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Reforma parcial do Código Penal

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01/08/2002 às 00:00
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Funcionário público

Funcionário público, na dicção do caput do artigo 327, para os efeitos penais, é todo aquele que, conquanto transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, função, emprego ou função pública.

O legislador alterou o § 1º deste artigo, para tornar mais elástico o conceito das pessoas equiparadas a funcionário público, para os efeitos penais, de sorte que não só aquele que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidade paraestatal, mas também o é quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Esta ampliação é absurda e malvada, pois equipara a funcionário público aquele que não tem vínculo direto ou indireto com a Administração Pública. Para a lei, basta que alguém trabalhe para empresa privada que preste serviços à Administração ou com ela faça convênio, para atividade típica da Administração. Pergunta-se o que entende a lei por atividade típica? A lei penal não pode gerar dúvidas. Deve, seguindo o princípio da tipicidade cerrada, conter definições precisas, sob pena de violar frontalmente a Constituição e os princípios maiores que fundamentam o Direito Penal. As distorções não são admitidas, neste campo. A equiparação ditada pela lei é simplesmente teratológica e merece, por óbvias razões, a repulsa.

Esta definição aplica-se a todas as disposições do Código Penal e também às leis extravagantes. Esta é também a abalizada opinião de Heleno Fragoso [42].


Conclusão

O legislador pretendeu com essas modificações atualizar o vetusto Código Penal, de 1940, em face das inovações tecnológicas e mudanças de costumes, enquanto o projeto do Código Penal não é aprovado. Mais de meio século decorreu, desde a sua implantação, e as conquistas científicas e o progresso, no campo tecnológico, superam as expectativas e colocam o ser humano numa encruzilhada atroz, porque nem o homem feroz das cavernas nem o Caim bíblico foram superados e o aprimoramento moral e espiritual custam a chegar. De certo, devido ao desencontro e ao abismo entre a matéria e o espírito.

A violência, o desamor à vida e ao próximo, a falta de solidariedade, a corrupção, o cinismo, a mentira fazem o homem retroceder milhares de anos de civilização. Estupidamente. Curiosamente, a maior parte da humanidade é boa. Todos querem viver e realizar suas aspirações. Paradoxalmente, a minoria malévola impõe-se e vem produzindo a deterioração da convivência humana, de forma a exigir da sociedade e do legislador medidas coercitivas, concretas e urgentes, visando contornar tudo isso, através das constrições penais, e restaurar a harmonia social.

Nas duas últimas décadas do século findo, concomitantemente com a radical transformação da sociedade, pelos avanços tecno - científicos jamais concebidos, as relações humanas tornaram-se cada vez tensas. Novos comportamentos criminosos são concebidos, porque não encontram resposta adequada na arcaica legislação.

Em 1960, foi promulgado, por decreto, o novo Código Penal, fruto de trabalho intenso de Nélson Hungria, que jamais entrou em vigor e foi revogado pela Lei 6578, de 11 de novembro de 1978.

Leis esparsas surgem, a cada momento, alterando ou introduzindo novas figuras criminais e penas.

A mais expressiva é a Lei 7209, de 11 de julho de 1984, aprovada juntamente com a Lei de Execução Penal ( Lei 7210, de 11 de julho de 1984). A parte geral do Código mereceu notável aperfeiçoamento, destacando-se a alternância das penas e dando-se preferência às penas restritivas da liberdade, e a pena de multa. Entre essas, citem-se as de prestação de serviços à comunidade, a interdição temporária de direitos, a limitação de fim de semana.

Pois bem, o legislador, não atentando ou ignorando essa nova tendência da moderna ciência penal acatada pela lei de 84 e aprovada pela ONU, vem repetindo, na legislação esparsa, o que se pensava superado.

Supõe-se que a vida humana valha menos que qualquer coisa.

Observe-se, exemplificadamente: a pena prevista para o homicídio simples é de seis a vinte anos de reclusão, mas pode ser diminuída de um sexto a um terço, se o homicida praticar o crime movido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção.

No homicídio culposo, a pena é de detenção de um a três anos, no entanto, o juiz pode deixar de aplicar a pena, na hipótese do § 5º do artigo 121 do Código Penal. Entretanto, quantas e quantas vezes, nos crimes contra a vida, praticados por perversos motoristas, configura-se o dolo eventual, já acatado por alguns juízes. A maioria dos criminosos, porém, fica enquadrada, no crime culposo, o que representa verdadeira impunidade.

