Colisão de direitos fundamentais: informação versus privacidade.

Direito natural do homem ou um privilégio constitucional de estar sozinho consigo mesmo?

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21/07/2014 às 17:55
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5. A “AUSÊNCIA” DE REGRAS DIANTE DO CONFLITO

Parte dos doutrinadores pesquisados apontam ainda que a causa do conflito seria a inexistência de regras mais claras. Para Gassen Zaki Gebara67: “a tutela jurídica desse direito (privacidade) está dispersa no nosso sistema normativo e apesar de contar com suporte constitucional, carece de disciplina normativa mais sistematizada”, defendendo uma reflexão que transcenda as esferas dos direitos individuais dos entes envolvidos, seja da pessoa que tenha o direito de personalidade ofendido, seja dos órgãos de imprensa, munidos da garantia da ampla informação, seja, ainda, o direito da população em geral em receber as informações pela mídia. Segundo o ele:

Interessa ver se a sociedade pretende ter um mínimo de respeito pelo conceito de ser titular de um direito, ou até que ponto pode-se abrir mão disso em nome de algum suposto interesse público, advertindo que, havendo privilégio da supremacia do benefício geral sobre o individual, no sentido de que um bem comum, conceito tão fluido, tão sujeito a influências ideológicas e a diferentes concepções do mundo, uma maioria de ocasião, pode fulminar o direito à intimidade ou a privacidade do particular. Ainda se esse suposto ‘interesse público’ está legitimamente credenciado ao aniquilamento do direito da informação pela mídia em geral.

Larissa Savadintzky68, em esparsos comentários diluídos em três páginas do seu artigo, aponta a inexistência de legislação específica sobre o tema aqui analisado além da sua nítida preocupação de que continuaremos órfãos da subjetividade das decisões, pela ausência de limites mínimos legalmente dispostos. Tal cenário fica ainda mais cinzento nas palavras do professor José Laurindo de Souza Netto69, com a afirmativa de que a repercussão negativa de um fato por parte da imprensa acaba por influenciar os órgãos judiciários, gerando o aniquilamento da sua liberdade de autodeterminação. Citando BLAZQUEZ70: “não se pode esquecer que ainda falta uma preparação específica e uma adequada deontologia profissional para alguns jornalistas”.

Esta preocupação com a “falta” de formação ética dos profissionais que militam na imprensa encontrou eco em nosso trabalho, quando fizemos o contraponto entre os “craques” profissionais e os “amadores da segunda divisão” e isto muito nos animou porque estávamos no “campo” certo da discussão. A ética, considerada pela psicologia como ciência relativa aos costumes tem por objetivo juízo de valoração entre o bem e o mal, distinguindo o comportamento correto e incorreto, traçando diretrizes de regência do comportamento humano, enquanto que a deontologia é uma disciplina especial adaptada ao exercício de uma profissão; portanto, a “ausência de deontologia” ocorre tanto com relação aos profissionais de imprensa, quanto com relação às personalidades. Ambos têm misturado e se servido indistintamente de valoração dos conceitos de forma inapropriada, causando o choque de conflitos e dos direitos que estão em jogo.

Ainda percorrendo o texto confeccionado pelo citado professor Souza Netto71, vamos entender que:

Os órgãos judiciários são influenciados pela repercussão negativa da prática criminosa, muitas vezes construídas artificialmente por parte da imprensa. Por outro lado, o desgaste sofrido pelo sujeito com a divulgação gera o quase aniquilamento da sua liberdade de autodeterminação. Além do mais, são limitados os meios que o ordenamento positivo coloca a sua disposição para reagir à indevida penetração da imprensa no próprio âmbito da privacidade, renunciando ao exercício de ação, pois causaria maior repercussão.

Apenas para exemplificar voltamos ao tema do Big Brother: Antonio Baptista Gonçalves72 afirma que no caso do referido programa: “Não há se falar em invasão de privacidade ou intimidade, porque fora exatamente a pessoa que “convidou” as demais a participarem de sua intimidade”, mais ainda neste caso ele defende que a imprensa: “pode e deve ser penalizada quando ultrapassar os limites impostos pelas personalidades, e na ausência de regramentos, o senso comum impera”; manifestando existir um “contrato de ajuste entre as partes e que quebrada as regras deste, haverá invasão de privacidade”.

