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Suplentes de senadores: um lamentável erro do legislador constituinte de 1988.

(“Diga-me com quem andas e te direi quem és”)

13/01/2015 às 14:37
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Este artigo é um alerta aos eleitores brasileiros. A figura do suplente de senador não se faz presente no mundo do eleitor, e a Justiça Eleitoral tem prestado um desserviço não adotando providências que devia

UM JUSTIFICÁVEL VACILO DO DR. ULYSSES

A atual conjuntura do cenário político nacional evidencia, mais do que nunca, que o Senado Federal é uma instituição inútil, desprezível, descartável, desnecessária. Historicamente funcionou quase que exclusivamente a serviço da bandidagem política, do servilismo e cumplicidade com os malfeitos  do poder dominante.

Inaugurado o regime republicano, com a promulgação da Constituição de 1891, seus integrantes tinham como função precípua a representação e defesa dos interesses de suas respectivas unidades federativas. Pois é, a República alterou a forma de escolha dos senadores e suas principais funções. Os senadores passaram a ser escolhidos diretamente pelos eleitores e o senado passou a representar a federação. Assim, enquanto a Câmara dos Deputados representava a população, motivo pelo qual os estados mais populosos tinham maior número de representantes, o Senado representava a unidade federativa. Por isso, estados pouco populosos elegiam o mesmo número de senadores que os estados mais densamente ocupados. Dessa forma, mesmo que uma lei que beneficiasse diretamente as regiões com maior número de habitantes fosse aprovada pela Câmara, ela tenderia a ser obstada pelo Senado, se os seus membros entendessem que os estados menos povoados seriam por ela prejudicados.

As duas Cartas Constitucionais seguintes, de 1934 e 1937, abandonaram a instituição e acolheram o unicameralismo. A Constituição de 1946 ressuscitou o Senado com a mesma característica político-legislativa que lhe foi emprestada pela Constituição de1891, só que introduzindo, por conveniência, a “imoral” figura do suplente de senador, sem qualquer restrição ao indicado. A Carta de 1967, pela mesma razão, manteve a excrescência, que também foi mantida na Emenda Constitucional nº 1/1969. Mas a imoralidade maior emergiu da Emenda Constitucional nº 8/1977: um suplente era pouco para garantir o poder dominante; para assegurá-lo far-se-ia necessário a adição de mais um suplente.

Portanto, quando da instalação da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a vigente Constituição, mais do que provado estava quanto nefasto para uma república que se pretendia democrática era um senado federal nos moldes dos que aqui se estabeleceram: subservientes ao poder dominante; sem assumir os compromissos com os Estados Membros da Federação pelos quais foram eleitos com o escopo de representá-los e defender seus interesses. Mas mesmo assim, a “Carta Magna” de 1988 não só recepcionou como legado o bicameralismo, como continuou a permitir que o senador se fizesse acompanhar de dois suplentes, também sem qualquer restrição aos indicados. E assim ficou redigido o § 3º do art. 46 da Constituição Federal em vigor: “Cada Senador será eleito com dois suplentes.” (grifo nosso).

Com certeza, tal dispositivo foi inserido na Constituição a contragosto do ilustre, saudoso e inesquecível presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, Doutor Ulysses Silveira Guimarães; era ele por demais diligente. Compreensivelmente, ele não se insurgiu de forma veemente contra tal inserção. A Constituição haveria de ser elaborada pelos parlamentares que à época compunham o Congresso Nacional. Os senadores, apesar de terem sido eleitos quando já nos encontrávamos geridos por um civil, eram, na sua grande maioria, ex-serviçais do antigo regime. Uma demonstração de intolerância ao Senado Federal, ou mesmo à imoralidade que ora estamos a expor, poderia desagradar os militares e provocar “um passo atrás” e  ver-se  frustrada a redemocratização ansiosamente esperada. Para ele, Doutor Ulysses, naquele momento, de maior importância era a elaboração de uma Constituição Democrática, mesmo que com arestas a serem aparadas “a posteriori”, o que certamente faria. E essa é uma das razões que nos levam a crer que sua morte está envolvida num grande mistério.

