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A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda

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01/08/2002 às 00:00
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3. Possibilidade de concessão da tutela antecipada com relação à parte incontroversa

O objetivo do processo é a prestação jurisdicional. A jurisdição só é efetivamente prestada quando há a composição dos litígios, ou seja, quando o juiz soluciona a controvérsia antes existente entre as partes.

A controvérsia é, portanto, a posição antagônica das partes em relação a determinado fato ou assunto. O juiz, para prestar a jurisdição deve solucionar a controvérsia, e para isto precisa de produção de provas e certo tempo para o seu convencimento.

Assim, a demora do processo é necessária para solucionar a controvérsia.

Entretanto, por diversas vezes, uma parte do processo deixa de ser controvertida seja porque o réu não contestou alguns fatos, ou porque reconheceu parte da pretensão do autor, ou ainda quando houve cumulação de pedidos e alguns já se encontram prontos para a decisão.

Nesses casos, apesar de parte da demanda não estar mais controvertida, o autor tem que esperar até o julgamento final para ver satisfeita sua pretensão, pois não pode o juiz julgar apenas parte do pedido para depois da instrução julgar a parte controvertida.

Como o réu, mesmo quando não há a controvérsia em parte da demanda, dificilmente cumpre espontaneamente a sua obrigação, o autor fica prejudicado, tendo que esperar até a prolação do provimento final.

O autor, nesses casos, apesar de ter razão e ter demonstrado que o seu direito é melhor do que o do réu, é prejudicado pela demora do processo. Enquanto que o réu, que não tem razão, é beneficiado, protelando o cumprimento de sua obrigação até o término do processo.

A doutrina brasileira moderna, visualizando a dificuldade e até mesmo a injustiça dessas situações, vem abordando sobre a possibilidade da antecipação da tutela com relação à parte incontroversa da demanda, com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, visando um processo mais eficaz.

Nos ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:

"Se o tempo do processo é algo ineliminável, exatamente porque o Estado precisa de tempo para averiguar a existência dos direito, também é verdade que a demora do processo constitui um custo muito alto para a parte que tem razão. Custo que pode significar angústia, ansiedade, privação, necessidade e até mesmo miséria. Dessa forma, o jurista tem o dever de buscar soluções para que possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo, sabido que, como dizia Carnelutti, processo é vida." [73]

As hipóteses em que é possível a antecipação da tutela são: não contestação de alguns fatos, reconhecimento parcial da pretensão do autor, e a cumulação de pedidos, como veremos adiante.

3.1. Não contestação de alguns fatos

3.1.1. Ônus da impugnação específica

O réu tem o ônus de contestar todos os fatos trazidos pelo autor ao processo. Isto não quer dizer que o réu tem o dever de contestar.

Cabe ao réu, em virtude do princípio da eventualidade ou da concentração, quando da contestação, argüir toda a matéria de defesa, seja de caráter processual ou material, sob pena de preclusão.

Além do ônus de se defender, conforme o art. 302 do CPC, o réu tem o ônus de impugnar especificadamente todos os fatos arrolados pelo autor, sob pena de presumirem-se verdadeiros os fatos não impugnados. Assim, é ineficaz a contestação por negação geral.

Como cita Humberto Theodoro Jr.: "fato alegado na inicial e não impugnado pelo réu é fato provado". [74]

Em alguns casos, porém, não há a presunção de veracidade dos fatos não impugnados pelo réu. Estas exceções são previstas expressamente pelo art. 302, nos inciso I a III:

"Art. 302. Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo:

I – se não for admissível, a seu respeito, a confissão;

II – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato;

III – se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto."

O inciso I diz respeito aos direitos indisponíveis, já que o art. 351 dispõe que não vale como confissão a admissão em juízo de fatos relativos a direitos indisponíveis. O inciso II coaduna-se com a previsão do art. 366, que diz que quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta. Já o inciso III, não considera como verdadeiros os fatos não impugnados se estes estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto, ou seja, se contestado apenas um ou alguns fatos diretamente, por incompatibilidade lógica, os demais foram implicitamente rejeitados.

Esta regra, quanto ao ônus da impugnação específica dos fatos, não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público. [75]

A impugnação específica dos fatos tem por objeto delimitar a controvérsia da demanda. A não contestação de um ou alguns fatos, leva a presunção de veracidade, pois este(s) fica(m) incontroverso(s).

Ressalte-se que além da não contestação, a contestação por evasivas também não torna controverso o fato alegado pelo autor, além de poder configurar deslealdade processual, prevista nos arts. 14 e 17, do Código de Processo Civil.

A não contestação, não implica necessariamente na procedência do pedido. A presunção de veracidade difere da procedência da ação. Até porque, a presunção de veracidade diz respeito apenas aos fatos alegados e não ao direito.

Mesmo que os fatos alegados pelo autor na sua petição inicial sejam considerados como verdadeiros, o juiz, quando do julgamento, pode decidir pela improcedência da ação. A ação somente será procedente se os fatos alegados na inicial forem razoáveis, e a eles corresponder os efeitos jurídicos afirmados pelo autor.

Nesse sentido, é a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

"A falta de contestação conduz a que se tenham como verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Não, entretanto, a que necessariamente deve ser julgada procedente a ação. Isso pode não ocorrer, seja em virtude de os fatos não conduzirem às conseqüências jurídicas pretendidas, seja por evidenciar-se existir algum, não cogitado na inicial, a obstar que aquelas se verifiquem." [76]

3.1.2. Contestação genérica

A não contestação de todos os fatos alegados pelo autor conduz a presunção de veracidade. O mesmo ocorre quando o réu contesta de forma genérica, pois neste caso a contestação em nada auxiliará para a limitação da controvérsia e conseqüentemente para a solução do litígio. Com a contestação genérica do réu, os fatos alegados pelo autor tornam-se incontroversos, diante da presunção de veracidade dos fatos não impugnados especificamente, autorizando o juiz a julgar antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, I, do CPC.

