Capa da publicação Rondônia: inconstitucionalidades no regulamento disciplinar da Polícia Militar
Capa: Daiane Mendonça / Ascom

Aspectos (in)constitucionais do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Rondônia (Decreto nº 13.255/2007)

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17/07/2014 às 16:05
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2. Dos Regulamentos Disciplinares

2.1. Da Carreira Militar

A condição de militar, diferentemente do que muitos pensam, ao invés de constituir um privilégio para seus membros traz-lhes pesado ônus, devido às peculiaridades de sua missão, do alto risco e sacrifícios, envolvendo conflitos, litígios e assuntos de segurança do Estado e das Instituições Armadas, o que os sujeita a normas de conduta pessoal muito rígidas, além de terem o dever de estarem bem fisicamente para o exercício das atividades e na lida diária com armas, explosivos e outros materiais bélicos.

A pessoa que ingressa na carreira militar deve preencher requisitos específicos de qualificação e formação indispensáveis. Alguns ingressam nas Forças Armadas, por vocação e vontade própria, fazendo carreira, ou seja, abraçando a atividade militar como profissão. Outros nelas ingressam por força da própria lei, para prestação do serviço militar obrigatório, para os homens, ao atingirem a idade de 18 anos, sendo dispensados após o treinamento básico de cerca de 1 (um) ano, tornando-se, então, reservistas e sujeitos a convocações futuras, em caso de necessidade patente. Os militares estaduais — policiais militares e bombeiros militares — são todos voluntários que ingressam nas Corporações, sujeitando-se à hierarquia e à disciplina militares e às restrições constitucionais decorrentes, enquanto nelas permanecerem, tornando-se profissionais de segurança pública ostensiva.

Enquanto no serviço ativo, o militar fica sujeito a uma série de restrições de ordem pessoal e profissional, para que possa exercer suas atividades de forma plena, sem qualquer injunção no dever de bem servir à Pátria e às instituições a que se vincula, sujeitando-se a normas rígidas de disciplina e hierarquia, bem como aos riscos da profissão que abraçou.

Após servir durante o período estabelecido nos estatutos próprios, o militar será transferido para a reserva remunerada, caso não tenha sido antes reformado em razão de saúde física ou mental. Mesmo na reserva, poderá ainda ser reconvocado em caso de necessidade circunstancial, obrigando-se a retornar ao serviço ativo no mesmo posto ou graduação.

Quando reformado, fica desobrigado de retornar em caso de convocação, mas conserva o posto e a patente ou a graduação respectiva, bem como os direitos e deveres a elas inerentes.

Os deveres e restrições não afetam apenas os militares do serviço ativo, pois certas obrigações permanecem mesmo na inatividade e ultrapassam a pessoa do militar, atingindo direta ou indiretamente sua família.

O militar não é um privilegiado em relação ao civil. Ao contrário, é um servidor diferente, e mais onerado em suas atividades e obrigações, tanto que ao ingressar na carreira, aceita as condições especiais a que deverá se sujeitar, incorporando-as como valores éticos que deverão pautar sua conduta profissional e pessoal.

2.2. Dos Princípios Constitucionais Militares

A Constituição Federal define os chamados “pilares básicos” de toda instituição militar, que são a hierarquia e a disciplina. Tais princípios estão elencados no artigo 42, em referência às Polícia Militares, e no artigo 142, em referência às Forças Armadas.

Qualquer força armada necessita de um controle rígido e eficiente de seus integrantes e de sua atuação, para impedir excessos, desvios e omissões, e até mesmo a transformação daquela em "bando armado", gerando o caos e colocando em perigo a sociedade civil.

Frise-se, por pertinente, que as organizações paramilitares também adotam esses princípios, mas com a diferença de agirem fora da legalidade.

A disciplina se manifesta através do exato cumprimento dos deveres de cada um, em todos os escalões e graus da hierarquia militar.

