autorizados pelas autoridades superiores. Ter-se-á assim melhor padronização de comportamentos, do que resultará também, a longo prazo, um certo incremento para a segurança na relação tributária, do qual serão beneficiárias ambas as partes nessa relação.

É sabido que a responsabilidade pessoal não existirá para o agente público que atua em cumprimento a determinação oficial de superior hierárquico, posta em ato administrativo de efeito concreto, ou em ato administrativo de caráter normativo, salvo quando esta seja flagrantemente ilegal. Se o ato administrativo em cuja obediência atua o agente público é arbitrário, a responsabilidade será da autoridade que o emitiu, e nos casos em que o arbítrio esteja na própria lei, ainda não declarada inconstitucional em decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, não haverá responsabilidade da autoridade administrativa que simplesmente a aplica, pois essa autoridade, como temos sustentado, não pode eximir-se de cumprir a lei alegando a sua inconstitucionalidade.


7. Aspectos processuais

7.1. As questões suscitadas

Esclarecido que no Direito brasileiro o agente público é pessoalmente responsável pelos danos que causar no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las, quando tenha agido com culpa ou dolo, duas questões tem sido suscitadas.

Primeira, a de saber se promovida a ação pelo prejudicado contra o ente público, faz-se obrigatória a denunciação da lide, para que o agente público venha integrar o processo como litisconsorte passivo necessário.

Segunda, a de saber se o prejudicado tem ação para cobrar diretamente do agente público a indenização a que se considera com direito, ou se tem ação apenas para cobrar do ente público, objetivamente responsável, e apenas este pode, em ação regressiva, cobrar o correspondente ressarcimento fundado na responsabilidade subjetiva do seu agente.

7.2. A denunciação da lide

A questão de saber se é obrigatória a denunciação da lide já foi resolvida pela negativa pelo Supremo Tribunal Federal. Argumentou, com inteira propriedade, o Ministro Decio Miranda, relator do caso:

"A responsabilidade do Estado é objetiva. Independe de prova da culpa. Esta, porém, será o fundamento da responsabilidade do funcionário a quem se denuncia a lide.

Denunciar a lide do funcionário, para que conteste apenas alegando a inexistência do dano, ou negando a falha do serviço público que o tenha acarretado, será exigir-lhe tarefa superior a suas possibilidades. Fazê-lo, para que se defenda com a susência de culpa, será embaraçar inutilmente a pretensão do autor, que para o êxito do pedido independe da prova de culpa do funcionário, bastando a culpa impessoal do serviço público.

Diversos os fundamentos da responsabilidade, num caso, do Estado em relação ao particular, a simples causação do dano; no outro caso, do funcionário em relação ao Estado, a culpa subjetiva, trata-se de duas atuações processuais distintas, que se atropelam reciprocamente, não devdndo conviver no mesmo processo, sob pena de contrariar-se a finalidade específica da denunciação da lide, que é a de encurtar caminho à solução global das relações litigiosas interdependentes.

Aqui não há essa dependência, senão quanto à prova do dano em que incorreu o autor. Somente para ficar jungido a ela, mas não à responsabilidade, que na primeira ação é objetiva, e na segunda depende de prova da culpa, não é de admitir que se faça obrigatória a presença do funcionário na ação movida contra o Estado." (Voto do Ministro Decio Miranda, no Recurso Extraordinário nº 93.880 – RJ, em RTJ nº 100, pág. 1355).

Isto não quer dizer, porém, que a vítima do dano não possa promover ação contra o agente público que o causou, como se vai a seguir demonstrar.

7.3. Ação contra o agente público e contra o Estado

Segundo Hely Lopes Meirelles, em face da responsabilidade objetiva do ente público, estabelecida pelo art. 37, § 6º, da vigente Constituição Federal, não existe a responsabilidade pessoal do agente público, a não ser perante o ente público a que serve, titular da ação regressiva contra ele nos casos de dolo ou culpa (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 17ª edição, Malheiros, São Paulo, 1992, pág. 562).

Toshio Mukai entende que a vítima do dano pode promover ação contra o Estado, que tem responsabilidade objetiva, ou contra o funcionário, que tem responsabilidade subjetiva pela respectiva indenização, na hipótese de dano decorrente de ação estatal. Não admite a discussão dessas duas formar de responsabilidade em uma ação única, somente sendo possível a cumulação das ações na hipótese de dano decorrente de omissão, em que a responsabilidade, tanto do funcionário, quanto do ente público, é subjetiva (Este é o ponto de vista que o eminente administrativista expressou em correspondência que me dirigiu, no dia 12/12/2001, em resposta a meu questionamento a respeito do assunto).

Admitindo a possibilidade de ação contra o Estado e também contra o agente público manifestam-se, entre outros, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Celso Antônio Bandeira de Mello (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 11ª edição, Malheiros, 1999), este último invocando em seu apoio a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, segundo verificamos, efetivamente tem reconhecido que o lesado pode mover ação contra o Estado e contra o agente, conjuntamente (RE 90.071, em RTJ 96, pág. 237; RE 94.121-MG, rel. Min. Moreira Alves, RTJ nª 105, págs. 225 a 234; entre outros julgados).