Entretanto, nem sempre o julgamento antecipado da lide pode ser eficaz, pois não permitirá a execução imediata da sentença, não permitindo assim, a satisfação imediata do direito do autor que se tornou incontroverso. Então, o juiz pode, neste caso, conceder a tutela antecipada, mesmo se já estiver em condições de proferir a sentença de mérito, "evitando assim, que o custo do duplo grau de jurisdição possa recair sobre os ombros do autor que detém um direito que não foi controvertido por participação inepta e indevida do réu". [77]

3.1.3. Revelia

A revelia pode ocorrer em duas hipóteses: a) quando o réu não apresenta contestação e não comparece em juízo, e b) quando o réu não apresenta contestação apesar de comparecer em juízo.

Na primeira hipótese, quando o réu não apresenta contestação e não comparece em juízo, a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor não é absoluta, pois vários podem ser os motivos que impediram o réu de se defender. Enquanto na não contestação o réu realmente não quis se defender sobre determinados fatos, na revelia, ele pode ter tido dificuldades em fazê-lo. Luiz Guilherme Marinoni, diz que pretende-se com tal entendimento "não se atribuir à revelia uma qualidade negativa, até mesmo porque ela deve ser analisada na perspectiva dos aspectos sociais que envolvem o processo do dia-a-dia". [78]

Entretanto, na prática, muitas vezes o réu não contesta e não comparece em juízo apenas porque não tem interesse em colaborar para a solução da demanda. Assim, o juiz, no caso concreto, verificará se realmente aquele réu não teve condições de comparecer em juízo ou se não teve interesse em fazê-lo. Se concluir que o réu teve um descaso com o processo, poderá aplicar a norma do art. 319, do CPC, de forma absoluta, ou seja, presumir como verdadeiros os fatos alegados pelo autor na inicial, desde que, é claro, exista a razoabilidade destes.

Na segunda hipótese, quando o réu não apresenta contestação, apesar de comparecer em juízo, comprovado fica o total descaso do réu com o sucesso ou não da demanda. Aqui, deve existir a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, pois o réu não quis se defender.

O juiz, verificando que o réu compareceu em juízo e não contestou, pode julgar antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, II, do Código de Processo Civil. Mas, como já foi dito no item anterior, essa providência não é eficaz, pois está sujeita ao duplo grau de jurisdição. Assim, poderá o juiz conceder a tutela antecipada, mesmo se já estiver em condições de proferir a sentença de mérito.

3.1.4. Não contestação de um ou alguns dos fatos alegados pelo autor

Nem sempre o julgamento antecipado da lide é possível, pois o réu pode ter contestado alguns fatos alegados pelo autor, deixando de contestar outros, tornando necessária a produção de provas com relação aos contestados, não podendo o juiz julgar definitivamente somente parte da ação.

A não contestação não se confunde com a confissão, já que nesta o réu admite como verdadeiro um fato, ou um conjunto de fatos desfavoráveis a sua situação processual, mas favoráveis à pretensão de seu adversário. A confissão implica numa posição ativa do réu, enquanto que a não contestação, requer um comportamento passivo do réu, a não impugnação de um ou mais fatos alegados pelo autor.

Quando tal situação ocorre, não é justo exigir do autor que aguarde até a sentença final para ver satisfeita a parte incontroversa de seu pedido, se o réu não a satisfazer espontaneamente. Assim, perfeitamente admissível o requerimento de antecipação da tutela com relação aos fatos não impugnados.

Exemplo comumente citado é aquele em que o autor procura receber 100 e na contestação, o réu diz que deve apenas 50, pois já teria pago o restante. A questão controvertida é somente o pagamento ou não da quantia de 50, o restante deixou de ser controvertido, mas mesmo assim, o credor tem que esperar até o final do processo para ver satisfeita essa quantia incontroversa.

Rogéria Dotti Doria, diz que essa situação não é adequada, nem sob o ponto de vista técnico, nem a partir de uma ótica de justiça, pois fazer com que o credor tenha que aguardar dois ou três anos até uma decisão com trânsito em julgado, quando o devedor, desde o início já confirmou dever uma parte, é cientificamente inadmissível. O devedor, neste caso, não é obrigado nem mesmo moralmente a pagar essa quantia, pois a questão está sub judice. "E é claro que o devedor malicioso vai preferir aguardar até o final do processo para pagar o que sabe que deve..." [79]

Luiz Guilherme Marinoni, ao analisar esse problema, comenta:

"Nesses casos, segundo o nosso entendimento, é possível a tutela antecipatória, pois o autor somente pode esperar para ver realizado o seu direito quando este ainda depende de demonstração em juízo. Ou melhor: é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido." [80] (grifos no original)

No mesmo sentido, são os ensinamentos de Nelson Nery Jr.:

"Nada obsta que o autor peça o adiantamento da parte incontrovertida, sob a forma de tutela antecipatória, como, aliás, vem previsto no art. 186bis do Código de Processo Civil italiano, introduzido pela reforma que ocorreu naquele país em 1990. (...) Entendemos aplicável ao sistema processual brasileiro o mesmo procedimento, pois do contrário haveria abuso de direito de defesa do réu, que não contesta 100 mas nada faz para pagá-los, postergando o processo para a discussão dos outros 100 que entende não serem devidos. Assim, pode o juiz, a requerimento do autor, antecipar os efeitos executivos da parte não contestada da pretensão do autor, com fundamento no CPC, 273, II." [81]

De fato, como foi dito antes, o inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, prevê a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, sempre que requerida pelo autor e presentes os requisitos de prova inequívoca e verossimilhança da alegação, ficar caracterizado o abuso de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Quando o réu contesta genericamente, ou não contesta um ou alguns dos fatos alegados pelo autor, é possível a tutela antecipada com fundamento no inciso II do art. 273, já que se visa impedir que o réu abuse de seu direito de defesa, protelando a realização de direitos incontroversos.

