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Da inconstitucionalidade da limitação à advocacia por ocupantes de cargos nos órgãos vinculados à AGU

01/07/2000 às 00:00
Leia nesta página:

Diz a Constituição Federal:

"Art. 5º (...)
          XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer."
Original sem destaques)

De acordo com o dispositivo constitucional, a regra geral é a expressa permissão para o exercício de qualquer trabalho. É certo que pode a lei limitar esse direito, mas apenas no tocante às qualificações profissionais necessárias à profissão.

Assim, da leitura do dispositivo constitucional, depreende-se que a lei não pode limitar o exercício profissional daquele que tem a qualificação profissional exigida pela própria lei para o exercício profissional.

Portanto, uma lei que limite o exercício profissional de pessoa considerada pela lei como profissionalmente qualificada será inconstitucional.

Para poder exercer a profissão de advogado, é preciso ser Bacharel em Direito e, após aprovado no exame de ordem, estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos dos arts. 3º e 8º, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.

Trata-se, evidentemente, de uma qualificação profissional: para advogar, por óbvio, é preciso estudar Direito. A exigência da Lei nº 8.906/94 não é arbitrária: é técnica.

A Lei nº 8.906/94 regulamenta o art. 5º, XIII, da CF, supra transcrito, no tocante a limitar o exercício das pessoas à profissão de advogado. Assim, aqueles que preencham os requisitos da Lei nº 8.906/94 podem advogar. Os que não preencherem, por não atenderem à qualificação profissional que o dispositivo constitucional menciona, não podem advogar.


Porém, o art. 24, da Lei nº 9.651, de 27 de maio de 1998, criou uma limitação ao exercício da profissão de advogado que nada tem de relativa à qualificação profissional. Diz esse dispositivo:

"Art. 24. É vedado aos servidores ocupantes das carreiras e cargos referidos nos arts. 1º e 14 exercer a advocacia fora das atribuições institucionais."

O art. 1º dispõe:

"Art. 1º É instituída a Gratificação de Desempenho de Função Essencial à Justiça - GFJ, que será concedida aos ocupantes dos seguintes cargos efetivos, quando em desempenho de atividades jurídicas: (...)
          II - de Procurador e Advogado de autarquia e fundações públicas federais, quando em exercício na Advocacia-Geral da União e nos seus órgãos vinculados;"

(É interessante notar que o art. 1º criou uma gratificação para os procuradores de autarquias federais, mas o art. 14 excluiu, expressamente, os Procuradores do INSS do direito a essa gratificação. O art. 24 criou a limitação à advocacia privada dos procuradores de autarquias, mas nenhum outro dispositivo excluiu os Procuradores do INSS dessa limitação...)

O cerne da questão é: a limitação constante do art. 24 da Lei nº 9.651/98 está amparada em uma qualificação profissional ou é arbitrária? Se estiver amparada em uma qualificação profissional, ela é constitucional. Caso contrário, é inconstitucional.

Pergunta-se: o advogado ou procurador de autarquia federal foi aprovado pelo exame de ordem da OAB como um advogado qualquer ou ele fez algum tipo de exame de ordem "específico", para exercer a advocacia apenas na condição de advogado de uma autarquia?

A resposta é simples: exatamente porque o exame de ordem da OAB é único, habilitando os aprovados à advocacia de forma irrestrita e não para atuar neste ou naquele ramo do Direito, nesta ou naquela atividade funcional, é evidente que, nos termos do art. 5º, XIII, da CF, é inconstitucional o art. 24 da Lei nº 9.651/98, que traz uma limitação arbitrária ao exercício da profissão de advogado.

Se os advogados e procuradores de autarquias federais não fossem inscritos na OAB ou se não tivessem feito o exame de ordem como qualquer outro advogado, aí sim poderia-se cogitar da constitucionalidade do art. 24 da Lei nº 9.651/98.


Vamos ler novamente o que diz a Constituição Federal:

"Art. 5º (...)
          XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer."
(Original sem destaques)

A regra geral é pela liberdade de trabalhar. A única limitação possível é aquela trazida pela lei e ainda assim no tocante a critérios relativos à qualificação profissional e não quanto a critérios de conveniência, vantagem ou desvantagem para quer que seja.

Assim, concluímos que é inconstitucional o art. 24 da Lei nº 9.651/98.

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Sobre o autor
Bruno Mattos e Silva

Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito e Finanças pela Universidade de Frankfurt (Alemanha). Foi advogado de empresas em São Paulo, Procurador-chefe do INSS nos tribunais superiores, Procurador Federal da CVM e Assessor Especial de Ministro de Estado. Desde 2006 é Consultor Legislativo do Senado Federal, na área de direito empresarial, de regulação, econômico e do consumidor. Autor dos livros Direito de Empresa (Ed. Atlas) e Compra de Imóveis (Edi. Atlas/GEN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Mattos. Da inconstitucionalidade da limitação à advocacia por ocupantes de cargos nos órgãos vinculados à AGU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/309. Acesso em: 24 nov. 2024.

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