Reconhecimento de filiação:

um direito constitucionalmente garantido

Resumo:


  • Direito à filiação é um direito constitucionalmente garantido que permite a qualquer indivíduo conhecer sua origem biológica e ter sua identidade de filiação reconhecida, sendo imprescritível e personalíssimo.

  • O reconhecimento da filiação pode ocorrer de forma espontânea ou forçada, através de ação de investigação de paternidade, e seus efeitos incluem direitos morais e patrimoniais, como o direito ao nome, à convivência familiar e à herança.

  • As políticas públicas, como o Programa Pai Presente do CNJ, buscam facilitar o reconhecimento da filiação, mas ainda enfrentam desafios para garantir plenamente esse direito, necessitando de ações estatais mais efetivas e abrangentes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Estuda-se o direito que tem o filho de saber quem é o seu pai biológico, no contexto de seus efeitos no mundo jurídico e sob o exame da atuação estatal para a sua concretude.

RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO: um direito constitucionalmente garantido

1 INTRODUÇAO

O Direito das famílias, que tem passado por enormes transformações, sobretudo a partir da promulgação da Constituição Cidadã de 1988, vem ganhado destaque, no contexto hodierno, como fator de grande relevância social, uma vez que, centralizando sua existência no afeto entre seus membros, está deixando para traz os aspectos que outrora eram considerados fundamentais, tais como o econômico e o religioso.

A família, ao longo de sua evolução histórico-cultural, precisou desarraigar-se do modelo arcaico, denominado patriarcal, para alcançar um novo paradigma, assentado na multiplicidade inexorável de compreensão, abandonando, assim, a concepção de que o instituto familiar se baseia numa estrutura uníssona.

As diversas situações que surgiram a partir das mudanças ocorridas no país, no que diz respeito às diferentes formas de instituições familiares, tanto matrimoniais como extramatrimoniais, ganharam tutela constitucional, o que colaborou para a modificação da ideia de filiação, revogando-se a disparidade de tratamento entre filhos gerados na constância do casamento e os havidos fora deste e vedando qualquer designação discriminatória direcionada a estes.

Hodiernamente, à luz do texto constitucional vigente, pouco importa o modo como são concebidos os filhos, pois, todos devem ser tratados como tais e albergados pela tutela jurídica, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos e do melhor interesse do menor.

Cumpre asseverar que esses princípios, dentre outros, têm imensurável valoração quando se discute judicialmente acerca do direito à verdade genética, ou seja, do direito que tem o filho de saber quem é o seu pai biológico, sem prejuízo da relação paterno-filial socioafetiva, que já houver sido estabelecida.

Diante disso, com fulcro na relevância do tema e da matéria correlata, objetiva-se realizar uma abordagem acerca desse direito, no contexto de seus efeitos no mundo jurídico e sob o exame da atuação estatal para a sua concretude.

Especificamente, buscar-se-á tratar das transformações da entidade familiar e da filiação, revelando a importância de se ter um pai na atual conjuntura nacional, bem como trazer à baila os diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais concernentes à discussão acerca da relação paterno-filial a ser definida.

Ademais, no intuito de atingir os objetivos acima elencados, inicialmente será feita uma breve digressão histórica acerca da entidade familiar, analisando-a desde os tempos de Roma até os tratamentos dados a família nos diversos diplomas reguladores da sociedade brasileira, dando-se ênfase aos Códigos Civis de 1916 e 2002, bem como à Constituição Federal da República Brasileira de 1988.

Nesse ínterim, analisar-se-á a evolução conceitual do instituto familiar, a sua natureza jurídica e os princípios que o norteiam, bem como se fará um estudo acerca da filiação, sob o aspecto de sua matriz histórica e de sua tutela jurídica no ordenamento constitucional, destacando-se a filiação matrimonial e extramatrimonial, com os seus respectivos efeitos.

Por derradeiro, abordar-se-á uma visão critica acerca da atuação estatal por meio de políticas públicas direcionadas à efetivação do reconhecimento da filiação, uma vez que o constituinte originário reservou, em conjunto com a sociedade e a família, o dever de assegurar, com absoluta prioridade, que os direitos infanto-juvenis não fossem aviltados.

Assim, para que se chegasse ao objetivo proposto, a metodologia utilizada, teve como norte inicial a consulta e análise do texto constitucional de 1988 e das legislações atinentes ao tema, bem como a bibliografia de vários doutrinadores especialistas na matéria e os posicionamentos jurisprudenciais dos Tribunais.

2 AS FAMÍLIAS

Historicamente, as famílias são vistas como órgãos estruturais de toda e qualquer sociedade, pois, são nelas que, do princípio ao fim, se guiam todas as vidas humanas na busca pelos direitos da personalidade, insculpida no capítulo II do Código Civil Brasileiro. 

Indubitavelmente, em toda a evolução da história, as duas grandes potências culturais greco-romanas influenciaram diretamente para o alcance da estruturação de famílias monogâmicas. Em razão disso, as famílias foram vislumbradas como patrimonialistas, predominando a propriedade privada sob qualquer outra forma natural de convivência por afinidades, carinho, amor ou afeto.

Nessa época, o instituto familiar era marcado por caracteres patrimonialistas, ruralistas, hierarquizados e religiosos, todavia, tais atributos, com o passar dos anos, foram enfraquecendo, dando lugar a figura do Ser.

Desse modo, mudou-se o aspecto objetivo para o subjetivo, por conseguinte, contemporaneamente, a forma se tornara menos importante que a essência, reinando o afeto como alicerce para edificação das relações familiares.

2.1 Noções conceituais

As famílias brasileiras, ao passo da evolução sociocultural, passaram por intensas modificações, como se pode perceber a partir das concepções baseadas no afeto e na afinidade.

O termo ‘família’, em sua origem, era visto tão somente com sentido de agrupamento, entretanto, após suas transformações, ao longo da história humana, o termo se tornou multifacetado, a depender das circunstâncias de tempo e de lugar em que se situa.

O certo é que, a família, presente no Código Civil de 1916, confundia-se com o instituto do casamento, considerada a sua única forma de regulamentação, caracterizada pelo aspecto econômico, patriarcal, biológico, dentre outros conceitos fechados, mas que predominavam na época.

Nesse sentido, oportuna é a transcrição de Belmiro Pedro Welter (2010, p. 36):

"É possível perceber que os legados históricos influenciaram na elaboração das diretrizes da família republicana brasileira, já que estabeleceram o patriarcalismo, a incapacidade da mulher diante da figura opressora do homem, a monogamia, a família como sinônimo de casamento, que era indissolúvel, e a desigualdade entre filhos."

Todavia, com a promulgação da Lei Fundamental de 1988 e com as pressões políticas, socais e culturais, tais conjunturas tornaram-se obsoletas, vindo a solapar aquela concepção fechada de família – uma vez que o constituinte ampliou esse conceito – de modo que esta passou a ser enxergada de forma multifacetária, complexa, pluralista, para, assim, poder se adequar à nova realidade fática social.

Trilhando nessa linha de pensamento, trazem-se a lume as teses arguidas por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2013, p.45), onde defendem que a concepção das famílias foi alterada gradativamente de acordo com a evolução social:

"Com o passar dos tempos, porém, o conceito de família mudou significativamente até que, nos dias de hoje, assume uma concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sócio-psico-afetivo, com a intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personalidade de cada um."

Por seu turno, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pampolha Filho, se arriscam a conceituar a família dispondo o seguinte:

"[...] a família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes, segundo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana [...] É preciso compreender que a família, hoje, não é um fim em si mesmo, mas o meio para a busca da felicidade, ou seja, da realização pessoal de cada indivíduo, ainda que existam — e infelizmente existem — arranjos familiares constituídos sem amor. (2012, p.42)."

Ante o exposto, assevera-se que, nos dias presentes, as famílias estruturam-se em função de seus membros, perdendo aquela predominância patriarcal, hierarquizada e biológica, cedendo espaço ao modelo esculpido na sentimentalidade e na valoração afetiva, de modo a serem consideradas células vitais para a aquisição da felicidade.

2.2 Natureza Jurídica

Em que pese a entidade familiar ter sua aparência voltada para a vida íntima de seus membros, o constituinte de 1988 cuidou de abraçá-la de forma a destacar normas imperativas para resguardar o direito de personalidade de seus integrantes.

Com isso, persistem as celeumas doutrinárias se o Direito das Famílias migrou para o direito público por está condicionado aos comandos de normas de ordem pública ou, em face dos aspectos peculiares que versam sobre si – vez que estuda a vida doméstica do indivíduo – tem seu assento no direito privado, onde é visivelmente percebido no Livro IV, do Código Civil.

Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 23) em seu estudo acerca do assunto aduz:

"Daí por que se observa uma intervenção crescente do Estado no campo do direito de família, visando conceder-lhe maior proteção e propiciar melhores condições de vida às gerações novas. Essa constatação tem conduzido alguns doutrinadores a retirar do direito privado o direito de família e incluí-lo no direito público. Outros preferem classificá-lo como direito sui generis ou “direito social”."

Destarte, verifica-se a flagrante presença de normas de ordem pública na seara do direito das famílias, apesar de não haver, contudo, razão para lhe afastar o caráter privado, já que a matéria é tratada dentro do direito cível, o qual regula as relações entre os indivíduos pertinentes a esta instituição. 

Em consonância com o aludido, certifica Maria Berenice Dias (2011, p. 34) que:

"Em face do comprometimento do Estado de proteger a família e ordenar as relações de seus membros, o direito das famílias dispõe de acentuado domínio de normas imperativas, isto é, normas inderrogáveis, que impõe limitações às pessoas. (grifo do autor)."

A autora prossegue com seu raciocínio (2011, p. 35) dizendo:

"Sempre é ressaltada a concepção supraindividualista de família, por perseguir fim superior aos interesses individuais de seus membros. Porém, o fato de os princípios de ordem pública permearem todas as relações familiares não significa ter o direito das famílias migrado para o direito público. [...] Aliás, não se pode conceber nada mais privado, mais profundamente humano do que a família, em cujo seio o homem nasce, vive, ama, sofre e morre. (grifo do autor)."

Gonçalves (2012, p. 23) elucida que a seara familiar, ainda que sofra intervenções de direito público por seu dinamismo decorrente de inovações sociocultural, não perderá sua natureza de matéria privada, devendo realmente pertencer ao ramo do direito civil, vez que este tem por objetivo tutelar o instituto, os seus bens, bem como a filiação e demais interesses de sua alçada. 

Nesse diapasão, Pontes de Miranda (Tratado de direito de família, cit., v. I, p. 70, apud GONÇALVES, 2012, p. 24) ensina que:

"Sob esse título, os Códigos Civis modernos juntam normas de direito que não pertencem, rigorosamente, ao direito civil: ora concernem ao direito público, ora ao comercial, ora ao penal e ao processual. Esses acréscimos não alteram, todavia, o seu caráter preponderante de direito civil."

Com isso, clara está a influência do direito público no seio familiar, que tem por escopo resguardá-la. Todavia, tal intervenção tem mais haver com a proteção da sociedade como um todo, do que com a própria vontade de seus membros, situação que impede afastar a sua natureza de direito privado.

2.3 A família na visão civilista de 1916 sob os reflexos do Direito Romano

O Direito Romano, de acordo com os preceitos doutrinários, é caracterizado por ser essencialmente racional e justiceiro, o que o levou a ser inspiração dos ordenamentos jurídicos ocidentais formados a partir de sua concepção. Por conseguinte, não poderia ser diferente com a ordem jurídica brasileira, que implantou em sua sistematização características predominantemente romanas, sobretudo no que diz respeito ao direito das famílias.

Vale salientar, que o direito familiar romano tinha como arcabouço o princípio da autoridade e suas características foi modelo para o revestimento das entidades familiares regidas pela Lei Civil de 1916.

Nesse contexto, segue Gonçalves (2012, p. 27), in verbis:

"O pater exercia a sua autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e as mulheres casadas com manus com os seus descendentes. A família era, então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. O ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça. Havia, inicialmente, um patrimônio familiar, administrado pelo pater."

Por sua vez, o direito brasileiro, sob a égide do Código de 1916, trouxe em seu bojo, até a promulgação da Carta Magna de 1988, tais características do Direito Romano, de forma a contemplar a expressão “pátrio poder” que elevava a figura do pai (ascendente comum mais velho) como chefe patriarcal. É o que diz Flávia Lages de Castro (2009, p. 98):

"Durante praticamente toda a história do Direito Romano, o poder do pater familias era absoluto, de vida e de morte sobre todos sob sua chefia. Seus filhos recém-nascidos podiam, por sua vontade, ser deixados para morrer, ou, em qualquer idade, ser vendidos."

A gênese da codificação civil de 1916, sobre forte influência da revolução francesa (1789), regulou as relações familiares por meio de um modelo predominantemente patriarcal, hierarquizado e transpessoal, onde o casamento era visto como um sacramento e uma divindade, embora existente o afeto, este geralmente não tinha sua relevância.

Sobre esse enfoque, eis as palavras de Farias e Rosenvald (2013, p.40):

"Deixando de lado digressões históricas e antropológicas atinentes à origem antiga da família na pré-história e a própria admissibilidade da proibição ao incesto como primeira lei universal (o que, apesar de extremamente importante por outro olhar, escaparia, por óbvio, às latitudes desta obra), torna-se como ponto de partida o modelo patriarcal, hierarquizado e transpessoal da família, decorrentes das influências da Revolução Francesa sobre o Código Civil brasileiro de 1916. Naquela ambientação familiar, necessariamente matrimonializada, imperava a regra “até que a morte nos separe”, admitindo-se o sacrifício da felicidade pessoal dos membros da família em nome da manutenção do vínculo do casamento." 

  Além disso, eram excluídos da descendência os filhos não advindos da relação matrimonial, sobrevindo grandes discussões acerca da dicotomia entre filhos ‘legítimos e ilegítimos’. Estes, apesar de havidos de uma situação de fato, não eram reconhecidos pela religião, a contrário daqueles, que detinham esse reconhecimento e ainda eram agasalhados juridicamente, por serem concebidos por uma relação matrimonial, que dava validade à existência de legitimidade familiar.

Nesse ensejo, proclamam Gagliano e Pampolha Filho (2012, p.60):

"Com efeito, apenas as famílias formadas a partir do casamento eram reconhecidas. O matrimônio, influenciado pelo sistema do Direito Canônico, era indissolúvel. Vínculos havidos fora do modelo formal estatal eram relegados à margem da sociedade, sendo que os filhos eventualmente nascidos dessas relações eram considerados ilegítimos e todas as referências legais, nesse sentido, visivelmente discriminatórias, com a finalidade de não reconhecimento de direitos."

Desta feita, o anterior Código Civil regulava apenas os vínculos consanguíneos oriundos do casamento, pressupostos de validade para a legitimidade da família, ficando em segundo plano a questão do amor e do afeto, o que realmente tinha relevo era a continuidade do poder do chefe por meio de um descendente do sexo masculino.

Dessa maneira, ressalta-se que o Regulamento Civil de 1916, que teve sua força legal por pouco menos de um século, no que tange a entidade familiar, abraçou por completo um legado bastante consistente do patriarcalismo romano, sendo que os laços patrimoniais eram a única forma legítima de construção familiar.

2.4 As famílias e a Constituição Federal de 1988

A história da humanidade revela, sem dúvida, que a entidade familiar tornara-se o instituto de maior relevância para o indivíduo desenvolver-se como pessoa humana, razão pela qual fora instituída como alicerce elementar da sociedade, abraçada por ampla e especial tutela estatal.

Insta salientar, que o surgimento de fatos novos, sobretudo, a partir do fenômeno da globalização, tais como a evolução técnico-cientifica (reprodução assistida e exame de DNA) e a elevação do indivíduo como sujeito de direitos (e de desejos), foram eventos cruciais para influenciar esse novo tratamento dado às famílias.