Este técnica de tutela antecipada é prevista no direito italiano, com a nova disposição do art. 186-bis, do CPC, que estabelece:

"Ordinanza per il pagamento di somme non contestate – [1] Su istanza di parte il giudice istrittore può disporre, fino al momento della precisazione delle conclusioni, il pagamento delle somme non contestate dalle parti costituite.

[2] L’ordinanza costituisce titolo esecutivo e conserva la sua efficacia in caso di estinzione del processo.

[3] L’ordinanza è soggeta alla disciplina delle ordinanze revocabili di cui agli articoli 177, primo e seconda comma, e 178, primo comma." [82]

Ao comentar referido dispositivo, diz Luiz Guilherme Marinoni: "o art. 186-bis somente admite a tutela em caso de não contestação de soma" [83]. O mesmo doutrinador diz que no direito brasileiro, a técnica da não contestação também é importante na hipótese de pedidos cumulados, mas deve-se admitir "não só a tutela para os casos de soma e entrega de coisas fungíveis, mas igualmente nas hipóteses de entrega de coisa infungível e de obrigação de fazer e de não fazer" [84].

Exemplifica a hipótese de entrega de coisa infungível, da seguinte forma: "alguém pode estar obrigado a entregar dois objetos determinados e, quando exigido em juízo, não negar que deve entregar um dos objetos". No caso de obrigação de fazer, o doutrinador traz o seguinte exemplo: "um marceneiro se obriga a fazer determinados móveis. Proposta a ação, o devedor pode não negar que se obrigou a fazer alguns dos móveis descritos na inicial". [85]

A tutela antecipada com relação à parte que ficou incontroversa em decorrência da não contestação, pelo réu, de um ou alguns fatos, poderá ser concedida inclusive nas ações declaratórias e constitutivas [86], como afirma Luiz Guilherme Marinoni. [87]

3.1.5. Cognição quando há a não contestação de um ou alguns fatos

Apesar de a tutela antecipada com relação a não contestação de um ou alguns fatos alegados pelo autor, ser anterior a sentença, não é fundada em mera probabilidade, como ocorre normalmente quando há concessão da tutela antecipada.

A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda não é com base em cognição sumária, mas sim em cognição exauriente, ou seja, com a apreciação em toda a sua profundidade pelo juiz.

Como salienta Luiz Guilherme Marinoni: "a tutela antecipatória nesses casos, não apresenta risco ao direito de defesa ou ao princípio do contraditório". [88]

3.2. Reconhecimento parcial da pretensão do autor

3.2.1. Distinções e conceito

Não há que se confundir a não contestação de determinados fatos pelo réu com o reconhecimento parcial da pretensão do autor. Enquanto na não contestação o autor se omite em contestar determinados fatos, no reconhecimento parcial da pretensão do autor, o réu reconhece determinado pedido do autor, e não fatos como ocorre na não contestação. Da mesma forma, não se confunde com confissão, que apesar desta última ser espontânea, diz respeito somente aos fatos.

Assim, no reconhecimento jurídico do pedido, o réu admite a procedência do pedido, impedindo que o juiz julgue propriamente a relação jurídica material, já que o processo somente será extinto com julgamento de mérito porque o réu reconheceu que o autor tem razão, devendo fazer coisa julgada material. Daí dizer-se que o reconhecimento jurídico do pedido vincula a decisão do juiz, pois este não poderá desconhecer do ato, devendo homologar a manifestação de vontade do réu.

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Diferenciando a confissão e o reconhecimento jurídico do pedido, afirma Luiz Rodrigues Wambier: "o reconhecimento do pedido alcança o direito, e não apenas os fatos, como a confissão. A manifestação de vontade do réu é no sentido de aceitar o direito alegado pelo autor, ou seja, as conseqüências jurídicas dos fatos apresentados na petição inicial". [89]

Referindo-se ao reconhecimento jurídico do pedido, esclarece Humberto Theodoro Jr.:

"O reconhecimento tem por objeto o próprio pedido do autor, como um todo, isto é, com todos os seus consectários jurídicos. É verdadeira adesão do réu ao pedido do autor, ensejando autocomposição do litígio e dispensando o juiz de dar a sua própria solução de mérito. O juiz apenas encerra o processo, reconhecendo que a lide se extinguiu por eliminação da resistência do réu à pretensão do autor." [90]

O reconhecimento jurídico do pedido não poderá ser realizado quando se tratar de direitos indisponíveis, tal como ocorre na não contestação. "Para o reconhecimento jurídico do pedido deve, igualmente, não só ser levada em conta a disponibilidade do direito, mas também a capacidade da parte para dela dispor". [91]

O réu pode reconhecer total ou parcialmente o direito do autor, como explica Luiz Rodrigues Wambier:

"É possível o reconhecimento jurídico parcial, quando houver cumulação de pedidos. Nessa circunstância, o processo prosseguirá em relação ao(s) pedido(s) não reconhecido(s), mas tornam-se desnecessárias as provas e o julgamento a respeito do pedido expressamente reconhecido." [92]

3.2.2. Concessão da tutela antecipada

Quando o réu reconhece a totalidade do pedido do autor haverá o julgamento de mérito, extinguindo o processo, com fulcro no art. 269, II do Código de Processo Civil.

