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Quem tem medo do prequestionamento?

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01/07/2002 às 00:00
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4) Prequestionamento, embargos de declaração e recursos extraordinário e especial

Se um dia perguntarem minha opinião sobre o prequestionamento não hesitarei em afirmar sua previsão constitucional e filiar-me, convictamente, ao entendimento defendido, dentre outros, pelo Ministro Eduardo Ribeiro. À luz do texto constitucional, em específico, dos arts. 102, III e 105, III, tenho cada vez menos dúvidas de que, para o acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, a matéria (a causa) deve estar devida e exaurientemente decidida pelas instâncias locais. Se não for decidida — mesmo que pudesse ter sido —, não há como alcançar aquelas duas Cortes Superiores para tratar de tema que o órgão a quo não decidiu.[42] Recorre-se do conteúdo positivo da decisão, assim compreendida o acolhimento ou a rejeição dos fundamentos, das alegações e das teses trazidas pelas partes desde a propositura da ação, fossem para demarcar ou para individuar a causa de pedir da ação. O que não se decidiu não pode ser objeto de recurso justamente pela mitigação (ou restrição) do efeito devolutivo dos recursos extraordinário e especial, limitados pela cláusula constitucional da causa decidida. Trata-se, a doutrina reconhece à unanimidade, de recurso de fundamentação vinculada.[43]

Evidente que embargos de declaração podem (e devem) ser opostos para sanar a omissão do que deveria ter sido decidido e não o foi por qualquer motivo. Quando a rejeição destes embargos é errada abre-se o ensejo para a interposição de recurso especial para correção deste vício (CPC, art. 535, II ou o art. 458, II), justamente para que se busque a decisão da causa, requisito constitucionalmente imposto para admissibilidade do recurso especial e para o recurso extraordinário (CF, arts. 102, III e 105, III). Não é diverso o entendimento do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que vê, nesta mesma hipótese, violação ao art. 93, IX, da Constituição segundo o qual, para o que interessa a este trabalho, "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade".[44]

Na exata medida em que o recurso extraordinário e também o recurso especial não devem ser conhecidos quando fundamento suficiente não é atacado [45] o acórdão local deve, necessariamente — sob pena de incidir em error in procedendo —, analisar, um a um, os fundamentos e as teses levantadas pelo recorrente, seja para acolhê-las ou para rejeitá-las e, nesta proporção, decidir acerca de cada uma delas. Decidindo-as, mesmo que para rejeitá-las, a matéria está prequestionada. Se não forem decididas de uma forma ou de outra, entretanto, o acórdão é omisso, sendo cabíveis os embargos de declaração para corrigir este vício.

Daí o acerto da lição de Moacyr Amaral Santos no sentido de que "... a chamada federal question, selecionada pelo legislador constituinte brasileiro, como pressuposto fundamental do recurso especial, deve ser entendida como uma dúvida a respeito da interpretação ou da aplicação de tratado ou de lei federal, invocado como fundamento da lide".[46]

As fórmulas usuais das instâncias estaduais e regionais para rejeitar declaratórios opostos com esta finalidade — ‘o Tribunal não é obrigado a responder questionários’ ou ‘o Tribunal não está obrigado a analisar todos os fundamentos das partes’ — devem ser recebidas com ressalvas e não podem ser generalizadas, isto é, aplicadas a todo e qualquer caso de embargos de declaração, mesmo àqueles confessadamente opostos para fins prequestionadores.

O Tribunal só não é obrigado a responder em embargos de declaração todos os fundamentos das partes quando todos os que foram levantados até o julgamento do recurso do qual se pretende recorrer extraordinária ou especialmente já foram devidamente analisados e acolhidos ou rejeitados pelo Tribunal, isto é, quando já respondidos e, portanto, quando nada há o que suprir com os declaratórios. É comum que embargos de declaração sejam opostos com o fito de provocar um novo repensar do órgão julgador — apenas e tão somente um novo repensar — sobre as mesmas questões já postas e já decididas. Este recurso, indubitavelmente, deve ser rejeitado diante da ausência de quaisquer vícios de julgamento. O mero rejulgar não é função recursal que deve ser desempenhada pelos embargos de declaração.