Hierarquia é a ordem e subordinação dos diversos postos e graduações que constituem a carreira militar e que investe de autoridade o de maior posto ou graduação, ou o que tiver cargo mais elevado.

Meirelles4conceitua como poder hierárquico “ aquele que dispõe o administrador para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar, rever a atuação de seus agentes e estabelecer a relação de subordinação entre os servidores de seu quadro pessoal”.

A hierarquia militar está prevista no artigo 14, §1º, da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares), que assim dispõe:

Artigo 14 - Hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das forças armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade.

Especificamente quanto ao significado e aplicação da hierarquia para as instituições militares, Tomaz Pará5, ensina que:

A hierarquia é a base da instituição, e o mais graduado comanda tão somente porque se preparou e revelou as qualidades de chefe. É tão nobre obedecer quanto comandar. O superior só conseguirá subordinação voluntária, consciente e completa se for disciplinado, imparcial, sereno e enérgico: tornando-se exemplo pelas suas qualidades morais.

Quanto à disciplina, o Estatuto dos Militares também faz referência em seu Artigo 14, §2º dispondo:

Artigo 14 - Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.

Para José Afonso da Silva6, “disciplina é o poder os superiores hierárquicos de impor condutas e dar ordens aos inferiores. Correlativamente, significa o dever de obediência dos inferiores em relação aos superiores”.

No âmbito da Polícia Militar do Estado de Rondônia, o Estatuto traz a previsão dos princípios basilares da hierarquia e disciplina estão capitulados no artigo 2º do referido texto legal, conforme já apontamos no capítulo anterior.

2.3. Do Regime jurídico Militar

A Polícia Militar do Estado de Rondônia é regida por um Estatuto, que regula a situação, deveres, direitos e prerrogativas dos membros da corporação.

O Estatuto dos Policiais Militares da Polícia Militar do Estado de Rondônia é aprovada pelo Decreto n. 09-A, de 09 de março de 1982 e, ao longo dos anos vem passando por diversas emendas com a finalidade de adequar o regime jurídico dos servidores militares à realidade que se apresenta atualmente. Tem sua base constitucionalmente definida, nos termos do artigo 144, inciso V, parágrafo 5º da CF/88 e, logo em seu artigo 2º define as funções da PMRO e seu exercício nos limites constitucionais em que é originada:

Art. 2º - À Polícia Militar, força auxiliar, reserva do Exército e instituição permanente, baseada na hierarquia e na disciplina, subordinada diretamente ao Governador do Estado, cabe a polícia ostensiva, a preservação da ordem pública e execução de atividade de defesa civil, através dos seguintes tipos de policiamento:

I - ostensivo geral, urbano e rural;

II - de trânsito;

III - florestal e de mananciais;

IV - rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais;

V - portuário;

VI - fluvial e lacustre;

VII - de radiopatrulha terrestre e aérea;

VIII - de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado;

IX - prevenção e combate a incêndio, busca e salvamento7;

X - outros, atribuídos por lei.

É pelo Estatuto que os membros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Rondônia encontram respaldo jurídico para definição de suas atividades, obrigações, direitos, deveres e prerrogativas; distinção entre comandantes e subordinados; atuação das diversas unidades da corporação espalhadas pelo território do Estado; quantos membros deve haver no mínimo para o bom funcionamento da atividade; atribuições de cada unidade especial de policiamento; formas de ingresso e requisitos para ingressar nas fileiras da PMRO; disposição sobre os círculos hierárquicos, baseados nos pilares da hierarquia e disciplina; definições sobre postos dos Oficiais e graduação das Praças; critérios de promoções.