Entretanto, se o réu reconhece apenas parte do pedido, supondo-se ser este suscetível de fracionamento, ou ainda, quando há pedidos cumulados e o réu reconhece apenas um ou mais, não haverá a extinção do processo, continuando este em relação ao restante do pedido.

Com isso, o autor, apesar de já possuir parte de seu direito reconhecido pelo réu é obrigado a esperar até o término do processo, para obter a sua satisfação, já que dificilmente o réu cumprirá a sua obrigação espontaneamente, e para obrigá-lo é necessária a sentença final.

Essa situação certamente constitui um atentado contra o princípio de que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito (ou de parcela de um direito) que não é mais controvertido, autorizando a concessão da tutela antecipatória com base no art. 273, II, do CPC, pois abusa do seu direito de defesa o réu que reconhece parcialmente a sua dívida e nada faz para pagá-la. [93]

Nesse sentido, diz Rogéria Dotti Doria:

"O cabimento da tutela antecipada no caso de reconhecimento do pedido encontra guarida no inciso II do artigo 273 do Código de Processo Civil, pois o réu que reconhece parte da pretensão do autor e ainda assim não a satisfaz, sem dúvida alguma, assume um comportamento protelatório e abusivo." [94]

Deve-se ressaltar, que em caso de litisconsórcio passivo, o reconhecimento do pedido por apenas um dos réus não prejudicará os demais, o processo não sofrerá imediata extinção, mas prosseguirá, porém, a sentença necessariamente deverá se cindir, declarando a extinção do processo com julgamento de mérito com relação ao réu que reconheceu o pedido (formando, se for o caso, título executivo em relação a este) e julgando o mérito (concedendo ou não o pedido) em relação aos demais réus [95]. Nesse caso, a tutela antecipada poderá ser concedida em relação ao réu que reconheceu juridicamente o pedido, para que o autor não seja obrigado a esperar até a prolação da sentença final, para ver cumprido um direito que já possuía desde que foi reconhecido pelo réu.

Como foi dito anteriormente, não há razões para se limitar, no Brasil, a tutela antecipada, quando fundada no reconhecimento parcial do pedido ou na não contestação, somente aos casos de pagamento de soma em dinheiro, tal como ocorre no Direito Italiano. Portanto, é possível a tutela antecipada para entrega de coisas infungíveis e nas obrigações de fazer e não fazer, como no exemplo citado por Luiz Guilherme Marinoni:

"Suponha-se, por exemplo, que alguém tenha se obrigado a entregar 500 quilos de cimento em uma determinada obra. Ocorrido o inadimplemento, o credor pede que o devedor entregue a matéria prima, e este último afirma que teria que entregar apenas 200 quilos, reconhecendo, assim, parcialmente a sua obrigação." [96]

Igualmente como ocorre com a não contestação, é possível a antecipação dos efeitos da tutela, quando há um reconhecimento parcial da pretensão do autor, mesmo quando se tratar de ações declaratórias ou constitutivas.

3.2.3. Cognição no reconhecimento parcial do pedido

Ao tratar da tutela antecipada com relação ao reconhecimento parcial da pretensão do autor, diz Rogéria Dotti Doria:

"Se o art. 273 do Código de Processo Civil autoriza a concessão da tutela antecipada com base em cognição sumária, ou seja, diante da probabilidade da existência do direito do autor, com muito mais razão deve se admitir essa tutela célere e eficiente para os casos em que o próprio réu já reconheceu a pretensão do autor. A demora do processo é algo, por si só, injusta e problemática. Mas é considerada um ônus com o qual as partes têm que conviver sempre que houver a controvérsia. Desaparecendo essa controvérsia, como ocorre diante da não contestação e do reconhecimento jurídico do pedido, a demora processual assume outra condição. Passa a ser inadmissível e odiosa. Insustentável cientificamente." [97]

Dessa forma, verifica-se que a concessão da tutela antecipada com relação ao reconhecimento parcial do pedido, assim como ocorre quando da não contestação, é fundada em cognição exauriente. Até mesmo porque, o juiz estará vinculado ao reconhecimento do pedido feito pelo réu, como foi dito anteriormente.

3.3. Cumulação de pedidos

3.3.1. Conceito

O art. 292 do Código de Processo Civil permite ao autor cumular, num único processo, contra o mesmo réu, vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. Na verdade, como salienta Luiz Rodrigues Wambier, "trata-se de cumular mais de uma ação contra o mesmo réu, pois, já que cada pedido autoriza uma ação independente, realmente existem tantas ações quantos forem os pedidos". [98]

Pelo princípio da economia processual, o autor que possui mais de uma pretensão contra o mesmo réu, poderá, ao invés de entrar com uma ação para cada pedido, cumular num único processo todos os pedidos.

Entretanto, para que a cumulação de pedido possa ocorrer são necessários três requisitos, previstos pelo art. 292, § 1º:

I – que os pedidos sejam compatíveis entre si: pois, diferentemente do que ocorre na cumulação subsidiária, sucessiva ou eventual, onde os pedidos podem ser até opostos ou contraditórios, na cumulação efetiva é necessário que os pedidos sejam compatíveis e coerentes, não podendo ser excludentes, porque todos poderão ser atendidos;

II – que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo: como todos os pedidos serão decididos pelo mesmo juiz, é necessário que este seja competente para todos. Se se tratar de competência absoluta, não poderá haver a cumulação de pedidos de competência diversa, até mesmo porque o juiz poderá reconhecer ex officio a incompetência e repelir a cumulação. Porém, tratando-se de competência relativa, o juiz não poderá se manifestar sobre ela de ofício, e se, em alguns dos pedidos, o juízo não era originalmente competente, inexistindo exceção declinatória por parte do réu, ocorrerá o fenômeno da prorrogação de competência para todos os pedidos, possibilitando a cumulação;

III – que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento: para a cumulação de pedidos, em regra, deve haver a uniformidade de procedimentos entre eles. Mas, se o autor, optar pelo rito ordinário, poderá existir a cumulação, mesmo que para alguns dos pedidos houvesse a previsão de rito especial. Todavia, impossível a cumulação de processos distintos, como cautelar e execução.