Do mesmo modo se dá com a hipótese em que o Tribunal se recusa a analisar uma determinada tese jurídica (um argumento, uma nova ‘razão de recurso’) e que, não obstante ser dependente de manifestação do interessado, está sendo apresentada pela primeira vez, isto é, originariamente, nos embargos de declaração. Aqui também o recurso deve ser rejeitado. Não há omissão a ser suprimida porque a causa, tal qual chegou ao Tribunal, foi decidida. Outras teses possíveis de serem argüidas mas não ventiladas até então, mesmo que pertinentes para a delimitação da causa de pedir, e, pois, para a conformação dos efeitos objetivos da coisa julgada, não interferem na manifestação do Tribunal e não a nulificam. Até porque, "passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido" (CPC, art. 474).[47] A modificação da causa de pedir propriamente dita a esta altura, com mais razão, é absolutamente inconcebível, por força do art. 264, do Código de Processo Civil.

Bem diferente das situações narrados nos últimos dois parágrafos, no entanto, é a hipótese do órgão julgador querer se dar por satisfeito com uma ou com duas das diversas razões trazidas pelas partes para manter ou reformar a decisão recorrida. Enquanto houver fundamentos suficientes para embasar a tese recursal o Tribunal deve apreciá-los para rejeitá-los ou acolhê-los. Se assim não fizer, os embargos declaratórios têm pleno cabimento e, desde que rejeitados sob as fórmulas já destacadas, há espaço para a interposição de recurso para corrigir este error in procedendo, que deriva, para mencionar um fundamento legal, do art. 535 do Código de Processo Civil. Do mesmo modo que não é cabível o recurso de apenas um dos fundamentos da decisão porque ela pode se sustentar no outro não recorrido (que ‘transita em julgado’, é comum se ouvir), a decisão não estará completa (a causa não estará decidida como exige a Constituição) senão quando todas as razões trazidas tempestivamente pelas partes forem devidamente apreciadas e valoradas para que sejam rejeitadas ou acolhidas. É dizer por outras palavras: a interposição do recurso especial ou extraordinário depende da prévia decisão de todas as questões relevantes para o deslinde da causa.

Por esta razão é que não se pode admitir a interposição do extraordinário ou do especial do conteúdo negativo da decisão, isto é, daquilo que ainda não foi decidido. Nestes casos, é necessário que se decida o que ainda não foi decidido o que é possível pelo uso dos embargos declaratórios, para, posteriormente, impugnar o que concretamente for objeto de decisão perante o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça. Na recusa do julgamento dos declaratórios, entretanto, impõe-se, em primeiro lugar, interpor recurso especial alegando-se violação ao art. 535 do Código de Processo Civil para que, sanado o vício do julgamento anterior (o error in procedendo), possa se questionar a ‘matéria de fundo’ (o error in judicando), perante as Cortes Superiores.

Confirma estas observações, quero crer, o que se passa quando da análise das matérias cognoscíveis de ofício pelos órgãos judicantes (CPC, art. 267, § 3º). Haverá omissão do órgão julgador a quo quando a questão que se pretende ver discutida nos embargos declaratórios é daquelas matérias que podem (rectius, devem), a qualquer tempo e grau de jurisdição (ordinária), ser examinadas e, não obstante, sobre elas ter se silenciado a instância local. Aqui têm lugar os embargos de declaração lastreados no art. 535, II, do Código de Processo Civil para que a questão seja devidamente enfrentada e decidida, mesmo que a matéria seja, por qualquer motivo, nova. Os embargos de declaração, nestas condições, são o veículo de exame de questão que deveria ou, quando menos, poderia ter sido examinada (até mesmo sem provocação das partes) mas não o foi. De sua incorreta rejeição, segue-se também o error in procedendo a ser corrigido por recurso especial estribado na violação ao art. 535, II, do Código de Processo Civil.