Diferentemente do panorama civilista de 1916, onde a família era revestida de conservadorismo, na atualidade, tem-se um instituto juridicamente protegido ante as atitudes discriminatórias, a ditadura patriarcal e a disparidade de casais. Essa tutela foi angariada com a promulgação da vigente Constituição Federal.

A respeito dessa moderna acepção de família, tutelada pela norma constitucional, Gagliano e Pampolha Filho (2012, p.58) afirmam que:

"Hoje, no momento em que se reconhece à família, em nível constitucional, a função social de realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos efetivamente como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no princípio da dignidade da pessoa humana."

A partir disso, infere-se que a família tem uma função a ser desempenhada no meio societário, qual seja, ser o núcleo central para estabilização de seus integrantes. E não se trata de resguardar apenas as relações calcadas à base do matrimônio, mas, ir além, de forma a tutelar todo grupo de pessoas que convivem, na intenção de constituir família, independentemente de registro civil para tanto.

Dentre as inovações apresentadas pela Lei Fundamental em voga, destaca-se a mitigação da autonomia particular, vez que a ingerência do Estado ensejou na redução de sua hegemonia, passando este a tutelar de maneira crucial as famílias, nos termos do caput do artigo 226, da CF, bem como legitimou a união estável e a família monoparental como verdadeiras entidades familiares.

A filiação, por seu turno, encontrou guarida no art. 227, § 6º, da Lei Maior, o qual amparou efetivamente a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais individuais, findando com a desigualdade filial, e por consectário, dando igualdade de tratamento – direitos e qualificações para os filhos, sejam eles havidos ou não da relação do casamento, ou ainda que sejam adotados.

Sendo assim, não obstante a Carta Magna tenha se mantido inerte sobre a tutela de alguns institutos, a exemplo da união homoafetiva, inexiste vedação constitucional quanto a esse tipo de relação, uma vez que, fundado no respeito à dignidade da pessoa humana, o referido diploma legal proíbe expressamente qualquer forma de discriminação.

Por outro lado, a norma constitucional não referendou explicitamente o afeto como fator primordial para base da família, mas é nítido que os laços afetivos estão também reverenciados na dignidade da pessoa humana, dando ensejo a vínculos decorrente da convivência familiar afetiva, que, agora, vem ganhando espaço, deixando de ser, o vínculo biológico, a única forma de parentesco, conforme será analisado oportunamente.

Acerca disso, segue a lição de Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 29):

"Todas as mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado e o advento da Constituição Federal de 1988, com as inovações mencionadas, levaram à aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos pais a uma “paternidade responsável” e a assunção de uma realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica, após as conquistas genéticas vinculadas aos estudos do DNA. Uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como direito fundamental, prioriza-se a família socioafetiva [...]. (grifo nosso)."

Assim sendo, ainda que o Estado estabeleça normas para regular o instituto em apreço, são seus membros familiares que irão decidir de que forma conduzir as suas vidas, visto que é por meio da família que irão desenvolver suas personalidades, tornando-se o centro das atenções jurídicas constitucionais.

2.5 A família e o Código Civil de 2002

As entidades familiares foram evoluindo paulatinamente ao longo dos séculos, passando por significantes alterações, consequentemente, o Estado, como responsável por salvaguardar tais interesses, teve que implementar medidas jurídicas constitucionais capazes de se amoldar a esse novo estilo de vida multifacetária. 

Por isso que, antes mesmo da chegada da Constituição Cidadã, já tramitava pelo Congresso Nacional o projeto do Novo Código Civil, já que o anterior não estava mais acompanhando as mudanças aceleradas dessa nova realidade fática.

Após quase duas décadas de sua elaboração, enfim, o Novel Código Civil Brasileiro (Lei nº10. 406) fora publicado em 10 de janeiro de 2002, somente entrando em vigor um ano depois da sua publicação.

Devido à demora bastante significante em sua aprovação, o projeto em epigrafe sofreu, nesse interregno, várias alterações, segundo nos ensina os autores Gagliano e Pampolha Filho (2012, p.62):

"Forçoso convir que, especialmente no âmbito das relações de família, o sistema inaugurado, fruto do labor de uma comissão formada no início da década de setenta, e que sofreria, anos mais tarde, o impacto profundo da Constituição Federal, apresentaria sérios anacronismos, realçados pelas mudanças de valores dos novos tempos."

Depois de já consubstanciadamente elaborado, o referido Diploma Cível fora alterado para poder ser recepcionado constitucionalmente. Diante disso, foi suprimido o caráter individualista e implantado princípios que repousam na ética social e na operabilidade.

Contudo, no que tange ao direito das famílias, alguns temas ainda padecem de regulamentação na Nova Lei Civilista, como são os casos da reprodução assistida, da filiação paternal socioafetiva e das uniões homoafetivas.

Indubitavelmente, todas as diversas novidades contempladas pelo Código Civil de 2002 conduziram ao cumprimento da função social familiar, instituindo respeito, cidadania e solidariedade entre seus integrantes.

Aliás, é perceptível que o advento do presente Diploma Legal, apesar de não esgotar toda a matéria pertinente ao direito de família, produziu significantes alterações nessa nova realidade-fática vivenciada pelas entidades familiares, haja vista que disciplinou pontos relevantemente tutelados pela Lei Fundamental de 1988.

2.6 Princípios norteadores do direito de família

O direito de família, por disciplinar a vida mais íntima de seus integrantes, é revestido de normas axiológicas germinadas a partir dos princípios que o norteiam. Neste caso, devido ao vasto elenco de princípios que fundamentam a seara familiar, ater-se-á aqueles que foram didaticamente julgados essenciais para o referido estudo.

Os princípios que norteiam o instituto das famílias têm como fonte essencial a Lei Magna de 1988, razão pela qual são contemplados, doutrinariamente, como elementos imprescindíveis de todo e qualquer ordenamento jurídico por sua natureza inserta de validade, eficácia e obrigatoriedade.

Perfilhando esse raciocínio, Maria Berenice Dias (2011, p. 61-62) advoga que:

"A doutrina e a jurisprudência têm reconhecido inúmeros princípios constitucionais implícitos, cabendo destacar que inexiste hierarquia entre os princípios constitucionais explícitos ou implícitos. É difícil quantificar ou tentar nominar todos os princípios que norteiam o direito de família. Alguns não estão escritos nos textos legais, mas têm fundamentação ética no espírito dos ordenamentos jurídicos para possibilitar a vida em sociedade. [...]. Os princípios constitucionais representam o fio condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do intérprete em consonância com os valores e interesses por eles abrigados. (grifo nosso)."

Nessa linha de pensamento preleciona Paulo Bonavides (2010, p. 259):

"Todo discurso normativo tem que colocar, portanto, em seu raio de abrangência os princípios, aos quais as regras se vinculam. Os princípios espargem claridade sobre o entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de normas."

Nesse ínterim, nota-se que a autora referenciada sustenta que os princípios constitucionais têm caráter representativo de “fio-condutor” do ordenamento jurídico, e por esta razão seu teor valorativo é norte para a realização do trabalho do interpretador.

Sem prejuízo do reconhecimento da existência de outros encetativos, o presente trabalho conformar-se-á com a abordagem de apenas cinco princípios, cuja explanação é proeminente para a seara familiar.

2.6.1 Dignidade da Pessoa Humana

É sabido que o indivíduo, por um longo tempo, foi visto como um objeto de direito, somente elevando-se a categoria de sujeito de direitos, definitivamente, com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

A Dignidade da Pessoa Humana, incontestavelmente, foi o ponto culminante para essa concretização, tanto que, após anos de ditadura, a democracia reinou no Estado brasileiro, e para que lograsse êxito, imperioso se fez contemplar o princípio em epígrafe como espinha dorsal de um Estado Democrático de Direito.

Insculpido como um dos fundamentos basilares da República Federativa do Brasil, tal princípio encontra-se expressamente referenciado no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, de forma a adequar todo o ordenamento jurídico brasileiro a esse novo sistema hermenêutico, inclusive aquelas normas que versarem sobre o direito de família.

Ademais, a assinalada Lei Maior do Estado, em seu art. 226, reconheceu as famílias como sendo o corpo estruturador da sociedade e cuidou de tutelar seus membros como personagens centrais dessas garantias.

Diante de sua complexidade conceitual, dificilmente chegar-se-á a uma concepção do que seria a dignidade da pessoa humana, por esse motivo, a professora Maria Berenice Dias (2011, p. 62) pontifica que “sua essência é difícil de ser capturada em palavras”.

Todavia, esse princípio carrega consigo diversas situações, e que devido a sua vasta complexidade, seria dificultoso prevê-las antecipadamente. Por isso, entende a mencionada autora, que é impossível compreendê-lo exclusivamente por meio intelectual.

Além disso, a indigitada mestra considera ainda a Dignidade Humana “o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais” já que carrega consigo um teor axiológico embasado na sentimentalidade.

Desta feita, não há dúvida que o apontado princípio tem sua abrangência universal, encontrando substrato para prosperar no aconchego familiar, que, por sua natureza, é carregada de sentimentalidade – amor, carinho, respeito, harmonia, união – sendo que é por meio deste princípio que os demais germinaram, e, qualquer contrassenso é uma afronta a máxime hermenêutica jurídica pátria.  

2.6.2 Da Solidariedade Familiar

Apesar de este princípio estar diuturnamente arraigado na sociedade, por meio de uma visão ética e moral, somente depois da promulgação da Constituição de 1988, é que ele foi solidificado na sistematização jurídica, nos termos do art. 3º, inciso I, do texto constitucional, que trata dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direitos, a saber: “Construir Uma Sociedade Livre, Justa e Solidária”.

Na seara familiar, são claros os reflexos deste princípio, uma vez que o capítulo VII do Texto Maior versa sobre a matéria, conferindo não somente ao Estado e à família, mas também a toda sociedade, o dever de zelar pelo bem estar do grupo familiar, em especial às crianças, adolescentes e idosos.

  Desse modo, tamanha é a importância desse princípio para o seio familiar, tanto que, o Estatuto que tutela os Direitos e Garantias da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 4º, estabelece que:

"Art.4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária."

Gagliano e Pampolha Filho (2012, p.97), sobre a relevância do princípio em apreço, defendem:

"A solidariedade, portanto, culmina por determinar o amparo, a assistência material e moral recíproca, entre todos os familiares, em respeito ao princípio maior da dignidade da pessoa humana."

É ela, por exemplo, que justifica a obrigação alimentar entre parentes, cônjuges ou companheiros, ou, na mesma linha, que serve de base ao poder familiar exercido em face dos filhos menores.

Uma observação importante, porém, se faz necessária.

Embora a ideia de solidariedade remonte aos mais puros e nobres sentimentos humanos, a repercussão patrimonial, no sistema normativo brasileiro, parece evidente.

Nesse diapasão, tem-se a seguinte jurisprudência:

"DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE ALIMENTOS - PENSÃO FIXADA EM PERCENTUAIS ESPECÍFICOS EM FAVOR DA COMPANHEIRA, DO FILHO MENOR IMPÚBERE E DOS FILHOS MAIORES - VERBA QUE NÃO ATENDE ÀS NECESSIDADES DA CRIANÇA E DOS DEMAIS FILHOS QUE, EMBORA MAIORES, AINDA ESTUDAM - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1) Como sabido, a obrigação alimentar decorrente do casamento e da união estável fundamenta-se no dever de mútua assistência, que existe durante a convivência e persiste mesmo depois de rompido o relacionamento. Já o dever dos pais de prestar alimentos aos filhos é contemporâneo ao exercício do poder familiar, de sorte que a obrigação de sustento só persiste enquanto presente a menoridade do alimentando. Todavia, mesmo após o fim do poder familiar pelo adimplemento da capacidade civil é possível a imposição do encargo alimentar ao genitor, o qual passa a ser devido por força da relação de parentesco, tendo em vista o princípio da solidariedade familiar. [...].   (Apelação Cível 1.0382.09.106245-7/001, Rel. Des.(a) Mauro Soares de Freitas, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/12/2010, publicação da súmula em 12/01/2011). (grifo nosso)."

Portanto, nada mais justo que inserir no seio familiar a solidariedade, mitigando concepções fechadas e valorizando ainda mais o convívio edificado na sentimentalidade afetiva e na ética entre seus membros, com a participação efetiva de toda a sociedade na prestação assistencial e moral ao grupo familiar, sobretudo, aos integrantes mais vulneráveis dessa relação de parentesco.

2.6.3 Da Paternidade Responsável

Os pais, ao decidirem pela procriação, certamente, terão o poder-dever de priorizar, de forma absoluta, o bem estar físico-psíquico e espiritual da criança que irá nascer.

Diante disso, a atual Constituição Federal referendou explicitamente em seu art. 226, § 7º, o princípio da paternidade responsável, além da dignidade da pessoa humana, como forma de impor aos pais o dever de cuidado que necessitam ter com seus descendentes.

Tratando desse encetativo, Márcio Gavaldão (2013, p. 35) leciona:

"Ao tratar de princípios, merece destaque a preocupação do constituinte em ter abrigado, no texto da Constituição de 1988, o princípio da paternidade responsável, que ratifica a obrigação alimentar em relação aos filhos, desestimulando a desagregação familiar e a disseminação de proles desemparadas."

Assim, é possível afirmar que a paternidade responsável é de extrema importância dentro do direito de família, efetivando-se por meio do planejamento familiar. A partir do momento em que o casal opta pela procriação, deverá garantir à prole um lar probo para se desenvolverem, bem como lhes garantir um mínimo de conforto, propiciando a efetivação de todos os direitos já intitulados na Constituição Federal.

2.6.4 Da Igualdade entre os Filhos

Uma das significantes mudanças que ocorreu no direito de família foi a previsão constitucional da igualdade entre os filhos, fazendo ruir aquela dicotomia entre filhos concebidos ou não das relações extramatrimoniais e matrimonias, onde somente estes últimos eram alcançados  pela tutela estatal.

O princípio da igualdade entre os filhos floresce da Dignidade Humana e encontra respaldo no art. 227, § 6º, da CF/88, que tem por escopo coibir “quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

No presente, independente de serem biológicos, adotivos ou de outra relação sócio-afetiva, todos os filhos estão agasalhados pela tutela constitucional. Nesta senda, o Código Civil de 2002, prevendo desmesurada estimação, deu ênfase a este princípio, reportando em seu art. 1.596 a mesma literalidade apregoada no dispositivo constitucional retrocitado.

Com isso, evidencia-se que este princípio fora de crucial significância para a relação paterno-filial, pois, tratou de modo humano-igualitário todo tipo de prole, não mais prosperando as qualificações pejorativas e discriminatórias até então existentes.

2.6.5 Do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente

Após quase um século de submissão aos ditames instituídos no Código Civil de 1916, cuja principal especialidade era o pátrio poder, não havia espaço para o desenvolvimento de ações prioritárias voltadas às crianças e aos adolescentes.

Logo, foi somente com a promulgação da Lei Magna de 1988, que houve a previsão da absoluta prioridade de tratamentos conferidos a esses entes, segundo reza o aludido art. 227 da CF/88:

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso)."

A leitura desse dispositivo também remonta, nos termos do art. 227, §1, da CF/88, à integral proteção que deverá ser promovida, pelo poder estatal por meio de programas assistenciais à saúde da criança, do adolescente e do jovem, sendo acolhida a participação de particulares.

No que concerne ao referido princípio, Gagliano e Pampolha Filho (2012, p. 103) entendem que essa conjectura faz com que seja obedecida à função social familiar que deve ser efetivada, mormente, pelos genitores, por meio de assistência moral, material e espiritual dos seus descendentes.

Após anos de descasos com a situação horrenda em que crianças e adolescentes eram submetidas, o legislador, em 1990, promulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente, que teve como principal escopo tratar com exclusiva prioridade os direitos e garantias da criança e do adolescente.