A cumulação dos pedidos pode ser: simples, sucessiva ou incidental. A cumulação simples ocorre quando os pedidos somente têm em comum as partes e o acolhimento ou rejeição de um não afeta o outro. Na cumulação sucessiva, o acolhimento de um pedido pressupõe o do pedido anterior. A cumulação incidental ocorre após a propositura da ação, por meio do pedido de declaração incidental. Há ainda, a cumulação alternativa, onde um dos pedidos é realizado como principal e o outro para a eventualidade de não ser possível o acolhimento do primeiro. [99]

3.3.2. Tutela antecipada e a cumulação de pedidos

Havendo a cumulação de pedidos, pode ocorrer, durante o processo, de um dos pedidos ficar preparado para o julgamento, seja porque diz respeito apenas a matéria de direito ou ainda, porque não se faz necessária a instrução, enquanto que os demais necessitam de mais tempo para a sua cognição.

O autor, neste caso, deveria esperar até o julgamento de todos os pedidos para ver satisfeito aquele que já estava pronto para o julgamento, isto porque, antes da introdução da tutela antecipada no Código de Processo Civil, "não era possível a cisão do julgamento dos pedidos cumulados ou julgamento antecipado de parcela do pedido, prevalecendo o princípio chiovendiano ‘della unità e unicità della decisione’" [100].Ou seja, o juiz deveria proferir uma única decisão ao final do processo e após a colheita das provas, mesmo que um dos pedidos já estivesse preparado para o julgamento.

A tutela antecipada, quando há cumulação de pedidos é uma exceção ao princípio da unicidade da decisão, com vistas a atingir os princípios constitucionais da efetividade e tempestividade da tutela.

Atualmente, com a tutela antecipada, é possível antecipar o momento de julgamento desse pedido. E para isso, é essencial a existência de :

a) um ou mais de um dos pedidos que esteja em condições de ser imediatamente julgado, seja porque diz respeito somente a matéria de direito ou dizendo respeito a matéria de fato não precise de instrução probatória;

b) um outro ou outros pedidos, que necessitem da instrução probatória.

Rogéria Dotti Doria, cita ainda como requisito a urgência:

"(...) por não haver nesse caso abuso de direito de defesa ou propósito protelatório, a tutela antecipada deverá ser concedida com base no art. 273, I, do Código de Processo Civil e, evidentemente, desde que presentes os seus pressupostos." [101]

Em sentido contrário, diz Luiz Guilherme Marinoni:

"A tutela antecipatória, ao possibilitar o julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados, evita que o réu seja tentado a abusar do seu direito de defesa apenas para protelar a tutela de todos os direitos postulados pelo autor." [102]

Em outra oportunidade, diz o mesmo autor:

"Se o direito provável pode não admitir protelação, o direito incontrovertido, por razões óbvias, não deve ter a sua tutela postergada. É lícito, assim, retirar do artigo 273, II, do Código de Processo Civil, a possibilidade de tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados, ou mesmo através do julgamento antecipado parcial do pedido." [103]

Concordamos com a opinião de Luiz Guilherme Marinoni. De fato, nesse caso, há abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu, pois este, mesmo sabendo que um dos pedidos não necessita de instrução probatória, estando provado o direito do autor, não cumpre espontaneamente a sua obrigação, aumentando o peso do processo para o autor que terá que aguardar a instrução dos demais pedidos para ver satisfeito àquele que já estava provado.

Condicionar a concessão da tutela antecipada, nesses casos, ao requisito do art. 273, I, seria restringir a aplicação do instituto às hipóteses de urgência. Entretanto, na prática, por diversas vezes a urgência está presente, pois dificilmente o autor irá requerer a antecipação se puder suportar a demora do processo. Daí porque, podemos dizer que muitas vezes os requisitos do art. 273 estarão conjugados, ou seja, estará presente o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, além do abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Exemplificando a possibilidade de concessão da tutela antecipada quando há pedidos cumulados, diz Luiz Guilherme Marinoni:

"O autor, vítima de um acidente automobilístico, pede que o réu seja condenado a pagar: i) danos emergentes, ii) lucros cessantes, e iii) danos morais. O réu aceitando a culpa, contesta os danos emergentes e os lucros cessantes e afirma que a doutrina e a jurisprudência não admitem a indenização por danos morais. A prova documental, contudo, é suficiente para demonstrar os danos emergentes, afigurando-se a defesa apresentada pelo réu, neste particular, meramente protelatória. Em relação aos lucros cessantes é necessária a instrução dilatória, tendo o autor requerido prova pericial. Nesse caso é possível o julgamento antecipado dos pedidos de indenização por danos emergentes e danos morais, restando o pedidos de lucros cessantes para ulterior definição." [104]

Referido doutrinador, quando trata da hipótese da concessão da tutela antecipatória com relação a um ou alguns dos pedidos cumulados, diz que haverá um julgamento antecipado dos pedidos cumulados. Tal denominação é inadequada do ponto de vista técnico, pois na realidade não haverá um julgamento antecipado, nem mesmo uma sentença, já que não poderá o juiz cindir a sua decisão final, julgando apenas um dos pedidos. Haverá uma decisão interlocutória que antecipará os efeitos do pedido que já se encontra incontroverso, prosseguindo o processo para a dilação probatória dos demais pedidos cumulados.

