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Competências administrativas e legislativas para vigilância sanitária de alimentos

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01/07/2002 às 00:00
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A Constituição Federal estabelece a saúde como dever do Estado, cabendo ao sistema único de saúde fiscalizar alimentos e bebidas. O papel da Vigilância Sanitária é fundamental para evitar epidemias por contaminação alimentar.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal consagra em seu artigo 196 a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Igualmente, em seu artigo 200, a Constituição Federal afirma competir ao sistema único de saúde executar as ações de vigilância sanitária e epidemológica (inciso II) e fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano.

A atuação do Poder Público nos serviços de vigilância sanitária de alimentos é de vital importância para a saúde pública, pois conforme estudos realizados pelo Centro Americano de Controle de Doenças, os alimentos contaminados chegam a causar nos Estados Unidos mais de 50 milhões de casos de diarréia.

Além do aspecto de saúde pública, tal fato repercute economicamente, uma vez que diversas pessoas faltam ao trabalho ou deixam de produzir adequadamente durante o período em que, por contaminação alimentar, ausentam-se do trabalho ou de suas funções diárias.

A OMS - Organização Mundial de Saúde e a Organização para Alimentação e Agricultura - FAO criaram uma comissão conjunta OMS/FAO para o estudo de padrões mínimos de segurança alimentar, estabelecendo a necessidade de edição de um Código de procedimentos de higiene para estabelecimentos onde são servidos alimentos pré-cozidos e cozidos para alimentação coletiva, em virtude da constatação dos seguintes dados:

  • existência de dados epidemiológicos mostrando que muitas epidemias de intoxicação alimentar são causadas por alimentos consumidos nos estabelecimentos que os servem;

  • perigo que cerca as operações de fornecimento de alimentos em larga escala, especialmente no que se refere a armazenagem e manipulação;

  • o grande número de pessoas que pode ser envolvido numa epidemia;

  • vulnerabilidade da população.

Vislumbrou-se, ainda, pela OMS a necessidade de controle sanitário em todas as fases do preparado dos alimentos até o momento de seu consumo, para que se previna a contaminação anterior à comercialização do alimento.

A legislação deve ser implementada com o auxílio do poder de polícia do Poder Público, que é responsável pela manutenção da saúde pública.

Como observa Sebastião Tojal "com efeito, a Constituição da Saúde de 1988 ou a garantia do direito à saúde, expressamente referida no art. 196. da Constituição, inscreve-se exata e precisamente no rol daquele conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos voltadas para a realização da nova ordem social, cujos objetivos são o bem-estar social e a justiça sociais", para concluir a seguir que "está, pois, o Estado, juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde visando à construção da nova ordem social, cujos objetivos, repita-se, são o bem-estar e a justiça sociais, pois a Constituição lhe dirige impositivamente essas tarefas".

Esse mesmo entendimento foi proclamado pela Organização Pan-americana da Saúde e do Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde "Aplicado às ações e aos serviços de saúde, o conceito implica o poder de controle, pela sociedade e pelo Estado, visando zelar pela sua efetiva prestação e por sua qualidade. Ao qualificar as ações e serviços de saúde como de relevância pública, proclamou a Constituição Federal sua essencialidade. Por "relevância pública" deve-se entender que o interesse primário do Estado, nas ações e serviços de saúde, envolve sua essencialidade para a coletividade, ou seja, sua relevância social. Ademais, enquanto direito de todos e dever do Estado, as ações e serviços de saúde devem ser por ele privilegiados. A correta interpretação do Artigo 196 do texto constitucional implica o entendimento de ações e serviços de saúde como conjunto de medidas dirigidas ao enfrentamento das doenças e suas sequelas, através da atenção médica preventiva e curativa, bem como de seus determinantes e condicionantes de ordem econômica e social".

A Constituição Federal, em diversos dispositivos, prevê princípios informadores e regras de competência no tocante à proteção da saúde público, englobando, inclusive a atuação de vigilância sanitária na área de alimentos, como será a seguir analisado.


2. PREÂMBULO

Note-se que, desde o Preâmbulo da Constituição Federal, proclama-se que "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL".

Logicamente, dentro do bem-estar, destacado como uma das finalidade do Estado, encontra-se a Saúde Pública.

O preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como documento de intenções do diploma, e consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios, demonstrando a ruptura com o ordenamento constitucional anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado.

Apesar de não fazer parte do texto constitucional propriamente dito, e consequentemente, não conter normas constitucionais de valor jurídico autônomo, o preâmbulo não é juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser observado como elemento de interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem.