Insta asseverar que não há como analisar tais princípios de forma singular, pois um dá seguimento ao outro, e todos estão alinhados entre si. Portanto, o melhor interesse da criança e do adolescente precisa sempre estar em primeiro foco, dada a relevância desse princípio para a seara do direito de família, especialmente quando o conflito envolve os interesses da criança e do adolescente.

Nesta senda, proclama Gabriela Soares Linhares Machado, em artigo publicado no IBDFAM[1]:

"Por outro lado, importa salientar que o princípio em epígrafe, além de ser diretriz fundamental nas relações desenvolvidas entre a criança e o adolescente com seus pais, parentes, sociedade e Estado, é de fundamental importância para hermenêutica jurídica, à medida que, em caso de conflito de normas e/ou princípios nas relações familiares, deve-se optar sempre por aquela que preservar o melhor interesse da criança."

Desse modo, como estes integrantes se encontram em situação de maior vulnerabilidade, se comparados aos demais sujeitos, é porque se defende a necessidade de serem resguardados com absoluta prioridade, não somente pela família como também pela sociedade e pelo poder estatal.

2.6.6 Da Afetividade

As inovações socioculturais foram condições para que florescesse na seara familiar um novo olhar para a sentimentalidade, sendo, modernamente, considerada pela doutrina como uma instituição voltada para o afeto, daí porque afirmar ser este fonte propulsora para surgimento do princípio da afetividade.

Malgrado, o Constituinte Originário não o encravasse explicitamente na Norma Constitucional vigente, não há como negar ser ele um princípio implicitamente constitucional, corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), da solidariedade (art. 3º, I, CF/88), convivência familiar, da igualdade, dentre outros.

Sobre a existência deste princípio Flávio Tartuce[2], revela que há três acentuadas consequências pelas quais pode ser vislumbrado. A primeira diz respeito a contribuição deste princípio para o reconhecimento e fortalecimento crescente de decisões judiciais no que tange a união homoafetiva.

Num segundo momento é observado em decisões judiciais favoráveis à reparação por danos em decorrência do abandono afetivo, sem olvidar que tal entendimento não é uníssono, pois na Corte Superior há quem entenda não haver obrigação em reparar o dano já que não é caracterizado conduta ilícita o abandono afetivo (STJ, REsp 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 29/11/2005, DJ 27/03/2006, p. 299).

Entrementes, este não é o posicionamento do autor que consagra o afeto como verdadeiro princípio da ordem sistêmica jurídica. Portanto, o mesmo filia-se numa segunda decisão deste mesmo Colendo que revisou a ementa anterior, e a partir do entendimento da Ministra Relatora Nancy Andrighi foi admitida a reparação civil pelo abandono, a qual expressou claramente que “amar é faculdade, cuidar é dever” (STJ, REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012). 

E por ultimo, o autor destaca no substrato da afetividade o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como nova forma de parentesco, enquadrada na cláusula geral “outra origem”, do art. 1.593 do CC/2002.

Com isso, Netto Lobo[3] estabelece que “o afeto não é fruto da biologia”, que este em conjunto com a solidariedade não parte de laços consanguíneos, e sim da convivência em família. Que a família abandonou “suas funções tradicionais no mundo do ter liberal burguês”, reencontrando sustendo na afetividade, onde seus membros buscam uma nova forma de viver, principalmente, no que se refere à constituição “entre um pai ou uma mãe e seus filhos”

Portanto, atualmente, a afetividade é apreciada como verdadeiro alicerce do direito das famílias, vez que é predisposta fundamentalmente para elucidar temas até mesmo os mais complexos nesse ramo, e qualquer desrespeito a este princípio, importa insurgência contra toda harmonia do sistema normativo familiar, o que caracteriza desordem e afronta a este tão almejado Estado Democrático de Direito.

3 A FILIAÇÃO

A ideia que predominava na remota ordem sistemática brasileira de que as relações de parentesco eram reconhecidas apenas pelos vínculos consanguíneos foi suprimida, florescendo, então, as relações fundadas também por meio do afeto.

É certo que a filiação é reconhecida doutrinariamente como principal relação de parentesco juridicamente tutelada, eis que é caracterizada, segundo Carlos Roberto Gonçalves[4], como sendo a mais próxima e elementar relação estabelecida entre pais e filhos, que é a partir dela que as regras de parentescos consanguíneos se estruturam.

Nesse diapasão, estabelecem Farias e Rosenvald (2013, pp. 631-632):

"É certo e incontroverso que, dentre as múltiplas relações de parentesco, a mais relevante, dada a proximidade do vínculo estabelecido e a sólida afetividade decorrente, é a filiação, evidenciando o liame existente entre pais e filhos, designado de paternidade ou maternidade, sob a ótica dos pais."

Doravante, com o intento de viabilizar um melhor entendimento sobre o assunto em comento, será feita uma abordagem acerca da matriz histórica da filiação até os dias atuais, dando ênfase aos fatores primordiais que influenciaram nessa nova ótica de tratamento paritário entre a prole concebida na constância ou não do casamento.

3.1 Evolução histórica da filiação no direito brasileiro

Não há dúvida de que a filiação é fruto da gênese humana, vez que é a partir dela que houve a multiplicidade e evolução dos integrantes do instituto familiar.

A própria escritura sagrada já consagrava a filiação como sendo de crucial relevância para o ciclo vital da humanidade. Evidencie das epístolas do apóstolo Paulo duas hipóteses que deveriam ser seguidas pelos progenitores para dar efetividade à convivência paterno-filial: a primeira era a necessidade de haver uma convivência harmoniosa entre pai e filhos e a outra era que os pais não provocassem a ira dos filhos, mas que os criassem segundo os ensinamentos das leis divinas. (BÍBLIA, N. T, Efésios, 6:2-4).

Desse contexto, percebe-se que esse dever de cuidado imposto aos pais é bem remoto, entretanto, por um acentuado interregno temporal, essa responsabilidade pelo desenvolvimento físico-psíquico dos filhos era voltada somente para aqueles advindos do matrimônio, pois os demais eram deixados de lado.

Essa matriz histórica filial é acobertada por cenas hoje consideradas discriminatórias, porém, nas legislações antepassadas eram totalmente aceitáveis e garantidas juridicamente.

Segundo a obra de Márcio Gavaldão[5] os filhos eram classificados em legítimos e ilegítimos. Os primeiros eram aqueles gerados a partir de justas núpcias, enquanto que estes eram concebidos de relações extraconjugais.

Por sua vez, a filiação ilegítima era rotulada em natural e espúria. Aquela era assim denominada porque a relação existente entre os genitores era de concubinato, e vale ressaltar que não havia impedimento para o matrimônio. Em contra partida, nesta havia tal impedimento, ou seja, a lei vedava o matrimônio para os pais. Os filhos espúrios se subdividiam em adulterinos – quando o impedimento era em razão de um ou ambos os pais já serem casados-, e incestuosos – que eram aqueles gerados por pais que descendia de parentesco consanguíneo-, exemplificando, pai e filha ou entre irmão e irmã.

Vale lembrar que essa classificação estava condicionada à relação conjugal ou não dos genitores, vindo a recair sobre a prole suas consequências que poderiam adquirir direitos ou mesmo lhes serem suprimidos. Entendimento este sedimentado nas palavras de Clovis Beviláqua, citado pela doutrinadora Maria Berenice Dias[6], que afirmava que os pais acometiam os erros e a desonra do ato refletia diretamente na prole, malgrado, o incesto e o adultério estivessem vinculados à ação dos pais, porém, o legislador originário dava causa aos frutos advindos dessa união.

Face à pranteada particularidade individualista, a sociedade deixou de oferecer guarida aos filhos ilegítimos em detrimento da preservação da família. Sendo o direito de herança um dos motivos dessa resistência, vez que era defendido para que não saísse daquela linhagem sucessória.

No que diz respeito ao advento do Código Civil de 1916, tal matéria também não fora tutelada, devido estar associado às influências do Direito Romano e do patriarcalismo existente a época. Por consectário, deixou de amparar os filhos havidos de relações extrapatrimoniais, não garantindo a estes quaisquer espécies de direitos relacionados à filiação, e para tornar a situação mais alarmante foi introduzido em seu bojo, explicitamente, termos e classificações discriminatórias referentes à matéria.

No que atine aos filhos ilegítimos, apenas numa situação era admitido o seu reconhecimento, quando se tratava dos filhos naturais, contanto que houvesse o casamento ulterior de seus pais, a partir de então surtiam para eles os mesmo direitos pertinentes aos filhos legítimos. Enquanto que para aqueles classificados como espúrios, por expressa disposição da epigrafada lei, era proibido tal reconhecimento de qualquer maneira.

Segundo Farias e Rosenvald (2013, p. 639), era tão marcante a discriminação que ainda que os pais quisessem reconhecer a paternidade não havia respaldo legal para tal vontade, efetivando assim, tamanha desproporcionalidade valorativa, eis que o Diploma Legal de 1916 importava-se mais com a preservação da família matrimonial do que resguardar os direitos atinentes aos filhos havidos fora do casamento. Sem olvidar que essa distinção se estendia até mesmo para os filhos adotivos.

Muitas foram às legislações esparsas que buscaram corrigir tais injustiças, de acordo com Roberto Senise Lisboa (2012, p. 223), influenciadas pelo advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,de forma que procuraram tratar os indivíduos como sujeitos de direitos e de desejos, assim sendo, não haveria mais sentido continuar com tais contextos discriminatórios.

A partir de tais considerações, sobreleve aclamar que, malgrado o Diploma Civil de 1916 ser regido sob forte influência do Direito Canônico e Romano, no transcorrer da segunda metade do século XX, sua resistência em resguardar a preservação da entidade matrimonial em detrimento da filiação ilegítima foi perdendo força e como consequência lógica, a prole concebida fora das núpcias puderam ter seus direitos assegurados.

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Com sorte, mesmo com toda resistência, a certeza inspiratória do movimento de constitucionalismo e a imposição de um EstadoDemocrático de Direito, por meio da dignidade humana, a solidariedade social, a igualdade e a liberdade, é que o afeto se tornou a base elementar da relação paterno-filial, e qualquer ato em contrassenso propugna navegar contra a forte maré das águas constitucionais, o que fere de morte com os direitos fundamentais individuais.

3.1.1 Filiação no âmbito da Constituição Federal de 1988

Prefacialmente, a Lex Magum de 1988 trouxe consigo uma nova forma de tratamento para os indivíduos, tendo como fundamento primordial de sua trajetória a dignidade humana.

Destarte, para que lograsse êxito, forçoso se fez adequar toda sua ordem jurídica a essa nova sistematização. Como pontuado alhures, tais inovações refletiram plenamente na seara familiar.

Dentre as acirradas mudanças, traz-se a lume, o novel olhar direcionado a filiação, eis que os filhos concebidos de relação extraconjugal conquistaram os mesmos direitos conferidos aos gerados nas justas núpcias. E para efetiva concretização foi vedada expressamente qualquer designação discriminatória relativa aos filhos, como se pode perceber nitidamente no §6º, do artigo 227, CF.

A concepção da prole, em regra, é resultado de relacionamento entre homem e mulher, razão pela qual não podem estes imiscuir-se de suas obrigações. Por isso, nada mais justo que fosse tutelado todo e qualquer filho, vez que, está estampado na norma constitucional o poder-dever dos pais para com suas crias.

A partir da intelecção do art. 227, da CF/88, após o nascimento do filho gera aos pais o dever constitucional de assistir, criar e educar a prole que esteja em pleno desenvolvimento. 

Sobreleva notar, que após a promulgação da atual Constituição Federal, para surtir efeito os preceitos por ela tutelados no que tange a filiação, de imediato fora elaborada a Lei nº 7841/89, com o escopo de revogar o art. 358 do Código Civil de 1916, que previa a proibição do reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos.

Em seguida fora criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90), a qual estampou em seu bojo, através da preleção dos dispositivos legais arts. 26 e 27 o reconhecimento da filiação independente de relação matrimonial, consagrando tal direito como personalíssimo, indisponível e imprescritível.

Ora, face às considerações aduzidas, exsurge clara e insofismávela contribuição da norma constitucional para que a filiação angariasse tutela incondicionada na formação de personalidade enquanto menor. De igual modo, que viabilizou aos demais filhos conhecer sua identidade genética, ainda que em detrimento dos interesses dos pais. Sem olvidar, da vedação de toda e qualquer forma de designações discriminatórias relativas à filiação, em respeito aos princípios da igualdade de tratamento e da dignidade humana.

3.1.2 A filiação e o Código Civil de 2002

A Lei Civil de 2002 cuidou de tratar de seus dispositivos legais de maneira que se coadunassem à nova ordem constitucional. Desta feita, conforme destacado alhures, com o escopo de salvaguardar os direitos garantidos à filiação, o legislador civilista inseriu em seu artigo 1596 a mesma redação prevista no art. 226, §7º da CF/88. Possibilitando, assim, o reconhecimento da prole concebida fora do casamento, bem como prevendo a irrevogabilidade desse ato.

 Sabe-se que o Diploma Legal de 2002, tutelou diversas formas de reconhecimento paterno-filial, todavia, referendou expressamente por meio do supedâneo do artigo 1613 a proibição de qualquer condição ou termo para sua efetivação.

Outro ponto de relevo previsto por esta Lei foi sua acuidade em relação à filiação matrimonial, vez que até mesmo quando casamento for decretado nulo ou anulável, independente de boa ou má-fé, a sentença que declarar tal nulidade/anulação não prejudicará o estado de filho, é o que dispõe os artigos 1561 e 1617 do CC/02.

Desta feita, segundo a ilação do atual Código Civil, a criança que nascer após a anulação ou dissolução do casamento, desde que concebido na constância deste, ou venha a ser concebido antes do enlace matrimonial, contudo, vier a nascer na perduração do casamento, será considerado como filho e para tanto gozara de todos os direitos e garantias que lhe assistem. 

3.2 O Código Civil de 2002 e a presunção legal de paternidade

Igualmente como no Diploma Legal de 1916, a presunção de paternidade prevista no moderno sistema civilista foi imbuída por mensurável influência do Direito Romano.

De acordo com seus comandos legais a maternidade é sempre certa, enquanto que a paternidade é presumida, no que tange a concepção da prole nas relações matrimoniais. 

Resta de sobejo comprovada que a presunção de paternidade é em regra, relativa (juris tantum), vez que admite prova em contrário. Contudo, somente ao suposto genitor cabe contestar a paternidade. Vale lembrar que, se por acaso houver ingerência de terceiros a presunção se torna absoluta. Portanto, a criança que nascer da esposa, será considerada filha de seu marido até que se prove o contrário.

Como bem observa Flávio Tartuce (2010, p. 1111), o dispositivo legal art. 1597, CC/02, consagrou as antigas presunções de paternidade das relações matrimoniais, bem como trouxe inovações tutelando juridicamente as presunções relativas às técnicas de reprodução assistida, in verbis:

Art. 1597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL, 2002).

Todavia, em que pese à validação deste artigo, sua eficácia no que se refere aos inciso I e II perdeu razão de ser, uma vez que com o surgimento do exame de DNA, se houver incerteza quanto à paternidade pode o suposto genitor se valer deste meio de prova, que tem um valor probatório quase que absoluto em relação ao vínculo parental, segundo pondera Flávio Tartuce (2011, p. 1111).

Corroborando com tal posicionamento enfatiza Maria Berenice Dias (2011, p. 362):

"Assim, são reconhecidas como concebidas na constância do casamento as crianças nascidas pelo menos 180 dias (6 meses) depois da celebração do matrimônio (CC 1.597 I). Igualmente estende a lei o vínculo de filiação para além do fim do casamento. Presume-se filho do casal, se o nascimento ocorreu até 300 dias (10 meses) subsequentes à dissolução da sociedade conjugal (CC 1597 II). Também os filhos frutos da inseminação artificial gozam da condição de filho por ficção legal. Essa matemática legal olvida-se de que há a possibilidade de, acabada a convivência, constituir a mulher união estável. Como o lapso temporal da presunção (10 meses) é superior ao período médio da gravidez (9 meses), está mais do que na hora de este critério ser abandonado. Até porque o DNA está aí e a recusa em submeter-se ao exame gera a presunção de paternidade. (grifo do autor)."