Ao optar pela ação também contra o agente público o autor estará buscando fazer valer o sentido punitivo da indenização, atitude que seguramente funcionará, na medida em que muitos a adotarem, como excelente remédio contra os abusos praticados em nome do Estado.

Aliás, só o fato de ser chamado a juízo como réu, e ter de contratar advogado para defender-se, posto que em geral haverá conflito entre a defesa do ente público e a de seu agente, impedindo o procurador do primeiro de atuar como advogado do segundo, já fará com que o agente público passe a tratar com mais cuidado com os direitos alheios. E uma condenação ao pagamento de indenização, por pequena que seja esta, certamente terá muito mais efeito contra as práticas abusivas do que uma vultosa indenização a ser paga pelo ente público, que a final sai do bolso de todos nós contribuintes.

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Por isto, se a vítima do dano está convencida de que o agente público agiu com dolo ou culpa, deve promover ação contra ele e contra o Estado. Dirá que pretende provar a ocorrência de dolo, ou de culpa do primeiro réu, e pedirá a condenação de ambos, responsáveis solidários que são pela indenização correspondente. Formulará, porém, contra o Estado, que tem responsabilidade objetiva, pedido subsidiário a ser deferido na hipótese de o julgador a final não restar convencido da presença do elemento subjetivo indispensável ao atendimento do pedido principal.

O inconveniente que o autor poderá enfrentar na instrução para provar o dolo ou a culpa, com certeza será recompensado com a brevidade na execução da sentença contra o agente público, com a penhora e o leilão de bens, que possivelmente nem chegarão a ocorrer porque, uma vez definitivamente condenado, o réu certamente pagará a indenização devida para não sofrer o constrangimento da execução.

Por outro lado, se o réu, agente público, não dispuser de patrimônio suficiente para suportar a execução da sentença, poderá esta ser executada contra o ente público, com a expedição do precatório correspondente.

Ressalte-se, finalmente, que a ação contra o agente público e contra o Estado, conjuntamente, deve ser proposta somente nos casos em que o a individualização do responsável pelo dano não ofereça dificuldades, e possa o elemento subjetivo necessário à responsabilização deste ser facilmente demonstrado. Se não estiverem presentes esses dois requisitos, vale dizer, a individualização do agente público causador do dano, e o dolo ou a culpa deste, deve o autor optar pela ação somente contra o Estado.

7.4. Ação apenas contra o Estado

Realmente, em muitos casos não é fácil a individualização do agente público responsável pelo dano. A complexidade da estrutura administrativa muita vez dificulta a identificação da pessoa que a final deve ser responsabilizada pela ação, ou pela omissão estatal causadora do dano.

Pode ocorrer, também, que o autor não queira se indispor contra o agente público, por medo de retaliação ou por qualquer outra razão. Em tal situação poderá optar pela ação apenas contra o Estado, que responde objetivamente pelo dano.

Neste caso o processo de conhecimento será bem mais simples, posto que será bastante a demonstração da existência do dano e da relação de causalidade entre este e a ação estatal. Já a execução do julgado ficará a depender do precatório que, sabemos todos, quase sempre é muito demorado.


8. Conclusões

Diante de tudo o que foi aqui exposto podemos firmar as seguintes conclusões:

1ª) O contribuinte que sofrer dano material ou moral, ou tiver lucros cessantes em virtude de ações ou omissões do fisco, tem direito à indenização correspondente.

2ª) A indenização pode ser cobrada diretamente do agente público causador do dano, em ação promovida contra ele e contra o ente público, com pedido de condenação dos dois por serem solidariamente responsáveis, e com pedido subsidiário de condenação do ente público para o caso de não ser reconhecida a presença do elemento subjetivo.

3ª) A ação contra o agente público tem a virtude de fazer valer o efeito punitivo da indenização, contribuindo para prevenir as práticas abusivas hoje tão tem voga contra o contribuinte. Além disto, a execução da sentença condenatória não dependerá de precatório, sendo provável, aliás, que o réu faça o pagamento da indenização para evitar o constrangimento da execução.

4ª) A ação contra o agente público, porém, só deve ser proposta nos casos em que o causador do dano esteja plenamente identificado, e seja fácil a demonstração do elemento subjetivo, vale dizer, do dolo ou da culpa.

5ª) Nos casos em que a identificação do responsável pelo dano seja problemática, ou seja difícil a demonstração do dolo ou da culpa deste, ou ainda, quando o autor por qualquer razão se sentir constrangido em acionar o agente público pessoalmente, a ação deve ser promovida contra o Estado.

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Sobre o autor
Hugo de Brito Machado

professor titular de Direito Tributário da UFC, presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET), juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Hugo Brito. Responsabilidade pessoal do agente público por danos ao contribuinte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3014. Acesso em: 29 mar. 2024.

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