Quando do ingresso nas fileiras, o Policial Militar oriundo dos cursos de formação, em formatura especial e solene, com o braço direito entendido e com voz firme e em brado contido deve fazer o chamado pelo Estatuto de “Compromisso Policial Militar”, que é uma espécie de juramento solene, no qual o novo membro da corporação se compromete com o cumprimento das atividades designadas à entidade e com a rigorosa observância dos preceitos de dignidade, moral e profissional. Neste ato profere as seguintes palavras8:

"Ao ingressar na Polícia Militar do Estado de Rondônia, prometo regular a minha conduta pelos preceitos da moral, cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado, e dedicar-me, inteiramente ao serviço policial-militar, à manutenção da ordem pública e à segurança da comunidade, mesmo com o risco da própria vida".

Desta forma o Policial Militar recém formado se compromete a cumprir sua missão constitucionalmente definida, zelar pelos preceitos da ética e da moral sendo um excepcional profissional, dedicado, competente, trabalhando em prol da sociedade em que vive e obstinando-se a defendê-la ainda que isto lhe custe a própria vida.

Não são raros os casos de agentes policiais que perdem a vida durante o serviço. Na maioria dos casos a intenção do policial é combater o crime aplicando a lei e preservando a vida.

Porém, na atual conjuntura da seguridade pública que impera o medo e o sentimento de caos em todo o país, é grande o número de policiais que se corrompem, “mudando de lado” na vida profissional, se deixando valer por vantagens torpes e trazendo enorme sentimento de insegurança para a população que um dia jurou servir e proteger. Policiais envolvidos com o narcotráfico, homicídios encomendados, roubos de todas as espécies, sequestros, em fim, de tanto lidar com isso no dia a dia, prendendo os delinquentes da lei e verificando seus erros, o policial acaba por aprender a maneira de como não ser preso se fosse um criminoso. A verdade é que acabam se tornando os maiores e mais sanguinários criminosos existentes.

Há uma inversão de papéis na guerra urbana travada diariamente. De um lado os criminosos usuais que atormentam a sociedade com seus cometimentos de infrações penais, dos mais variados tipos. De outro o policial treinado, preparado psicológica e fisicamente para atuar no combate ao crime, mas que por várias justificativas, tanto econômicas como profissionais, optou por andar lado a lado com o crime organizado. Sabendo disso, a sociedade não sabe se confia no policial que lhe atende quando precisa, acreditando que este é honesto e correto em suas atitudes, ou se desacredita totalmente na instituição policial que uma vez foi criada para defendê-la ainda que com o sacrifício da própria vida, pré julgando todo e qualquer agente que se apresentar.

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Um elemento que caracteriza a especialidade jurídica dispensada aos militares, é que mesmo com significativo avanço que a Constituição de 1988 trouxe em matéria de direitos sociais e garantias individuais, foram restringidos alguns direitos importantes aos militares.

Concernente aos direitos sociais, a sindicalização e a greve são as principais restrições, conforme artigo 142 §3 inciso IV da Carta Magna. No campo dos direitos e garantias fundamentais temos a restrição ao habeas corpus no caso de punições disciplinares.

2.4. Dos Regulamentos Disciplinares em Geral

Os militares estaduais e federais brasileiros estão sujeitos a dois diplomas legais que regulam suas condutas na vida profissional: o Código Penal Militar (Decreto Lei n. 1001/69), que especifica os crimes propriamente militares praticados em tempo de guerra ou de paz, e os Regulamentos Disciplinares (RD), que preceitua as transgressões disciplinares militares cometidas no âmbito da administração militar.

O Estatuto dos Militares definiu em seu artigo 7º que os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

Baseando-se nesse dispositivo, constatamos que foi dado a cada instituição militar a prerrogativa de confeccionar seu próprio regulamento disciplinar, de acordo com as finalidades de suas atividades e realidade da administração militar em específico. São o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), Regulamento Disciplinar da Marinha (RDM), o regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer) e os Regulamentos Disciplinares das Polícias Militares e Bombeiros Militares dos estados.

O Artigo 1º do Regulamento Disciplinar do Estado de Rondônia (Decreto 13.255), define a finalidade legal deste dispositivo quando preceitua que a finalidade de tal diploma é regular o exercício dos poderes hierárquico e disciplinar, a apuração de transgressões disciplinares, a aplicação de punição, a concessão de benefícios e a apreciação de recursos.