3.3.3. A cognição no caso de pedidos cumulados

Ao comentar a tutela antecipatória de um ou mais de um dos pedidos cumulados, Luiz Guilherme Marinoni ressalta que, neste caso: "A tutela não é fundada em cognição sumária, mas sim em cognição exauriente, produzindo coisa julgada material". [105]

A cognição é exauriente, pois o pedido já está em fase de julgamento não necessitando de instrução.

Neste sentido, diz Rogéria Dotti Doria:

"Importante destacar que esta apreciação é feita com base em cognição exauriente pois não havendo mais nenhum elemento de prova a ser colhido, nem tampouco nenhuma fase do contraditório a ser superada, o órgão julgador analisa a questão em toda a sua profundidade, deixando de exarar um convencimento a respeito da probabilidade do direito, para proferir uma decisão a respeito da própria existência ou inexistência desse direito." [106]

3.3.4. Tutela antecipada em relação a uma parte do pedido

Existem situações em que o autor só possui prova documental de parcela de seu pedido, tendo que provar a outra parcela através de prova testemunhal. Não se trata de cumulação de pedidos, e sim de um único pedido que é divisível e possui uma parte já provada.

Nestes casos, poderia o autor requerer a tutela antecipada referente àquela quantia já provada de seu pedido, com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil. A concessão da tutela antecipada, por ser com base em quantia já provada, é fundada em cognição exauriente. [107]

Rogéria Dotti Doria, ao discorrer sobre o tema, entende cabível a tutela antecipada com relação à parte do pedido já provada, porém entende que o fundamento estaria no art. 273, I do CPC:

"Todavia, como aqui também não se está diante de abuso de defesa ou propósito protelatório, a tutela antecipatória somente poderá ser concedida com base no art. 273, I, do Código de Processo Civil, ou seja, apenas quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação." [108]

Conforme discorremos acima, concordamos com Luiz Guilherme Marinoni, que entende possível a concessão da tutela antecipada com fundamento no inciso II, do art. 273, ou seja, quando há abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu, pois exigir a urgência seria restringir a aplicação da tutela antecipada. Entretanto, como foi dito, na prática, muitas vezes além do abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório, estará presente o requisito do receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

3.3.5. Tipos de pedidos cumulados que podem ser antecipados

Qualquer espécie de pedido pode ser objeto de tutela antecipada quando ocorre a cumulação.

Portanto, até mesmo pedidos de natureza declaratória ou constitutiva podem ser antecipados, porém, nesta hipótese a cumulação deverá ser do tipo sucessiva, ou seja, quando o segundo pedido só possa ser apreciado no caso de ser procedente o primeiro.

Como exemplo pode ser citada: a ação de resolução do contrato (fundada, por exemplo, em não cumprimento da obrigação) cumulada com perdas e danos, a procedência da primeira demanda não determina a procedência da segunda, porém, a improcedência da primeira implicará na improcedência da segunda. Digamos que "o pedido de resolução do contrato admita julgamento antecipado e o pedido de perdas e danos exija instrução probatória. Neste caso nada impede o julgamento antecipado do primeiro pedido". [109]

Como esclarecemos anteriormente, inadequada é a expressão "julgamento antecipado do pedido", pois somente haverá uma decisão interlocutória que antecipará os efeitos deste pedido.

3.3.6. Tutela antecipada para obrigar o réu a pagar as despesas processuais que deveriam ser adiantadas pelo autor

Sobre o pagamento das despesas processuais, prevê o art. 19, do CPC: "salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença".

Por sua vez, diz o § 2º, desse mesmo artigo: "Compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos, cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público".

Assim, o autor, além de suportar o tempo necessário para a cognição de seu pedido, deve pagar as despesas durante todo o curso do processo.

A possibilidade de tutela antecipada, nesses casos, é trazida por Luiz Guilherme Marinoni:

"A tutela antecipatória, nesta hipótese, evita que o autor seja ainda mais prejudicado pelo processo. Note-se que a demora do processo, aliada ao seu custo, pode obrigar o autor a abrir mão do seu direito, ou mesmo a ceder às pressões do réu por um acordo desfavorável em troca do tempo e do custo do processo. Portanto, a condenação do réu a pagar, antecipadamente, os honorários do perito, também tutela o autor." [110]

3.4. Peculiaridades

3.4.1. Cognição exauriente e coisa julgada na tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda

Como exposto acima, quando a concessão da tutela antecipada ocorrer com relação à parte incontroversa da demanda será fundada em cognição exauriente.

A cognição pode ser analisada, conforme os ensinamentos de Kazuo Watanabe [111], em duas direções: no sentido horizontal, ou seja, quanto à extensão, quando a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, ou seja, quanto a profundidade, em que a cognição pode ser exauriente, sumária ou superficial.

Neste momento, trataremos apenas da cognição sumária e da exauriente.

Em regra, a tutela antecipada é concedida com base na cognição sumária, ou seja, sem a análise em toda a profundidade. Assim, o juiz quando concede a tutela antecipada estará apenas verificando a probabilidade do direito do requerente, não significando, portanto, o reconhecimento do direito deste. Dessa forma, não produzirá coisa julgada material, pois poderá ser revogada a qualquer tempo.