Não, entretanto, quando a instância local acaba julgando a causa por um motivo até então inédito, justamente porque a matéria podia ser apreciada de ofício em qualquer grau de jurisdição. Sem que nenhuma das partes tenha argüido, por exemplo, a legitimidade ativa, nem por isto é vedado ao Tribunal decretar a carência da ação nos moldes do art. 267, VI, do Código de Processo Civil independentemente de qualquer iniciativa dos litigantes (CPC, art. 267, § 3º). É desta decisão que se deverá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (ou ao Supremo Tribunal Federal, se for o caso), desnecessários embargos de declaração que, no máximo, só terão o condão de aflorá-la ou evidenciá-la. A razão é simples: já se decidiu ser o autor parte ilegítima para ação e esta decisão consuma-se com a realização do julgamento. É o que basta para o contraste perante as Cortes Superiores. Este tema — o da legitimidade — está, portanto, prequestionado.

Concordo, aqui, com José Miguel Garcia Medina, para quem "... sob qualquer ângulo que se analise o assunto, conclui-se que o comando previsto nos arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC não prevalece sobre o disposto nos arts. 102, inc. III, e 105, inc. III, da CF. Infere-se do exposto que somente serão cabíveis os recursos extraordinário e especial, no que respeita às matérias de ordem pública, se referidas matérias tiverem sido decididas no pronunciamento recorrido. Em sede doutrinária, este é o entendimento que tem prevalecido, embora nem sempre pelos fundamentos ora apontados. De igual modo, o Superior Tribunal de Justiça, tem entendido que ‘mesmo as nulidades absolutas não poderão ser examinadas no especial se a matéria pertinente não foi, de qualquer modo, cogitada pelo acórdão recorrido, excetuando-se apenas aquelas que decorram do próprio julgamento. Isso porque, se a decisão recorrida não analisou a questão, não se pode falar que houve violação da lei federal".[48]

Ademais, a matéria decidida pela decisão recorrida que se pretende seja reexaminada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça pode contrariar a Constituição ou a lei federal justamente porque não tem aplicação na espécie e, por esta razão, é que não havia sido objeto de prévio debate entre as partes. Trata-se, aqui também, de vício que surge quando do proferimento da decisão que se pretende recorrer pelo extraordinário ou pelo especial.[49] Aqui, também, no entanto, as partes não têm mais nada a fazer que não interpor, desde já, o recurso especial ou extraordinário (desde que preenchidos os demais pressupostos, evidentemente). A decisão, certa ou errada, já foi tomada.

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Esta breve exposição acaba revelando, destarte, que são bastante diversas as situações que a realidade forense apresenta diante do proferimento de decisão que, por ser de única ou última instância, comporta, em tese, recurso extraordinário ou especial. Antes da interposição destes recursos, é imperioso o exame do conteúdo da decisão e seu confronto com as alegações das partes para se verificar se a decisão já está pronta para ser objeto de impugnação perante as Cortes Superiores ou se nela reside, ainda, algum vício que precisa ser sanado previamente com o esgotamento das ‘vias recursais ordinárias’. Desde que necessários e pertinentes os declaratórios, sua rejeição indevida pelo órgão a quo inviabiliza o imediato acesso ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal, à mingua de causa decidida. Diferentemente, quando tudo o que, pertinentemente, havia sido argüido e levantado pelas partes foi objeto de consideração, a abertura da via extraordinário e da especial é indesmentível.

É neste contexto que confesso a impossibilidade de dar minha adesão irrestrita à Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça, muito menos à generalização que ela parece empreender, tratando todas as hipóteses ventiladas acima indiferentemente.