Evaldo Corrêa9salienta que muitos dispositivos contidos nos regulamento disciplinares militares conflitam com vários direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, assegurados na Carta Magna constitucional de 1988, que marca o aparecimento de uma nova visão jurídica, mais humanista e voltada para os direitos humanos fundamentais.

(…) como ocorreu em outros ramos do Direito, existem imposições estatutárias e regulamentos, impostos ao homem militar, que não foram recepcionados pelo texto constitucional. E, por conta dessas ilegalidades, o judiciário tanto em primeira instância como em segunda instância, vem repelindo essas imposições e anulando diversos atos administrativos militares. Entre eles destacam-se: a obrigatoriedade do exaurimento da via administrativa; autorização do superior hierárquico para o militar ingressar em juízo; a restrição imposta de só poder frequentar lugares públicos com autorização do superior; a obrigatoriedade de o militar, mesmo sendo acusado, de se auto acusar; a imposição ao militar de pernoitar no quartel, após as vinte e duas horas, só não o fazendo por autorização superior.

A transgressão disciplinar militar pode ser entendida como sendo, toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do regulamento. Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar. São consideradas ainda, também, transgressões disciplinares, as ações ou omissões não especificadas no regulamento e não qualificadas como crimes nas leis penais militares, contra os Símbolos Nacionais, contra a honra e o pudonor individual militar; contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviços, estabelecidas nas leis ou regulamentos, ou prescritas por autoridade competente.

No entender Ana Clara Victor da Paixão10, definir quais seriam tais ações ou omissões é tarefa que só poderia ser desempenhada pelos próprios detentores de tal atributo, que, no caso, são os policiais militares, como um todo, e não a pessoa do administrador militar ou comandante. O conceito de honra, pudonor e decoro é abstrato, relativo e pessoal: o que um indivíduo considera desonroso ou indecoroso, pode não o ser para os demais. Assim, verifica-se que a autoridade militar não tem sequer titularidade para preencher o tipo disciplinar contido na norma.

Paulo Tadeu Rodrigues11é outro estudioso do direito que alerta que há extrema necessidade de mudança e adequação dos regulamentos disciplinares militares à nova ordem constitucional, observando que “a maioria dos regulamentos disciplinares das forças de segurança são decretos do poder executivo (estadual e federal), que em tese foram recepcionados pela nova ordem constitucional. Mas, quaisquer alterações nos diplomas castrenses só poderá ser realizada por meio de lei provinda do Poder Legislativo, o que não tem sido observado na atualidade, o que torna ilegal qualquer modificação feita após 1988 mediante decreto”.

Diante disso, é salutar profunda análise baseada nos princípios gerais do direito se as normas contidas nos regulamentos disciplinares das Polícias Militares dos Estados membros da Federação foram recepcionadas pelo novo texto constitucional, e se encontram em consonância com o disposto nos preceitos que tratam dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.

2.4.1. Regulamento Disciplinar Do Exército - RDE

O Regulamento Disciplinar do Exército foi aprovado pelo Decreto n. 4.632, de 26 de agosto de 2002, que revogou o Decreto 90.968, de 04 de dezembro de 1984 (antigo RDE). Dispõe seu artigo 1º que “o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) tem por finalidade especificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a punições disciplinares, comportamento militar das praças, recursos e recompensas”.

De todos os Regulamentos, o RDE é o mais conhecido e é o que regula o maior contingente de militares das Forças Armadas. Seu conhecimento se dá pelo fato de que a maioria dos civis que prestam o serviço militar obrigatório, o fazem nessa força, e após seu licenciamento levam consigo o conhecimento de tal regulamento disciplinar. As Polícia Militares e os Corpos de Bombeiros Militares que não possuem regulamento próprio , geralmente utilizam-se do RDE antigo.