Esta ótica sobre a ausência de regramentos serve também para os casos invasivos, ou seja, aqueles nos quais não há conhecimento ou consentimento da pessoa enfocada e que acabam, invariavelmente sendo discutidos na esfera judicial, interpretados de maneiras distintas e obtendo decisões diversas, causando, em muitos deles, uma insegurança jurídica de qual princípio deva prevalecer.

Luiz Guilherme Arcaro Conci73, no desfecho do seu artigo assim se manifesta:

Devo, unicamente deixar marcado que em momento algum quis dizer ou fazer com que a regra da proporcionalidade seja usada indiscriminadamente, vez que continuo a entender que o legislador tem a primazia da conformação dos direitos fundamentais, inclusive nas relações entre particulares, sendo, por exemplo, a CLT e o Código de Defesa do Consumidor expoentes desse raciocínio (grifos).

Confirmando que cabe ao legislador diagnosticar a ausência de regramentos sobre o assunto, preenchendo as lacunas necessárias para diminuição do conflito; portanto, que se faça valer a voz do legislador para regular as situações travadas entre os particulares e suas relações jurídicas, afirmando que ele “é o mais legitimado democraticamente” para tal mister.

Além da citada “ausência de leis” que regulamentem o assunto, dando guarida ao número cada vez mais crescente da ocorrência de choques entre os princípios fundamentais, George Marmelstein74, aponta ainda a:

Ocorrência de uma suposta colidência entre os ordenamentos (...) a Constituição Federal protege o direito à imagem de modo incondicionado, estatuindo o direito à indenização pelo uso indevido da imagem, independentemente de violação à honra, consoante norma expressa do art.5, incisos V e X: Art.5º (...) V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Contrário senso, ele infirma que:

O Código Civil, diz que somente haverá indenização pelo uso indevido da imagem, se houver ofensa à honra, à boa fama ou à respeitabilidade, ou se houver a análise da matéria à luz do art.20 do novo Código Civil, que assim dispõe: Art.20 Salvo se autorizadas, ou se necessárias à Administração da Justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

Entretanto, pelo levantamento e pelas opiniões já colacionadas neste nosso trabalho há manifesta certeza de que a suposta colidência não existe, porque é mais do que cediço que a norma estatuída na Constituição Federal está acima das leis descritas no Código Civil; portanto, bastaria sua aplicação para resolver os possíveis conflitos. E ainda que existisse a possibilidade de dúvida, o próprio Art.21 do Código Civil afirma que a “vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Não obstante tudo que foi levantado nenhum dos doutrinadores que afirmam existir ausência de regramentos específicos para minimizar a colidência dos princípios fundamentais em conflito conseguiu enumerar concretamente quais regras seriam justas nem como as mesmas deveriam ser aplicadas.

Tendo já citado os dispositivos constitucionais do direito à privacidade, impende reproduzirmos também, as regras constitucionais do direito à expressão, contidas no mesmo art.5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV, bem como a previsão do art. 220, § 1º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Portanto, são esses os comandos que causam os conflitos entre os direitos fundamentais e, nas palavras de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior75:

A liberdade de informação jornalística é por assim dizer a herdeira primogênita da antiga liberdade de imprensa. A existência de uma opinião pública livre é um dos primeiros pressupostos de democracia de um país. Só é possível cogitar de opinião pública livre onde existe liberdade de informação jornalística. Por isto, entende-se que esta, mais do que um direito, é uma garantia institucional da democracia (...) Por esse raciocínio, quer-se precisar que, versando sobre fato importante, a informação jornalística prefere aos demais direitos da personalidade. Assim sendo, o veículo ou o jornalista não podem ser onerados pelo exercício regular de um direito. Porém, versando sobre fatos sem importância, no mais das vezes, relacionados a aspectos íntimos da vida de um artista ou de pessoa da vida pública, não há que se falar em direito à liberdade de informação jornalística, pois, a bem do rigor, a informação não teria qualquer caráter jornalístico (...) A liberdade de informação, no entanto, também encontra limites. A notícia, mesmo verdadeira, não deve ser veiculada de forma insidiosa e abusiva, entregando-lhe contornos de escândalo (grifos).