Com efeito. Ao mesmo tempo em que a Súmula afasta o cabimento do recurso especial de toda a questão não decidida pela instância a quo, o acolhimento de eventual recurso especial interposto para que seja corrigido error in procedendo derivado da recusa do órgão julgador em analisar estas questões (o recurso especial por contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil) prescinde da oposição de novos declaratórios em que esta questão ou tema — a violação ao art. 535 — seja devidamente apreciado. Ora, se a questão relativa à contrariedade ao art. 535 não precisa ser posta pelos litigantes, sendo suficiente a identificação de sua ocorrência já em sede de recurso especial, por que outros vícios que só surgem no julgamento precisam sê-lo pela oposição de embargos declaratórios para esta finalidade?[50]

Pertinentes estas questões porque o Superior Tribunal de Justiça entende, majoritariamente, que os declaratórios são sempre necessários para questionar quaisquer vícios de julgamento ou matérias de ordem pública, mesmo quando ocorridos ou derivados do próprio julgamento do qual se pretende recorrer. Prova disto são os acórdãos colacionados na nota 48, supra.

Mas se assim é, parece que a Súmula nº 211 daquele Tribunal acaba oferecendo dois pesos e duas medidas. A tendência é que recursos especiais não sejam conhecidos toda a vez que a rejeição errada de embargos de declaração prequestionadores não render ensejo à interposição de recurso especial em que, apenas e tão somente, a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, seja discutida. No entanto, estes recursos prescindem da oposição de novos embargos de declaração em que o recorrente busque o enfrentamento desta e só desta questão perante a instância a quo. Ao mesmo tempo, em outros vícios de julgamento que não digam respeito, especificamente, à configuração do prequestionamento, o Superior Tribunal de Justiça entende necessária a prévia interposição de embargos de declaração perante a instância a quo para que o vício de julgamento reste ‘prequestionado’, e, só nestas condições, possa ser objeto de contraste pelo recurso especial. Aqui, a falta de oposição prévia dos declaratórios quanto ao vício de julgamento que surge no acórdão é óbice ao conhecimento do recurso especial por falta de prequestionamento. Lá, quando o recurso especial é interposto com base no ‘prequestionamento’ que anterior embargos declaratórios, fundados na prática e vivência da Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal, tiveram o intuito de fixar, o recurso especial não é conhecido porque a costumeira rejeição dos embargos redunda não em prequestionamento (que seria, para usar expressões consagradas pelo uso, ‘presumido’ ou ‘ficto’) mas na necessária interposição direta de recurso especial em que se impugne, apenas e tão somente, a contrariedade do art. 535, do Código de Processo Civil, na espécie.

O Superior Tribunal de Justiça, destarte, que entende necessária a oposição de declaratórios para aventar, ainda perante a instância a quo os vícios que, porventura, surjam no próprio julgamento, sob pena de recurso especial interposto para correção destes vícios carecer de prequestionamento, entende-a desnecessária quando este vício for o relativo a uma eventual omissão quanto à configuração do prequestionamento. No entanto, eventual recurso especial interposto para tratar especificamente da questão que deveria ou poderia ter sido analisada pela instância a quo mas não o foi será rejeitado porque o vício de julgamento decorrente da falta desta análise não foi impugnado perante aquela Corte, embora a ocorrência deste vício seja pressuposto para o desenho da Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça.

Daí, nos trabalhos tantas vezes mencionados, ter me preocupado saber como o Superior Tribunal de Justiça consegue detectar se uma decisão foi omissa sem constatar, concretamente, as razões que deixaram de ser por ela apreciadas. Acentuei, outrossim, que o sucesso do recurso especial interposto por violação ao art. 535, do Código de Processo Civil, para fins de ocorrência de prequestionamento nos termos e para os fins da Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça, vincula-se ao reconhecimento ex novo, pelo Superior Tribunal de Justiça, de que o órgão a quo deixou de apreciar determinada questão o que independe, todavia, de novos declaratórios. Quando o Superior Tribunal de Justiça detecta a omissão, ele, na verdade, destaca, acentua e reconhece a iniciativa da parte quanto à necessidade de uma determinada matéria ter sido analisada pela instância a quo, o que não deixa de algo muito próximo ao que, por décadas, imperou e foi suficiente, de acordo com a orientação cristalizada na Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal, para acesso àquela Corte. Não fosse assim e não haveria omissão a ser suprimida, pelo que os declaratórios seriam incabíveis e, conseqüentemente, infrutífero o eventual recurso especial interposto para impugnar a decisão a quo por violação ao art. 535 do Código de Processo Civil.[51]