2.4.2. Regulamento Disciplinar da Aeronáutica - RDAer

O Regulamento disciplinar da Aeronáutica é disposto pelo Decreto n. 76.322, de 29 de setembro de 1975 e regula as relações jurídicas entre o soldado iniciante até o mais alto posto de carreira desta força.

De maneira geral este regulamento segue as linhas gerais dos demais regulamentos disciplinares. Existem diferenças específicas pelo fato desta força exercer atividades que envolvem aeronaves militares e procedimentos especiais. O RDAer descreve como transgressão, por exemplo, quando não constitua crime, a utilização de aeronave militar ou civil sem autorização; o desleixo na observação do tráfego aéreo; a execução de vôos em baixa altitude ou acrobáticos, em locais não especificados para tal ou sem autorização prévia, entre outros, justificando assim, a existência de um regulamento disciplinar específico que preveja a conduta do militar pertencente àquela força bélica.

2.4.3. Regulamento Disciplinar da Marinha - RDM

O Regulamento Disciplinar da Marinha (RDM) foi aprovado pelo Decreto n. 88.545, de 26 de julho de 1983.

Este decreto regula as condutas dos militares, levando em consideração a sua particularidade de serviço prestado tanto por marinheiros quanto por fuzileiros navais. Mesmo aqueles militares que prestam serviços em terra, mas que pertencem à Marinha do Brasil, estão sujeitos ao RDM. Como as atividades dos homens da Marinha são específicas, até mesmo pelo seu vernáculo, tal como a Aeronáutica, necessário foi estabelecer um regulamento diferente dos demais.

2.4.4. Regulamento Disciplinar das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares

Como salientamos nos pontos anteriores, cada estado da federação possui seus militares estaduais que possuem as mesmas características jurídicas das Forças Armadas da União.

Assim como elencamos nas forças bélicas, os militares estaduais também têm sua conduta regulada por regulamentos disciplinares semelhantes aos da Marinha, Exército e Aeronáutica. Mais especialmente ao RDE. Porém, cada Corporação, em seu respectivo estado de atuação e subordinação, possui seu próprio regulamento disciplinar. Em alguns estados a Polícia Militar é unificada ao Corpo de Bombeiros Militar, sendo este subordinado diretamente ao comando daquela e, portanto, são regidos pelo mesmo regulamento disciplinar. Na grande maioria dos estados brasileiros o Corpo de Bombeiros é independente, possuindo seu próprio regulamento disciplinar.

Em Rondônia existe a independência do Corpo de Bombeiros, não se subordinando ao comando da Polícia Militar, porém utiliza-se das mesmas legislações e regulamentos de forma assemelhada, ficando sujeito ao RDPM e regulado juridicamente pelo Estatuto da PMRO.

2.5. As Transgressões Disciplinares

Os regulamentos disciplinares de maneira geral trazem o conceito do que venha a ser transgressão da disciplina. Para nosso estudo adotaremos o conceito que traz o dispositivo objeto deste trabalho.

O RDPM-RO, em seu Artigo 12, traz um conceito bem definido do que é transgressão disciplinar:

Art. 12. - Transgressão disciplinar é qualquer ação ou omissão contrária à ética ou ao dever policial militar, cominando-se as respectivas sanções previstas neste regulamento.

Transgressão Disciplinar, segundo Univaldo Corrêa12, é “a violação dos preceitos da ética, dos deverese das obrigações militares na sua manifestação simples”.

Um aspecto importante a frisar neste trabalho é a diferenciação entre Crime Militar e Transgressão Disciplinar Militar. O Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80) dispõe em seu Artigo 42 que “a violação das obrigações ou dos deveres militares, constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamento específico”.