Claro está, portanto, que de acordo com a evolução tecnológica hodierna, a paternidade biológica pode ser comprovada, indubitavelmente, pelo exame de DNA, que, por sua vez, acaba por ilidir a aplicabilidade de tais presunções dos incisos I e II.

No que concerne à presunção do inciso III, entende-se que há o consentimento de ambos os cônjuges, caso seja post mortem – sendo que aqui não há falar acerca de direitos sucessórios– deverá seguir o que preconiza o Conselho da Justiça Federal, no Enunciado nº 106, in verbis:

"[...] para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja ainda na condição de viúva, devendo haver ainda autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte. Autor e página onde está o Enunciado nº 106 do Conselho da Justiça. (BRASIL, 2008)."

Outrossim, necessita da anuências de ambos os cônjuges a previsão estabelecida no inciso IV, pois somente quem doa os gametas tem o poder de decidir pela concepção de embriões excedentários. Vale ressaltar que a legislação pátria veda a utilização desses embriões por casais que não sejam os verdadeiros pais genéticos.

O Conselho da Justiça Federal, por meio do Enunciado nº 107, assim se manifesta sobre a matéria, na hipótese de dissolução da sociedade conjugal:

"[...] somente poderá ser aplicada a presunção, caso haja autorização prévia e por escrito por parte dos ex-cônjuges para a utilização dos aludidos embriões, somente podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação dos mesmos para que seja presumida a paternidade do marido falecido. Autor e página onde está o Enunciado nº 107 do Conselho da Justiça. (BRASIL, 2008)."

Por derradeiro, ao analisar o inciso V, que trata da inseminação artificial heteróloga, é perceptível que não há vinculo genético paterno-filial. Logo, é indispensável a anuência do marido para uso do sêmen de um doador anônimo.

Nesta hipótese presume-se pai da criança o marido da mulher, vindo essa relação ser fundada tão somente com base nos laços afetivos, razão pela qual, em regra, a presunção é considerada absoluta, mas tão somente nesta circunstância.

Sobre a inseminação artificial adverte Maria Berenice Dias (2011, p. 362), que a matemática prevista no dispositivo legal em apreço não merece razão de ser, vez que a filiação pode ser detectada veemente por meio do exame de DNA, mormente, no que tange a hipótese do inciso IV (embriões excedentários). D’outra banda, revela que a paternidade sobrevinda de inseminação artificial heteróloga tem sua base centrada, exclusivamente, na verdade afetiva.       

Outro ponto relevante, que merece destaque é o afastamento da presunção de paternidade quando há prova da impotência (generandi) do cônjuge para gerar, à época da concepção, conforme afirma Miranda (apud GONÇALVES, 2011, p. 329):

A palavra ‘impotência’ não é empregada no sentido de impossibilidade instrumental, de inaptidão para o coito (impotentiacoeundi), mas na acepção de impotência para gerar (impotentiagenerandi) [...]. A impossibilidade instrumental não basta; porque o simples atrito de membro ineréctil ou diminutíssimo (infantilismo absoluto) pode bastar à expulsão do esperma, que escorrerá até as vesículas seminais.

A partir da evolução tecnológica, hoje, o vínculo genético pode ser facilmente detectado e com veemência de certeza através da realização do exame de DNA. O que tornara alguns dos comandos legais previstos no CC/02, referentes à matéria em análise, sem eficácia.

3.2.1 Impugnação de paternidade

Em conformidade com o que reza a codificação civil de 2002, em seu artigo 1.601, é possível à impugnação de paternidade, sendo legitimado para questioná-la a qualquer tempo o próprio marido – daí o seu caráter imprescritível – valendo-se da ação negatória de paternidade.

No que concerne essa imprescritibilidade Flávio Tartuce (2011, p. 1116) revela que o dispositivo legal que trata da matéria é duramente criticado, vez que deixa de tutelar a parentalidade socioafetiva, com base no estado de filhos, quando prevê a imprescritibilidade para o ingresso da ação negatória de paternidade.

Igualmente, firmaram-se entendimentos nos Colendos Tribunais que, existindo um vício que torna o ato jurídico inválido, como o fato do pai por erro ou coação registrar o filho, poderá ser impugnada a paternidade. Entrementes, deverá levar em consideração a relação socioafetiva, eis que passado um interregno temporal não poderá mais ser arguida em prol do melhor interesse do filho.

Por oportuno, impende realçar trechos de decisões jurisprudenciais sobre essa imprescritibilidade:

"APELAÇAO CÍVEL - AÇAO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇAO DE REGISTRO CIVIL - DNA EXCLUDENTE DE PATERNIDADE - REGISTRO ESPONTÂNEO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO NAO COMPROVADO - AUSÊNCIA DE LAÇOS AFETIVOS - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA - DESCONSTITUIÇAO DO VÍNCULO DE PATERNIDADE QUE SE IMPÕE -RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISAO UNÂNIME. -É possível a anulação do registro civil de nascimento, quando comprovado, por exame de DNA, não ser a criança filha biológica daquele que a registrou e desde que também ausente o vínculo sócio-afetivo. (TJ-SE - AC: 2011200481 SE , Relator: DES. OSÓRIO DE ARAUJO RAMOS FILHO, Data de Julgamento: 22/03/2011, 2ª.CÂMARA CÍVEL)."

"CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE FILHO ALHEIO. IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIO. APLICAÇÃO DO ART. 1.604 DO CC. LAUDO PERICIAL EXCLUINDO A PATERNIDADE. IRRELEVÂNCIA. IRREVOGABILIDADE DO ATO. PRESSUPOSTOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. RECURSO DESPROVIDO. "O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o 'pai registral' foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto" (Ministra Nancy Andrighi). (TJ-SC - AC: 165506 SC 2011.016550-6, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 22/06/2011, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Içara). (grifo do autor)."

Esclarece-se que a impugnação é privativa do genitor, podendo seus herdeiros apenas ingressar quando, esta, já estiver em curso, eis que os mesmos não tem legitimidade para propô-la. É assim consolidado, porque o interesse tanto moral como econômico para a desconstituição é do marido.

Excepcionalmente é aceitável, segundo entendimento doutrinário contemporâneo, em algumas situações o ajuizamento da ação pelo curador do genitor, na hipótese em que o marido não é o pai, consoante o exemplo dado por Miranda (apud GONÇALVES, 2011, p. 330):

"Imaginemos que o marido esteja no hospício, internado, sem ter relações sexuais com a mulher, ou que esta resida em outro lugar e nunca visite, sequer, o marido. Seria absurdo ir-se considerando filho do marido, com todos os deveres de pai para esse, cada filho que nasça à mulher. O curador pode propor a ação, representando o pai interdito por incapacidade absoluta."

Portanto, é possível a impugnação de paternidade sendo um direito personalíssimo do pai, entrementes, deverá ser analisado cada caso concreto, vez que o estado de filiação tem que ser levado em consideração, sob pena de transgredir o princípio do melhor interesse da prole.

3.2.2 Prova de filiação

A prova de filiação tem por escopo não só provar um fato juridicamente relevante para o direito, que é o nascimento da prole, como também comprovar a própria filiação.

Segundo reza o art. 1603, CC/02, é por meio da certidão de nascimento averbada no Registro Civil que se comprova a filiação. Entretanto, como este dispositivo legal prevê tão somente uma possibilidade de comprovação do estado filiatório, deve-se lê este em combinação com o artigo 1609, que trouxe em seu bojo outras possibilidades, vez que aquele comando legal apenas se reportou a prole advinda das relações matrimoniais (GONÇALVES, 2012, p. 323).

 Na realidade, foi com a Lei nº 8.560/1992 que surgiu novos meios de provas prevendo também o reconhecimento dos filhos havidos fora da relação conjugal, e são estas as possibilidades que se encontram expostas no supedâneo do artigo 1609, CC/2002.

A Lei dos Registros Públicos (nº 6.015/73) prevê, em regra, um lapso temporal de 15 (quinze) dias para que se leve a registro o nascimentoda criança, e será realizado preferencialmente pelo pai e que na sua falta ou impedimento, poderá ser feito pela mãe e, sucessivamente, pelo parente mais próximo, pelos administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, por pessoa idônea da casa em que ocorrer o parto e pela pessoa encarregada da guarda do menor.

Por sua vez, o artigo 1604, CC/02, preleciona que somente poderá reivindicar estado contrário daquele estampado na certidão de nascimento se for constatado erro ou falsidade do registro (BRASIL, 2002, não paginado).

Por ultimo, a preleção do dispositivo legal, Art.1605, predispõe que na falta ou defeito do termo de nascimento, o CC/02 admite que a filiação seja comprovada por qualquer meio idôneo, ressalvando que tais provas sejam expressas de forma escrita proveniente dos pais, conjunta ou separadamente, ou ainda, quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos, e aqui se entende que o legislador infraconstitucional referira-se à convivência familiar, por meio da posse de estado de filho.

Segundo a doutrina de Gonçalves (2012, p. 324), pelas novas evoluções tecnológicas através do DNA, o reconhecimento forçado de paternidade/maternidade independe de provas escritas ou daquelas veementes presumidas, razão pela qual entende estar totalmente ultrapassada a dicção do artigo em análise, uma vez que é dissonante com o princípio da verdade real.

Imperioso enfatizar ainda que a Lei 12.004/2009 trouxe alterações que refletiram diretamente na Lei nº 8.560/1992, a qual tem por escopo tratar da investigação de paternidade dos filhos havidos fora da relação matrimonial.

Portanto, com a nova redação apresentada por aquela Lei (12.004/09), atende-se que na ação de investigação de paternidade todos os meios de provas idôneos e hábeis que comprovem essa relação de parentesco são juridicamente válidos.

Outrossim, segundo a redação da Súmula 301 da Corte Superior quando se trata de ação de investigação, qualquer recusa do suposto genitor de se submeter ao exame de DNA, gera presunção da paternidade  (juris tantum). Entrementes, é necessário que as demais provas sejam analisadas conjuntamente.

3.3 Reconhecimento Paterno-Filial

Indubitavelmente, dentre as mais relevantes conquistas alcançada pelo ser humano está seu direito fundamental de personalidade. Por isso a Lei Constitucional em vogo, cuidou de elevar o indivíduo a sujeito de direitos, valorando sua dignidade, e o protegendo de qualquer forma de preconceito e segregação no convívio social.

No que concerne ao direito de família, malgrado ter findado com a disparidade substancial entre filhos havidos ou das uniões conjugais, é imperioso revelar que em relação ao procedimento para o reconhecimento da filiação o legislador optou tratá-los por caminhos distintos.

Segundo a sistematização civilista pátria, os filhos concebidos no seio nupcial não precisam ser reconhecidos, eis que é presumido o seu estado de filho, conforme afirmado outrora.

Por sua vez, os filhos gerados de relação extraconjugal, necessariamente precisam ser reconhecidos pelos pais, que pode ser por meio de ato voluntário, também denominado de perfilhação ou através da intervenção judicial. 

De toda sorte, é imprescindível a revelação da paternidade e/ou maternidade para a concretização dos direitos da personalidade filial, eis que é por meio deste direito fundamental que o indivíduo poderá conhecer sua identidade genética.

3.3.1 Reconhecimento espontâneo

O reconhecimento espontâneo, que também é cognominado doutrinariamente como voluntário ou de perfilhação se aperfeiçoa com a vontade de desígnios de ser pai/mãe voluntariamente, ou seja, é um ato desejado pelos progenitores, que se concretiza tanto em conjunto ou sucessivamente.

Segundo preleciona Cristiano Chaves de Farias e Thiago Filipe Vargas Simões (2010, p. 49):

"O reconhecimento voluntário se perfectibiliza de forma desejada, espontânea, sem qualquer imposição ou constrangimento daquele que pratica o ato. Ou seja, é o ato pelo qual o pai, a mãe ou ambos (pessoas não casadas entre si, pois os filhos dos casados submetem-se à presunção pater is est) declaram, pessoalmente ou através de procurador com poderes específicos, o vinculo que os uni ao filho nascendo, conferindo-lhe o status correspondente."

O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem nenhuma restrição, conforme reza o comando legal do art. 27, Lei nº 8.069/90.

Com essa nova realidade familiar, alicerçada na dignidade humana e na isonomia de tratamento para todos, o ordenamento pátrio, por meio de aspectos ético-jurídicos, precisou seadequar a esses paradigmas, razão pela qual são implantadas políticas públicas com o escopo de aumentar o número de certidões de nascimentos com o nome do pai, completando a identidade dos filhos, em virtude destes, em regra, serem gerados fora dos laços nupciais.

Segundo preconiza o art. 1609 do Código Civil, são cinco as modalidades de reconhecimento filiatório, vejamos:

Art. 1609 – O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I – no registro de nascimento;

II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. (BRASIL, 2002).

Ao fazer alusão à primeira modalidade, cuida-se de analisar a dicotomia deste rito com aquele previsto para os filhos concebidos na constância do casamento, o qual é realizado por um ou ambos os pais perante o oficial de Registro Público, carecendo tão somente apresentar a certidão de casamento. Assim, o comando legal supramencionado diz respeito apenas aos filhos concebidos por relação extramatrimonial.

Convém lembrar, que o artigo 59 da Lei n° 6.015/73 afirma que só poderá constar o nome do pai na certidão de nascimento do filho se o mesmo expressamente o autorizar e comparecer, por si só ou por procurador com poderes especiais, para, reconhecendo-o, assinar, ou não sabendo ou não podendo, mandar assinar a seu rogo o respectivo assento, sendo necessária a presença de duas testemunhas.

No que se reporta a intelecção dos incisos II e IV, é de se perceberque ambos apresentam, em regra, caráter acessório quando da declaração de tal ato. Por seu turno, mesmo sendo considerado, o testamento, nulo ou revogado (inciso III), ainda assim, ao menos em relação ao reconhecimento ali exposto, não poderá ser arguido qualquer invalidação, permanecendo seu teor ao estado quo ante.

Segundo ensinamento de Gonçalves (2012, p. 33), além destas formas previstas no Diploma Civil em vogo, ainda é aceitável outra maneira de se reconhecer um filho, que embora sendo voluntário, entrementes, não o é espontânea. É possível encontra-la predisposta na Lei nº 8.560/92, onde aduz que ao ser levado a registro o nascimento somente com a maternidade constituída, o Oficial de Registro Civil deverá indagar à genitora sobre a paternidade e após comunicar ao juiz todos os possíveis dados do suposto genitor anexando a certidão de nascimento, para que seja averiguada a possível veracidade dos fatos, com o objetivo de sanar tal deficiência e poder assim levar também o nome do pai no referido documento.

Entretanto, se houver alguma resistência por parte do suposto genitor será encaminhado os autos para o Ministério Público, o qual tem legitimidade para propor a ação de investigação de paternidade (transformando-se então em reconhecimento forçado).  

Pontua-se, que de acordo com a intelecção da Lei nº 8.560/92, em seus artigos 3° e 6°, é proibido o reconhecimento na ata de casamento, bem como, especificar na certidão qualquer referência que presuma ser o filho de pais que não são unidos pelo matrimônio, ressalvado as hipóteses legalmente previstas.

A legislação pátria por meio dos parágrafos únicos do art. 1609, CC/02 e do art. 26 da Lei 8.069/90 possibilitou o reconhecimento antes mesmo do nascimento da prole, bem como após seu falecimento, ressalvando neste caso, somente se o falecido deixar descendentes.

