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Reforma parcial do Código Penal

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01/08/2002 às 00:00
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ALTERAÇÕES DE FIGURAS DELITUOSAS: DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES

O legislador, no Título I, da Parte Especial, dos crimes contra a pessoa, no Capítulo VI, que trata dos crimes contra a liberdade individual, na Seção IV, acrescentou o § 1º-A ao artigo 153, que prevê o crime de divulgação de segredo.

Interessante é o comentário procedido por Paulo José da Costa, ao artigo 153, citando Soler. Afirma que, se o destinatário da carta é o remetente, o conteúdo intelectual pertence naturalmente ao titular daquela [23].

Exige a lei a consciência da potencialidade do dano, para a configuração do crime, ou seja, o dolo. Exclui-se o crime na ausência do dolo.

A pena para este crime é de detenção de um a seis meses, ou multa, procedendo-se somente mediante representação.

Já para o crime de divulgação, sem justa causa, de informações sigilosas ou reservadas, tal qual definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública, a pena é de detenção de um a quatro anos, mais a multa, sendo incondicionada a ação penal, se resultar prejuízo para a Administração Pública.

Divulgar é tornar público ou notório, propagar, difundir. Paulo José da Costa ensina que a divulgação se faz por qualquer meio idôneo. Sem dúvida, esta pode dar-se por exposição à platéia, rádio, televisão, internet etc. Nélson Hungria assevera que a divulgação deve ser extensiva [24].

Também aqui é essencial o dolo, ou seja, a vontade consciente e livre de divulgar. O crime é excluído se a divulgação ocorrer com justa causa. Hungria entende por justa causa " toda causa explícita ou implicitamente, direta ou indiretamente aprovada pela ordem jurídica" [25]. Se a informação não for sigilosa ou reservada, não se caracterizará o crime e deve estar aquela contida nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública. São várias as condições exigidas pela lei, que deverá definir quais sejam as informações.


Dos crimes contra a fé pública

O Título X cuida dos crimes contra a fé pública. O Capítulo III, da falsidade documental, ficou enriquecido, com novos enquadramentos penais, em vista da alteração do § 1º. do artigo 296 e acréscimo do § 3º ao artigo 297.

A fonte do reconhecimento da fé pública como bem juridicamente tutelado, penalmente, sedia-se no direito romano.


Falsificação de selo ou sinal público

O artigo 296 insculpe o crime de falsificação de selo ou sinal público, fabricando-os ou alterando-os.

O dolo é genérico. Deve o agente ter a consciência de falsificar e conhecer-lhe a destinação: autenticação de atos oficiais (da União, Estado, Município e acrescente-se ainda o Distrito Federal, parte integrante da Federação).

A pena é de reclusão de 2 a 6 anos, mais a multa. Paulo José da Costa lembra, com muita pertinência, que as Ordenações Filipinas puniam o crime de falsificação de sinal ou de selo do rei ( crime de lesa majestade ) com a pena capital. [26]

O § 1º prevê mais duas hipóteses criminosas, cujas penas são as mesmas: fazer uso de selo ou sinal falsificado e utilizar de forma indevida o selo ou sinal verdadeiro, desde que cause prejuízo a outrem ou utilizem em proveito próprio ou alheio.

Qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo, entretanto, se o crime for praticados por funcionário público, prevalecendo-se do cargo, a pena é aumentada da sexta parte ( figura qualificada). O sujeito passivo é o Estado. O selo a que se refere o dispositivo é o sinete com as armas ou emblemas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A Lei 9983, de 2000, acrescentou mais uma hipótese, incluindo o inciso III. O crime concretiza-se, quando o agente altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública, compreendendo-a no sentido amplo.

O dolo é fundamental. Não há que se falar em culpa stricto sensu.

As penas, para estes crimes, também são as mesmas.


Falsificação de documento público

O crime do artigo 297 corporifica-se, mediante a falsificação, no todo ou em parte, de documento público ou pela alteração de documento público verdadeiro. São duas condutas típicas: falsificação e alteração. O objeto é a fé pública.

Qualquer pessoa poderá ser o sujeito ativo. Todavia, se o crime for praticado por funcionário público e este o faz prevalecendo-se do cargo, a pena é aumentada da sexta parte ( figura qualificada).

O sujeito passivo é o Estado em primeiro plano e secundariamente a pessoa contra quem se operou o prejuízo em virtude da falsificação. Pode haver a tentativa de crime.