Já na tutela antecipada com relação à parte que não está mais controvertida, tal situação não vai ocorrer, pois não existindo mais controvérsia a ser dirimida, o juiz analisará a questão em toda a sua profundidade, ou seja, de forma exauriente, produzindo coisa julgada material.

A coisa julgada material é conceituada pelo art. 467, do Código de Processo Civil, que diz: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

Já Liebman, via na coisa julgada uma qualidade especial da sentença, a reforçar a sua eficácia, consistente na imutabilidade da sentença como ato processual (coisa julgada formal) e na imutabilidade dos seus efeitos (coisa julgada material)". [112]

A possibilidade de a decisão que conceder a tutela antecipada nos casos em que já não há controvérsia produzir coisa julgada material é discutida pela doutrina brasileira.

Nelson Nery Jr, entende que tal decisão é provisória:

"Nada obstante a decisão que adianta os efeitos da parte não contestada da pretensão tenha alguns dos atributos de decisão acobertada pela coisa julgada material parcial e, conseqüentemente, de título executivo judicial, reveste-se do caráter da provisoriedade." [113]

Posicionamento diverso possui Rogéria Dotti Doria, pois diz que tal decisão estará baseada em cognição exauriente, não podendo ser revogada, pois não estará pautada em juízo provável, nem tampouco provisório [114]. Ressalta, ainda, a mesma doutrinadora:

"De fato, se a apreciação do pedido é feita em toda a sua profundidade, de maneira a não deixar para trás nenhuma possibilidade de produção de provas, nem ainda nenhuma parte do contraditório, a cognição é exauriente e apta, conseqüentemente, a produzir coisa julgada material. Não se trata mais de uma decisão sumária, baseada na mera probabilidade de existência do direito." [115]

Luiz Guilherme Marinoni, ao tratar do tema diz que:

"A tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório de forma antecipada, ou seja, não permite a postecipação da busca da ‘verdade e da certeza’; a tutela de cognição exauriente, ao contrário da tutela sumária, é caracterizada por produzir coisa julgada material.

A tutela sumária, de fato, não produz coisa julgada material. Na sentença cautelar ou antecipatória o juiz nada declara, limitando-se, em caso de procedência, a afirmar a probabilidade da existência do direito e a ocorrência da situação do perigo, de modo que, proposta a ‘ação principal’ e aprofundada a cognição do juiz sobre o direito afirmado, o enunciado da sentença sumária, que afirma a plausibilidade da existência do direito, poderá ser revisto, para que o juiz declare que o direito, que supunha existir, não existe." [116]

Em síntese, apesar de em regra a concessão da tutela antecipada ser fundada em cognição sumária, quando esta é concedida quanto a uma parte da demanda que não está mais controvertida, o juiz, quando da sua decisão, analisará a questão em toda a sua profundidade, não podendo posteriormente reapreciá-la, produzindo, portanto, a coisa julgada material.

A coisa julgada material, em regra, somente surge com a sentença final transitada em julgado, pois somente nesta hipótese não caberá mais nenhuma discussão a respeito da matéria discutida.

Na tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda, excepcionalmente, a coisa julgada material ocorrerá em um momento diverso, antes da decisão final, pois a controvérsia será elidida pela não contestação de alguns fatos, pelo reconhecimento jurídico parcial do pedido, ou ainda, pela desnecessidade de instrução de um ou alguns dos pedidos cumulados, não podendo o réu discutir essas matérias novamente em qualquer outro processo, nem mesmo antes da prolação da sentença. Assim, teremos coisa julgada material produzida por uma decisão interlocutória, antes da decisão final do processo.

Entretanto, se o réu agravar da decisão que conceder a antecipação da tutela, a coisa julgada material somente ocorrerá com o trânsito em julgado da decisão que julgar o agravo de instrumento.

3.4.2. Cognição exauriente e o art. 273 do Código de Processo Civil

Além da coisa julgada material, outras conseqüências surgirão com relação à tutela antecipada quando da não contestação de um ou alguns fatos; do reconhecimento parcial da pretensão do autor e, ainda; da cumulação de pedidos, quando um já está preparado para o julgamento e os demais precisem da dilação probatória.

Por ser a cognição exauriente, nestes casos em que a controvérsia do processo já desapareceu, não há que se falar na possibilidade de aplicação do disposto no § 4º do art. 273 do Código de Processo Civil, ou seja, a tutela não poderá ser revogada ou modificada, pois nessas hipóteses a tutela antecipada não foi concedida com base em juízo de probabilidade, e sim em juízo de certeza. Neste sentido diz Luiz Guilherme Marinoni:

"em uma interpretação de acordo com a garantia constitucional da efetividade, tal norma pode ser lida no sentido de que a tutela antecipada, quando fundada em cognição sumária, poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada." [117] (grifos no original)

Outra conseqüência é a não aplicação do requisito do § 2º, do art. 273, do Código de Processo Civil que exige a reversibilidade do provimento, pois quando "a tutela não se funda em um juízo de probabilidade, não há razão para se temer a irreversibilidade". [118]

Da mesma forma, não se aplica integralmente o disposto no § 5º, do art. 273, que dispõe: "concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento", pois uma vez concedida a tutela antecipada com relação à parcela de um direito ou em relação a um dos direitos postulados, "o processo deve prosseguir ‘até final julgamento’ da outra parcela do direito ou do outro direito afirmado em juízo". [119]

Também o § 3º, do art. 273, do Código de Processo Civil não poderá ser aplicado, até mesmo porque este diz expressamente que será aplicado "no que couber". Esta conseqüência nos é trazida por Luiz Guilherme Marinoni, quando diz: "Se a tutela não é provisória, também não há motivo para a incidência do disposto nos incs. II e III do art. 588". [120]

3.4.3. Possibilidade de recurso

Quanto à possibilidade de interposição de recurso, Rogéria Dotti Doria [121], diferencia a antecipação baseada no reconhecimento jurídico do pedido ou na não contestação e a antecipação da decisão de um dos pedidos cumulados.

