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Acordos de cooperação entre empresas e o efeito rede

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V - As redes de empresas -

Quando uma empresa encontra-se ligada a vários parceiros, pelo mesmo tipo de acordo, em relações contratuais continuadas, todos os acordos passam a ser administrados em conjunto, como uma rede que engloba fornecedores, clientes e parceiros.

O que distingue a rede de um conjunto desvinculado de acordos é a sua densidade, natureza complexa e vínculos recíprocos; a influência de uns acordos sobre outros e um sistema mais ou menos partilhado na definição das funções e responsabilidades de cada membro. As redes regulam a interdependência entre as empresas, realizam o equilíbrio entre diferenciação e integração e não se limitam às atividades dimensionalmente circunscritas (Marques, op. cit., p. 40).

A rede substitui a affectio societatis, comum aos tipos gerais de contratos, pela affectio cooperandi, encontrada em contratos específicos, como o contrato de sociedade e a parceria. A affectio cooperandi envolve obrigações de cooperação, de negociação, de assistência e de fidelidade (Laurence Amiel- Cosme apud Marques, op. cit., p. 40).

As empresas que se associam em redes produtivas ou "networks" adotam a estratégia da especialização flexível em períodos temporais prolongados, procuram manter o pleno uso da capacidade produtiva e, ao mesmo tempo, estar aptas a reagir a qualquer mudança no mercado e no plano de produção, no interior desse mesmo contrato. É um planejamento de longo prazo, constantemente revisto e retificado, de modo a acompanhar as mudanças impostas pelas alterações do mercado. Os contratos estabelecem o processo para a cooperação interorganizacional no produto, na produção e na estruturação da forma de gerenciamento. As empresas integradas em redes intensificam a troca de informações e passam a compartilhar livros e planilhas de custos. O lucro será menos o produto da barganha e mais o produto da cooperação recíproca estabelecida entre os parceiros, no âmbito de regras contratuais novas como a solidariedade, a flexibilidade, a confiança mútua e a cooperação econômica [7].


VI - Tipologias das redes de empresas

As diferentes tipologias classificam genericamente as redes produtivas em externas (relações inter-empresariais) e internas (relações intra-empresariais); horizontais (relações simétricas ou paritárias com atividades similares no mesmo plano ou setor econômico) e verticais (relações assimétricas ou centralizadas cujas atividades são organizadas em torno de uma empresa líder, que comanda subsistemas de relações com outras empresas); formalizadas (como as bureaucratic networks cuja cooperação é formalizada através de contrato de colaboração) e não formalizadas (como as social networks, cuja colaboração baseia-se em relações pessoais excluído o acordo formal) (Marques, op. cit., pp. 41-46).

A classificação pode assentar:

a)na posição jurídica dos atores envolvidos;

b)no seu lugar na cadeia de valor;

c)no tipo de relação que se estabelece entre eles;

d)no objetivo ou função da rede,

e)na natureza dos vínculos que unem os participantes na rede etc.

Na rede pode existir uma empresa líder. Essa posição de liderança pode originar-se com o próprio surgimento da rede ou pode ser adquirida ao longo da vigência das relações reticulares. A líder não se situa numa formação hierarquizada de cima para baixo mas ocupa uma posição central, numa moderna postura interorganizacional. Funciona como um centro de regulação: emite as normas de funcionamento da rede, garante sua estabilidade, coordena sua mobilidade e define suas estratégias. O grau de interdependência das empresas em rede pode ser constatado pelas funções que a empresa líder transfere às lideradas. A confiança que o mercado pode depositar na empresa líder é fundamental para o bom funcionamento da rede.


VII - Os efeitos rede e o equilíbrio do mercado (a relação com os consumidores)

O efeito rede está imediatamente vinculado às escolhas do consumidor e aos efeitos que as preferências de uns podem provocar nas opções de consumo dos outros. As consequências dessa intervenção podem afetar o comportamento e a performance do mercado.

Essa nova postura da competição no mercado, caracterizada pelo efeito rede, opera com duas vertentes principais, a saber, as redes de comunicações e seus efeitos rede diretos e o paradigma hardware/software, que, vinculando dois ou mais componentes de certa produção, envolve efeitos rede indiretos.