Verifica-se que muitas vezes pode se tornar difícil a distinção entre uma coisae outra. Romeiro13descreve esta dificuldade de distinção da seguinte forma:

(…) torna-se difícil estabelecer, por esse motivo, uma diferença essencial de conteúdo, semelhante ao direito penal e disciplinar comum, entre os dispositivos do código penal militar e dos regimentos disciplinares militares, cujos limites se estadeiam por vezes até esfumados. Haja vista certos ilícitos militares cuja configuração como crime ou transgressão disciplinar é confiada ao poder discricionário do julgador, como em nosso C.P.M., o furto de coisa de pequeno valor praticado por agente primário (art. 240, §§1º e 2º), a lesão levíssima (art. 209, §6º), e outros mais. A diferença não é, assim, qualitativa mas quantitativa de grau, a critério do legislador.

O atual Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) aprovado pelo decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002, também distingue transgressão disciplinar de crime, dispondo em seu artigo 14 que:

RDE – Art. 14. - Transgressão disciplinar é toda ação praticada por militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou ainda, que afete a honra pessoal, o pudonor militar e o decoro da classe.

§ 1º Quando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar.

Já o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Rondônia, é bem mais complexo e, ao nosso ver, bem mais rígido com relação a concurso de crime militar e transgressão da disciplina. Isto porque adota o princípio da independência das esferas administrativas e penal, possibilitando que o infrator seja punido tanto penalmente como administrativamente. Vejamos:

Art. 12. Transgressão disciplinar é qualquer ação ou omissão contrária à ética ou ao dever policial militar, cominando-se as respectivas sanções previstas neste regulamento.

§ 1º Quando a ação ou omissão praticada constituir-se, ao mesmo tempo, infração penal e disciplinar, prevalecerá o princípio da relativa independência das instâncias, que se orientará da maneira seguinte:

I – quando a existência do fato ou quem seja seu autor acharem-se definidos por sentença judicial transitada em julgado, será incabível a discussão do mérito na esfera administrativa, sujeitando-se o policial militar à sanção disciplinar, sem prejuízo dos dispositivos que regem sua aplicação;

II – quando estiverem presentes no processo administrativo disciplinar as provas do cometimento de transgressão disciplinar, a autoridade disciplinar estará desobrigada de aguardar o trânsito em julgado da decisão judicial;

III – quando a absolvição criminal negar a existência do fato ou da sua autoria ou, ainda, isentar o seu autor do crime por meio de uma das excludentes, a responsabilidade administrativa do servidor será afastada, se não houver falta residual a punir.

§ 2º Quando a ação ou omissão praticada constituir-se apenas infração penal, e esta não contrariar os princípios da ética ou do dever policial militar, só será admissível a imposição de sanção quando houver falta residual capitulada como transgressão.

Jorge César de Assis14dá o seguinte entendimento acerca desse fato, afirmando que:

Logo, a diferença que existe entre o crime militar e a transgressão da disciplina é apenas de intensidade. A punição da transgressão disciplinar tem caráter preventivo, ou seja, pune-se a transgressão da disciplina para prevenir o crime militar. A relação que existe entre o crime militar e a transgressão disciplinar é a mesma que existe entre o crime comum e a contravenção penal.

Vê-se então que, a distinção entre transgressão e crime militar está na gravidade do fato e na tipificação do mesmo, podendo concluirque a transgressão disciplinar militar é conduta ilícita de menor gravidade praticada por um militar e prevista no Regulamento Disciplinar da instituição que serve, sendo portanto, punido no âmbito administrativo pela autoridade militar, ou pode este vir a cometer um crime militar, quando o militar comete conduta de maior gravidade, tipificada no Código Penal Militar (Decreto 1.001/69) como crime, o que será apurado e responsabilizado junto à competência da Justiça Militar da União se militar federal, ou dos Estados, se militar estadual.

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Sobre o autor
Fernando Albino

Bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Pós-Graduando em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (MBA-FGV), Ex-Servidor Público da Secretaria de Estado da Segurança Defesa e Cidadania de Rondônia - SESDEC/RO, Ex-Agente de Segurança Institucional da Casa Militar da Governadoria do Estado de Rondônia, Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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