Neste momento, cumpre adentrarmos no assunto da revogação da Lei de Imprensa, pois se o tema abordado é a colisão entre os direitos fundamentais e se, ao longo do texto conseguimos construir argumentos sólidos em defesa pelo direito à privacidade, não poderíamos nos furtar de mencionar a revogação da Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, que regulamentava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação até 30 de abril de 2009, por mais de 42 anos.

Não há como afirmar que os autores pesquisados e que se manifestaram pela ausência de regras definidas como pacificadoras dos conflitos objeto deste trabalho são contrários ou favoráveis ao definitivo expurgo da Lei de Imprensa do nosso sistema legislativo; uns porque elaboraram seus trabalhos antes da revogação e outros porque não comentaram o assunto.

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Segundo nota do site G1 Política- Notícias76, em 30/04/2009, uma quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabava de revogar a Lei de Imprensa, atendendo ação protocolizada pelo PDT- Partido Democrático Trabalhista. Segundo a nota, sete dos onze ministros votaram pela revogação total da Lei, editada em 1967, durante a ditadura militar. Com a derrubada da Lei, deixaram de existir penas de prisão específicas para os jornalistas e suas atividades passaram a ser decididas com base nos Códigos Penal, Civil e na Constituição, alterando também as formas de indenização e do direito de resposta.

A seção de revogação da Lei de Imprensa foi cercada de altos debates e embates entre os Ministros do Supremo. Três Ministros – Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e o então Presidente da corte, Gilmar Mendes, defenderam a revogação parcial da Lei. Joaquim Barbosa defendia a manutenção de seis artigos, dentre eles os que responsabilizam o jornalista por preconceito de raças e classes, por fatos falsos que perturbam a ordem pública e os que tratam da calúnia, injúria e difamação, por considerar que: “a imprensa pode destruir a vida de pessoas privadas, como nós temos assistido nesse país”. (grifos).

Ellen Gracie votou concordando com Joaquim Barbosa, acrescentando a manutenção dos artigos proibindo a propaganda de guerra, itens igualmente apoiados pelo Ministro Barbosa. O Presidente Gilmar Mendes defendia que os artigos prevendo o direito de resposta deveriam ser mantidos. Para ele:

A desigualdade de armas entre a mídia e o indivíduo é patente. O direito de resposta é uma tentativa de estabelecer um mínimo de igualdade de armas. Vamos criar um vácuo jurídico numa matéria dessa sensibilidade? É a única forma de defesa do cidadão (...) não se pode permitir abusos irreversíveis como o ocorrido no caso da Escola Base, em 1994, em São Paulo (grifos).

A nota postada no site G1 informa que o caso citado pelo Ministro foi a divulgação, pela imprensa, de que os donos da escola teriam abusado sexualmente de crianças. No entanto, o inquérito policial acabou arquivado por não haver indício de que a denúncia tivesse fundamento.

No entender do Ministro Ricardo Lewandowski, favorável à extinção da Lei de Imprensa, o artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material é: “autoaplicável, não necessitando de outro comando jurídico”. Para o Ministro Menezes Direito: “não é possível legislar com conteúdo punitivo e impeditivo da liberdade de imprensa, que crie condições de intimidação”.

Não obstante, a voz verdadeiramente dissidente foi a do Ministro Marco Aurélio de Mello – único que defendeu que a Lei continuasse em vigor - sugerindo a formulação de nova legislação para substituir a Lei de Imprensa, cuja ausência completa de lei “causaria insegurança jurídica”.

Esse histórico debate na alta corte do nosso país, dentro das paredes da residência oficial dos “guardiões da Constituição” onde se decidiu a revogação integral da Lei de Imprensa não por unanimidade, mas sim pela maioria - sete votos pela revogação integral, três votos pela revogação parcial e um voto pela manutenção do atual comando normativo jurídico e sua posterior reformulação - comprova, uma vez mais que o assunto é relevantíssimo, controvertido e instigante, precisando ainda de mais alguns capítulos para que possa solucionar os conflitos em jogo.