A ‘omissão’ quanto ao ‘prequestionamento’, assim, é tratada diferentemente se comparada com outros vícios que podem resultar do julgamento da instância inferior. Sendo assim, cabe perguntar em que condições objetivas e concretas é possível verificar o que está ou não está prequestionado e, portanto, apto para ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Estas considerações têm como intuito apenas reiterar que me parece bastante difícil pretender generalizar todos os tipos de vícios que, em tese, podem ocorrer em julgamentos para dizer que os declaratórios são cabíveis e necessários em todos os casos em que se pretende alcançar a instância extraordinária ou especial e, nestas condições, que sua rejeição, dá ensejo à necessária interposição de recurso especial para cuidar especificamente do conteúdo da decisão sobre os declaratórios (error in procedendo).

Uma coisa é haver omissão, obscuridade ou contradição na decisão recorrida e estes vícios não serem devidamente corrigidos, mercê da oposição dos declaratórios [52] ou, eventualmente, negar a este recurso seu natural caráter modificativo, na exata proporção em que a correção do vício influi no julgamento anterior.[53] Outra, bastante diferente, é querer emprestar a este recurso uma função que ele não tem, qual seja, a de criar vícios de procedimento que não existem, rediscutir o que já foi, bem ou mal, discutido, ou introduzir questões e matérias para julgamento de forma tardia. Mais ainda: servirem os embargos de declaração como forma de dificultar ou impedir o acesso às Cortes Superiores na medida em que é difícil constatar um critério uniforme para saber quando e como eles devem ser interpostos e para qual finalidade.

Na primeira hipótese do parágrafo anterior, a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil é inequívoca, a desafiar recurso por este fundamento que, não é demais frisar, decorre da própria rejeição (errada) dos embargos declaratórios. Querer que o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal conheça diretamente de questão que não foi apreciada ou que foi apreciada ‘pela metade’ em função de vício de julgamento é, sem dúvida alguma, subverter a sistemática dos recursos extraordinário e especial. Eles só cabem — a Constituição é clara quanto a este ponto — de causa decidida em única ou última instância. Não há dúvida em doutrina e em jurisprudência no sentido de que esta expressão é significativa do não cabimento de outros recursos (ordinários) da decisão que se pretende recorrer.[54] Se há recurso apto para corrigir os vícios de julgamento levantados pelo recorrente (os embargos de declaração e seus eventuais efeitos modificativos, por exemplo) é esta a via recursal que deve ser utilizada pelo recorrente, em detrimento da necessidade do uso do recurso especial (ou extraordinário). Obstada sua iniciativa por erro de julgamento e, certamente, o recurso especial deverá ser interposto para que seja declarado este vício (violação do art. 535, do Código de Processo Civil) determinando-se que a obscuridade, a contradição ou a omissão sejam devidamente analisadas e supridas perante a instância a quo. Só assim é que de causa decidida pode se cogitar para fins de recurso especial ou extraordinário.

Neste sentido não há como deixar de concordar com as considerações de Eduardo Ribeiro para quem, "se a decisão era suscetível de ser reformada na instância ordinária, nessa haveria de sê-lo. Enquanto não esgotados os recursos, a decisão não é definitiva. E não o sendo, não há lugar para o extraordinário ou especial, como de tranqüilo entendimento".[55]

É, pois, nestas condições — abstraídas, portanto, quaisquer generalizações —, que deve ser entendida a segura observação de Nelson Luiz Pinto acerca da Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça:

"De acordo com essa Súmula do STJ, não basta para exigência do prequestionamento que da matéria objeto do recurso especial a cujo respeito o acórdão recorrido foi omisso tenha a parte interposto embargos de declaração. Há necessidade de que os embargos sejam providos e que o tribunal a quo se manifeste precisamente sobre a questão federal que será objeto do apelo à instância especial.