A INUTILIDADE DO SENADO

Como já ressaltamos, à vista dos propósitos pelos quais foi introduzido nas Constituições brasileiras, o Senado Federal, para a nação brasileira, e nada é uma coisa só. É alguma coisa, sim, para alguns que na “Casa” têm assento; e não é pouca coisa. Nada mais representa do que um balcão de negociatas. Sabe-se que a presumida representação das unidades federativas se faz por igualdade no Senado Federeal. Reza o § 1º do art. 46 da nossa “Magna Carta”: “Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos”. Pois é, o Distrito Federal e os Estados, de cabo a rabo, têm três (3) representantes na “Casa”. Mas representantes de que interesses? Representantes e defensores de seus próprios interesses. Insistimos, pela bandidagem política – hoje, não só bandidagem política, mas bandidagem nas suas mais variadas vertentes -, pelo servilismo e pela cumplicidade com os malfeitos do poder dominante, os interesses dos Estados membros são desprezados.

Não, não estamos sendo levianos. Muitos entram no Senado se declarando pobres; não duvidamos, deve ter alguns que até se dizem isentos de pagamento de imposto de renda. Pouco tempo depois já são prósperos fazendeiros, possuidores de concessões radiofônicas e televisivas, etc. Isso vale para representantes de todas as regiões do País. Mas a covardia maior se verifica com relação aos representantes das regiões Norte e Nordeste. Elas concentram a maior parte dos Estados brasileiros; portanto, têm a maior representação no Senado e por isso a instituição está sob o domínio de representações norte-nordestinas, que predominantemente atuam de forma servil e suspeita. A compensação que recebem seus representados é a maior concentração de miséria do Brasil. O poder econômico das demais regiões de forma alguma justifica a omissão de seus senadores, mas minora o impacto da falta de representação de suas unidades federativas no Senado Federal.

Para se sentir a inutilidade do Senado Federal basta assistirmos a uma sessão da Casa e prestar atenção às manifestações dos senadores. O que se vê? Homenagens póstumas – onde são canonizadas pessoas que, se sabe, não valiam nada, maus caráteres - e uma asquerosa “babação de ovo” - um senador elogiando o outro: “Vossa Excelência está cada dia mais jovem”; “Que gravata bonita senador. Deve ser italiana, não?”; “Vossa Excelência é a elegância em pessoa”. É triste; essas sessões deveriam ser gravadas e exibidas após a meia-noite e não recomendadas para menores de dezesseis (16) anos – é um péssimo exemplo.

INTOCABILIDADE DO SENADO

Voltamos a repetir, não se justifica a existência do Senado Federal no atual cenário político nacional. Mas cônscios estamos do quanto seria difícil a aprovação de uma emenda à Constituição que ameaçasse a “integridade” dessa instituição. Extingui-lo? Impensável. Seria caso para alguns de seus componentes buscarem socorro militar e, quem sabe, pedirem o retorno da força ao comando da Nação. Abolir a figura do suplente? Pensável. Mas ficava só no pensamento. Nem mesmo vislumbramos a possibilidade de reduzir o número de suplentes – hoje, dois (2) – ou de impedir que parentes se façam suplentes. Por incrível que possa parecer – temos certeza que nem todos sabem e, por isso, pedimos aos eventuais leitores que, agora, sentem para não caírem boquiabertos –, até o ilustre senador José Sarney propôs emenda à Constituição em que pretendia a extinção de uma vaga de suplente; e não só isso - como era de se esperar de um inimigo por excelência do nepotismo - inseria a proibição de indicação de parente para a suplência. Como “não era de se esperar” (?), teve, para a sua satisfação, a proposta rejeitada. Outras propostas nesse mesmo sentido, até sinceras, esperam entrar em pauta, mas, é óbvio, não encontrarão respaldo para serem aprovadas.