A liberdade é o bem mais precioso do homem, contudo, constranger alguém mediante violência ou grave ameaça ou, depois de haver-lhe reduzido, por qualquer meio a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda, está capitulado como crime de constrangimento ilegal. A pena é de detenção, de três meses a um ano, ou multa. Para o seqüestro e o cárcere privado, a pena é de reclusão de um a três anos. Esta pena passa a ser de dois a oito anos, se resultar à vítima, em razão de maus tratos, ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral.

Compare-se, porém, com a severidade das penas impostas, para os crimes desenhados pela citada Lei 9983, de 2000: de dois a seis anos de reclusão e multa, sem qualquer condescendência, a ponto de alguns juristas vislumbrarem haver a lei adotado a responsabilidade objetiva.

Esta, inequivocamente, constitui um atentado violento não só à Constituição e à legislação penal pátria, mas também à Declaração dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia - Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, in verbis: "Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa"( artigo XI, I). Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no artigo 8º, § 2º, declara que: "Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:...." [43]. O artigo 14 do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, no artigo 14, inciso 2, sinaliza que: "Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa". [44]

O comportamento pernicioso, reprovado pela citada lei, merece inteira reprovação e criminalização. Quanto a isso, há não qualquer questionamento.

Entrementes, fica a indagação: será que a vida humana e a liberdade são menos importantes e sua supressão causa menos sofrimento que os produzidos pelos crimes inscritos naquele diploma legal? Será que o Estado tem o direito de impor o castigo, nem sempre proporcional ao delito cometido, sem o mínimo de segurança, desatendendo os postulados maiores do Direito?

Não é preciso muito para se concluir ser a postura do legislador perversa e iníqua. Sem dúvida, é o momento de repensar essa realidade, para que injustiças não se cometam, em nome do bem que se quer tutelar, com resultados nefastos, contrários às aspirações sociais e aos fundamentos do Estado democrático de direito encampados pela Constituição de 1988.

22/05/2001 13:15:16


Notas

1. Cf Projeto de Lei do Sendo Federal nº 23, de 2000 ( nº 933/99, na Câmara dos Deputados), que se transformou na Lei 9983/2000. Cf. Mensagem 961, do Presidente da República, justificando o veto parcial do inciso I do § 2º do artigo 337-A..

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2. Citem-se entre, outros: Michel Temer, Leon F. Szklarowsky, Silva Franco, Luiz Flávio Gomes, Baracho, Fran de Figueiredo, Clemerson Cleve, Greco, Ivo Dantas, Humberto Ávila, Alexandre de Moraes, Leomar Amorim, Ives Gandra. Cf., entre outros acórdãos: RE 254818-9 PR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 26.4.2001, Ata nº 12.

3. Cf. Principii di Diritto Penale, Bolonha, 1957.

4. Cf. Instituições de Direito Penal, Max Limonad, 1954.

5. Cf. Instituições de Direito Penal, Max Limonad, Rio de Janeiro, 1954, pp. 322 e segs.

6. Neste sentido, Francisco de Assis Toledo, in Direito e Justiça, Correio Braziliense, de 26 de maio de 1977, p.3.

7. Cf., de Basileu Garcia, op. cit., Tomos I e II, e, de Paulo José da Costa Júnior, Comentários ao Código Penal, Saraiva, 1996.

8. Cf. opus cit., tomo II, pp. 41-41.

9. Cf. Lei 9714, de 25 de novembro de 1998, que alterou o Código Penal, na parte relativa às penas.

10. Cf., de Antonio Miguel Feu Rosa, Casuísmo e Finalismo em Direito Penal, Editora Consulex, Brasília, 1993, p. 59.

11. Cf. George Leite, Nélson Jobin, Sebastião Coelho, Vera Müller, Márcia de Alencar, Fernando da Costa Tourinho Filho, Paulo da Costa Leite, Luiz Flávio Gomes, Penas e Medidas Alternativas, in Revista Consulex, nº 105, de 31 de maio de 2001.

12. Cf. Comentários ao Código Penal, Saraiva, 4ª edição, 1996, p. 515.

13. Cf. Título VIII, Capítulo II, da Constituição Federal.

14. Cf., de Aliomar Baleeiro, Direito Tributário Brasileiro, Forense, 1981, p. 551, e Antônio Fellipe Gallo, Código Tributário Nacional, Malheiros Editores, 9/1998, p. 73.

