5) Prequestionamento explícito, implícito, ficto e numérico: um falso problema
Feitas estas considerações no sentido de que o que realmente importa para o acesso ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal é o conteúdo, aí incluída a correção procedimental, da decisão recorrida — a causa decidida —, convenço-me cada vez mais que os adjetivos usualmente apostos ao prequestionamento são falsos problemas. Prequestionamento explícito, implícito, ficto ou numérico são, apenas e tão somente, formas de apresentação — mera materialização, portanto — do que foi ou não decidido pela instância a quo e que, na exata proporção do que se decidiu ou se deixou erradamente de decidir, poderá ser impugnado pela via especial ou extraordinário fundado em error in judicando ou error in procedendo, respectivamente. O que importa, pois, é o que foi objeto de decisão e não a forma pela qual ela se apresenta.
Evidentemente que a contrariedade a texto da Constituição ou de lei federal, quando clara e inequivocamente evidenciada na decisão local, inclusive com a menção do dispositivo normativo (o artigo da Constituição ou o artigo e o número da lei), é mais fácil de ser constatada e, por identidade de razões, a ocorrência do prequestionamento. O acórdão, nestas condições, inegavelmente, enfrentou a questão decidindo-a, como seu próprio teor deixa transparecer. A maior prova do que foi decidido é a identificação dos dispositivos da Constituição ou da lei que cuidam do tipo normativo em discussão.
Em outras situações, entretanto, esta identificação não será tão evidente ou tão fácil. Será necessária uma leitura mais atenta do acórdão, das razões e das contra-razões de recurso para identificar que ele tratou, de uma forma mais ou menos direta, da tese levantada pela parte e, nestas condições, também a causa estará decidida e, portanto, prequestionada, para fins de recurso especial ou extraordinário.
Pertinentes, a propósito, as considerações de Rodolfo de Camargo Mancuso:
"Atualmente, o prequestionamento da matéria devolvida ao STF e ao STJ por força dos recursos extraordinário e especial há que ser entendido com temperamento, não mais se justificando o rigor que inspirou as Súmulas 282, 317 e 356. Desde que se possa, sem esforço, aferir no caso concreto que o objeto do recurso está razoavelmente demarcado nas instâncias precedentes, cremos que é o bastante para satisfazer essa exigência que, de resto, não é excrescente, malgrado não conste, às expressas, nos permissivos constitucionais que os regem. É que os Tribunais Superiores, não se constituindo em ‘3ª ou 4ª instâncias’, apenas conhecem da matéria jurídica bem delineada na extensão e compreensão do que lhes foi devolvido pelo recurso de tipo excepcional" (...).
"Na vigência da CF precedente, porém, caudalosa jurisprudência, exigia um prequestionamento ‘expresso, claro, induvidoso’ (RTJ 99/1.189) e ‘inequívoco’ (DJU 14.9.84, p. 14.920, 1ª col., ementa), havendo mesmo as Súmulas antes citadas. Mas, já o Min. Sydney Sanches, do STF, oferecia um alvitre, anotando ser ‘irrelevante que no acórdão não se tenha feito expressa referência a esse dispositivo legal. Importa, isto sim, que a quaestio juris da equiparação fora cogitada na sentença, reavivada no apelo e o acórdão recorrido a enfrentou...".[59]
Anotação de Theotonio Negrão a julgados do Superior Tribunal de Justiça a este respeito é, também, bastante esclarecedora quanto ao ponto:
"Não se toma conhecimento de recurso especial em que se alega negativa de vigência de lei federal, porém não se faz a indicação do texto violado (RSTJ 58/419). Todavia, a indicação do dispositivo legal tido como contrariado é dispensável ‘se a questão federal suscitada para esta Corte é facilmente apreendida em sua leitura perfunctória da petição recursal’ (STJ-2ª Turma, REsp 116.661-MG, rel. Min. Adhemar Maciel, j. 3.4.97, não conheceram, v.u. DJU 28.4.97, p. 15.857)".[60]
Em suma, a dificuldade da verificação do que se decidiu e por qual fundamento — se certo ou errado; se pertinente ou impertinente — não pode ser obstáculo (geralmente intransponível) para o acesso às Cortes Superiores. A forma pela qual se apresenta aos sentidos o ‘prequestionamento’, isto é, a própria decisão, é muito menos importante ou relevante (se é que há relevância nisto) do que se constatar o que foi objeto de enfrentamento pela instância inferior e, a partir disto, empreenderem, as Cortes Superiores, seu papel de guardiãs da inteireza do direito federal.
6) Expectativa
Ainda mais importante do que as considerações destes últimos dois números, no entanto, é a expectativa que dá nome ao fechamento destas linhas.
O que é de ser destacado aqui e agora é que, enquanto não houver um consenso a respeito do que é prequestionamento, como ele se manifesta perante os jurisdicionados e qual o papel dos embargos de declaração para a fase recursal extraordinária e especial, o acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça resta seriamente comprometido. Enquanto for difícil responder à questão "o que é e como se dá o prequestionamento?", enquanto não houver uma segura uniformidade de entendimentos acerca deste tema, o acesso àqueles dois Tribunais é mais ilusório do que real. É mais declaração de direito do que uma efetiva garantia de direitos constitucionalmente prevista. Trata-se, inegavelmente, de um caso em que a forma parece estar suplantando — e em muito — o conteúdo.
Impõe-se, assim, mais do que nunca, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e, pois, do alcance dos arts. 102, III e 105, III, da Constituição Federal diga o que é ou o que deve ser entendido por prequestionamento: se a iniciativa das partes; se o conteúdo da decisão recorrida ou se uma junção destas duas vertentes. Se é pertinente para sua identificação o número do dispositivo constitucional ou legal que se pretende impugnar, em que condições que a decisão deve dizer que está rejeitando as argüições das partes e, enfim, definir quais os parâmetros que devem ser empregados para a verificação de sua ocorrência, aí incluída a necessidade, ou não, e o papel dos embargos declaratórios. Tudo para que os jurisdicionados possam saber, de antemão, se e como podem pretender alcançar as Cortes Superiores para uniformização do direito federal, constitucional e infraconstitucional, nos precisos termos do art. 102, III e 105, III, da Constituição Federal. Em suma: para que se possa saber qual o caminho a ser seguido por quem anseia pela prestação jurisdicional daqueles Tribunais.