Satisfeitos ficaríamos se aprovada fosse uma emenda que, embora não extinguisse o Senado, não reduzisse o número de suplentes e, também, não impedisse a indicação de parentes como tal, lhe retirasse a representação da Federação. Assim, a unidade federativa não ficaria na expectativa de ações dos venais em seu benefício.

O CANDIDATO E O ELEITOR

Nós fomos criados sendo alertados - e ainda hoje é um procedimento dos pais diligentes - sobre as companhias com as quais nos fazíamos acompanhar: “Quem com porcos se mistura farelos come!”.

Proclama o art. 1º, parágrafo único da nossa vigente Constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Voltamos a transcrever o § 3º do art. 46 da Constituição Federal em vigor: “Cada Senador será eleito com dois suplentes.” (grifos nossos).

Devem ser esses dois suplentes pessoas de livre escolha do titular? Sim. À vista do dispositivo retro transcrito, não há como se admitir de outra forma. Podem indicar parentes (avós, pais, filhos, primos,...; amigos, inimigos, ...) e aderentes (namorada, “rapariga”, ...), contanto que contem mais de trinta e cinco (35) anos de idade. Fica o alerta para a “rapariga” novinha: não caia na conversa do candidato a senador que te promete a suplência.  Mas a seu bel-prazer, sem dar satisfação alguma ao eleitor? Aí, entendemos nós, não! Deve o titular apresentar seus suplentes ao eleitor. Quando vamos à feira não compramos as frutas de que necessitamos pela simples sugestão do feirante. Cercamo-nos de cautelas: observamos sua aparência, investigamos sua procedência e, quando possível, até as experimentamos. Um exemplo mais claro: “aquele senador” que, quando quer mandar para o exterior ganhos injustificáveis, procura paraísos fiscais que mais lhe assegurem o sigilo da remessa. Portanto, deve o pretendente a titular-senador fazer chegar ao conhecimento do seu eventual eleitor que seus indicados à suplência têm os mesmos predicados que o credenciam a vindicar o mandato do cidadão-eleitor para a defesa de seus direitos e interesses. É, em suma, direito do eleitor fazer a seguinte proposição: Senhor candidato, diga-me quem são teus suplentes e eu decido se te acompanho ou não.

À vista do quanto retro ressaltado, estamos autorizados a dizer que a Justiça Eleitoral, desde a inserção da figura do suplente de senador na Constituição, não vem, nesse particular, cumprindo seu papel a contento.

Não vemos anormalidade na substituição de um parlamentar da Câmara Federal, pois o deputado que o substitui foi eleito pela mesma forma que aquele que deixa a vacância. Dir-se-á: mas os suplentes também são eleitos; são eleitos juntamente com os titulares. Também não há como discordarmos totalmente, já que o exercício do poder emanado pelo povo tem que se efetivar por representante eleito (art. 1º, parágrafo único, da C.F.). Mas são eleitos de forma anômala; eleitos por efeito cascata; são arrastados pelos votos obtidos pelo senador eleito.

Somos uma Nação pouco politizada e de muito analfabetismo. E é por esse pequeno detalhe que entendemos que a Justiça Eleitoral não tem dado a importância devida à suplência senatorial. Não! Não nos referimos à importância do suplente de senador, pois, como já demonstramos, não emprestamos importância nem mesmo ao titular; é importância às consequências que a circunstância pode acarretar. A lei faculta o voto aos analfabetos e aos presumivelmente não politizados - maiores de 16 e menores de 18 anos, marinheiros de primeira viagem -, mas não lhes fornece uma maneira segura de outorgarem seus mandatos aos senadores da República e seus suplentes. Dá-se por satisfeita, por dever cumprindo, o simples fato de fazer constar na cédula eleitoral o nomes, com fotos, do candidato a senador titular e dos do 1º e 2º suplentes. Certamente, os analfabetos e os maiores de 16 e menores de 18 anos não sabem da existência dos suplentes e muito menos do significado de suplência de senador.