O objeto material é o documento público, isto é aquele feito pelo funcionário público, no desempenho de suas funções, segundo as formalidades legais. Para os efeitos penais, a lei equipara a documento público o elaborado por entidade estatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

Exige-se a existência do dolo. Não é punível o crime culposo, porque a lei não prevê essa modalidade. Segundo Celso Delmanto et alia, trata-se de dolo genérico [27], isto é, o autor deve ter a consciência de que pode causar prejuízo a terceiro e tem a vontade de falsificar documento público ou alterar documento público verdadeiro.

A pena para o crime de falsificação de documento público, no todo ou em parte, ou alteração de documento público verdadeiro, desenhado pelo artigo 297, do Capítulo III, do Título X, é também de 2 a 6 anos de reclusão, e multa.

O documento, segundo um julgado do STF, é aquele formado por funcionário público com competência ou atribuição para tal, em função da matéria, lugar e ofício. [28]


Inserir ou fazer inserir informações

A lei, sob comento, introduziu o § 3º, fazendo incorrer nas mesmas penas - reclusão de 2 a 6 anos, e multa, quem inserir ou faz inserir:

1. na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;

2. na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita; em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.


Carteira de trabalho ou previdência social

A seu turno, o § 4º acrescido ao artigo 297 criou esta nova figura penal e manda aplicar as mesmas penas dos crimes capitulados no caput e no § 1º a quem:

omitir, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

Omitir ( do latim omittere ) é deixar de fazer, dizer ou escrever, não mencionar, preterir, postergar [29].

As penas, rigorosíssimas, de 2 a 6 anos de reclusão, e multa não se coadunam com a realidade nem com o sistema punitivo do Código e a melhor doutrina.

O crime é doloso. Não há que falar em culpa stricto sensu. A lei não a menciona.

O autor deve ter a consciência e a vontade de deixar de inserir ou mencionar nos documentos referidos no parágrafo anterior o nome do segurado, os dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. A conduta é omissiva. Aurélio define, com precisão, a omissão, como sendo o ato ou efeito de não fazer aquilo que jurídica ou moralmente se devia fazer [30]. Nelson Hungria preleciona que não há crime sem uma vontade objetivada, sem a voluntária conduta do homem [31].

Pesquisar o elemento subjetivo é fundamental. Deve o agente ter a vontade livre e consciente de não fazer [32]. Não basta a simples omissão. O parágrafo único do artigo 18 é bastante claro. Ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente, ressalvados os casos expressos.

A parte geral do Código, obviamente, não pode ficar sem a leitura adequada, quando da aplicação da parte especial.

O aplicador da norma penal terá que levar em conta sempre as disposições do Título II da Parte Geral, assim que é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Hungria, com excepcional acuidade, lembra que o direito penal moderno repeliu a chamada responsabilidade objetiva e um mínimo de culpabilidade deve forçosamente existir [33].

Suponhamos um empresário que não tenha registrado, na carteira de trabalho e Previdência Social, um representante comercial, com quem mantenha um contrato de representação comercial, regido pela Lei 4896, de 1965, e suas alterações posteriores. Não obstante, o agente da Previdência ou do Ministério do Trabalho entende o contrário. A quem deverá o empresário obediência? Àquele ou à lei? Não há dúvida de que a norma jurídica vigente será seu sustentáculo.

A jurisprudência a respeito da representação comercial é conflitante. Se, em primeira instância, o juiz reconhece a relação de emprego, terá o empresário agido em conflito com a lei penal e, portanto, sujeito às agruras de um processo penal. Todavia, imagine-se se o Tribunal reformar a decisão de primeiro grau, existirá a final a omissão marcada pela lei penal? Certamente, não. Pense-se, ainda, no que descreve o Código Penal, ao isentar de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.

Ora, o mesmo empresário não registrou o representante legal, porque está consciente da legalidade de sua postura.

E, mais ainda, com as disposições introduzidas pela Lei 9958, de 12 de janeiro de 2000 [34], que alteraram a Consolidação das Leis do Trabalho, prevendo as comissões de conciliação prévia, com competência para conciliar os conflitos individuais do trabalho, em caso de conciliação, com certeza não se há de falar sequer em prejuízo, para a Previdência, que é o mote principal da lei comentada, porque a esta estará assegurado o pagamento do que lhe for devido [35].

Uma dona de casa que não registrar a secretária do lar ou empregada doméstica [36], seja por ignorância ou porque esta não quer ser registrada ou por qualquer razão relevante, deverá ser apenada da mesma forma que um homicida ou até mais intensa e severamente?

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A resposta é não. Absolutamente, não.