Enquanto estas questões não forem decididas com ânimo de definitividade parece curial, com o devido respeito dos que pensam diferentemente, que não só o alcance dos referidos arts. 102, III e 105, III, estará em cheque mas, também — senão principalmente —, o art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal. O acesso à Justiça e o devido processo legal estão comprometidos por uma questão que, em última análise, é formal: se, é verdade, há, hoje, consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da indispensabilidade do prequestionamento — até porque sua previsão constitucional parece irretorquível —, ainda se debate acerca da sua forma ou do seu modo de surgimento. Omissão quanto a este ponto é insustentável em um Estado Democrático de Direito, em que nem a lei pode excluir lesão ou ameaça a direito do Poder Judiciário.
Quando era criança não imaginava que um dia, adulto e de terno, um dos meus maiores temores acadêmicos e profissionais poderia me trazer à lembrança, com tanta saudade, a suave e inocente melodia de uma cantiga de roda. A letra mudou, reconheço, mas ainda posso ouvi-la cantada por aquelas vozes de menina que, para os ouvidos dos meninos, são sempre estridentes, antes de se tornarem doces e ecoarem em suas cabeças dia após dia, noite após noite, por algum motivo que é sempre difícil de se explicar ou reconhecer ou admitir.
"- Quem tem medo do prequestionamento?".
"- Eu tenho... Eu tenho... !".
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Notas
[1]. José Afonso da Silva, Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro, p. 456.
[2]. Para o momento presente da questão, v. a exposição de Rodrigo da Cunha Lima Freire, "Prequestionametno implícito em recurso especial: posição divergente no STJ", pp. 958/961.
[3]. A respeito, v. as considerações de Carlos Mário da Silva Velloso, "O Superior Tribunal de Justiça - Competências originária e recursal", p. 39 e de Rodolfo de Camargo Mancuso, Recurso extraordinário e recurso especial, pp. 192/194, mencionando lições anteriores de José Afonso da Silva, Pedro Batista Martins, Pontes de Miranda e Alcides de Mendonça Lima.
[4]. Neste sentido, consultar Nelson Luiz Pinto, Recurso especial para o STJ, pp. 107/108.
[5]. Sobre a insubsistência da Súmula nº 400 do Supremo Tribunal Federal para o recurso especial diante da redação do art. 105, III, ‘a’, da Constituição Federal de 1988, v.: Arruda Alvim, "O antigo recurso extraordinário e o recurso especial (na Constituição Federal de 1988)", pp. 156/160 e Nelson Luiz Pinto, Recurso especial para o STJ, pp. 116/118.
[6]. V. meu "Duas ‘novidades’ em torno dos recursos extraordinários em sentido lato", publicado no vol. 84 da Revista de Processo, pp. 220/235 e "Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos Tribunais Superiores", publicado em Aspectos Polêmicos e Atuais do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, pp. 99/159. Este último trabalho foi revisto, atualizado e ampliado, inclusive com relação à Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça, em Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, pp. 140/203, que é a fonte citada ao longo deste texto.
[7]. "Com a devida vênia, entender que se faz imprescindível o pedido de declaração, mas que nada importa o que disso advenha, corresponde a simplesmente cumprir um ritual. Afirma-se que, quanto ao ponto omisso, o recurso não é apto a alcançar seguimento e tal assertiva está amparada pelos termos em que constitucionalmente previstos o extraordinário e o especial. Pedida a declaração, a omissão continuou. Entretanto, cumprido o cerimonial, passa a ser possível a impugnação atacando ponto não considerado pelas instâncias ordinárias. Ora, se admissível ainda que continue não enfrentada a questão porque ter-se como inarredável o pedido de declaração? A conclusão, em verdade, haveria de ser que o prequestionamento constitui requisito prescindível. Se, em tal caso, se pode decidir sem que a isso preceda pronunciamento do tribunal a quo, há de concluir-se que é supérfluo e seria de dispensar-se sempre" (Eduardo Ribeiro de Oliveira, "Prequestionamento", p. 254). A respeito, v., ainda, meu "Prequestionamento - reflexões sobre a Súmula 211 do STJ", p. 72.
[8]. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 158.140/DF, Rel. Ministro Ari Pargendler, j.un. 15.10.98, DJU 23.11.98, p. 166, sem os destaques.
[9]. Eduardo Ribeiro de Oliveira, "Prequestionamento", p. 245.
[10]. "O que se terá como indispensável é o exame da questão pela decisão recorrida, pois isso sim, deflui da natureza do especial e do extraordinário e resulta do texto constitucional. Destinando-se o extraordinário, como salientado, a garantir a exata aplicação da Constituição, falta razão a ele, se da norma constitucional não se tratou na decisão impugnada. O mesmo se diga do especial, pois não há como fazer-se o controle, quando à correta interpretação do tratado ou da lei federal, em relação a matéria de que não se cogitou. Não pode o julgado havê-las contrariado, ou a elas haver negado vigência, se não versada a questão que regulam" (Eduardo Ribeiro de Oliveira, "Prequestionamento", pp. 248/249).
[11]. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, p. 223 e ss.
[12]. Perseu Gentil Negrão, Recurso especial, p. 42.
[13]. Ulderico Pires dos Santos, Teoria e prática do recurso extraordinário cível, p. 22.
[14]. Nelson Luiz Pinto, Recurso especial para o STJ, p. 139.
[15]. Sobre as duas primeiras ‘modalidades’, v. Leonidas Cabral de Albuquerque, pp. 89/95 e sobre a última, Luís Fernando Balieiro Lodi, "Embargos declaratórios prequestionadores", pp. 445/453. Aproximando a figura do prequestionamento implícito à do ficto, v. José Theophilo Fleury, "Do prequestionamento nos recursos especial e extraordinário - Súmula 356/STF x Súmula 211/STJ?", pp. 409/440. Já tive oportunidade de me dedicar a cada uma destas formas de prequestionamento em meu "Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos tribunais superiores", pp. 177/190.