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O afastamento, temporário ou definitivo, do senador titular é previsível. Normalmente é chamado, e normalmente aceita, é claro, para exercer funções no Executivo (ministro, diretor-presidente de estatal, ...) -  funções para as quais não tem habilitação técnica, mas que lhe propiciam vantagens maiores do que as que goza no exercício do mandato. Afasta-se definitivamente quando morre (o que, não se sabe o porquê, é raro), renuncia – coisa quase impensável, é cassado (também difícil de se ver) ou quando permanece em cargos executivos até o fim do mandato (é o corriqueiro).

Queiramos ou não, o Senado legisla, e o que ele legisla tem repercussão nacional; e, na falta do senador titular, legisla, com a mesma abrangência, o suplente de senador. Portanto, não se justifica a falta de atenção da Justiça Eleitoral com as consequências da substituição do senador titular pelo suplente. A suplência senatorial foi acolhida no nosso ordenamento jurídico-eleitoral sem um expresso regramento, necessidade que desde seu surgimento mostrou-se imperativa. Assim é que não discrimina as pessoas que não podem ser admitidas como suplentes, pelo que não são impedidos de sê-lo até os parentes e aderentes; não exige sequer que tenham residência na unidade federativa em que são indicados, razão por que não está impossibilitado de ser suplente o indivíduo que resida em unidade que não da circunscrição do titular ou mesmo que resida no exterior; basta que tenha como domicílio eleitoral a mesma unidade federativa.

Mister, pois, se faz que seja o eleitor esclarecido o suficiente para que decida da forma que bem lhe convier - se acompanha ou não o candidato -, mas tendo conhecimento do perfil dos suplentes que ele se faz acompanhar. Ora, se o candidato titular - que o eleitor presume conhecer suas qualidades -  pode frustrar sua expectativa, o que se esperar de um suplente que ele desconhece completamente? Como exemplo, recente, temos o caso de Wilder Morais (DEM-GO), que tomou posse no lugar de Demóstenes Torres. Wilder, assim como o ex-senador, também tinha suspeita de envolvimento com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, pivô da crise que destruiu a imagem de Demóstenes. Wilder, aliás, é ex-marido de Andressa Mendonça, atual mulher de Carlinhos. Pois é, não resta dúvida que alguns muitos eleitores do ex-senador erraram - até então por duas vezes: ao votar nele e no primeiro suplente, farinhas do mesmo saco. E isso não teria ocorrido se os eleitores tivessem prévio conhecimento de quem se tratava o primeiro suplente. Com certeza, não sabiam sequer que o senador se fazia acompanhar de suplentes. Se tivessem conhecimento da companhia do candidato, que presumiam ter idoneidade, aqueles eleitores conscientes do que representa a suplência e que vissem no suplente Wilder condutas que fossem de encontro aos seus princípios, certamente, não acompanhariam o ex-senador Demóstenes.

Entendemos nós, na contramão de muitos, que o suplente deve fazer parte da campanha eleitoral. E assim pensamos com base nos retro transcritos arts. 1º, parágrafo único, e 46, § 3º, da Constituição Federal.  Deve, portanto, a Justiça Eleitoral, dando cumprimento ao quanto se extrai desses dispositivos e sem temor de que espertalhões aleguem alteração do processo eleitoral, deixar de continuar sendo omissa e determinar que o candidato a senador, no mínimo, divulgue durante sua campanha - de forma clara e pelos mesmos meios que lhe forem postos à disposição para a divulgação de sua candidatura - os nomes e qualificações de seus suplentes. Assim o povo conhecerá as beldades que, se eleitos, terão, eventualmente, legitimidade para representá-lo no Senado Federal. A simples inclusão dos nomes do suplentes na cédula eleitoral, repetimos, não protege o voto do eleitor, especialmente do analfabeto e do não politizado.

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Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Ubiratan Pires. Suplentes de senadores: um lamentável erro do legislador constituinte de 1988.: (“Diga-me com quem andas e te direi quem és”). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4213, 13 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30273. Acesso em: 19 abr. 2024.

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