A propósito, convém citar o insigne criminalista Luiz Flávio Borges D´Urso que lamenta se tenha de assistir à ânsia punitiva do Estado, com o objetivo de aumentar a arrecadação, em detrimento das vidas desestruturadas de empresários que lutam com muita dificuldade para permanecer trabalhando ou daqueles que, em face da estupenda carga tributária, encontram apenas na informalidade trabalho digno, gerador de emprego informal, que oferece aos famintos, miseráveis e deserdados pela sorte algo para sobreviver [37].

Ora, se, para os crimes de apropriação indébita e sonegação previdenciária, sem dúvida, de suma gravidade, mercê dos bens tutelados, o legislador permitiu, expressamente, a extinção da punibilidade e a faculdade de não aplicar a pena ou aplicar somente a de multa, é de se estranhar não tenha feito o mesmo, com relação às penas dos crimes do § 3º comentado, idênticas em tudo. O paradoxo e o absurdo kafkaniano estão patentes.

Não se trata, in casu, absolutamente, da responsabilidade objetiva, como por equivoco se poderia imaginar, de modo que o aplicador da lei deverá levar sempre em conta o elemento subjetivo. A mera omissão do registro da carteira não pode conduzir a este raciocínio, sob pena de rasgar-se a Carta Magna e espezinharem-se os princípios maiores, em que se abebera o moderno direito penal.

Aliás, em nenhuma das hipóteses da lei examinada se vislumbra a responsabilidade objetiva.

O inciso LV do artigo 5º do Documento Maior da República dá a resposta incisiva, quando assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios a ela inerentes. Nesta cláusula final, situa-se o núcleo do ideário democrático, consubstanciado no Preâmbulo e na descrição dos Princípios Fundamentais, que, em poucas, mas soberbas palavras, traduzem sem rodeios a cristalização do ponto fulcral, porque os meios e recursos inerentes à ampla defesa são todos sem exceção, notadamente, a pesquisa do elemento subjetivo em matéria criminal. O mandamento constitucional deve ser interpretado, não de forma linear, mas sim atentando-se para o verdadeiro conteúdo da garantia constitucional [38].

Ou, como discursa Celso Bastos, "a acusação é sempre uma irrogação a alguém da prática de um ato condenável, no caso de um ilícito penal. Enquanto não advenha este ato estatal, que impute a uma determinada pessoa a prática do delito, esta não pode ser tida por acusada" [39].

O Desembargador Celso Limongi, do TJSP, apreciando o cerceamento de defesa, à luz do artigo 5º, LV, da CF, proclamou que a supressão de fases do processo implica no cerceamento de defesa e essa ofensa atinge a Constituição, no que tange à ampla defesa [40].


Acesso não autorizado a sistema de informações ou banco de dados

O crime insculpido no artigo 325, inscrito no Título XI - dos crimes contra a Administração Pública - é o praticado por funcionário público contra a Administração em geral, inserido no Capítulo I: violação de sigilo funcional.

O sujeito ativo é o funcionário público e o delito é revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação. Celso Delmanto et alia dissertam que, para a maioria dos autores, o funcionário público aposentado ou posto em disponibilidade também pode ser sujeito ativo. Cita: Mirabete, Hungria, Stocco, Magalhães Noronha e Sérgio Rezende [41]. Ao funcionário demitido ou que se exonerou poderá imputar-se o crime do artigo 154 (revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem ), segundo opina Paulo José da Costa.

Duas podem ser as condutas: revelar e facilitar. O sujeito passivo, o Estado e também o particular prejudicado. Esta é a orientação da doutrina.

O elemento subjetivo corporifica-se através do dolo genérico. Não há crime culposo.

A pena é relativamente branda e alternativa: detenção de seis meses a dois anos ou multa, se o fato não constituir crime mais grave.

Dois parágrafos foram introduzidos pela Lei 9983/2000. 0 § 1º determina que, às mesmas penas, está sujeito quem:

I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública.

II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.

A pena, porém, é drasticamente aumentada, se houver dano para a Administração ou para outrem, variando de dois a seis anos de reclusão, mais multa. É o comando do § 2º.

As condutas do sujeito ativo traduzem-se na permissão ou facilitação de fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer forma, para o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informação ou banco de dados da Administração Pública.

A lei sabiamente prevê que o crime pode também ocorrer por omissão, ao facilitar o fornecimento e empréstimo da senha ou de qualquer outra forma.

Assim, se deixar a senha à disposição de qualquer pessoa, sem tomar as cautelas elementares, certamente estará infringindo a lei penal.

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Sobre o autor
Leon Frejda Szklarowsky

Falecido em 24 de julho de 2011. Advogado, consultor jurídico, escritor e jornalista em Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da Revista Jurídica Consulex. Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York. Membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integrou o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. Foi co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Reforma parcial do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3073. Acesso em: 22 dez. 2024.

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