[16]. "Prequestionamento explícito. Caracterização. Para ser atendido o requisito de admissibilidade do prequestionamento, o Tribunal a quo tem que examinar e decidir a questão posta, não sendo necessária, no acórdão, a expressa menção ao dispositivo legal em que se fundamenta a decisão. EResp 165.212/MS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 10/10/1999" (Informativo STJ nº 37, 18 a 22 de outubro de 1999) e "Processo civil. Recurso especial. Prequestionamento implícito. Embargos acolhidos. - O prequestionamento consiste na apreciação e na solução, pelo tribunal de origem, das questões jurídicas que envolvam a norma positiva tida por violada, inexistindo a exigência de sua expressa referência no acórdão impugnado" (Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial, Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 162.608/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.un. 16.6.99, DJU 16.8.99, p. 37).
[17]. V.g.: "Processo civil. SFH. Ação consignatória. Recurso especial. Pressupostos de admissibilidade. Depósito insuficiente. Art. 899/CPC alterado pela Lei 8.951. 1. A falta de prequestionamento explícito do dispositivo de lei federal e da demonstração da divergência inviabilizam o recurso especial. 2. O acórdão recorrido decidiu com base no art. 899/CPC, com a redação da Lei 8.951/94, que permite ao credor, no caso de insuficiência do depósito, levantar a importância consignada, prosseguindo o processo quanto ao saldo devedor, inexistindo violação da lei e divergência jurisprudencial. 3. Recurso não conhecido" (Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, Rel. Ministro Peçanha Martins, Recurso Especial nº 182.449/SC, j.un. 4.5.00, DJU 28.8.00, p. 66) e "Processual civil. Agravo regimental. Recurso especial. Inviabilidade do trânsito. Ausência de prequestionamento explícito. Divergência jurisprudencial indemonstrada. Súmula 83 aplicável à espécie. Improvimento. I - O prequestionamento, como pressuposto constitucional do recurso especial exige, não somente a simples menção explícita aos preceitos de lei que se pretende malferidos (pelo acórdão do tribunal a quo), mas, ainda, motivação justificadora, esclarecendo, com precisão, em que aspectos os dispositivos de lei foram desafeiçoados, em sua dicção e conteúdo, para possibilitar, ao julgador, o cotejo, entre o teor dos artigos indicados como violados e a fundamentação do recurso (motivação). Nesse sentido, iterativa jurisprudência deste STJ" (Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 159.017/MG, j.un. 17.4.98, DJU 1.6.98, p. 44).
[18]. É sob este rótulo que Giovanni Mansur Solha Pantuzzo (Prática dos recursos especial e extraordinário, pp. 87/88) analisa a hipótese, colacionando decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Ministro Demócrito Reinaldo, Recurso Especial nº 88.479/SP. No mesmo sentido são os acórdãos apontados na nota anterior.
[19]. São, com efeito, diversos os precedentes do Supremo Tribunal Federal neste sentido, todos tirados enaltecendo o art. 321 do Regimento Interno daquela Corte no sentido de que a petição de interposição de recurso extraordinário deve trazer a "... precisa indicação do dispositivo ou alínea que o autorizem, dentre os casos previstos nos [então] arts. 119, III, ‘a’, ‘b’, ‘c’, ‘d’, 139 e 143 da Constituição". Um quadro bastante fiel desta realidade é pintado por Theotonio Negrão em seu Código de processo civil e legislação processual em vigor, na nota 3 ao referido art. 321, pp. 1919/1920. O Superior Tribunal de Justiça é mais flexível quanto a este ponto, inexistindo, em seu regimento interno, norma símile à da do art. 321. Quanto ao ponto é útil a consulta dos diversos julgados colacionados por Theotonio Negrão em seu Código de processo civil, p. 1839, sob a rubrica ‘fundamentação (alínea ‘a’)’.
[20]. Primeiras linhas de direito processual civil, 1º volume, p. 39, sem os destaques.
[21]. Neste sentido, v. os acórdãos insertos em RTJ 154/191; 113/1409; 123/329 e 123/375, todos colacionados por Theotonio Negrão, Código de processo civil, p. 1919, 2ª coluna. Não se duvide que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, mesmo sem autorização constitucional — ao contrário do que já se verificou no direito brasileiro — pode querer suplantar o direito positivo. Sobre o tema, v. as considerações de Berenice Soubhie Nogueira Magri, "O papel decisivo dos regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça na admissibilidade dos recursos extraordinário e especial", passim.
[22]. A respeito, v. meu "Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos tribunais superiores, pp. 142/172. Em linha de reflexão semelhante, v. Marcia Dometilda Lima de Carvalho, "Súmulas inconstitucionais", pp. 27/31.
[23]. José Rogério Cruz e Tucci, "Recurso especial indevidamente retido", p. 27, 3ª coluna.
[24]. Eduardo Ribeiro de Oliveira, "Prequestionamento", p. 246 (v. nota 26, infra), embora, pouco mais a frente em seu texto, destacar o autor que o que deflui da Constituição é que, para fins de recurso extraordinário e especial, mister que a matéria seja decidida (op. cit., p. 248 — v. nota 10, supra).
[25]. "Nos textos constitucionais editados até 37, ao se cuidar do cabimento do extraordinário, com base em violação da lei, consignava-se que sobre sua aplicação se haveria de ser questionado. Em 46 a expressão é encontrada apenas no dispositivo que regula a hipótese do recurso em que discutida a validade de lei federal em face da Constituição. Veio a ser eliminada a partir da Carta de 67" (Eduardo Ribeiro de Oliveira, "Prequestionamento", p. 246).
[26]. Na letra do Ministro Eduardo Ribeiro de Oliveira, "O uso daquele termo favorecia a interpretação de que exigível houvesse sido a matéria colocada pela parte, pois assim se poderia dizer que se questionara sobre a aplicação da lei. Doutrinadores dos mais respeitados, entretanto, escrevendo quando vigente aquela outra redação punham-se de acordo em que, decidida a causa, com base em fundamentação que as partes não houvessem tido em conta, o recurso seria admissível, se coexistissem os demais pressupostos, malgrado a ausência de prequestionamento anterior. Não há proveito em ampliar-se a discussão quanto às conseqüências que se haveriam de tirar daquela expressão, que não subsiste no direito vigente. Importante assinalar, entretanto, que a jurisprudência é absolutamente pacífica, com algumas vozes destoantes, também a doutrina se orienta no sentido de que permanece necessário o prequestionamento, malgrado a Constituição não mais conter o termo acima apontado, ausente também das leis processuais. Mister verificar qual seu fundamento e esse haveria de ser buscado na Constituição. Se nela não se contém, ter-se-ia de concluir pela injuridicidade da exigência, não havendo como considerá-lo indispensável para o conhecimento do recurso. E não se terá dele outro conceito, a toda evidência, que o autorizado pelas disposições constitucionais" ("Prequestionamento", p. 246).