Trata-se de operações relacionadas à competição não entre produtos singulares mas entre sistemas de mercado; uma envolve a comunicação em rede, tal como ocorre no sistema de telefonia e de correio eletrônico, onde a entrada de cada usuário vem a reforçar os efeitos rede para os demais; a outra surge quando os consumidores, ao escolher uma ferramenta durável (hardware), formam opiniões e expectativas sobre a utilidade de um programa (software), tal como ocorre no mercado de computadores, de cartão de crédito etc. Estes últimos sistemas formam redes virtuais que apresentam efeitos análogos ao feedback para aqueles associados em rede física.

Segundo Katz e Shapiro [8], a natureza do equilíbrio competitivo da rede de comunicação depende de como os consumidores formam expectativas sobre elas, posto que o lucro social da entrada de mais um usuário na rede inclui benefícios que aproveitam a todos os outros. A demanda por uma boa network envolve o preço e o tamanho esperado da rede. Será necessário trabalhar com muita informação e poucas incertezas porque os consumidores usam as informações de que dispõem para formar suas preferências. Se julgam que os outros não comprarão, então ninguém comprará. Ocorre o que os economistas chamam de expectativa satisfeita do equilíbrio com a não compra. A outra expectativa satisfeita ocorre no pólo inverso com a compra. Os dois equilíbrios têm razões diversas mas é preciso salientar que as empresas podem agir para influenciar as expectativas de consumo e alterar os resultados no mercado.

Diferente das redes de comunicação, nos mercados hardware/software, um equilíbrio competitivo é perfeitamente alcançável, uma vez que os componentes vêm de empresas diferentes (produtos complementares) e a opção pelo produto envolve a averiguação de custos. Numa situação onde cada consumidor deve comprar um conjunto de componentes para obter o proveito completo, como no sistema hardware/software, cada decisão de adotar ou não o sistema não tem impacto imediato para os consumidores, como no caso anterior, dados os preços e a variedade de softwares disponíveis. Os efeitos rede nesses sistemas aparecem nos casos comuns onde os usuários, depois de ingressarem nesse mercado em tempos distintos, precisam fazer reparos, repor alguns componentes ou trocá-los por outros mais modernos. A demanda no segundo momento dependerá das expectativas formadas em torno do primeiro.

Em todo esse contexto, além da atenção que se deve ter com relação às expectativas formadas em rede pelos consumidores e da coordenação que deve haver entre empresas e consumidores na busca de um nível ótimo de capacidade e aceitação requerido para a competição entre sistemas, é fundamental cuidar-se de um terceiro elemento que é a compatibilidade entre os produtos provenientes de sistemas diferentes – um produto designado para um certo sistema pode ser compatível em outro? É preciso saber como e se os mercados determinam o grau correto de compatibilidade entre os produtos, como as linhas de produtos informáticos, por exemplo, e verificar se interessa, numa relação custo e benefício, estimular a compatibilidade, ainda que essa postura implique restrições à variedade e à inovação.


VIII - Os acordos de cooperção empresarial e a proteção regulatória -

À medida em que o direito contemporâneo vai assumindo um caráter auto-reflexivo e procedimental, como destaca Teubner [9], o processo de negociação e balanceamento de certos critérios e limites torna-se também político, uma vez que a justiça acaba por abranger um compromisso instável e sempre sujeito à revisão dos interesses organizados.

A organização industrial envolve um fluxo de trocas econômicas entre processos tecnológicos diversos. Ao lidarem com essa estruturas, os operadores do direito presumem a existência de uma certa forma de execução de determinada estrutura do saber jurídico definida a partir da organização articulada de conceitos, princípios e práticas institucionais e designada, na expressão de John P. Esser, como a forma modal das trocas econômicas [10].

As relações entre essa forma modal, de natureza econômica, e as estruturas da teoria contratual, de caráter jurídico-institucional, interagem de modo a não permitir que uma subjugue a outra. O modo de institucionalização do direito, apesar de parcialmente condicionado pelas transformações econômicas, recebe a influência de outros fatores humanos e sociais que se conjugam, em determinada conjuntura, para delinear o perfil básico da teoria dos contratos. A conexão entre estruturas de saber jurídico, estruturas de poder e formas institucionais de regulação econômica constitui-se num processo de repercussão recíproca. É no seio dessa contingência relativa que se insurge o campo da nova teoria dos contratos e da defesa do consumidor.