Como explica Jorge Miranda, "não se afigura plausível reconduzir a eficácia do preâmbulo (de todos os preâmbulos ou de todo o preâmbulo, pelo menos) ao tipo de eficácia próprio dos artigos da Constituição. O preâmbulo não é um conjunto de preceitos, é um conjunto de princípios que se projectam sobre os preceitos e sobre os restantes sectores do ordenamento", para a seguir concluir "o preâmbulo não pode ser invocado enquanto tal, isoladamente, nem cria direitos ou deveres".

O preâmbulo constitui, portanto, um breve prólogo da Constituição e apresenta dois objetivos básicos: explicitar o fundamento da legitimidade da nova ordem constitucional; explicitar as grandes finalidades da nova Constituição.

Como ensina Juan Bautista Alberdi o preâmbulo deve sintetizar sumariamente os grandes fins da Constituição, servindo de fonte interpretativa para dissipar as obscuridades das questões práticas e de rumo para a atividade política do governo.

Nesse sentido, toda a atuação do Poder Público deverá ser pautada, dentre outras finalidades, na busca do bem-estar geral, garantindo-se dessa forma, mecanismos de efetividade e promoção da saúde pública.

Além do Preâmbulo da Constituição, outros dispositivos constitucionais devem ser lembrados nesse breve estudo sobre a repartição de competências em matéria de vigilância sanitária de alimentos.


3. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

"Constituição Federal - art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana".

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever, configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria.

O direito à vida e a saúde dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual.

Como destaca José Afonso da Silva, "A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público, nos termos da lei, a quem cabe executá-los diretamente ou por terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. Se a Constituição atribui ao Poder Público o controle das ações e serviços de saúde, significa que sobre tais ações e serviços tem ele integral poder de dominação, que é o sentido do termo controle, mormente quando aparece ao lado da palavra fiscalização".

Nesse mesmo sentido, proclama Sebastião Tojal a finalidade pública das normas que devem reger a saúde pública, afirmando que "qualquer iniciativa que contrarie tais formulações há de ser repelida veementemente, até porque fere ela, no limite, um direito fundamental da pessoa humana".

Não foi outra a conclusão da Organização Pan-americana da Saúde e do Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde, ao afirmar que "O conceito de ações e serviços de relevância pública, adotado pelo artigo 197 do atual texto constitucional, norma preceptiva, deve ser entendido desde a verificação de que a Constituição de 1988 adotou como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana".


4. COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA EM RELAÇÃO À SAÚDE PÚBLICA

"Constituição Federal - art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência"

A competência administrativa para cuidar da saúde pública é concorrente entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cabendo-lhes o dever de atuação em uma das áreas mais sensíveis do Estado Moderno.

Assim, administrativamente todos os entes federativos possuem competência para assegurar a efetividade e plenitude da saúde pública, inclusive no tocante aos serviços de vigilância sanitária devendo o exercício dessa competência, porém, para se evitar desnecessários embates entre os diversos entes federativos, pautar-se pelo princípio da predominância do interesse.

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Como bem salientado por Ives Gandra Martins, "A saúde é, todavia, no elenco das finalidades a que o Estado está destinado a dedicar-se, talvez, a mais relevante e que mereça atenção maior", porém, como lembrado por Wolgran Junqueira Ferreira, "na hierarquia de valores não se coloca a saúde pública em primeiro plano e o Brasil hoje está doente".


5. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM RELAÇÃO À SAÚDE PÚBLICA

"Constituição Federal - art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde".

O art. 24. da Constituição Federal prevê as regras de competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, estabelecendo quais as matérias que deverão ser regulamentadas de forma geral por aquela e específica por esses.

Essa previsão é complementada pelo artigo 200, inciso I, da Constituição Federal que prevê competir ao sistema único de saúde executar as ações de vigilância sanitária e epidemológica e fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano.

Determina a Constituição, competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente, dentre outras importantes matérias, sobre defesa da saúde.

No âmbito da legislação concorrente, a doutrina tradicionalmente classifica-a em cumulativa sempre que inexistir limites prévios para o exercício da competência, por parte de um ente, seja a União, seja o Estado-membro, e em não cumulativa, que propriamente estabelece a chamada repartição vertical, pois, dentro de um mesmo campo material (concorrência material de competência), reserva-se um nível superior ao ente federativo União, que fixa os princípios e normas gerais, deixando-se ao Estado-membro a complementação.