Em relação ao reconhecimento que precede o nascimento, Maria Berenice Dias (2011, p. 379), afirma:

"Pode ser, inclusive, levado a efeito antes do nascimento do filho, não sendo possível, contudo, condicioná-lo à sobrevivência do nascituro. Como a lei resguarda seus direitos (CC2. º), pode o genitor, com receio de falecer antes do nascimento do filho já concebido, não esperar o nascimento para reconhecê-lo. Mesmo que o filho nasça sem vida, o reconhecimento existiu e foi válido, devendo proceder-se ao registro de seu nascimento (LRP 53)."

No que concerne ao reconhecimento post mortem, a alusão é prevista para que se evite reconhecimento por interesses financeiros por parte do suposto pai, razão pela qual só poderá ser reconhecida a filiação se o falecido tenha deixado descendentes.

Em relação ao filho maior de idade seu reconhecimento só poderá ser feito mediante a sua aquiescência (art. 1614, CC/02). E de acordo com a lição de Gonçalves (2012, p. 335), a perfilhação pode ser feita nos moldes do art. 1609, CC/02:

"[...] poderá ser manifestado no reconhecimento feito por qualquer dos modos do art. 1.609 do Código Civil, com exceção do efetuado por testamento, mediante o comparecimento do filho maior no ato de perfilhação no termo lavrado no Cartório do Registro Civil, na escritura pública, no escrito particular ou mesmo na manifestação feita perante a autoridade judicial."

Destaca-se ainda que o filho reconhecido enquanto menor, poderá impugnar essa perfilhação, após os quatros anos que sucedem a capacidade civil. Entrementes, não se pode confundir tal prazo com aquele de ver seu estado de filho reconhecido, vez que este é imprescritível, podendo ser imposta a ação de investigação de paternidade a qualquer tempo (art. 1614, CC/02, 2ª parte).

3.3.2 Reconhecimento forçado

É consabido que não havendo o reconhecimento de paternidade de forma voluntária, ao filho é garantido juridicamente o direito de haver reconhecido seu estado de filho forçadamente, valendo-se da ação de investigação de paternidade.

É forçoso acrescentar que esse direito ao reconhecimento filiatório é imprescritível, personalíssimo e indisponível. Que pode ser exercitado, em face do genitor ou de seus herdeiros, sem qualquer restrição, contudo, necessário se faz respeitar o segredo de justiça (art. 27 do ECA – Lei nº 8069/90).

A imprescritibilidade supramencionada se refere tão só à ação de investigação de paternidade e não a petição de herança, assim assegura a redação da Súmula nº 149 do STF. Destarte, após ser reconhecido, cabe ao filho no prazo legal de dez anos, reivindicar seus direitos patrimoniais (art. 205, CC/02).

No que concerne aos motivos que ensejaram o surgimento desta ação, Cristiano Chaves Farias e Thiago Filipe Vargas Simões (2010, p. 61), revelam que no revogado Diploma Legal de 1916, era utilizada para comprovar o concubinato, o rapto no período da concepção, o interregno da concepção em relação aos atos sexuais praticados pelos progenitores e quando havia reconhecimento expresso de quem foi atribuído como pai.

É de se perceber que tais motivos são hoje obsoletos, perderam eficácia após a promulgação da Lei Magna de 1988, vez que impôs sobremaneira tratamento isonômico e toda e qualquer tipo de filiação.

Sendo assim, Cristiano Chaves Farias e Thiago Filipe Vargas Simões (2010, pp. 61-62) ainda aduzem que não são taxativas as hipóteses previstas na legislação presente, no que tange as possibilidades de reconhecer a prole, vez que se pode, em consonância com a realidade fática evolutiva, consubstanciada nos princípios constitucionais norteadores do instituto de família, reivindicar o reconhecimento em decorrência de concepção advinda de inseminação artificial, bem como de relação socioafetiva, entendendo que os laços afetivos e a convivência familiar também são pressupostos que estabelecem a parentalidade.

Partindo desse ponto, hodiernamente, a ação de investigação de paternidade não tem mais o condão de conferir único e exclusivamente a paternidade ou maternidade aos pais biológicos. Na realidade, este fator deixou de predominar, sendo levado em consideração o desejo entravado ao filho de ter estado filiatório reconhecido, e consequentemente garantir sua personalidade, e não somente a descoberta de sua identidade genética.    

Nessa conjuntura, eis a jurisprudência, na qual se vislumbra o mesmo posicionamento:

"Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade e maternidade. Vínculo biológico. Vínculo sócio-afetivo. Peculiaridades. - A “adoção à brasileira”, inserida no contexto de filiação sócio-afetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra a criança como sua filha, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses do menor. - O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. - O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal. - Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica. - A investigante não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos, tampouco pela omissão dos pais registrais, apenas sanada, na hipótese, quando aquela já contava com 50 anos de idade. Não se pode, portanto, corroborar a ilicitude perpetrada, tanto pelos pais que registraram a investigante, como pelos pais que a conceberam e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto. - Dessa forma, conquanto tenha a investigante sido acolhida em lar “adotivo” e usufruído de uma relação sócio-afetiva, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura. Presente o dissenso, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico. - Nas questões em que presente a dissociação entre os vínculos familiares biológico e sócio-afetivo, nas quais seja o Poder Judiciário chamado a se posicionar, deve o julgador, ao decidir, atentar de forma acurada para as peculiaridades do processo, cujos desdobramentos devem pautar as decisões. Recurso especial provido.(STJ - REsp: 833712 RS 2006/0070609-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 16/05/2007, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.06.2007 p. 347RNDJ vol. 92 p. 77). (grifo do autor)."

Em se tratando da legitimidade, traz-se a lume a doutrina de Cristiano Chaves Farias e Thiago Filipe Vargas Simões (2010, p. 78) na qual lembram que nessa nova ótica jurídica não há de se falar em direito absoluto, e que tal regra também serve para o exercício do direito de ação, tendo como ponto de partida as condições das ações, as quais são vistas como pressupostos que devem ser observados quando da sua propositura.

Nesse compasso, estabelece Fredie Didier Júnior (2012, p. 211):

"O Código de Processo Civil adotou a concepção eclética sobre o direito de ação, segundo o qual o direito de ação é o direito ao julgamento do mérito da causa, julgamento esse que fica condicionado ao preenchimento de determinadas condições aferíveis à luz da relação jurídica material deduzida em juízo. São as chamadas condições da ação, desenvolvidas na obra de Eurico TullioLiebman, processualista italiano cujas lições exercem forte influencia na doutrina brasileira, seriam elas a legitimidade ad causam, o interesse de agir ou interesse processual e possibilidade jurídica do pedido. (grifo nosso)."

Ora, face às considerações aduzidas e voltando o olhar para o cerne em questão, cuida-se asseverar que, em regra, por se tratar de um direito personalíssimo (art., 27, da Lei nº 8.069/90), o titular da ação de investigação de paternidade é o próprio filho maior ou menor de idade. Todavia, há de se esclarecer que, quando o titular da ação é considerado, nos moldes dos artigos 3º e 4º do Código Civil, incapaz civilmente de exercer seus próprios atos, é necessário que seja representado ou assistido por seu representante legal.

Sobre o direito do nascituro, são inúmeras as controversas acerca de personalidade jurídica instituídas por meia das teorias natalista e concepcionista. Aquela é capitaneada mais pelos doutrinadores clássicos, que defendem que a personalidade só é adquirida com o nascimento com vida, seguindo em risca a literalidade do art. 2º, CC/2002. Em contrapartida, a doutrina moderna adota a segunda teoria, a qual defendem que o direito do nascituro são resguardados desde a concepção. 

Sem olvidar que o Ministério Público também tem legitimidade extraordinária para propor a ação em epigrafe, no chamado procedimento judicial de investigação oficiosa, de acordo com o previsto na Lei nº 8560/92.

Para que não resistam dúvida, colaciona-se o entendimento da jurisprudência:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. FILIAÇÃO. DIREITO INDISPONÍVEL. INEXISTÊNCIA DE DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A Constituição Federal adota a família como base da sociedade a ela conferindo proteção do Estado. Assegurar à criança o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar pressupõe reconhecer seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, artigos 226, §§ 3o, 4o, 5o e 7o; 227, § 6o). 2. A Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto,exercer outras atribuições prescritas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, artigos 127 e 129). 3. O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família, razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 27). 4. A Lei 8560/92 expressamente assegurou ao Parquet, desde que provocado pelo interessado e diante de evidências positivas, a possibilidade de intentar a ação de investigação de paternidade, legitimação essa decorrente da proteção constitucional conferida à família e à criança, bem como da indisponibilidade legalmente atribuída ao reconhecimento do estado de filiação. Dele decorrem direitos da personalidade e de caráter patrimonial que determinam e justificam a necessária atuação do Ministério Público para assegurar a sua efetividade, sempre em defesa da criança, na hipótese de não reconhe cimento voluntário da paternidade ou recusa do suposto pai. [...]. (STF - RE: 433137 MG , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 03/12/2009, Data de Publicação: DJe-237 DIVULG 17/12/2009 PUBLIC 18/12/2009. (grifo do autor)."

Segundo alude o art.1606, do CC/02, somente ao filho cabe ingressar com a ação em epígrafe, visto que a mesma tem caráter pessoal. Mas, caso este venha a falecer ainda menor ou mesmo se for incapaz, passa aos herdeiros, que poderão, inclusive, dar seguimento ao feito.

Destarte, embora a Lei nº 8.069/90 e o atual Código Civil contemplam ser personalíssimo o direito de filiação, é perceptível da obra de Cristiano Chaves Farias e Thiago Filipe Vargas Simões, a possibilidade dos netos ingressar com ação declaratória de parentalidade em desfavor do avô (relação avoenga), sob a alegação de que a causa mortisdo genitor não pode ser entrave para o reconhecimento de um direito ao vínculo de parentalidade, à assistência material, à sucessão, enfim ao direito de identidade familiar que existe entre netos e avô.

Acompanhando esse entendimento, se posiciona da seguinte forma a Egrégia Corte Superior:

"Direito civil. Família. Ação de declaração de relação avoenga. Buscada ancestralidade. Direito personalíssimo dos netos. Dignidade da pessoa humana. Legitimidade ativa e possibilidade jurídica do pedido. Peculiaridade. Mãe dos pretensos netos que também postula seu direito de meação dos bens que supostamente seriam herdados pelo marido falecido, porquanto pré-morto o avô.- Os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome e ao conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes.- Os netos, assim como os filhos, possuem direito de agir, próprio e personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de parentesco em face do avô, ou dos herdeiros se pré-morto aquele, porque o direito ao nome, à identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana.- O direito à busca da ancestralidade é personalíssimo e, dessa forma, possui tutela jurídica integral e especial, nos moldes dos arts. 5º e 226, da CF/88.- O art. 1.591 do CC/02, ao regular as relações de parentesco em linha reta, não estipula limitação, dada a sua infinitude, de modo que todas as pessoas oriundas de um tronco ancestral comum, sempre serão consideradas parentes entre si, por mais afastadas que estejam as gerações; dessa forma, uma vez declarada a existência de relação de parentesco na linha reta a partir do segundo grau, esta gerará todos os efeitos que o parentesco em primeiro grau (filiação) faria nascer.- A pretensão dos netos no sentido de estabelecer, por meio de ação declaratória, a legitimidade e a certeza da existência de relação de parentesco com o avô, não caracteriza hipótese de impossibilidade jurídica do pedido; a questão deve ser analisada na origem, com a amplitude probatória a ela inerente (...). (STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 24/03/2010, S2 - SEGUNDA SEÇÃO). (grifo do autor)."

Sobre o direito do filho reivindicar o seu estado filiatório, mesmo que  em sua certidão de nascimento conste nome de outro pai, ensina Maria Berenice Dias (2011, p. 389):

"Ainda que alguém esteja registrado como filho de outrem, tal não pode obstaculizar o uso da ação investigatória. Não importa se o registro é falso ou decorreu da chamada adoção à brasileira. Sequer interessa se se o investigante tem pai registral, foi adotado ou é fruto de reprodução assistência heteróloga. Em nenhuma dessas hipóteses, pode ser negado o acesso a justiça. Nada pode impedir a busca da verdade biológica. (grifo do autor)."

Após a análise da legitimidade ativa, parte-se, doravante, para saber quem é legitimado para ocupar o polo passivo da ação de investigação de paternidade.

Denota-se que, em regra, é direcionada em desfavor do suposto pai, e se caso já seja falecido recairá sobre seus herdeiros ou legatários.

Em relações as possíveis provas utilizadas nessa ação, por oportuno, impende enfatizar a lição de Farias e Rosenvald (2010, pp. 614-615), senao vejamos:

"[...] que em tais ações a prova técnica-biológica, através do exame de DNA, não é suficiente, por si só, para implicar a procedência do pedido, uma vez que poderá o magistrado acolher a tese da socioafetividade, se comprovada a depender do caso concreto. Assim, mesmo contrariamente ao exame pericial, o juiz pode manter o vínculo filiatório."

Posto esta inflexão, é claro que, hodiernamente, como pontuado alhures, mesmo que o suposto genitor não seja o verdadeiro pai biológico, poderá, ainda assim ser obrigado a reconhecer o estado de filiação a depender da situação in concreto.   

Desta feita, os efeitos alcançados pela investigatória de paternidade surtem os mesmo efeitos do reconhecimento, entrementes, prevê a Lei civilista a possibilidade de o filho ser criado e educado fora da convivência dos genitores, nos termos do art. 1616 do CC/02, assim dando efetividade ao princípio do melhor interesse do filho.

Por fim, imperioso se faz asseverar acerca da investigação de maternidade. Não obstante, seja mais frequente a busca da identidade genética paterna em decorrência da presunção matersemper certa est (maternidade é sempre certa), nada obsta ao filho ingressar em juízo pleiteando o reconhecimento materno-filial.

Diferentemente do anterior Código Civil, que vedava ao filho ilegítimo a busca pela verdade biológica materna quando a genitora já era casada ou quando esse filho advinha de uma relação incestuosa (art. 364, CC/ 1916), tal previsão não foi recepcionada pela nova sistemática jurídica, uma vez que esta concedeu igualdade de tratamento a toda e qualquer filiação independente de sua procedência.

Nesse diapasão, apregoa Gonçalves (2012, pp. 348-349):

"A ação de investigação de maternidade, embora rara, uma vez que matersemper certa est, é reconhecida ao filho, que pode endereçá-la contra a mãe ou seus herdeiros, pois os arts. 1.606 e 1.616 do Código Civil não fazem nenhuma distinção ou limitação à investigação da filiação."

O art. 364 do Código Civil de 1916 impedia o seu ajuizamento quando tivesse por fim atribuir prole ilegítima à mulher casada ou incestuosa à solteira. Tais restrições não mais subsistem, em face da atual Constituição, do citado art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos mencionados dispositivos do Código Civil de 2002. Assim, pode hoje o filho, mesmo aquele considerado incestuoso pelo Código de 1916, mover ação de investigação de maternidade sem qualquer restrição, seja sua mãe solteira ou casada.