A estratégia da especialização flexível e o novo paradigma tecnológico alteraram a forma produtiva dominante e a dinâmica das relações contratuais clássicas. A variedade e a multiplicidade dos acordos de cooperação interempresarial envolvem uma série de vínculos dispostos em teia que abrangem a inclusão de micro deliberações contratuais diárias, formais e informais, surgidas da dinâmica quotidiana e das necessidades ocasionais de certa conjuntura de mercado e inseridas no contexto maior da decisão contratual inicial, ou seja, dos acordos de colaboração, convenções alargadas, muitas vezes distribuídas em cadeia.

A figura da rede não se enquadra na tipologia jurídica tradicional e os acordos que são articulados em seu interior podem apresentar efeitos anti-concorrenciais e prejudiciais às relações de consumo, às relações laborais e ao meio ambiente. Entretanto, a formação de redes em escala mundial pode tornar irrelevante uma análise que se processa no âmbito dos Estados nacionais ou da autoridade comunitária (no caso dos países-membros da União Européia). Ao mesmo tempo, é preciso que as autoridades administrativas e judiciais possam conhecer a exata estruturação da rede, analisar cada acordo individualmente, sancionar comportamentos e atuar eficazmente no sentido de evitar e punir abusos. Os instrumentos de política econômica precisam poder penetrar no interior da rede. No lume dessa contradição, volta a emergir, de modo marcante, a presença dicotômica da ordem político-jurdídica, destacada pela centralidade do Estado, em certos limites territoriais, e a ordem econômica, fundada na descentralidade do mercado, de âmbito mundial [11].

Vive-se, hoje, o momento de mudança de paradigmas entre o Estado social empreendedor e intervencionista e o Estado, ainda de natureza intervencionista, porém com funções preponderantes de fiscalização e regulação da economia. A preferência do Estado por esquemas reguladores implica a adoção de regramentos públicos sobre atividades privadas de especial sensibilidade social, ou seja, o Estado deve atuar nos setores de gás, eletricidade, água, telecomunicações, transportes etc. na busca da satisfação dos interesses socialmente legítimos.

Genericamente, pode-se identificar a regulação pública da atividade econômica como o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionadas [12] por intermédio das quais o Estado, diretamente ou mediante delegação, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, com vistas a alcançar objetivos socialmente desejáveis e evitar efeitos lesivos ao interesse social legítimo [13].

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Entretanto, não se deve deixar de considerar que a regulação configura uma intervenção externa em setores específicos da atividade econômica e, para tanto, requer conhecimento por parte do regulador da real situação econômica da atividade regulada. No caso específico de uma regulação dos acordos interempresarias que se processam em rede, a intervenção estatal pode não resultar porque necessitaria de informações disponibilizadas por algum membro interno e isso poderia gerar quebra de confiança, de solidariedade ou de gestão interna dos conflitos, elementos essenciais à existência da rede.

Diante do efeito e dos riscos globais, para que a regulação possa operar, pela via dos tratados e acordos internacionais, ou, de outro modo, por meio de instrumentos públicos ou privados não-estatais, será preciso que o controle seja global e em escala ampliada [14]. Se o direito contratual associa-se intimamente a uma determinada ordem de produção e de mercado, é necessário, pois, levar em consideração a ordem de mercado na qual vai se impondo esse novo direito.

Uma consequência da crise no direito privado foi a exclusão paulatina do âmbito do direito contratual clássico e de sua teoria geral de alguns elementos do saber contratual, tais como os contratos administrativos, os contratos de trabalho, as relações de crédito e finança, a proteção ao consumidor e à concorrência, as normas ambientais etc. que passaram a formar ramos próprios do direito e ampliaram o uso de conceitos como equilíbrio, razoabilidade, boa fé, solidariedade, transparência, controle por parte dos interessados, responsabilidade civil etc.