Os dados manipulados neste nosso ensaio nos levam a esposar dos mesmos entendimentos dos quatro Ministros que tiveram votos e argumentos derrotados porque pior do que uma Leia antiga, com alguns importantes e necessários artigos que poderiam continuar vigendo, semiretalhada pela revogação de tantos outros artigos considerados ultrapassados porque gerados na época ditatorial – que poderiam até ser objeto de “recauchutagem”, ganhando uma sobrevida – é não termos mais Lei nenhuma, regramento nenhum, parâmetro nenhum para que, repetindo a frase do Ministro Gilmar Mendes: “o indivíduo possa utilizá-la como arma na luta desigual travada contra a mídia”.

Por outra vertente, vencidos nesta batalha, mas ainda não derrotados na guerra, os preclaros Ministros deveriam adotar a literalidade do discurso vencedor do Ministro Ricardo Lewandowski, sobre a autoaplicação das normas constitucionais dos direitos fundamentais, contidas no artigo 5º da Carta Prima; aliás, citado entendimento deveria ser igualmente adotado por todos os operadores do direito que apontam existir “ausência de regras” para solucionar o conflito dos princípios aqui pesquisados.

Colocada assim a “falta” de regras mais bem definidas, nos encontramos diante de um grande desafio social a ser transposto e, como já bem dito por Gassen Zaki Gebara77, importa saber, nesta reflexão, o que interessa a sociedade: “eleger como regra um mínimo de respeito à dignidade da pessoa humana”, advindo, logicamente do Direito Natural, ou acenar “pelo interesse geral, ou da informação sobre o individual, ou da privacidade”.

Se esta fosse a única saída, ficaríamos com a opinião de Gebara de que: “uma maioria ocasional fulminaria os direitos individuais”, portanto insistiríamos que o direito à privacidade é Direito Natural e como tal deveria ser reconhecido. Todos os demais direitos são reflexos à existência da pessoa humana e, se fosse preciso - para estatuir definitivamente esta inata situação da privacidade do homem como centro irradiador de todos os demais direitos - dispostos estaríamos a alinhavar tratados, decretos, resoluções, códigos e Leis que além de reconhecerem e tutelarem a privacidade como elo central acima de outras garantias fundamentais, prescrevesse adequados remédios punitivos para aliviar a dor quando da quebra desse princípio primeiro, inibindo àqueles que se aventurassem a desconsiderá-lo em nome do vago termo “interesse público”.

Todavia, nosso trabalho não detectou ausência de regras específicas para a solução dos conflitos; pelo contrário, apontou sim uma ausência de aplicação - por parte daqueles que foram incumbidos de dizer o direito – de maneira pura e simples dos comandos da nossa Carta Magna, indiscutivelmente soberana e acima de todos os demais ordenamentos jurídicos, irradiando sobre os demais preceitos a sua força ápice de nascedouro da “vontade geral” de toda uma sociedade. Não foi à toa que o legislador originário, eleito pelo voto popular para integrar a Assembléia Nacional Constituinte, recepcionou, como Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior 78 exploraram o assunto, afirmando que:

Os direitos fundamentais têm caráter histórico, isto é, se formos rebuscar seus antecedentes, encontraremos uma cadeia evolutiva, no pico da qual eles se situam. Os direitos fundamentais nasceram com o cristianismo. A doutrina cristã elevava o homem à situação de semelhança a Deus, indicando a igualdade como um dos pressupostos fundamentais. Assim, o ser humano foi alçado a um novo patamar de dignidade (grifos).

Esta frase explica, até este momento, os direitos fundamentais pela ótica do Direito Natural, não positivado juridicamente, mas elevado como princípio pela religião. Entretanto, os referidos constitucionalistas continuam sua reflexão, dizendo que:

Depois desse período, a discussão sobre os direitos humanos ficou adormecida, vindo depois a ser despertada com o advento das declarações de direitos humanos. Dentre elas podemos citar a Magna Carta Libertatum, de 1215, a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 1776, e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sobrevindo a Declaração Universal de Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, 1948.