Trilhando essa linha de raciocínio, se manifesta o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

"DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E DE FAMÍLIA - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE MATERNIDADE C/C PETIÇÃO DE HERANÇA - PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA - REJEIÇÃO - IRREVOGABILIDADE DE FILIAÇÃO SÓCIO-AFETIVA - IMPERTINÊNCIA - SENTENÇA MANTIDA. 1. NO CASO VERTENTE, A AUTORA APELADA PRETENDE O RECONHECIMENTO DE SUA MATERNIDADE EM FACE DE SUA MÃE BIOLÓGICA. O LAUDO PERICIAL PRODUZIDO NOS AUTOS ATESTOU A MATERNIDADE IMPUTADA À INVESTIGADA EM RELAÇÃO À AUTORA, RESTANDO CLARO O VÍNCULO BIOLÓGICO EXISTENTE ENTRE AS P ARTES. (...). 3. A presente hipótese não trata de negatória de maternidade, a juizada pela mãe contra a filha, mas de investigatória de maternidade, em que é a filha que pretende ver declarado quem é sua verdadeira mãe, fazendo-se inviável a aplicação da noção de irrevogabilidade da filiação sócio-afetiva. É direito constitucional conferido à própria filha, de natureza personalíssima, do reconhecimento de sua verdadeira filiação, com a conseqüente alteração de registro, sob pena de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.toda e qualquer pessoa tem direito incontestável de requerer o reconhecimento de sua paternidade e/ou maternidade, sendo que a existência de pai e/ou mãe registral não impede a propositura de ação de investigação de paternidade e/ou maternidade. Sendo imprescritível a ação investigatória de paternidade e/ou maternidade, o simples fato de alguém haver sido registrado por outrem, que não sejam os pais biológicos, não pode impedir a livre investigação da verdade real. (...). 5. recuso conhecido e não provido. (TJ-DF - APL: 655121420078070001 DF 0065512-14.2007.807.0001, Relator: HUMBERTO ADJUTO ULHÔA, Data de Julgamento: 01/06/2011, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 10/06/2011, DJ-e Pág. 164). (grifo do autor)."

Portanto, face às considerações aduzidas, percebe-se que é garantido, por via judicial, o reconhecimento filiatório quando este é negado espontaneamente pelos genitores, possibilitando, dessa maneira, a efetivação de um direito fundamental de personalidade assistido constitucionalmente ao filho que deseja ter sua identidade biológica reconhecida.

3.3.3 O reconhecimento da paternidade e seus efeitos

Após o reconhecimento do estado de filho, seja ele forçado ou espontâneo, surge para essa nova relação alguns efeitos cuja natureza pode ser tanto moral como patrimonial.

Dentre esses efeitos, o vínculo de afinidade e de afeto que floresce a partir da convivência familiar pode ser considerado o de maior relevância, vez queesse aconchego sentimental é, na maioria das vezes, a razão do filhorequerer seu estado filiatório, com o escopo de desvendar sua verdadeira identidade genética, estabelecendo relação de parentesco com seu pai.

A doutrina, nas pessoas de Farias e Rosenvald (2013, p. 762), instrui que a sentença proferida da ação de investigação de paternidade tem natureza meramente declaratória, vez que apenas tutela juridicamente algo que já estava no plano fático, entrementes, passa a produzir efeitos retro-operantes e erga omnes.

Desta feita, não é a partir do reconhecimento do estado filiatório que surtem efeitos, mas estes retroagem desde o nascimento do filho ou mesmo de sua concepção se assim melhor convier aos interesses das partes.

Em se tratando dos direitos de terceiros, Carlos Roberto Gonçalves (2012, p.354) afirma que “o efeito retro-operante tem por limite, todavia, as situações jurídicas definitivamente constituídas, encontrando embaraço em face de direitos de terceiros, pela proteção legal concedida a certas situações concretas”.  

Segundo o preceito art. 7º da Lei de investigação de paternidade (Lei nº 8.560/92), poderá o juiz de primeiro grau que reconhecer a paternidade, decretar, ainda que não formulado no pedido, que o pai assista materialmente ao filho, com os alimentos provisionais e/ou definitivos. Sendo que a jurisprudência vislumbra dessa mesma posição:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS PROVISIONAIS FIXADOS EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA RECONHECENDO O PARENTESCO. PRESENÇA DE DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO À LEGALIDADE DA DECISÃO QUE FIXOU OS ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL DO INVESTIGADO. DESCABIMENTO. 1. No caso em apreço, foi decretada a prisão do paciente em razão do descumprimento de obrigação de prestar alimentos fixados em decisão interlocutória proferida em ação de investigação de paternidade, antes, portanto, da prolação de sentença reconhecendo a relação de parentesco entre o recorrente e a alimentanda. 2. A possibilidade de fixação de alimentos provisionais em sede de ação de investigação de paternidade é disciplinada pelo art. 7º da Lei nº 8.520/92, bem como pelo art. 5º da Lei nº. 883/49, já revogada, mas vigente quando da decisão que fixou os alimentos. Tais dispositivos tratam expressamente da possibilidade de fixação de alimentos provisionais quando já proferida sentença que reconheça a paternidade, ainda que tenha sido ela objeto de recurso. Contudo, nada dispõem acerca da fixação de alimentos provisionais quando ainda não há reconhecimento judicial do vínculo de parentesco. 3. Na mesma esteira, já decidiu esta Eg. Corte que "a Legislação consagra a sentença declaratória de paternidade como termo a quo para fixação dos alimentos provisórios. O motivo ensejador dessa fixação é lógico, pois somente aí é reconhecida a relação de parentesco entre as partes e, conseqüentemente, a obrigação de prestar alimentos" (REsp 200595/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2003, DJ 09/06/2003, p. 263). 4. Nesse contexto, embora a matéria não esteja pacificada no âmbito desta Eg. Corte, a redação legal, o precedente supramencionado e posições doutrinárias no sentido supra evidenciam a existência de dúvidas acerca da legalidade de decisão que determina, no bojo de ação investigatória de paternidade cumulada com alimentos, o pagamento de alimentos provisionais, antes da prolação de sentença que declare a existência do vínculo de parentesco. 5. Da leitura do art. 5º, inc. LXVII, da CF, depreende-se que a gravidade da medida coercitiva de prisão civil só será aplicável em casos excepcionais, nos quais o descumprimento da obrigação revele-se inescusável, o que não se vislumbra na hipótese. 6. Ressalte-se que não se está a desonerar o recorrente da obrigação de prestar os alimentos provisionais fixados, o que se mostra inclusive inviável na presente estreita via, mas tão-somente retirando a força coercitiva de tal obrigação a ponto de ensejar a segregação civil do recorrente. 7. Recurso ordinário provido. (STJ - RHC: 28382 RJ 2010/0097090-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 21/10/2010, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/11/2010). (grifo do autor)."

É imperioso trazer a lume que embora a assistência material seja relevante para o desenvolvimento físico-psíquico do filho, não pode olvidar-se de que o bem maior almejado pelo filho é o reconhecimento do estado de filiação, exemplificando, a busca por um nome, o direito de trocar os asteriscos do seu registro de nascimento pelo nome de seu verdadeiro pai. E por consectário, completar sua identidade com o sobrenome do seu genitor. São esses, em regra, os efeitos tão desejados pelo filho quando ingressa com uma ação de investigação de paternidade.

O Diploma Legal de 2002, faz alusão em seu art. 1611 que, os filhos havidos fora da relação conjugal, em virtude de serem reconhecido apenas por um dos cônjuges, somente poderá residir no lar conjugal se houver a aquiescência do outro, em contrassenso, ao genitor, cabe tratá-lo de forma paritária com os demais filhos, assim, estará cumprindo com sua função social de pai.

Por força do art. 1612,do CC/02, o filho que for reconhecido ainda menor de idade, ficará sujeito ao poder familiar de quem o reconheceu e, sendo reconhecido por ambos os genitores, permanecerá com aquele que melhor atender aos seus interesses. Todavia, o outro que não for seu guardião, não perderá o poder familiar, logo, tem total respaldo para fiscalizar sua educação, direito de visita dentre outro direitos que a norma lhe garantir.

Como tais efeitos tem validade erga omnes, então atingirá não apenas as partes envolvidas, mas também irá refletir perante terceiros, inclusive atingindo aos demais parentes. É bem verdade que esses efeitos, emmuitos dos casos, se resumem tão somente à assistência patrimonial, deixando de lado,na maioria das vezes, afeto em segundo plano, o que, consequentemente, pode gerar prejuízos irreparáveis a essa relação de parentesco.

3.4 Equiparação entre filhos biológicos e socioafetivos

O anterior Código Civil estabeleceu em seu texto o critério biológico como única forma de parentesco. Desta feita, o vínculo consanguíneo era o meio pelo qual se alcançava essa concretização. Todavia, com a nova ótica constitucional, fundamentada na Dignidade Humana, na Solidariedade Social, na Convivência Familiar, e, sobretudo, no Melhor Interesse do Menor, elevando o indivíduo como sujeito de direitos e a família como sustentáculo da sociedade, esse critério mudou de cenário.

Depreende-se, hodiernamente, que o vínculo biológico perdeu sua hegemonia, brotando o binômio – afetividade e afinidade – como critériosprimordiais para o enlace de parentalidade. Em se tratando da relação paterno-filial, o que se almeja em primeiro plano, é essa integração afetiva, a qual paulatinamente vem se sobrepondo à verdade real biológica, entendimento adotado tanto pela doutrina moderna quanto por decisões jurisprudenciais. 

Nesta oportunidade, Belmiro Pedro Welter (2010, p. 89), destaca:

"A sociedade patriarcal fez com que a família fosse ajustada, desse que há o mundo humano, unicamente por parte do mundo genético, uma linguagem normatizada, objetivada, desumanizada, porque os seus membros estão unidos pela totalidade dos laços genéticos, afetivos e ontológicos. O (re)canto familiar é uma forma de proporcionar ao ser humano carinho e solidariedade que se dispersaram na vida em sociedade, superando a condição humana marcada pela realidade da competição e da desigualdade, tendo em vista que ele está profundamente ligado ás questões mais intimas e fundamentais, como amor, a afeição."

É certo que apaternidade biológica é designada por meio de laço genético que liga a prole aos genitores, aferível através do exame de DNA, o qual permite com precisão científica a consignação da identidade genética, ao passo que a socioafetiva é oriunda de vínculos de afetividade e afinidade entre as figuras paterna/materna e o filho.

Como pontuado alhures, o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. Portanto, independente de o filho já ter sua paternidade resolvida por vínculos afetivos, porém, nada impede que este busque judicialmente o seu direito de conhecer sua origem biológica.

Cumpre asseverar que o Superior Tribunal de Justiça, em suas decisões, vem priorizando o critério biológico ao reconhecimento do filho em situações onde há ruptura de afeto no âmbito familiar, ou mesmo quando nunca houve relação socioafetiva entre os pais e seus descendentes. Segundo a ministra NANCY ANDRIGHI, “não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo” (STJ - REsp: 878941 DF 2006/0086284-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/08/2007, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 17.09.2007 p. 267).

Prossegue nesse sentido, em outro julgado, a Ministra Nancy Andrighi, onde entendeu não ser correto impedir uma pessoa, qualquer que seja sua história de vida, de ter esclarecida sua verdade biológica. Asseverando que o próprioSuperior Tribunal, reconhece que a paternidade biológica deve prevalecer quando concorrente com a paternidade socioafetiva ou jurídica, observadas as peculiaridades do processo.

Perfilhando esse entendimento, Maria Berenice Dias (2011, p. 402) elucida:

"[...] No entanto, persiste o direito de investigar a paternidade biológica, como direito de personalidade. A consolidação de uma paternidade ou maternidade socioafetiva não pode impedir que o filho busque conhecer, inclusive judicialmente, sua genealogia, suas raízes, suas origens, seus antepassados. Além do direito de personalidade envolvido, é manifesto o interesse jurídico emtal descoberta, em face dos impedimentos matrimoniais, do sofrimento psicológico e emocional decorrente do desconhecimento das origens, das compatibilidades em adoções de órgãos, e da análise de doenças geneticamente transmissíveis."

Corroborando com esse posicionamento, impende apregoar a preleção de Márcio Gavaldão (2013, p. 39):

"A revelação da ascendência biológica é concebida hoje como um direito fundamental da personalidade humana. Trata-se do direito ao conhecimento da identidade genética do cidadão, cujo bem jurídico tutelado é a descoberta da sua origem biológica, que se considera como atributo ínsito à personalidade humana, direito essencial ao nome de família, que aponta a sua ascendência genética, o seu status de filiação e que, por via de consequência, concede ao investigante determinados direitos de cunho patrimonial."

Saber a verdade sobre sua paternidade é um legítimo interesse da criança, um direito fundamental. Um direito humano que nenhuma Corte pode frustrar.

"Sob este prisma, oportuno trazer a lume, a forma equivocada com que a lei civil prevê um prazo de quatro anos para o filho, que após alcançar a maioridade, reivindique sua paternidade registral (art. 1614, CC), enquanto que ao filho que não tem o nome do pai em seu acento de nascimento esse direito é imprescritível. Essa previsão está totalmente em descompasso com o texto constitucional, uma vez que a legislação infraconstitucional mitiga um direito fundamental de personalidade que é garantido pela Lei Cidadã de 1988."

Por outro lado, a autora retromencionada em sua obra aduz que sendo constatado o vínculo socioafetivo entre pai registral e filho, não há como a sentença surtir efeitos em relação à paternidade biológico no registro civil. Essa sentença terá natureza tão somente declaratória, não tendo por escopo retificar a certidão de nascimento e, consequentemente, não tendo reflexo jurídico, muito menos de ordem patrimonial.

Desta feita, é com o objetivo de resguardar direitos de outrem (paternidade adotiva ou por inseminação artificial heteróloga), dando-lhe segurança jurídica, que o ordenamento pátrio, por meio de suas decisões judiciais, adota tal posicionamento, conforme entendimento infra:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. O documento de fl. 33 comprova que o falecido genitor do autor (e do réu), no ano de 1984 ingressou com pedido de retificação do nome do demandado, o que evidencia que ele não só tinha conhecimento da relação de filiação, como a assumia publicamente. Por isso, independentemente da questão da legitimidade, a posse do estado de filho (paternidade socioafetiva) obstaculiza a demanda anulatória, após tantos anos em que consolidado o estado de filiação. NEGARAM PROVIMENTO. POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. (Apelação Cível... (TJ-RS - AC: 70038364436 RS , Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 16/12/2010, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/01/2011). (grifo nosso)."

Outrossim, é perceptível a prevalência da relação socioafetiva, quando alguém sabendo não ser o verdadeiro genitor da criança o registra como seu filho, ou então, quando é detectado por meio do exame de DNA que a criança não é seu filho biológico, e caso já exista o vínculo afetivo, não há como desvencilhar essa relação que foi consubstanciada a base do afeto e do amor, uma vez que é imperioso salvaguardar o melhor interesse do filho.

A jurisprudência brasileira comunga desse entendimento, a exemplo da seguinte ementa:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA. DESCONSTITUIÇÃO DA FILIAÇÃO PELA NULIDADE DO ASSENTO DE NASCIMENTO. RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO E CONSCIENTE DA PATERNIDADE. VÍCIO DE CONSENTIMENTO INEXISTENTE. REALIZAÇÃO DE TESTE DE PATERNIDADE POR ANÁLISE DE DNA. EXCLUSÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE SÓLIDO VÍNCULO AFETIVO POR MAIS DE 23 ANOS. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA DEMONSTRADA. DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE VEDADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É irrevogável e irretratável a paternidade espontaneamente reconhecida por aquele que tinha plena consciência de que poderia não ser o pai biológico da criança, mormente quando não comprova, estreme de dúvidas, vício de consentimento capaz de macular a vontade no momento da lavratura do assento de nascimento. A filiação socioafetiva, fundada na posse do estado de filho e consolidada no afeto e na convivência familiar, prevalece sobre a verdade biológica. (TJ-SC   , Relator: Fernando Carioni, Data de Julgamento: 10/05/2011, Terceira Câmara de Direito Civil). (grifo do autor)."

Desta feita, com a evolução sociocultural, a família passou a ser revestida de conceitos axiológicos, fazendo germinar em seu centro a sentimentalidade. Por isso que, nos dias atuais, ao voltar-se o olhar para a relação paterno-filial, não se pode negar ao filho seu direito de desvendar sua identidade genética. Contudo, em prol do melhor interesse deste e da integral proteção tutelada pela norma constitucional, se faz necessário, em primazia, contemplar o afeto como base elementar desta tão magnificente relação.