Ante a complexidade da sociedade contemporânea, a rigidez lógico-formal do direito positivo perde consistência. O fenômeno da globalização e o policentrismo da nova ordem mundial desafiam o direito positivo e impõem a construção de estratagemas de participação e fiscalização para a execução das novas relações contratuais. A questão do controle dos poderes de gestão parece colocar-se de modo imperativo e deve compor um dos momentos de mudança da nova teoria contratual que se anuncia.


IX - A cooperação interempresarial na união européia (alguns aspectos relativos à concorrência)

O direito comunitário da concorrência abrange, por um lado, normas que são diretamente dirigidas aos operadores econômicos (empresas privadas ou públicas) e, por outro lado, normas relativas à ação dos Estados-membros da União Européia.

As primeiras regras assentam sobre três temas distintos: coligações (art. 81º do Tratado de Roma), abuso de posição dominante (art. 82º do mesmo diploma) e controle das operações de concentração (norma de direito derivado – inicialmente previsto em regulamento do Conselho, de 1989).

As normas que disciplinam a atuação dos Estados dizem respeito aos auxílios concedidos pelos poderes públicos para determinados setores econômicos e que podem violar o princípio da equidade econômica entre as partes (arts. 87º e ss. do Tratado da Comunidade Européia - TCE).

Existe, ainda, uma série de normas complementares de direito derivado emitido pela Comissão, além das decisões do Tribunal de Justiça, que complementam o conjunto do direito comunitário da concorrência na União Européia.

A cooperação entre empresas implica a realização de acordos que estabelecem o âmbito de atuação das partes, os objetivos pretendidos e a previsão das respectivas atividades. A disciplina comunitária vigia dois tipos de acordos: os de natureza horizontal (entre empresas concorrentes que se situam no mesmo nível do mercado) e os de natureza vertical (entre duas ou mais empresas que operam em níveis diferentes da produção ou da cadeia de distribuição). Os acordos que incluem restrições, horizontais ou verticais, aos preços e à produção ou produzem efeitos negativos sobre o mercado são abrangidos pelas disposições do n.º 1 do art. 81º do TCE [15]. Os acordos que não prejudiquem a cooperação horizontal entre empresas não concorrentes ficam, em princípio, excluídos do campo de aplicação do n. 1 do artigo 81º já mencionado.

O que se consegue apurar, em linhas gerais, é que as orientações da Comissão relativas aos acordos de cooperação horizontal ou vertical têm indicado uma perspectiva de análise mais econômica do que formal, pela ponderação de critérios como o do poder de mercado das partes envolvidas e por levar em consideração fatores relacionados à estrutura dos mercados, ou seja, o que formalmente deveria ser proibido pode demonstrar-se economicamente viável. A postura da Comissão da União Européia tem sido, em síntese, proibir e punir as coligações ilícitas e os acordos colusivos da concorrência, isto é, impedir ou reprimir condutas que efetivamente influam nos parâmetros da concorrência no âmbito de atuação territorial do Tratado. O aumento da competição no âmbito europeu tende a incentivar as concentrações industriais e os acordos entre empresas que consigam alcançar melhores economias de escala e maior amplitude de mercado, sob o impulso da competição tecnológica, especialmente relevante nos setores de automotivos e indústria agro-alimentar. Nesse sentido, os riscos da colusão deveriam ser limitados pelo próprio alargamento do mercado. Esta é, em última análise, a linha teórica do sistema da concorrência-meio, adotado pelo ordenamento europeu da concorrência, a partir de uma concepção que permite a existência de acordos, somente reprimindo os que se revelem prejudiciais ao interesse geral, noção extraída de um estudo que trabalha com diversos fatores e envolve, dentre outros, a estrutura dos mercados em causa, a concorrência real ou potencial das empresas envolvidas, a posição que ocupam no mercado e os interesses das partes envolvidas.

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Sobre a autora
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa

professora de Direito da UFPB, João Pessoa (PB), mestra e doutoranda em Direito Econômico pela Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEITOSA, Maria Luiza Pereira Alencar Mayer. Acordos de cooperação entre empresas e o efeito rede. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3098. Acesso em: 29 mar. 2024.

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