Assim, caso haja efetivamente a omissão a respeito da questão federal no acórdão recorrido e sejam rejeitados os embargos de declaração, deve a parte, em seu recurso especial, argüir a nulidade do acórdão, em razão de ser ele infra petita ou omisso e incompleto quanto à sua fundamentação, não podendo discutir no recurso especial a questão a respeito da qual alega ter havido omissão".[56]

Não é diferente o entendimento de Eduardo Ribeiro, referindo-se, embora para criticar, à Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal:

"Ocorre que a redação daquela súmula permite concluir que basta a apresentação dos declaratórios para ter-se superada a dificuldade, ainda que rejeitados por incabíveis. Abrir-se-ia ensejo para recorrer, quanto ao ponto em relação ao qual omisso o acórdão, omissão que continuou após a decisão dos embargos".[57]

Em suma, a verificação do que está ou não prequestionado (decidido) para fins de recurso extraordinário e especial e a função do recurso de embargos de declaração para suprir eventuais vícios de procedimento da decisão a ser recorrida não pode ser generalizada, como usualmente se dá. Cada caso deve ser tratado como tal, para que se constate o que se pediu a partir de qual ou quais fundamentos e sobre o que se decidiu a partir de que fundamentos. Mais ainda: se foram, ou não, apreciadas as questões que, independentemente de provocação das partes, deveriam ter sido levadas em conta para o deslinde do caso ou que, por um motivo ou por outro, acabaram sendo trazidas para exame apenas e tão somente quando da interposição dos embargos declaratórios.

Há casos, pois, que os embargos são necessários e sua rejeição errada enseja a interposição de recurso especial para invalidação do acórdão diante do reconhecimento da contrariedade, quando menos do art. 535 do Código de Processo Civil (ou, como destacado no texto da nota 44, supra, do art. 458, II, do mesmo Código ou até do art. 93, IX, da Constituição Federal). Em outros, entretanto, os embargos não têm função nenhuma e, na mesma proporção, a Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça — como, de resto, nenhuma outra —, não pode ser usada para ‘desviar’ o foco da questão quanto à matéria que, independentemente dos embargos de declaração, estará ou não prequestionada, isto é, decidida. O que importa, pois, é constatar em que medida decidiu-se acerca daquilo que motivou o pedido de prestação jurisdicional.

Evidentemente que, fixado como correto este entendimento quanto ao que é prequestionamento, enfraquecem-se os comuns e corriqueiros embargos de declaração prequestionadores, muitas vezes apresentados sem uma maior reflexão acerca de sua necessidade ou prestabilidade para o acesso às Cortes Superiores, mas que derivam da praxe decorrente da Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal. É errado, no entanto, pensar que estes embargos podem ser desconsiderados, desprezados ou ignorados pelos operadores do Direito, tachando-os de errados mesmo diante de novas considerações e novos ares, sempre salutares para o enfrentamento técnico e científico de todas e quaisquer questões jurídicas. Justamente porque eles existem e se justificam em função de uma súmula de Tribunal Superior, que só encontrou oposição jurisprudencial mais recentemente, com a Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça, impõe-se que eventual alteração de rumo para os Tribunais Superiores considere-os e aproveite-os também. Ao menos enquanto uma nova, derradeira ou definitiva direção para aquelas Cortes não for traçada e chancelada pela comunidade jurídica.[58]

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Sobre o autor
Cassio Scarpinella Bueno

advogado em São Paulo, professor da PUC/SP e do Curso Preparatório para Concursos (CPC), mestre e doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Cassio Scarpinella. Quem tem medo do prequestionamento?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3024. Acesso em: 26 abr. 2024.

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