4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO

Sem se desvencilhar das visões arguidas anteriormente, propõe-se a partir deste enfoque analisar o direito à filiação partindo-se de uma compreensão geral sobre políticas públicas cujos olhares ultrapassam o simples controle de natalidade e auxílio material aos filhos, ampliando-se de forma considerável os conceitos básicos de planejamento familiar e paternidade responsável, de modo a exigir do Estado uma atuação positiva no sentido de realizar as providências necessárias a se garantir o direito a ter reconhecida a filiação.

4.1 A construção conceitual de Políticas Públicas no Brasil

Nas últimas décadas se iniciou uma discussão acerca de uma nova ciência política cuja vertente direciona seus olhares aos clamores sociais, adequando o interesse social às diretrizes políticas, tratando-se, assim, da visão atual sobre políticas públicas.

Sendo assim, o conceito de políticas públicas vai se ampliando ao passo que a noção de Estado percorre o mesmo trajeto e assim, ganha força a partir do momento em que a responsabilidade do Estado é vista com mais rigor no Estado brasileiro, de forma a enfatizar o seu dever de promover o bem estar da sociedade.

Há muitos conceitos de políticas públicas, contudo, a análise dispensada no presente trabalho monográfico não visa aprofundar-se sobre tal vertente, já que não consiste no objeto principal de estudo.

Nessa acepção, em síntese conceituam-se Políticas Públicas como o conjunto de comportamentos do Estado em face dos problemas que permeiam o cenário brasileiro, representando o interesse puro e genuíno da sociedade.

Noutra vertente, as Políticas Públicas correspondem ao conjunto de ações, metas e planos que todas as esferas do governo traçam para proporcionar a efetivação do interesse público, a partir da execução de metas que o Estado entende serem as de­mandas ou expectativas da sociedade[7].

Sobreleva mencionar que inicialmente as políticas públicas eram entendidas somente como comandos do sistema político, cuja atuação se limitava a executar demandas oriundas da sociedade, não se visualizando uma iniciativa do Estado. Com o passar dos anos a evolução foi notória já que não era suficiente executar projetos sociais, mas frente aos avanços sobre responsabilização do Estado e principalmente a noção de Estado Democrático de Direito, é que se passou a trabalhar no conjunto de políticas públicas que vai da sua elaboração à execução.

Para melhor compreensão dos argumentos já expendidos é que se traz a lume a doutrina de João Martins, que cita Faria no artigo Conceito Geral de Políticas Públicas, in verbis:

"Nas duas últimas décadas, porém, os estudos acerca da interação entre os atores estatais e privados no processo de produção nas Políticas Públicas têm sofrido significativas formulações. Uma grande variedade de pesquisas empíricas e de ensaios de natureza teórico-conceitual tem demonstrado a incapacidade dos modelos tradicionais de interpretação dos mecanismos de intermediação dos interesses, como o pluralismo, o corporativismo, o marxismo, em suas várias derivações, de dar conta da diversificação e da complexificação desses processos, muitas vezes marcados por interações não hierárquicas e por um baixo grau de formalização no intercâmbio de recursos e informações, bem como pela participação de novos atores, como, por exemplo, organizações não governamentais de atuação transnacional e rede de especialistas (DE FARIA, 2003, p. 21, apud TUDE)."

Assim sendo, falar em políticas públicas remete a necessidade de se discutir sobreo ciclo das políticas públicas onde se inclui o planejamento, orçamento e implementação.  

Resumidamente, a priori, o ponto a que se remete consiste na formulação de políticas públicas que devem partir dos anseios sociais e de igual modo ser direcionada para a sociedade, sendo, pois, a conjugação dos clamores sociais, determinação política e conhecimento técnico da realidade.

Avança-se então a discussão e análise acerca da alocação de valores cuja destinação consiste na busca pela efetivação das políticas públicas. Na verdade, o orçamento já é discutido no próprio planejamento, onde se estima a receita e despesas projetando num período que se considera suficiente para assegurar a sustentação monetária das fases da efetivação das políticas públicas que vai do planejamento à sua execução.

Por fim, tem-se a execução das políticas públicas que está voltada à materialização dos objetivos e metas definidos na primeira fase apresentada anteriormente, de modo a fazer cumprir o que foi planejado.

Não há como negar o avanço nas noções e aplicações das políticas públicas. Todavia, no tocante as políticas públicas voltadas ao reconhecimento dos filhos ainda é lento o avanço, sendo necessário um impulso considerável para se vê efetivado esse direito constitucional, como se verá adiante.

4.2 Políticas Públicas e o direito ao reconhecimento paterno-filial

Dúvidas não existem da indispensabilidade de se efetivar as políticas públicas no Brasil. Todavia, quando se faz uma correlação das políticas públicas com o direito ao reconhecimento da filiação as discussões se mostram ainda mais acirradas, haja vista a carência de políticas públicas nesse setor.

No matiz que considera o direito ao reconhecimento da filiação como um direito humano fundamental que nos ensinamentos de Piovesan[8], são “um construído axiológico, fruto da nossa história, de nosso passado, de nosso presente, fundamentado em um espaço simbólico de luta e ação social”, é que se exige do Estado um comportamento positivo e responsável frente à lenta evolução das políticas públicas na efetivação do referido direito.

É nessa acepção que se torna clara a importância das políticas públicas voltadas à garantia do reconhecimento da filiação biológica, sendo estes os ensinamentos de Maria Paula Dallari Bucci[9] “as políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados”.

Não obstante a evolução doutrinária e jurisprudencial acerca do direito à filiação, carece o Estado de ações concretas que visem tutelar esse direito e viabilizar a sua efetivação.

Nesse prisma, o cenário brasileiro ainda se limita à previsão de direitos afastados de uma realidade que nega a sua concretização, é como uma analogia ao dito bíblico em que “a fé sem obras é morta”, e aqui, a lei sem políticas públicas voltadas a sua efetivação é dotada de ineficácia jurídica.

Nessa alheta se passa a destacar o direito ao reconhecimento da filiação biológica como uma conquista social que depois de muitas alterações nos conceitos fechados e preconceituosos dos cidadãos passou a ser garantido, mas o que cabe refletir é se de fato tal direito vem sendo protegido por meio de políticas públicas.

As políticas públicas iniciais contemplavam a natalidade, isto porque, eram omissas quanto a qualquer planejamento ou promoviam benefícios indiretos, o que fazia incentivar a procriação. Hoje, contudo, embora de forma tímida e ainda pendente de aperfeiçoamento, já que são deficientes, as políticas públicas se voltam para o planejamento familiar e dentro desta vertente surgem várias outras centrais por onde se busca uma valorização e proteção da família.

Uma das dimensões iniciais que se tornou objeto de políticas públicas se refere à política de complementação de renda ou de distribuição de bens. Aqui, o Estado atua na proteção da família numa vertente material, e por muito tempo se limitou a este tipo precário de proteção.

Não está a se criticar ou reduzir a importância da proteção material às famílias, mas a se enfatizar que é esta separação entre o aspecto material e os valores sociais e religiosos hipócritas, que deixaram a mercê por muito tempo o direito dos filhos ao reconhecimento da filiação, que notoriamente é mais importante a qualquer aspecto financeiro.

Na atualidade, o comportamento do Estado não pode ser voltado unicamente à assistência material, de forma que ele evoluiu para preservar e assegurar valores individuais como o reconhecimento da filiação e seu respeito na sociedade.

Nessa conjectura é que surge as políticas públicas na dimensão identitária, onde se luta para proteger a valorização da manutenção do vínculo familiar, sendo inegável a presença do Estado na regulamentação de políticas voltadas a preservar a herança familiar/social adquirida com as suas origens, independente da forma como foram adquiridas.

No aspecto econômico visualiza-se um sobrecarregamento sobre as famílias no que atine a fragilidade, para não se dizer deficiência, de ações estatais nesse setor, de forma que as famílias assumem todas as responsabilidades financeiras ainda que carente de recursos para tanto.

Na atualidade é possível visualizar as políticas de transferência de renda, onde se cita como exemplo o bolsa-famíliaque reúne quatro programas federais (bolsa-escola, bolsa-alimentação, vale-gás e cartão-alimentação), considerado como programa de renda mínima de inserção, que a depender do ângulo de sua análise e da posição vivenciada pode ser visto como um avanço nas ações do Estado que visam reconhecer a entidade familiar e proporcionar uma melhor qualidade de vida, não onerando somente o ator “FAMÍLIA”, mas dividindo a responsabilidade com o ator “ESTADO”.

Todavia, críticas são reservadas a este programa, não importando aqui as discussões meramente político-partidárias, mas debates importantes quanto ao incentivo a natalidade e a transferência de renda a um modelo específico de família, enquanto na verdade as ações do Estado devem ser voltadas a todas as realidades sociais, carecendo a entidade familiar não só de ações que custeiem a sua manutenção, mas de políticas que obriguem o reconhecimento da sua existência e consequentemente dos direitos daí advindos.

Na verdade a discussão que ora se propõe não está estritamente atrelada a essas políticas assistencialista do Estado, mas à ausência de políticas que ao invés de promover uma simples “independência econômica”, avançam no sentido de promover a cidadania, como forma de reconhecer tanto direitos individuais e coletivos, como direitos sociais e políticos, não havendo dúvida de estar aqui inserido o direito aos filhos de serem reconhecidos como tal, e por consectário, ter uma identidade de sua personalidade humana, direito este garantido pela Lei Cidadã de 1988.

Portando, à criança é assegurado o direito de ter reconhecida a sua filiação e se a família (compreendida das diversas formas possíveis), não detém força vinculante capaz de fazer cumprir o mandamento constitucional e legal, então cabe às políticas públicas o dever de dar efetividade a esta norma, já que antes a qualquer situação, são elas efetivadoras dos direitos fundamentais.

Nesse momento, o Estado como garantidor dos direitos consagrados na Carta Magna de 1988, ao se manter inerte estará colaborando de forma incisiva para o retrocesso social, sendo que a conquista ao direito de ter reconhecida à sua filiação e a partir daí assegurado todos os direitos legais dele oriundo, será pelo próprio Estado amortizado.

Nesse viés, é que se impulsiona as famílias, que também são autoras das políticas públicas, a provocarem o Estado para sair da inércia a fim de não só olhar os direitos e fazê-los constar de um livro escrito, mas dirigir suas ações a sua efetivação.

Mas para evoluir em políticas públicas e no reconhecimento do direito à filiação é preciso avançar nesse debate de forma que as ações do Estado em conjunto com as famílias (principais autores) se voltem a evitar qualquer discriminação quanto ao tipo de filiação e, de obrigar o seu reconhecimento e assegurar meios para que ele se concretize, não se tornando meros mandamentos sem força vinculativa.

Destarte, embora presente algumas políticas assistencialista, a vivência atual requer políticas sociais capazes de restabelecer (onde já existente) e construir laços de solidariedade, igualdade e liberdade, excluindo qualquer forma de discriminação (como o não reconhecimento de filhos fora do casamento), que impedem o exercício dos direitos sejam eles individuais (como o de ter reconhecida a sua origem) ou coletivos.

4.2.1 O Conselho Nacional de Justiça e o Projeto Pai Presente

Após o censo escolar de 2009, onde foi constatado que cinco milhões de alunos tinham apenas o nome da mãe em seu registro de nascimento, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, para resolver tal impasse publicou o Provimento n. 12 de 2010, implantando o "Programa Pai Presente", com o intuito de amenizar o número de alunos matriculados na rede pública de ensino que não tinham no assento de nascimento o nome de seu pai.

Tecendo comentários acerca desta iniciativa, a jurista Maria Berenice Dias[10] e assim elucida:

"Na tentativa de reverter o exacerbado número dos chamados "filhos de pais desconhecidos" - crianças, adolescentes e jovens cujo registro de nascimento consta somente o nome da mãe - o Conselho Nacional de Justiça resolveu agir. Primeiro instituiu o "Programa Pai Presente", por meio do Provimento 12/2010, determinando às Corregedorias de Justiça dos Tribunais de todos os Estados que encaminhem aos juízes os nomes e dados dos alunos matriculados nas escolas sem o nome do pai, para que deem início ao procedimento de averiguação da paternidade, instituído pela Lei 8.560/92."

Segundo a autora supramencionada[11], esse “quantum” de filhos com sua identidade incompleta não apenas impressiona, mas assusta, visto que são quase cinco milhões de crianças e adolescente matriculados em escolas de ensino público que tem uma sequência de asteriscos ou mesmo a nomenclatura “desconhecido” no lugar onde era para ser ocupado pelo nome do PAI.

Nesse compasso, vivencia-se atualmente as consequências trágicas de um Código Civil que por anos disseminou a desigualdade e o preconceito. Sendo assim, é que se afirma que ainda é pouco o avanço quanto a ampliaçãodas possibilidades de reconhecimento de paternidade previstas no Código Civil e na Lei nº 8.560/92, bem como o procedimento de averiguação oficiosamente da paternidade também referendado por esta lei.  Denota-se que nem mesmo a presunção de paternidade (Súmula Nº 301 c/c Lei 12.004/2009) foi capaz de reverter as sequelas deixadas pelo revogado Código Civil com relação ao tratamento censurável dado aos filhos havidos fora do casamento.

Para dar prosseguimento de forma mais eficiente e efetiva, o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento nº 16, de 17 de fevereiro de 2012[12], onde simplifica o procedimento a ser adotado pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais em relação à indicação quando o filho já se encontra registrado sem o nome do suposto pai, e nos casos de reconhecimento voluntário.

Segundo a obra de Maria Berenice Dias (2013, pp. 427-428), o Conselho Nacional de Justiça - CNJ instituiu o "Programa Pai Presente", para garantir cumprimento à Lei nº 8.560/92, admitindo à mãe ou ao filho que atingir a maioridade indicar o nome do indigitado pai ao Registrador que, logo depois, remeterá ao juiz todas as informações declaradas. Por conseguinte, o juiz será responsável por convocar a mãe ou o filho maior de idade para se pronunciarem a respeito do suposto genitor. Segue-se o procedimento com a intimação do paipara se manifestar sobre a paternidade.

Caso se negue a paternidade, o magistrado providenciará para que seja feito o exame de DNA e como não houve o reconhecimento espontâneo será dado início a ação de investigação de paternidade, sendo legitimado para propô-la o Ministério Público ou a Defensoria Pública.

Deste feita, o Programa Pai Presente, é uma forma de garantir ao indivíduo exercer seu direito de filho. Sendo que em consonância com o Provimento nº 16 da Corregedoria Nacional de Justiça, a declaração de paternidade poderá ser feita tanto espontaneamente pelo pai ou requerida pela mãe ou o filho maior de 18 anos.

Com esta iniciativa o procedimento de averiguação de paternidade tornou-se tão simplório que o pai pode se dirigir a um dos 7.324 cartórios espalhados pelo Brasil e concretizar seu desejo de reconhecer o filho, não precisando ser necessariamente no mesmo cartório que se deu a lavratura de nascimento, como era previsto antes do Provimento nº 16/2012.

Sem retirar o mérito desta louvável ação desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça, Conrado Paulino da Rosa[13] em artigo publicado para o IBDFAM faz uma crítica acerca da omissão da Resolução 125/2010 que incentiva a mediação, sendo esquecida quando da elaboração do provimento em comento, ad literallis:

"Por outro lado, apesar de salutar a iniciativa, perdeu-se uma ótima oportunidade de incentivar a prática mediativa em uma área tão propícia para sua aplicabilidade, uma vez que o conflito será potencializado ao se adotar um procedimento impositivo que será iniciado a partir da negativa do genitor."

Chama a atenção que o próprio Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 125, em 2010, estabeleceu uma Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados a sua natureza e peculiaridade.

Por meio do documento, o CNJ estabeleceu uma Política Pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses, ou seja, a partir de então, aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de tratamento de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação. De acordo com o texto, em seu artigo4°, compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à auto composição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação. Assim, patente que o próprio órgão, ao editar a Resolução n. 16/2012, acabou esquecendo o que preconizou anteriormente.