A Constituição brasileira adotou a competência concorrente não-cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e Distrito Federal especificá-las, através de suas respectivas leis. É a chamada competência suplementar dos Estados-membros e Distrito Federal (CF, art. 24, § 2º).

Essa orientação, derivada da Constituição de Weimar (art. 10), consiste em permitir ao governo federal a fixação das normas gerais, sem descer a pormenores, cabendo aos Estados-membros a adequação da legislação às peculiaridades locais.

Note-se que, doutrinariamente, podemos dividir a competência suplementar dos Estados-membros e do Distrito Federal em duas espécies: competência complementar e competência supletiva. A primeira dependerá de prévia existência de lei federal a ser especificada pelos Estados-membros e Distrito Federal. Por sua vez, a segunda aparecerá em virtude da inércia da União em editar a lei federal, quando então, os Estados e o Distrito Federal, temporariamente, adquirirão competência plena tanto para edição das normas de caráter geral, quanto para normas específicas (CF, art. 24, §§ 3º e 4o).

Sobre o tema, indispensável a lição de Raul Machado Horta: "As Constituições federais passaram a explorar, com maior amplitude, a repartição vertical de competências, que realiza a distribuição de idêntica matéria legislativa entre a União Federal e os Estados-membros, estabelecendo verdadeiro condomínio legislativo, consoante regras constitucionais de convivência. A repartição vertical de competências conduziu à técnica da legislação federal fundamental, de normas gerais e de diretrizes essenciais, que recai sobre determinada matéria legislativa de eleição do constituinte federal. A legislação federal é reveladora das linhas essenciais, enquanto a legislação local buscará preencher o claro que lhe ficou, afeiçoando a matéria revelada na legislação de normas gerais às peculiaridades e às exigências estaduais. A Lei Fundamental ou de princípios servirá de molde à legislação local. É a Rahmengesetz, dos alemães; a Legge-cornice, dos italianos; a Loi de cadre, dos franceses; são as normas gerais do Direito Constitucional Brasileiro".

Dessa forma é possível o estabelecimento de algumas regras definidoras da competência legislativa concorrente, de aplicação integral à proteção da saúde pública:

  • a competência da União é direcionada somente às normas gerais, sendo de flagrante inconstitucionalidade aquilo que delas extrapolar;

  • a competência do Estado-membro ou do Distrito Federal refere-se às normas específicas, detalhes, minúcias (competência suplementar). Assim, uma vez editadas as normas gerais pela União, as normas estaduais deverão ser particularizantes, no sentido de adaptação de princípios, bases, diretrizes a peculiaridades regionais (competência complementar);

  • não haverá possibilidade de delegação por parte da União, aos Estados-membros e Distrito Federal das matérias elencadas no art. 24. da Constituição;

  • o rol dos incisos destinados à competência concorrente é taxativo, portanto não haverá essa possibilidade em matéria destinada a lei complementar, por ausência de previsão do art. 24. da CF;

  • a inércia da União em regulamentar as matérias constantes no art. 24. da Constituição Federal não impedirá ao Estado-membro ou ao Distrito Federal a regulamentação da disciplina constitucional (competência supletiva). Note-se que, em virtude da ausência de Lei Federal, o Estado-membro ou o Distrito Federal adquirirão competência plena tanto para a edição de normas de caráter geral, quanto específico.

  • a competência plena adquirida pelos Estados ou Distrito Federal é temporária, uma vez que, a qualquer tempo, poderá a União exercer sua competência editando lei federal sobre as normas gerais;

  • a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Portanto, em relação à legislação protetiva da Saúde Pública, inclusive sobre vigilância sanitária de alimentos, a legislação federal deverá estabelecer as normas gerais, enquanto a legislação estadual e distrital deverá complementá-la.


6. COMPETÊNCIAS MUNICIPAIS

"Constituição Federal - art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população".

A função legislativa é exercida pela Câmara dos Vereadores, que é o órgão legislativo do Município, em colaboração com o prefeito, a quem cabe também o poder de iniciativa das leis, assim como o poder de sancioná-las e promulgá-las, nos termos propostos como modelo, pelo processo legislativo federal. Dessa forma, a atividade legislativa municipal submete-se aos princípios da Constituição Federal com estrita obediência à Lei Orgânica dos Municípios, à qual cabe o importante papel de definir as matérias de competência legislativa da Câmara, uma vez que a Constituição Federal não a exaure, pois usa a expressão interesse local como catalisador dos assuntos de competência municipal.

As competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local, consubstanciando-se em:

  • competência genérica em virtude da predominância do interesse local (CF, art. 30, I);

  • competência para estabelecimento de um Plano Diretor (CF, art. 182);

  • hipóteses já descritas, presumindo-se constitucionalmente o interesse local (CF, arts. 30, III a IX e 144, § 8º);

  • competência suplementar (CF, art. 30, II).

Em relação à competência genérica em virtude da predominância do interesse local (CF, art. 30, I), apesar de difícil conceituação, interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União), pois, como afirmado por Fernanda Dias Menezes, "é inegável que mesmo atividades e serviços tradicionalmente desempenhados pelos municípios, como transporte coletivo, polícia das edificações, fiscalização das condições de higiene de restaurantes e similares, coleta de lixo, ordenação do uso do solo urbano, etc., dizem secundariamente com o interesse estadual e nacional".

Dessa forma, salvo as tradicionais e conhecidas hipóteses de interesse local, as demais deverão ser analisadas caso a caso, vislumbrando-se qual o interesse predominante (princípio da predominância do interesse).

Assim, por exemplo, será de competência do município, atendendo suas peculiaridades locais, a prática genérica de vigilância sanitária em relação aos alimentos de consumo imediato, inclusive com o poder de fiscalização das condições de higiene de restaurantes e similares.

O art. 30, II, da Constituição Federal preceitua caber ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, o que não ocorria na Constituição anterior, podendo o município suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, embora não podendo contraditá-las, inclusive nas matérias previstas do art. 24. da Constituição de 1988. Assim, a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios, consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse local.

Ressalte-se que, no caso de serviços de atendimento à saúde da população, a própria Constituição Federal presume, no art. 30, VII, a existência de interesse local, legitimados da atuação do Município.

Assim, na utilização dessa competência suplementar o Município pode, atendendo as peculiaridades locais e em respeito à legislação federal e estadual, estabelecer normas de fiscalização para vigilância sanitária de alimentos.

O Município de São Paulo, por meio de convênio celebrado com a Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo, pela Lei n° 10.085/86, tem a competência de fiscalizar e controlar as condições higiênico-sanitárias nos estabelecimentos que comercializam alimentos a varejo.

O desenvolvimento das ações de preservação da saúde do consumidor e, em especial, no tocante à vigilância sanitária de alimentos, baseiam-se no Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) e no Código Sanitário Municipal de Alimentos (Decreto n° 25.544/88).

A Vigilância Sanitária de Alimentos no Município de São Paulo é responsabilidade do Departamento de Inspeção Municipal de Alimentos - DIMA, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Abastecimento - SEMAB.

Esse procedimento é realizado das seguintes maneiras:

  • vistorias sanitárias realizadas na instalação de um novo comércio varejista de alimentos;

  • atendimentos de reclamações gerais;

  • comandos sanitários;

  • verificação de interdições realizadas nos comandos sanitários;

  • atendimento de surtos de toxinfecções alimentares noticiadas pelo Departamento de Inspeção Municipal de Alimentos

A Secretaria Municipal de Abastecimento possui, ainda, o Setor de Educação Sanitária para realização de cursos e palestras aos comerciantes, com a finalidade de transmissão de noções básicas de conservação, acondicionamento e higiene na manipulação de alimentos.

A Lei Municipal n° 11.728/96, regulamentada pelo Decreto n° 37.063/97, instituiu a obrigatoriedade do curso de "Normas Técnicas Especiais de Manipulação de Alimentos" a todos aqueles que comercializam alimentos a varejo.

A regulamentação das ações de inspeções no Município de São Paulo foi estabelecida pelos Decretos Municipais n°s 25.544/88 e 26.638/88.

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Sobre o autor
Alexandre de Moraes

Ministro do Supremo Tribunal Federal. Ex-Advogado e Consultor Jurídico. Ex-Ministro da Justiça. É formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo (USP), em 1990, onde também obteve os títulos de Doutor em Direito do Estado (2000) e Livre-docente em Direito Constitucional (2001). Chefe do Departamento de Direito do Estado da FADUSP. Professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie e das Escolas Superior do Ministério Público de São Paulo e Paulista da Magistratura; além de professor convidado de diversas escolas da Magistratura, Ministério Público, Procuradorias e OAB. Ex-Promotor de Justiça do Estado de São Paulo (SP). Ex-Secretário de Estado da Segurança Pública de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Alexandre. Competências administrativas e legislativas para vigilância sanitária de alimentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -366, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3023. Acesso em: 5 nov. 2024.

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