[27]. Todas estas considerações estão em trabalho de Barbosa Moreira, "Julgamento do recurso especial ex art. 105, III, a, da Constituição da República: sinais de uma evolução auspiciosa", pp. 95/105. Para a exposição do entendimento do autor sobre a distinção entre juízo de admissibilidade e de mérito nestas espécies recursais, consultar seu "Juízo de admissibilidade e juízo de mérito no julgamento do recurso especial", pp. 163/170.
[28]. A este respeito, v. José Carlos Barbosa Moreira, "Juízo de admissibilidade e juízo de mérito no julgamento do recurso especial", esp. pp. 164/166 e Nelson Luiz Pinto, Recurso especial para o STJ, pp. 118/122.
[29]. Bem acentua este ponto Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 3º volume, p. 164 (referindo-se ao recurso extraordinário) e pp. 177/178 (tratando do recurso especial).
[30]. V. a respeito: Nelson Luiz Pinto, Recurso especial para o STJ, pp. 111/113; Rodolfo de Camargo Mancuso, Recurso extraordinário e recurso especial, p. 100 e Roberto Rosas, "A causa como pressuposto do recurso", pp. 209/213.
[31]. V. meus "Uma primeira reflexão sobre o novo § 3º do art. 542 do CPC", p. 175 e "Uma segunda reflexão sobre o novo § 3º do art. 542 do CPC", pp. 85/87.
[32]. V., ainda aqui, meu "Uma segunda reflexão sobre o novo § 3º do art. 542 do CPC", pp. 103/114.
[33]. Assim se manifestou, por exemplo, Rodrigo da Cunha Lima Freire, "Prequestionamento implícito em recurso especial: posição divergente no STJ", p. 974.
[34]. Assim, v.g.: "Direito processual civil. Recurso Extraordinário (art. 102, III, da C.F.): Alegação de ofensa aos arts. 5º, LVI, e 105, III, da Constituição. Agravo. 1. Não compete a esta Corte, segundo sua pacífica jurisprudência, verificar se, no julgamento do Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça decidiu corretamente, ao considerar, no caso concreto, atendidos, ou não, seus pressupostos. Em outras palavras, enquanto no exercício das competências previstas no art. 105, III, da C.F., a decisão daquela E. Corte é soberana. (...) 4. O relativo ao art. 5º, LVI, da Constituição Federal não foi abordado no aresto recorrido, faltando ao Recurso Extraordinário, nesse ponto, o requisito do prequestionamento (Súmulas nºs 282 e 356)". (Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, Rel. Ministro Sydney Sanches, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 175.432/DF, j.un. 25.5.99, DJU 17.12.99, p. 5) e "Recurso extraordinário inadmitido. Não cabe, em princípio, recurso extraordinário contra acórdão do STJ, sob alegação de ofensa ao art. 105, III, a, da Lei Maior, em face do não conhecimento de recurso especial. Tal, se admissível, tornaria o STF instância revisora dos julgados do STJ, no que concerne à verificação dos pressupostos de cabimento do apelo especial. Agravo regimental desprovido" (Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 151.063/SP, j.un. 13.5.96, DJU 18.10.96, p. 39.850).
[35]. Neste sentido, consultar o seguinte julgado: "Recurso extraordinário: hipótese de cabimento por contrariedade, pelo acórdão do STJ em recurso especial, do art. 105, III, da Constituição. 1. Não cabe recurso extraordinário fundado em violação do art. 105, III, para rever a correção, no caso concreto, da decisão do STJ de conhecer ou não do recurso especial. 2. Cabe, porém, o extraordinário se, para conhecer ou não do recurso especial, parte o acórdão do STJ de proposição contrária em tese aos seus pressupostos típicos de admissibilidade, definidos explícita ou implicitamente no art. 105, III, da Constituição. Essa a hipótese quando se nega força de lei federal a diploma normativo que o tenha, qual o caso do Convênio ICMS 66/88 – que – por disposição expressa do art. 34, § 8º, ADCT – teve hierarquia de lei complementar, até que essa fosse editada, em tudo quanto necessário para tornar eficazes as inovações introduzidas na disciplina constitucional do ICMS pela Constituição de 1988" (Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Recurso Extraordinário nº 273.351/SP, j.un. 27.6.00, DJU 25.8.00, p. 74).
[36]. V., ainda aqui, meu "Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos Tribunais Superiores", esp. pp. 198/200.