Os mencionados doutrinadores observam que este processo evolutivo: “ainda não chegou ao seu final em decorrência de diversas manifestações que vem aumentando o rol desses direitos”, citando, como exemplo recente a questão do meio ambiente.

Todavia, os primeiros direitos fundamentais defendidos pela Igreja, que olhou a dignidade da pessoa humana através de novos óculos, tinham como destinatário o homem e não sua forma de linguagem ou de comunicação. Do mesmo modo, as primeiras leis colocavam o homem como centro dos direitos humanos e uma vez mais, cuidaram da dignidade e da privacidade da pessoa humana enquanto sujeito de direitos, rol que foi abrangendo com o passar do tempo outros tantos direitos considerados fundamentais, mas todos eles possuindo uma relação de co-dependência com o pressuposto maior: o da dignidade da pessoa humana. Tanto é assim que a nossa Carta Maior recepcionou em seu Primeiro Artigo, sob o título “Dos Princípios Fundamentais”, no inciso III, a dignidade da pessoa humana, como uma chave-mestra de todas as outras que dela derivam ao longo do texto constitucional.

Parafraseando, as palavras do Professor José Laurindo de Souza Netto79:

O respeito da dignidade da pessoa humana remete ao reconhecimento da superioridade do indivíduo como valor intangível, exigindo proteção frente a todo poder. Impõe-se de maneira absoluta na ordem jurídica, pois consiste o ponto nuclear onde se desdobram todos os direitos fundamentais (grifos).

Ora, dada a claridade solar desta afirmação pinçada da análise do primeiro artigo escrito pelos legisladores originários no Preâmbulo do nosso Estatuto Maior, nada mais precisaria ser dito ou debatido. O homem, centro de tudo, trajando as vestes da dignidade (e não as “sandálias da humildade”) é detentor de superioridade absoluta e encontra-se sentado no ápice da pirâmide. Abaixo dele se desdobram todos os demais direitos que só foram escritos e depois descritos por causa da existência do homem, indivíduo que possui valor intocável, impalpável, intangível.

Como se não bastassem os comandos jurídico-normativos em favor desta dignidade exclusiva e absoluta que possui força motriz capaz de repelir qualquer intenção da mais leve tentativa de sua mitigação, encontramos vários julgados80, além dos diversos casos concretos já citados ao longo deste ensaio, que a recepcionam, em desfavor do direito de expressão:

1-STJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Pessoa pública. Artista de televisão. Limitação ao Direito de imagem. Verba fixada em R$ 5.000,00. CCB/2002, art. 186. CF/88, art. 5º, V e X. Ator de TV, casado, fotografado em local aberto, sem autorização, beijando mulher que não era sua cônjuge. Publicação em diversas edições de revista de fofocas. Por ser ator de televisão que participou de inúmeras novelas (pessoa pública e/ou notória) e estar em local aberto (estacionamento de veículos), o recorrido possui Direito de imagem mais restrito, mas não afastado. Na espécie, restou caracterizada a abusividade do uso da imagem do recorrido na reportagem, realizado com nítido propósito d (...)

(Doc. LEGJUR 103.1674.7535.2300).

2-TJRJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Direito de imagem. Uso indevido. Indenização bem arbitrada. Autor que trabalhava para a ré, como pianista. Comercial divulgado pela televisão em que aparecia a imagem do autor. Posterior extinção do contrato de trabalho. CCB/2002, art. 186. CF/88, art. 5º, V e X. Ré, que sem autorização expressa do ex-empregado, consentiu que aquelas mensagens publicitárias, continuassem a ser divulgadas. Responsabilidade exclusiva dela, que assim se beneficiava, e não da agência publicitária. Dever de indenizar pelo uso inconsentido da imagem, como direito personalíssimo, tutelado constitucionalmente. (...)

(Doc. LEGJUR 103.1674.7518.6700).