Esclarece a referida doutrinadora que no reconhecimento jurídico do pedido e na não contestação, o réu não poderá interpor qualquer recurso em virtude da preclusão desse direito. Haverá preclusão lógica, com relação ao reconhecimento da pretensão do autor e, com relação à não contestação haverá a preclusão temporal [122].

Já Luiz Guilherme Marinoni, a princípio, entende cabível a interposição de recurso em relação à não contestação quando diz:

"Na hipótese de interposição de recurso de agravo de instrumento (incabível no caso de reconhecimento jurídico do pedido) contra a concessão da tutela antecipatória, o relator poderá recebê-lo no efeito suspensivo, nos termos do art. 558, do CPC, ou mesmo limitar a execução, inadmitindo a expropriação de bem, ou ainda, ou ainda impor caução para o levantamento de dinheiro." [123]

De fato, na não contestação, o réu apenas deixa de contestar alguns fatos, e não poderia recorrer com intenção de impugnar esses fatos não contestados oportunamente, já que não se pode inovar em matéria recursal. Por outro lado, poderia o réu recorrer para alegar que dos fatos não contestados, não decorre aquele efeito conferido pelo juiz ao autor, ou até mesmo para levantar matérias que impossibilitariam a presunção de veracidade previstas nos incisos do art. 302 do CPC, quais sejam: a impossibilidade de confissão quanto aquele fato, petição inicial desacompanhada de instrumento público que seja da substância do ato, ou ainda, que referidos fatos não impugnados estão em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.

Da mesma forma, entendemos cabível a interposição de recurso da decisão que concede a tutela antecipada quando há o reconhecimento parcial do pedido, em determinadas situações, onde apesar de o réu ter reconhecido o direito do autor, não concorde com os efeitos deste conferidos pelo juiz. Não caberia recurso apenas para impugnar o que foi por ele reconhecido, pois teria ocorrido a preclusão lógica.

Situação diversa ocorre quando a tutela antecipada é concedida com relação a um ou mais de um dos pedidos cumulados, pois aqui, em momento algum o réu anuiu com a pretensão do autor, a antecipação somente se dará em virtude da desnecessidade da instrução probatória com relação a um ou mais de um dos pedidos cumulados. Assim, poderá o réu interpor recurso dessa decisão.

Importante ressaltar, que o recurso cabível na hipótese, como já foi dito, é o agravo de instrumento, já que a concessão da tutela antecipada é realizada através de decisão interlocutória.

3.4.4. Tutela antecipada e sentença

Questão trazida por Rogéria Dotti Doria, é que se a tutela antecipatória, em algumas hipóteses, produzir coisa julgada material, o que acontecerá na sentença? Apenas reiterará o já disposto na tutela ou nem mais se referirá a esta parte da lide, já decidida pela antecipação? [124]

Tal indagação é respondida por Luiz Guilherme Marinoni:

"Registre-se, por fim, que a tutela antecipatória, nos casos ora estudados, não precisa ser confirmada pela sentença e conserva a sua eficácia mesmo após a extinção do processo. É preciso que se tenha em mente que o processo prossegue, após a tutela antecipatória, apenas para averiguar a existência do direito que não foi definido." [125]

3.4.5. O novo projeto do Código de Processo Civil

A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda não é expressamente prevista no atual Código de Processo Civil. Somente a doutrina se preocupou com tal questão, admitindo a tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda, com fundamento no inciso II do art. 273, ou seja, no abuso do direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu.

O doutrinador Luiz Guilherme Marinoni, sugere aos legisladores a previsão expressa desta espécie de tutela antecipada no Código de Processo Civil, dizendo que "o legislador está obrigado, para atender ao princípio de acesso à justiça, a estruturar o procedimento de modo a permitir a fragmentação do julgamento dos pedidos". [126]

Os redatores do projeto de Lei nº 3.476/00 acolheram tal sugestão, acrescentando o § 6º ao art. 273, do Código de Processo Civil, in verbis:

"§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso."

A exposição de motivos do Anteprojeto diz que:

"É acrescentado, como § 6º, dispositivo sugerido por Luiz Guilherme Marinoni, que explicita a possibilidade de o juiz, nos casos em que uma parte do pedido ou dos pedidos se torne incontroversa, conceder desde logo a esse respeito a tutela antecipada. Esta sugestão apresenta-se consentânea com as preocupações de eficiência do ‘novo’ processo civil".

O Código de Processo Civil para alcançar os seus ideais de efetividade, de igualdade processual e de acesso à justiça deve passar por uma nova reforma, conforme a previsão do projeto de Lei. E enquanto essa modificação não for realizada, admissível é o requerimento da tutela antecipada, com relação àquela parte da demanda que não se encontra mais controvertida, com fundamento no inciso II do art. 273, pois abusa do seu direito de defesa o réu que não cumpre espontaneamente a obrigação que sabe ser devida.

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Sobre a autora
Cecília Rodrigues Frutuoso

advogada em Leme (SP), especializanda em Processo Civil na Unifian

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRUTUOSO, Cecília Rodrigues. A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3059. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

O texto se refere ao Projeto de Lei nº 3.476/2000, o qual deu origem à Lei nº 10.444/2002, que positivou a tese em que se baseia este trabalho. Monografia escrita sob orientação do professor André Antonio da Silveira Alcântara.

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