[37]. Embora sem relação imediata com o tema, consta acórdão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que bem analisou a medida em que aquele Tribunal pode reexaminar a admissibilidade do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça mercê do art. 105, III, da Constituição Federal. Eis seu teor: "Recurso extraordinário. 2. Ação de adjudicação compulsória. Oposição. 3. Improcedência da ação, em primeira instância, e procedência da oposição. 4. Apelação do autor provida pelo Tribunal de Justiça, para julgar procedente a demanda e improcedente a oposição. 5. Embargos de declaração dos réus ao acórdão na apelação onde se sustenta nulidade do processo, porque, embora falecidos, à época do ajuizamento da ação, três dos réus foram, por via de edital, citados e não os respectivos espólios. 6. Embargos de declaração dos réus (CPC, art. 535, I e II) não acolhidos, afirmando-se, na ementa do aresto: ‘Em seu delimitado território nada se redecide, inova ou modifica, exceção que se abre ao espanque de sopitável erro material. Sua destinação é esclarecer, suprir omissões, diminuir eventuais contradições, sem contudo ferir a essência do que restou ungido pela sacralidade do julgado’. 7. Recursos especiais interpostos pelos réus, dos quais três foram conhecidos e providos com base na alegada nulidade do processo por vício de citação. 8. Afirmou-se no acórdão do STJ, referente aos recursos especiais, que, ‘mesmo em sede de embargos de declaração opostos à decisão de segundo grau, se mostra possível o reconhecimento de vício que eventualmente haja maculado a regular e válida constituição da relação processual’, analisando e decidindo, a seguir, o mesmo aresto, ora extraordinariamente recorrido, o mérito da argüição de nulidade, concluindo ser nula a citação dos três litisconsortes e ‘nulo o processo a partir de então’. 9. Embargos de declaração do ora recorrente, sustentando contradição no acórdão do STJ, bem assim violência aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (Constituição, art. 5º, LIV e LV), foram rejeitados, o mesmo sucedendo com os segundos embargos de declaração. 10. Recurso extraordinário interposto por Mohamad Ismail El Samad, alegando ofensa pelo julgado do Superior Tribunal de Justiça ao art. 5º, incisos LIV e LV, e ainda ao art. 105, III, letra a, todos da Constituição Federal. 11. Limites do recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, contra acórdão em recurso especial, do Superior Tribunal do Justiça, em face do sistema da Constituição Federal (arts. 102, III, letras a, b e c, e 105, III, letras a, b e c). Definida a área de competência de ambas as Cortes, certo está que o Supremo Tribunal Federal, pela competência excepcional e incontrastável prevista no caput do art. 102 da Lei Magna, enquanto guarda da Constituição, pode, em princípio, conhecer de recurso extraordinário também de decisão proferida pelo STJ, quer no exercício da competência originária, quer de competência recursal ordinária, quer em recurso especial (CF, art. 105, I, II e III), desde que o julgado contrarie dispositivo da Constituição, inclusive o art. 105 e seus incisos. Assim, ad exemplum, se o Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, causa não enquadrável nas hipóteses a), b) e c) do inciso III do art. 105 aludido, pode, eventualmente, configurar-se espécie submetida a recurso extraordinário, ut art. 102, III, a), da Constituição, precisamente, por ofensa ao art. 105, III, da Lei Maior. Decerto, não há de caber recurso extraordinário, desde logo, como instrumento revisional do acerto ou não da decisão de mérito do STJ, quando confere, em recurso especial, determinada interpretação a norma infraconstitucional, ao decidir se o acórdão local recorrido, em aplicando a mesma norma, fê-lo corretamente, ou se lhe negou vigência, deixando de fazê-la incidir em situação onde seria aplicável, ou por tê-la feito disciplinar hipótese em que não devia fazê-lo. Nesses casos, tudo ocorre no plano infraconstitucional e segundo a competência prevista no art. 105, III, da Lei Magna. 12. De outra parte, os temas constitucionais emergentes do julgamento do recurso especial podem fundamentar recurso extraordinário, justificando-se, ademais, aí, a interposição de embargos de declaração, no STJ, para o regular prequestionamento desses assuntos constitucionais a serem, após, deduzidos no pleito do apelo extremo. 13. No caso concreto, em alguns dos recursos especiais interpostos pelos ora recorridos ao STJ, contra os acórdãos do Tribunal de Justiça, houve expressa alegação de negativa de vigência do art. 535, I e II, do Código de Processo Civil, porque a Corte local decidira que os embargos de declaração eram incabíveis para conhecer, originariamente, de argüição de nulidade da citação e do processo, pelo fundamento de estarem falecidos três dos réus citados, por edital, à época do ajuizamento da demanda. Dessa maneira, o Superior Tribunal de Justiça podia conhecer, tal como o fez, do tema concernente ao âmbito dos embargos de declaração e decidir, consoante sucedeu, quanto à exegese que entendesse de emprestar ao art. 535, I e II, do CPC; no ponto, não há ver, destarte, ofensa ao art. 105, III, letra a, da Constituição, pois os três recursos especiais conhecidos e providos, a esse respeito, efetivamente, atendiam aos cânones formais para viabilizar o pronunciamento de mérito da Corte Superior a quo, quanto à matéria infraconstitucional, referente à abrangência dos embargos de declaração, em nosso sistema processual. Expressamente, o acórdão ora recorrido afirmou: ‘mesmo em sede de embargos de declaração, se mostra possível o reconhecimento de vício que eventualmente haja maculado a regular e válida constituição da relação processual’. Ao reformar, assim, o acórdão do Tribunal de Justiça e proclamar, como via adequada, os embargos de declaração para decidir sobre nulidade de citação-edital, questão posta, nesse ensejo, originariamente, à Corte de segundo grau, após o julgamento da apelação, podendo, inclusive, conferir efeito modificativo aos ditos embargos de declaração, procedeu o acórdão ora recorrido, nos limites do art. 105, III, a, da Constituição, dando pela negativa de vigência, do art. 535, I e II, do CPC, por parte do aresto local. 14. Ocorre, porém, que o acórdão ora recorrido, indo adiante, desde logo, julgou o mérito dos embargos de declaração e anulou o processo a partir da citação-edital, embora o Tribunal local, nos embargos de declaração, não houvesse julgado, efetivamente, o mérito da argüição de nulidade, eis que teve, a tanto, a via em referência como inadequada para decidir, originariamente, essa matéria, não posta na ocasião da sentença ou da apelação. 15. Dessa maneira, força é concluir que, no ponto, o acórdão recorrido não podia, desde logo, enfrentar o mérito da argüição de nulidade da citação, envolta como está a questão em fatos e provas, suprimindo instância ordinária, onde possível ainda seria produzir prova ou discutir sobre os fatos, máxime em hipótese como a dos autos em que, durante tantos anos, o feito teve seu processamento, com amplo conhecimento, debate e assistência dos interessados, todos se contrapondo à pretensão de mérito do autor. Não seria, destarte, possível desprezar a instância ordinária e natural, para decidir, de imediato, originariamente, a quaestio juris em causa, em instância extraordinária, como é a do recurso especial. 16. Em assim decidindo, o acórdão, ora extraordinariamente recorrido, ofendeu o art. 105, III, a, da Constituição, ao dar, ao recurso especial, a extensão e eficácia que lhe conferiu, bem assim vulnerou os incisos LIV e LV do art. 5º, da Constituição, quanto ao devido processo legal, ao contraditório e ampla defesa, devidamente prequestionados, em suprimindo instância ordinária onde possível ainda discutir fatos e produzir provas, originariamente, no reconhecido âmbito dos embargos de declaração. 17. Recurso extraordinário conhecido, em parte, e, nessa parte, provido a fim de cassar, parcialmente, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no ponto em que julgou, desde logo, nula a citação e nulo o processo, a partir da citação-edital, e determinar retornem os autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para que prossiga no julgamento dos embargos de declaração interpostos pelos ora recorridos e os decida, como entender de direito, respeitados o contraditório e ampla defesa do autor sobre a alegada nulidade do processo, por vício da citação-edital. (Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, Recurso Extraordinário nº 190.104/RJ, j.m.v. 12.11.96, DJU 14.11.97, p. 58.787).