3-STJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Imprensa. Direito de imagem e a intimidade. Direito e liberdade de informação. Conciliação. Considerações do Min. Cesar Asfor Rocha sobre o tema. CF/88, arts. 5º V e X e 220. Desse modo, o deslinde da controvérsia, como se desprende, reclama a conciliação de dois valores sagrados das sociedades culturalmente avançadas, quais sejam o da liberdade de informação (no seu sentido mais genérico, aí incluindo-se a divulgação da imagem) e o da proteção à intimidade, em que o resguardo da própria imagem está subsumido. É certo que em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogit (...)

(Doc. LEGJUR 103.1674.7419.9300).

4-STJ. Direito de imagem. Reprodução indevida. Lei 5.988/73, art. 49, I, f. Dever de indenizar. CCB, art. 159. A imagem é a projeção dos elementos visíveis que integram a personalidade humana, é a emanação da própria pessoa, é o eflúvio dos caracteres físicos que a individualizam. A sua reprodução, consequentemente, somente pode ser autorizada pela pessoa a que pertence, por se tratar de direito personalíssimo, sob pena de acarretar o dever de indenizar que, no caso, surge com a sua própria utilização indevida. É certo que não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, esta

(Doc. LEGJUR 103.1674.7419.9400).

5-TJRJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Imprensa. Direito de imagem. Direito da personalidade. Imagem publicada em jornal. Foto tirada da multidão. Lei 5.250/67, art. 56. CF/88, art. 5º, V e X. De logo, afaste-se a incidência do art. 56. da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa). Não se trata de indenização por dano moral, mas indenização por uso indevido de imagem. No mérito, trata-se de foto tirada da multidão ilustrando a primeira página do jornal e da qual se destaca, em primeiro plano, a figura do autor. Logo se vê que não se tirou a foto pessoal do autor, senão a foto da multidão e nela estava o autor. Nestes casos, de interesse público, de mera coleta de fatos públicos, não se pode prete (...)

(Doc. LEGJUR 103.1674.7252.1600).

Ainda em nosso socorro, comprovando que não há vazio legal para enfrentar os choques dos princípios fundamentais, importante colacionar a Súmula 403 do STJ:

SÚMULA 403: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.

Citado verbete, aprovado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e divulgado em novembro de 2009 pelos sites jurídicos especializados, teve como referência a Constituição Federal de 1988, art.5º, inciso V, dispositivos já citados alhures.

Como se percebe, não falta disposição, no direito material, para se coibir a tentativa de atingir a dignidade da pessoa humana. A ausência não está, como já afirmado e comprovado, na falta de regras, normas e parâmetros, mas sim na sua correta interpretação e subsunção ao caso concreto. Nosso trabalho acena no sentido de não existir balança capaz de igualar duas máximas tão distintas: a primeira, que acompanha o homem desde o mais remoto horizonte dos seus dias e que fez dele um ser honorável, que o levou do inconsciente estado Neanderthal para a glória do Australopitecus Erectus, traduzida como dignidade natural; a segunda, que lhe possibilitou a linguagem, dando-lhe a capacidade de expressão. Quem possui mais força, mais peso, mais importância? Aquela nascida naturalmente ou aquela que o capacitou ao longo de sua jornada dentro da existência humana? Quem se capacita, nos nossos dias, o faz para se profissionalizar, para melhorar sua condição de vida, para se adequar, para enfrentar o mercado de trabalho que exige homens (e mulheres) mais preparados; mas todos os “capacitandos” trazem consigo algo que a capacitação não lhes ofertará: a criação, a ética, a responsabilidade, a dignidade, a intimidade, a privacidade. Todos esses atributos que não fazem parte da grade da capacitação significam um conjunto de elementos naturais incorporados ao homem que aprendeu a se comunicar para melhorar sua situação enquanto integrante do gênero humano e não para se autoridicularizar, se autodestruir. Quem assim pensa, com certeza ainda não evoluiu da Idade da Pedra Lascada para a Idade do Fogo, da luz, da consciência e da razão.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Monografia apresentada e defendida no Curso de Pós em Direito Público com Habilitação do Ensino Superior. LFG/Anhanguera/Uniderp 2011

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