A utilização de um procedimento mediativo, em vez de uma metodologia conflitiva, oferece aos envolvidos um ambiente cooperativo, criando um agir de unificação desse vínculo que nunca existiu. Sabe-se que, por meio do exame laboratorial a partir do código genético, mais cedo ou mais tarde, o filho terá o preenchimento do vazio que sempre existiu no espaço reservado ao nome do pai. Contudo, não podemos, enquanto operadores do Direito, incentivar práticas que têm a potencialidade de afastar ainda mais aqueles que nunca tiveram a oportunidade de estar próximos.

Portanto, claro está que as ações positivas necessitam ser estimuladas e postas em práticas para sanar com tal carência, vez que a falta de um pai na vida do filho é capaz de violar direito constitucional e por que não falar em direito fundamental de ter reconhecida a sua identidade, cuja ausência dificulta no desenvolvimento de sua personalidade humana, caracterizando uma afronta aos princípios constitucionais da paternidade responsável e do melhor interesse do filho corolários do princípio da dignidade da pessoa humana.

4.3 O desafio da aplicabilidade das políticas públicas na efetivação do direito à filiação reconhecida

A estruturação de Políticas Públicas exige um estudo amplo capaz de englobar tanto a realidade das diversas famílias existentes no Brasil, como também o impacto das políticas públicas a cada uma dessas realidades.

Sabe-se que qualquer ação do Estado precisa ser discutida e analisada de forma cautelosa, a fim de se evitar que um comportamento originariamente positivo acarrete prejuízos à sociedade, é como se a política pública mal planejada provocasse efeitos negativos no meio social, onde se inclui a família.

Com isso, é que surgem os principais desafios do Estado na implementação das suas políticas públicas. De um lado se tem o desafio de planejar com coerência, segurança e presteza as políticas públicas. De outro, se encontra o desafio de sustentar a sua efetivação e fiscalizar o seu cumprimento.

Independente do desafio vivenciado, que na maioria das vezes são todos os imagináveis, o Estado como ator contemporâneo das políticas públicas necessita da família para fazer cumprir o seu dever de fazer assegurar os direitos intitulados na Constituição, como no caso do direito de ter garantido o reconhecimento à filiação.

O problema inicial ao se falar em políticas sociais voltadas ao direito do ter reconhecida a sua filiação, consiste na realização de estudos capazes de identificar a medida adequada diante da realidade apresentada e de selecionar atores secundários (dentro da estrutura onde se coloca o ESTADO como ator principal) que sejam capacitados para desenvolver o programa de benefício social.

Nessa conjectura antes mesmo de se iniciar o planejamento das políticas públicas, o Estado já se torna obrigado a alocar valores para custear os estudos necessários a fim de que se deem os primeiros passos para a efetivação dessas políticas. Do mesmo modo, será obrigado a despender valores para capacitar os atores responsáveis por sua condução.

Assim, muitas das vezes existem tensos processos de discussão e aprimoramento dos estudos voltados para a concretização de políticas públicas, mas sequer se tornam ações estatais efetivas, seja por falta de pessoas capacitadas ou, ainda, por falta de recursos financeiros, sendo este o primeiro e quem sabe o mais importante desafio (já que impedem o próprio planejamento das políticas sociais), visualizado quando se fala em políticas públicas voltadas ao direito de ter reconhecida a filiação.

A partir da seleção realizada dos atores das políticas públicas- o que se exige para o fiel e bom desempenho das políticas sociais- e dos estudos elaborados antes do planejamento concreto das ações estatais, é que se dará início ao trabalho de transformar garantias asseguradas em políticas sociais.

Com o segundo momento (planejamento) surge o segundo problema, que é planejar uma ação capaz de satisfazer o interesse social, não consiste num comportamento que objetiva agradar a coletividade, mas de dirimir os problemas existentes.

Nesse ponto, o planejamento deve envolver uma análise das bases familiares; dos efeitos do não reconhecimento da filiação; da inserção do filho numa família até então desconhecida; do paralelo da vida antes e depois do reconhecimento e; da ausência de interesse do legitimado em ter reconhecida a sua filiação.

São várias vertentes que podem ou não ser solucionadas com a implementação das políticas sociais, mas que independente do resultado o simples fato de ser tutelados e de se visualizar o interesse do Estado em assegurar o direito ao reconhecimento da origem, já é o mínimo necessário para que os interessados lutem pela tutela dos seus direitos.

Ad argumentando, trata-se, pois, de um desafio árduo para o Estado, principalmente por estar agindo em modelos de famílias diferenciados, mas esta circunstância em nenhum momento pode justificar a sua inércia, já que o direito do filho de ter reconhecida a sua origem está atrelada a própria ideia de dignidade da pessoa humana, princípio constitucional fundamental.

Percebe-se, assim, que o planejamento envolverá atores do Estado que ocupem vários ramos profissionais (direito, assistência social e saúde), e cujo trabalho não estará limitado a dados estatísticos, mas a uma pesquisa de campo, colhendo dados concretos de forma a evitar simples determinações que ao final, mas prejudicam que beneficiam a sociedade.

Embora se trate de um direito estritamente ligado à família, as vertentes precisam ser vistas sob o ângulo de um direito individual do filho ao reconhecimento da filiação, e como direito individual o papel das políticas sociais se remete a agir com os pais no sentido de uma educação sobre a paternidade responsável e de viabilizar ao filho não só o reconhecimento a filiação- o que já é um avanço-, mas a sua inserção numa família que seja capaz de reconhecer voluntariamente – o que é possível a partir do planejamento familiar- os direitos até então negado.

Portanto, o planejamento deverá ser capaz não só de prevê políticas sociais capazes de assegurar a efetivação do direito ao reconhecimento da filiação, mas principalmente fazer com que este reconhecimento assegure ao interessado a sua inserção de forma igualitária e justa na família original e também afastar qualquer discriminação quanto a este reconhecimento muitas das vezes considerado tardio.

Quanto aos desafios financeiros não há dúvida da sua existência, porque nada obstante o objetivo principal não seja à assistência material- que também se mostra necessária-, toda a estruturação para se fazer concretizar as políticas públicas exige alocação de valores, ainda que se trate, como in casu, em simples ações que visem assegurar o direito ao reconhecimento da sua origem.

Não há dúvidas de que se está diante de um considerável desafio, o que existe em qualquer atuação estatal, mas este jamais poderá ser considerado um óbice para implementação das políticas públicas voltadas a garantir o reconhecimento da filiação, até porque, não se está a discutir um simples direito legal, mas um direito estritamente relacionado com os fundamentos da cidadania (art. 1º, II, da CF) e dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da República Federativa do Brasil e com os princípios que norteiam a Constituição Federal.

Assim as políticas públicas voltadas a efetivação do reconhecimento da filiação encontra o desafio de alterar o ideário de família construído desde os tempos antigos (famílias legítimas) e defender políticas voltadas a direitos individuais que vai além de meros reflexos sociais e valores religiosos/morais, partindo-se a direitos indispensáveis para se ter garantido o conhecimento da sua origem.

Merece análise as políticas públicas voltadas à filiação, na medida em que ela é capaz a partir da doutrina e jurisprudência brasileira de dar aplicabilidade a legislação, já que vai destoar não sóna percepção das responsabilidades parentais, mas também na ideia de parentesco, onde se vê em conjunto o laço biológico e social.

Diante dos desafios expostos oportunamente, tem-se como grande enlace desafiador o fato das políticas públicas em sua maioria somente nascerem quando e para as famílias que se encontram em situações de anormalidades, de modo que sua ação é reparadora e quase nunca preventiva.

Sendo assim, o problema se perpetuará no tempo, pois enquanto as políticas públicas não voltarem seus olhares a base familiar, no sentido de promover e efetivar a paternidade responsável e o planejamento familiar, as políticas continuarão sendo ineficientes e os direitos individuais, como o reconhecimento a sua origem, violados.

Já se reconheceu legalmente o planejamento familiar, já se expôs por muito tempo a defesa da paternidade responsável, mas nesse momento se exige um salto do Estado para salvaguardar os direitos dos filhos, que podem ser concretizados a partir de um melhor planejamento sobre as políticas mencionadas e de ações concretas oriundas das famílias e direcionadas para o reconhecimento à filiação, sendo este o suporte para a luta dos filhos por políticas públicas eficazes.

É certo que as nossas políticas públicas não se compatibilizam com a noção de família que hoje é protegida na lei e estamos longe de construir um ideário social de igualdade e dignidade, se posicionando a lei num degrau sempre a frente das políticas sociais, só que é a partir deste reconhecimento que surge a possibilidade de implementação das políticas públicas, sendo com isso que se sustenta a esperança de ações estatais concretas e eficazes de forma a não mais se deixar a mercê de aplicabilidade direitos já tutelados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, verificou-se que as famílias, formadas tradicionalmente a partir do matrimônio, sob o estímulo da procriação, vêm passando por um processo de evolução, cedendo espaço à hodierna constituição familiar, baseada no sentimentalismo, marcada pelos laços inquebráveis de afeto, onde a convivência harmoniosa entre seus integrantes representa o bem maior.

Estão longe de se esgotar as discussões acerca da efetivação do direito ao reconhecimento da filiação. Porém, à luz do exposto e com amparo na dignidade da pessoa humana, fundamento basilar da República Federativa do Brasil, e no melhor interesse do menor, defende-se a sua natureza de direito constitucional fundamental a ser observado e efetivado diretamente pelo Estado por meio da implementação e execução de políticas públicas.

A partir das construções apresentadas, exsurge claro que os avanços técnico-científicos (DNA) oportunizaram a todos os filhos lutar por uma identidade completa, bem como desvendar sua verdade genética a qualquer tempo e, qualquer manifestação em contrassenso, é uma afronta a toda sistemática jurídica familiar. 

Outrossim, nesse processo evolutivo, notou-se que a realidade histórica não aceita a concepção da paternidade como dado exclusivamente biológico, uma vez que esta divide espaço com a paternidade oriunda dos laços da afetividade e da convivência familiar, embasados por meio do estado de filiação, que a princípio, deve prevalecer em face do dado biológico, salvo se o princípio do melhor interesse do menor indicar outra orientação.

Na realidade, o ideal seria que tanto a biologização e a afetividade se encaixasse em um mesmo modelo de pai, vez que a paternidade biológica oportuniza ao filho saber de sua ancestralidade, e garante que seus direitos sejam reconhecidos, por conseguinte, sua identidade resolvida.

Desta feita, imperioso se faz repensar acerca da paternidade, uma vez que ser pai não significa apenas emprestar sua carga genética ao filho, mas, também, dotá-lo de amor e afeto, pois, somente assim, aquele cumprirá sua função social no seio familiar. 

Nesse breve espaço, buscou-se defender o direito ao filho de ter um pai não apenas de maneira assistencial, mas presencial em sua vida, mormente, ser fruto de um relacionamento, em regra, conturbado, passageiro e mal resolvido, a desonra, o constrangimento, não podem recair sobre eles, pois assim estaríamos diante de um retrocesso, indo de encontro com os preceitos constitucionais e infraconstitucionais apregoados em nosso ordenamento jurídico pátrio.

Sem olvidar que tal retrocesso obstaculizaria o direito à prole de conhecer da sua origem genética impedindo que o desenvolvimento da sua personalidade possa ser efetivado de maneira adequada e, para que isso não aconteça imperioso se faz que as cortinas estatais se abram e as barreiras sejam quebradas, que o respeito mútuo possa reinar a base de um amor incondicional e de ternuras intensas, vez que o pai aos olhos do filho é seu herói, seu guardião, enfim sua vida. Não há mais razão para negar efetividade a este direito constitucionalmente garantido.

Por fim, em face das considerações aduzidas, sem o propósito de esgotar a discussão em comento, procurou-se demonstrar a premente necessidade de ações positivas estatais, e, para que tal direito comece a fluir, o ideal seria conscientizar a relevância de um filho na vida dos pais, que o ônus da responsabilidade é ínfimo perante as benesses que este traz para a sua rotina.

Desta feita, depreende-se que a saída mais sensata seria a divulgação de campanhas, de informações acerca da facilidade com que se tornou o procedimento de reconhecimento de filiação, e a mediação como solução para dirimir litígios, soluções estas capazes de espantar os fantasmas da discriminação e do constrangimento, bem como garantir uma convivência familiar harmoniosa entre pais e filhos.

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[1] MACHADO Gabriela Soares Linhares . Dos princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis ao Direito de Família: Repercussão na relação paterno-filial. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/865. Acesso em: 19 dez. 2012.

[2] TARTUCE Flávio. O princípio da afetividade no Direito de Família . Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/detalhe/859. Acesso em: 19 dez. 2012.

[3] DIREITO AO ESTADO DEFILIAÇÃO E DIREITO ÀORIGEM GENÉTICA: uma distinção necessária. Paulo Luiz Netto Lobo. Conferência proferida no “II Encontro de Direito de Família do IBDFAM/DF”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – Seção Distrito Federal, de 10 a 14 de maio de 2004, no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília – DF. p. 50.

[4] Carlos Roberto Gonçalves, direito civil brasileiro 6, direito de família, editora saraiva, 9ª edição, 2012,  P. 306- Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado1. Todas as regras sobre parentesco consanguíneo estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a principal relação de parentesco é a que se estabelece entre pais e filhos.

[5] Márcio Gavaldão, A ação de investigação de paternidade e a dignidade da pessoa humana, editora servanda, campinas/SP, 2013, p. 58.

[6] Maria Berenice Dias, manual de direito das famílias, 8ª edição revista, atualizada e ampliada, 2ª tiragem, são Paulo, editora revista dos tribunais, 2011.  P. 355, (...). Assim, a situação conjugal do pai e da mãe refletia-se na identificação dos filhos: conferia-lhes ou subtraía-lhes não só o direito à identidade, mas também o direito a sobrevivência.  Basta lembrar o que estabelecia o Código Civil anterior, em sua redação originária (CC/16 358): os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos. Clóvis Beviláqua já alertava: a falta é cometida pelos pais, e a desonrar recai sobre os filhos. A indignidade está no fato do incesto e do adultério, mas a lei procede como se tivesse nos frutos infelizes dessas uniões condenadas. 

[7] Políticas Públicas: conceitos e práticas / supervisão por Brenner Lopes e Jefferson Ney Amaral; coordenação de Ricardo Wahrendorff Caldas – Belo Horizonte : Sebrae/MG, 2008.

[8] PIOVESAN, Flávia, Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos, Faculdade de Direito e Programa de Pós-Graduação da Pontífica Universidade Católica de São Paulo, 2004. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0435124.pdf> Acesso em 12/05/2013.

[9] DWORKIN, Ronald apud BUCCI, Maria Paula Dallari.Buscando um Conceito de Políticas Públicas para a Concretização dos Direitos Humanos – Maria Paula Dallari Buccietalli(coord.). Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo, Pólis, 2001. 60p. (Cadernos Pólis, 2), p. 11.

[10]DIAS Maria Berenice. Pai ausente. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/803. Acesso em: 07 out. 2012.

[11]DIAS Maria Berenice. Filhos da mãe, até quando?. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/802. Acesso em07/10/2012

[12] Conselho Nacional de Justiça, Corregedoria Nacional de justiça, Provimento Nº 16, dispõe sobre a recepção, pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, de indicações de supostos pais de pessoas que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida, bem como sobre o reconhecimento espontâneo de filhos perante os referidos registradores.

[13] ROSA Conrado Paulino da . Provimento n. 16/2012 do CNJ: a mediação como filha esquecida. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/detalhe/804. Acesso em23/05/2013

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Sobre os autores
Jefferson Coelho Santos

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão

Elenilza da Conceição Costa Sales

Bacharel em Direito pela Universidade CEUMA - UNICEUMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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