[38]. A r. decisão que rejeitou o agravo de instrumento foi publicada no DJU de 15.9.97, sem os destaques. Houve sucessiva interposição de Agravo Regimental, improvido unanimemente (DJU 19.12.97, p. 48) e de embargos de declaração, igualmente rejeitados (DJU 28.8.98, p. 8). No mesmo sentido, também da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence e da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, v.: Recurso Extraordinário nº 214.724/RJ, j.un. 2.10.98, DJU 6.11.98, p. 19 ("I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração. A rejeição dos embargos não impede que, no julgamento do recurso extraordinário, se considere prequestionada a matéria neles veiculada, como resulta, a contrario sensu, da Súmula 356, desde que sobre essa matéria tivesse de pronunciar-se o órgão julgador. A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual ‘não foram opostos embargos declaratórios’. Mas, se opostos, o Tribunal a quo se recusa a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte... ") e Recurso Extraordinário nº 176.626/SP, j.un. 10.11.98, DJU 11.12.98, p. 10 ("I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual ‘não foram opostos embargos declaratórios’. Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recusa a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98)... ").
[39]. Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Recurso Extraordinário nº 209.140/SP, j.un. 8.8.00, DJU 29.9.00, p. 97, sem os destaques.
[40]. Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, Rel. Ministro Moreira Alves, Recurso Extraordinário nº 208.775/SP, j.un. 18.4.00, DJU 19.5.00, p. 2, sem os destaques.
[41]. Haverá oportunidade para voltar a este tema. É que em julgamento dos mais fundamentais para a definição do acesso coletivo à Justiça (a tão propugnada 2ª onda de acesso à Justiça), em que o Supremo Tribunal Federal discutiu a legitimidade do Ministério Público para propor ações civis públicas para impugnar tributos, o Ministro Sepúlveda Pertence, para negar pertinência à iniciativa do Parquet no caso concreto à mingua de interesse social relevante, acentuou: "Não lhe reduzo, porém, a admissibilidade a tais previsões legais explícitas: estou em que, da própria Constituição, é possível derivar outras hipóteses. E para isto, já neste ponto com o Ministro Velloso e a doutrina mais afeita ao tema, considero adequado o apelo ao art. 127 da Constituição que, delineando em grandes traços o seu papel junto à função jurisdicional do Estado, confia ao Ministério Público ‘a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’. Não creio que, na espécie, a falta de prequestionamento do art. 127 e a limitação do RE à invocação do art. 129, III, sejam obstáculo de maior vulto: não vai a exigência do prequestionamento ao ponto de impedir se valha o juiz do recurso extraordinário, para a interpretação sistemática do dispositivo em que funda explicitamente o apelo, de argumentos extraídos de outro preceito constitucional" (Recurso Extraordinário nº 195.056-1/PR, j.m.v. 4.11.98, DJU 17.12.99, sem os destaques).
[42]. "A mesma locução, causas decididas, autoriza a exigência do denominado prequestionamento da questão constitucional ou federal, exigência essa feita nos verbetes nºs. 282 e 356 da Súmula da jurisprudência predominante do STF, aplicáveis ao RE e também ao REsp. A questão objeto dos recursos excepcionais deve ter sido decidida pelo órgão judicial inferior, sem o que não se terá cumprido o requisito constitucional para a admissibilidade desses recursos" (Nelson Nery Jr., Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos, p. 252).
[43]. Neste sentido, v.: José Afonso da Silva, Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro, p. 338 ("O Recurso Extraordinário, por se restringir à simples quaestio iuris, deve ser bem fundamentado, para que fique bastante demonstrada a questão federal que lhe deu causa, sob pena de o Tribunal dêle não conhecer. Não se tratando de recurso que devolva ao juízo ad quem o conhecimento de tôdas as questões suscitadas na lide, mas apenas as de Direito federal, impossível é ser-lhe dado seguimento sem motivação"); Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. I, pp. 391 e 395, respectivamente ("Relativamente a seu efeito devolutivo, dá-se uma particularidade que o faz diferente dos embargos infringentes. Neste recurso, a extensão do efeito devolutivo tem seus limites rigorosamente traçados pela extensão da divergência havida entre a decisão majoritária e o respectivo voto vencido. No recurso extraordinário que, como os embargos infringentes, exige fundamentação vinculada ou específica, neste caso decorrente de uma controvérsia a respeito da aplicação de alguma norma de direito federal, uma vez admitido o recurso, transfere-se ao Supremo Tribunal Federal o conhecimento integral da causa" e "O recurso especial, portanto como o extraordinário, é um recurso de fundamentação vinculada, para cujo cabimento não basta que a parte invoque a própria sucumbência, tornando-se necessária a invocação de uma ‘questão federal’ debatida (‘prequestionada’) na causa, de que o recorrente tire a conclusão de ter havido violação ao direito federal de natureza infra-constitucional (se a alegada violação ao direito federal for de natureza constitucional, então cabível será o extraordinário, perante o S.T.F.)") e José Miguel Garcia Medina, O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, p. 117 ("Sob esse prisma, mais importante que o conteúdo do pronunciamento recorrido — relativo ao mérito, ou não — o que importa, nos termos da Carta Magna, para a interposição dos recursos extraordinário e especial, é que a questão constitucional ou federal esteja presente na decisão recorrida, isto é, que a questão tenha sido efetivamente julgada. As letras dos dispositivos constitucionais que instituíram os recursos extraordinário e especial não dão margem a outra interpretação. Aliás, cada um dos permissivos constitucionais destaca tal aspecto pelo menos duas vezes: além de enunciar que o respectivo Tribunal é competente para julgar, em recurso extraordinário ou especial, as ‘causas decididas’, assevera que o recurso será cabível quando a ‘decisão recorrida’ se encartar numa das alíneas dos arts. 102, inc. III, e 105, inc. III, da CF. Em conseqüência, aquilo que não tiver sido objeto de decisão não pode ser alvo do recurso. Tais afirmações vêm a corroborar o que se disse no item dedicado ao efeito devolutivo. Naquele passo, demonstrou-se que, em relação a determinados recursos, ditos de fundamentação vinculada (categoria à qual pertencem os recursos extraordinário e especial), o efeito devolutivo é limitado. Desse modo, inocorrendo os pressupostos constitucionais para o cabimento do recurso, o mesmo não poderá ser conhecido").