15. Cf. Mensagem do Presidente da República ao Presidente do Senado Federal 961, de 14 de julho de 2000. Cf. STF, INQO 1028/RS, Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 30.8.96; STJ, RESP 119358/DF, 2ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ 6.12.99,

16. Cf. Código Penal Comentado, Renovar, 5ª edição, 2000.

17. Vide artigo 3º da Lei 8137, de 27 de dezembro de 1990, e a Lei 8429, de 2 de junho de 1992. Vide Os crimes contra a Administração Pública e Improbidade Administrativa, de Leo da Silva Alves, Leon Frejda Szklarowsky e Alson Pereira da Silva, textos organizados por Daniella Oliveira Batista, Editora Brasília Jurídica, Brasília, 2000.

18. Consulte-se nosso trabalho sobre crimes contra a Administração Pública, in REVISTA LICITAÇÕES E CONTRATOS 18, DE DEZEMBRO DE 1999, REVISTA TRIBUTÁRIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 32, MAIO – JUNHO 2000, no Boletim de Direito Administrativo, número 7, julho 2000, ADCOAS, 11, novembro, 2000. Idem no BLC Boletim de Licitações e Contratos . Editora NDJ, 3, março de 2001).

19. CF. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª edição, Editora Nova Fronteira.

20. Idem.

21. Cf. Título VIII, Capítulo II, da Constituição Federal.

22. Cf. remissões 15 e 16.

23. Cf. op. cit. p.455.

24. Cf. Comentários ao Código Penal, Revista Forense, Rio de Janeiro, 3ª edição, 1955, VI, p. 242/3.

25. Cf. op. p. cits.

26. Cf. op. cit., p. 924.

27. Cf. op. cit., p. 526.

28. Cf. RTJ 86/291.

29. Cf. Novo Dicionário Aurélio cit.

30. Cf. aut. e op. cits.

31. Cf. op. cit., p. 8. Consulte-se também Heleno Fragoso, in op. cit., pp. 237 a 248.

32. Esta também é a opinião do eminente Promotor de Justiça e Professor da UCB, Diaulas Ribeiro.

33. Cf. aut. cit., p. 23.

34. A respeito dessa profunda reforma, consulte-se, de José Alberto Couto Maciel, Comentários às Novas REFORMAS DO JUDICIÁRIO TRABALHISTA, Editora Consulex, 2000;

35. Cf. Lei 10035, de 25 de outubro de 2000, e os comentários de Sérgio Pinto Martins, in Revista Meio Jurídico, nº 43, de 31 de março de 2001, pp. 54 e segs.

36. Cf. Leis 5859, de 11.2.72, 7195, de 12.6.84, 10208, de 23.3.2001 ( originária da Medida Provisória 2104.16, de 2001), e Decreto 71885, de 9.3.73.

37. Cf., in Meio Jurídico cit., O crime da Carteira de Trabalho Não Anotada, pp. 42/3.

38. Neste sentido, leiam-se A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos.

39. Cf., de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, 2º volume, pp. 268/9.

40. Cf. Acr 126177, JTJ/SP. LEX, 153/277,. in A Constituição na Visão dos Tribunais, TRF 1ª, Saraiva, 1977, vol. I, p. 125.

41. Cf. op. cit., p. 575.

42. Cf. Lições de Direito Penal, Parte Especial, Forense, 5ª edição, 1986, p. 383.

43. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi aprovada na Conferência de São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, O Brasil aderiu à Convenção em 25 de setembro de 1992, pelo Decreto de Promulgação 678, de 6 de novembro de 1992 ( cf. Direito e Relações Internacionais, de Vicente Marotta Rangel, Editora Revista dos Tribunais, 5ª edição, 1997.

44. Este Documento foi adotado pela Assembléia - Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, O Brasil ratificou-o e promulgou-o, pelo Decreto 592, de 16 de fevereiro de 1992. Cf. Direito e Relações Internacionais, de Vicente Marotta Rangel cit.

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Sobre o autor
Leon Frejda Szklarowsky

Falecido em 24 de julho de 2011. Advogado, consultor jurídico, escritor e jornalista em Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da Revista Jurídica Consulex. Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York. Membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integrou o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. Foi co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Reforma parcial do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3073. Acesso em: 5 nov. 2024.

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