[44]. Para as manifestações do Supremo Tribunal Federal quanto à violação, no caso, do art. 93, IX, da Constituição Federal e do Superior Tribunal de Justiça quanto à violação do art. 458, II, do Código de Processo Civil, v. meu "Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos tribunais superiores", pp. 173/177. V., também, as considerações que faço a este respeito em meu "Prequestionamento – reflexões sobre a Súmula 211 do STJ", p. 79, nota 49.
[45]. A Súmula nº 283 do Supremo Tribunal Federal ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles") e a de nº 126 do Superior Tribunal de Justiça ("É inadmissível recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-los, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário") não deixam margem a qualquer dúvida quanto a este ponto. Sobre o tema, v. Nelson Luiz Pinto, Recurso especial para o STJ, pp. 174/176 e 183/184.
[46]. Primeiras linhas de direito processual civil, 3º volume, p. 173, sem os destaques.
[47]. Sobre o ponto, consultar Ovídio Baptista da Silva, "Limites objetivos da coisa julgada no direito brasileiro atual", pp. 142/148 e 169/170.
[48]. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, p. 120. Eduardo Ribeiro de Oliveira, "Prequestionamento", pp. 249/251, manifesta-se em sentido contrário, entendendo, com base em julgados mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, necessária a oposição dos embargos declaratórios mesmo nestes casos porque "o pronunciamento específico é indispensável para verificar se houve violação da lei ou dissídio jurisprudencial". Na jurisprudência mais recente daquele Tribunal, v.: "(...) Vício surgido no próprio acórdão recorrido. Prequestionamento. Ausência. (...) 1. A análise da questão pelo Tribunal de origem é essencial para a verificação da alegada ofensa à lei federal, ainda que o vício tenha surgido no próprio Acórdão recorrido. Incidência das Súmulas 282 e 356 – STF (Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, Rel. Ministro Edson Vidigal, Recurso Especial nº 287.204/PE, j.un. 13.12.00, DJU 5.3.01, p. 230); "Prequestionamento. Terceiro interessado. A Turma, por maioria, entendeu que é indispensável o requisito do prequestionamento ao recurso especial interposto pelo terceiro interessado, que não participou da causa. No caso, a recorrente, esposa do réu, só entrou nos autos após a prolação do acórdão recorrido e alegava no especial que, apesar de tratar-se de ação de imissão de posse, não teria sido citada. REsp 248.089-PR, Rel. originário Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. para acórdão Ministro Eduardo Ribeiro, julgado em 6/6/2000" (Informativo STJ nº 60, 29 de maio a 9 de junho de 2000); "Agravo regimental. Questão federal surgida no acórdão recorrido. Indispensabilidade dos embargos de declaração. Dissídio não comprovado. 1 - Segundo entendimento mais recente da Corte Especial, ainda que a questão federal tenha surgido em decorrência de vício do julgamento impugnado, sem que haja manifestação a respeito, é indispensável a oposição de embargos declaratórios, com vistas ao atendimento do requisito do prequestionamento" (Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 285.889/RJ, j.un. 18.4.00, DJU 15.5.00, p. 224); "Recurso especial. Prequestionamento. Distrato. Forma. Necessário o prequestionamento, inclusive quanto a eventuais violações à lei, surgidas no próprio acórdão recorrido, em virtude de vício do julgamento. Só é de exigir-se tenha o distrato a mesma forma do contrato quando exigida para validade desse" (Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 214.778/SP, j.un. 25.10.99, DJU 8.3.00, p. 109) e "Agravo regimental. Prequestionamento. Taxa ANBID. Limitação da taxa de juros. Impõe-se o prequestionamento, ainda que a matéria diga com a ordem pública. Não preenchido esse requisito, inviável o conhecimento do especial" (Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 190.434/SP, j.un. 17.6.99, DJU 13.9.99, p. 64).
[49]. Esta hipótese é enfrentada por Rodolfo de Camargo Mancuso, Recurso extraordinário e recurso especial, pp. 157/159, quando trata da sententia contra simile legis. Na jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça consta julgado segundo o qual "Na técnica do recurso especial pela letra ‘a’, o respectivo conhecimento se dá para aplicar o artigo de lei federal que deixou de ser ou foi mal aplicado pelo julgado, ou para afastar aquele aplicado em hipótese imprópria, isto é, sem ter incidido (STJ-3ª Turma, REsp 197.325-PA, rel. Ministro Ari Pargendler, j. 16.12.99, não conheceram, v.u. DJU 21.2.00, p. 121)" em Theotonio Negrão, Código de processo civil e legislação processual em vigor, p. 1842, 2ª coluna.
[50]. V. meu "Prequestionamento – reflexões sobre a Súmula 211 do STJ", passim. Cuidei do tema também em meu "Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos tribunais superiores", pp. 182/190.
[51]. Ainda aqui, v. meus "Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos tribunais superiores", esp. pp. 183/186 e "Prequestionamento – Considerações sobre a Súmula 211 do STJ", pp. 66/67 e nota 32.
[52]. Apenas para ilustrar a afirmação: "Alega o agravante que, no caso, não é exigível o prequestionamento, uma vez que a afronta só passou a existir com a prolação do acórdão. Segundo o entendimento do STF, o prequestionamento é exigível também nas hipóteses em que a pretendida contrariedade ao texto constitucional tenha surgido na própria decisão recorrida. Ao julgar o AgAg nº 186.886, Pertence, decidiu a 1ª Turma, em 18.11.97, DJ 06.02.98: ‘Recurso extraordinário, embargos de declaração e prequestionamento. Nulidade surgida no julgamento da instância a quo que se tem admitido seja aventada logo no recurso extraordinário é a que decorra de causas externas, das quais normalmente não cogitaria o acórdão (v.g. a falta ou defeito da intimação da pauta); não, porém, quando se cuide de vícios contextuais do próprio acórdão, assim a indigitada contradição em seus próprios termos, em que, sem prévia provocação do Tribunal a quo para que a sane, não deve o RE substituir-se ao remédio próprio, que não os embargos de declaração’. Negado provimento ao agravo" (Supremo Tribunal Federal, 1ª. Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Agravo de Instrumento nº 311.011-0, j. 12.12.00, DJU 20.2.01, pp. 62/63).
[53]. V. o item 13 da decisão transcrita na nota 37, supra, quanto ao inegável caráter modificativo dos embargos de declaração de acordo com a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça. Na jurisprudência mais recente daquele Tribunal, colhe-se o seguinte julgado acerca do tema: "Processual civil. Embargos de declaração. Efeito infringente. Possibilidade. Embora os embargos de declaração tenham por escopo expungir do julgamento obscuridades ou contradições, ou suprir omissão sobre tema de pronunciamento obrigatório pelo Tribunal, segundo o comando expresso no art. 535, do CPC, a tal recurso é possível conferir-se efeito modificativo ou infringente, desde que a alteração do julgamento decorra da correção daqueles citados defeitos. Embargos de declaração acolhidos. Recurso especial conhecido e provido" (Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, Rel. Ministro Vicente Leal, Embargos de Declaração no Agravo Regimental do Recurso Especial nº 223.685/RJ, j.un. 24.10.00, DJU 5.2.01, p. 134).
[54]. É válida para o ordenamento atual a seguinte lição de José Afonso da Silva: "Decisão judicial de única ou de última instância assim chamamos o conjunto das exigências formais que a Constituição estabelece na cabeça do art. 101, e do inc. III, para que se possa admitir o conhecimento do mérito do recurso extraordinário, quer dizer, para que possa o Tribunal verificar a existência, ou não, da questão federal à qual se restringirá o seu julgamento. Constitui, pois, um dos pressupostos constitucionais do Recurso Extraordinário a exigência de ser a decisão judicial e definitiva, no sentido de que dela não caiba recurso algum no sistema judiciário em que foi proferida. Trata-se de sentença irrecorrível por um daqueles recursos que denominamos ordinários, via comum, segundo a classificação atrás formulada. Essa irrecorribilidade há de derivar do fato de já terem sido esgotadas tôdas as vias comuns, não porque se tenha deixado de usar uma delas, ou porque a decisão se tenha tornado irrecorrível em via comum por ter a parte decaído do prazo do recurso comum cabível, ou por qualquer motivo do direito de recorrer. Mas por não haver cabimento de qualquer outro recurso ordinário, via comum. Êsse o sentido geral da expressão decisão de única ou última instância" (Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro, p. 246).
[55]. "Prequestionamento", p. 251. No mesmo sentido, v. Sergio Bermudes, Comentários ao código de processo civil, vol. VII, p. 244 ("Também e pelos mesmos motivos, não cabe recurso extraordinário se, por omissa, obscura, ou contraditória, a decisão comportava embargos de declaração e a possibilidade de impugná-la, extraordinariamente, é decorrência direta de um desses vícios") e Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 3º volume, p. 174 ("Verifica-se, desse modo, que a admissibilidade do apelo extremo depende que se esgotem, no juízo a quo, os recursos ordinários, entre os quais se incluem os embargos de declaração. Com a oposição deste ao acórdão recorrido, cumpre-se o pressuposto do prequestionamento").
[56]. Manual dos Recursos Cíveis, p. 231, sem os destaques.
[57]. "Prequestionamento", p. 253, sem os destaques.
[58]. Em meu "Prequestionamento – reflexões sobre a Súmula 211 do STJ", pp. 76/81, critiquei a cristalização do que deve ser entendido por prequestionamento na Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça por este argumento. Independentemente de o prequestionamento ser mais decisão (função primordial do Judiciário) do que iniciativa (função primordial dos litigantes) a imposição da orientação subjacente àquele enunciado e o repentino abandono da orientação da Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal não pode ser prestigiado sem maiores discussões forenses e acadêmicas, sob pena de comprometimento do princípio da segurança jurídica, razão última de ser das próprias súmulas dos Tribunais Superiores. Por esta razão é que não há como negar — fosse possível abstrair o texto constitucional — ser a orientação da Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal mais justa e mais realista. Valoriza, justamente, a iniciativa do litigante, contentando-se com a oposição dos declaratórios, sabedora de que, por mais enfática que seja a atividade do recorrente, ele não tem como fazer com que a instância a quo decida de uma ou de outra maneira. Não há como o recorrente pretender impor ao órgão julgador o conteúdo da decisão. Aos litigantes cabe, apenas e tão somente, pedir. Aos tribunais cabe decidir. Neste sentido, tratando do tema sob o rótulo ‘embargos de declaração prequestionadores’, v. Giovanni Mansur Solha Pantuzzo, Prática dos recursos especial e extraordinário, pp. 89/97. No mais, quanto à insegurança gerada pela disparidade de entendimentos das duas Cortes Superiores quanto ao que é e como se manifesta o prequestionamento, v. meu "Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos Tribunais Superiores", esp. pp. 198/200.
[59]. Rodolfo de Camargo Mancuso, Recurso extraordinário e recurso especial, pp. 194/195, sem os destaques. No mesmo sentido, v. José Miguel Garcia Medina, O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, p. 147.
[60]. Theotonio Negrão, Código de processo civil e legislação processual em vigor, p. 1839, 2ª coluna, sem os destaques. A p. 1842, in fine, consta outro julgado do qual se lê: "Admissível, em tese, possa ser conhecido especial, fundado na letra ‘a’, ainda que não mencionado expressamente o dispositivo legal que se pretende violado. Para isso, é necessário que da leitura do recurso se possa induvidosamente concluir, em vista dos fundamentos jurídicos deduzidos, qual o dispositivo de lei que se entende contrariado. Indispensável, outrossim, resulte claro que se quer a reforma ou anulação do julgado, em virtude da falta apontada. Isso não se verifica se o pleiteado no recurso não constitui conseqüência lógica da infração dos dispositivos omitidos (RSTJ 79/165)" (os destaques são da transcrição).