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Processo penal brasileiro e uruguaio: mesmos princípios, diferentes formas de incidência

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06/12/2014 às 14:35
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se faz um estudo sobre as leis de um país o que se tem como objeto são as regras impostas pelo Estado à sua sociedade, visando à garantia da ordem e seu desenvolvimento. É natural que Estados com aspectos socieconomicos, históricos e culturais diferentes também tenham leis de natureza distinta. É o caso do Brasil e do Uruguai, que já nas origens de suas leis apresentam diferenças em relação à influência sofrida pelo Direito dos países do velho mundo. O Uruguai, seguindo influências das leis espanholas e do Direito Ítalo-canônico e o Brasil seguindo a cartilha lusitana.

É de conhecimento geral que o Direito é uma espécie de “termômetro” da sociedade: quanto mais rigorosas são as suas leis, maiores são as limitações quanto à liberdade individual dos seus cidadãos.

Uma demonstração prática disso são as reformas processuais penais que grande parte dos países da América Latina vêm fazendo ou já fizeram nos últimos anos. Estes países, que em sua maioria tiveram grandes mudanças no seu regime político nos últimos 30 anos, vêm realizando uma verdadeira fuga em massa em relação aos sistemas processuais antiquados outrora utilizados, e vêm incorporando princípios próprios do sistema acusatório. Isto é um reflexo evidente da queda dos regimes autoritários e ditatoriais em face do crescimento da democracia no continente. É verdade que alguns países vêm na contra-mão da história ao conservar regimes autoritários e populistas em pleno limiar do século XXI.

No que tange a essas reformas, o Brasil, com sua Constituição de 1988, veio a proclamar e reforçar muitos dos princípios característicos do sistema processual acusatório, que já era adotado em nossa lei processual penal antes da referida constituição ter sido promulgada.

Seguindo esta tendência, o Uruguai ainda vem tentando adequar o seu ordenamento jurídico às tendências ditadas pelos organismos internacionais de Direitos Humanos. O Código del Proceso Penal de 1997 trouxe em sua redação reformas importantes e que ainda precisam ser efetivadas e inseridas dentro da prática processual, como uma espécie de “mudança de hábitos” ou uma “reeducação processual”. Temos conhecimento de que muito pode ser feito ainda em termos de mudanças, como a extinção de um mesmo juiz para investigar, julgar e proferir sentença.

É evidente que o processo penal brasileiro também não é perfeito; todavia, em relação aos princípios do processo e sua aplicação no mesmo, podemos dizer que a lei brasileira está muito à frente da de outros países, inclusive do Uruguai. Muitos destes princípios proclamados na Constituição Brasileira estão previstos também na lei maior uruguaia desde sua primeira redação, datada de 1830, e que foram ao longo dos anos ignorados pelo processo penal deste país. Algumas das mudanças trazidas pelo código de 1997 foram buscadas dentro da Constitución de La Republica. Podemos dizer que o Uruguai, em matéria processual penal, vem dando os seus primeiros passos, pequenos, mas significativos, na direção em que outros países da América latina já estão indo ou já foram, como o Brasil.

O Uruguai, cujo território está incrustado entre dois gigantes, que no passado expulsou invasores, conquistou sua independência e firmou sua soberania junto aos grandes do continente americano, hoje luta para erradicar de sua lei processual penal os resquícios do ultrapassado sistema inquisitivo, que está impregnado em sua lei e nos usos e costumes de seus operadores do Direito.

O Brasil, gigante da América do Sul, país que sempre teve relevante papel de liderança em seu continente, conta atualmente com um sistema processual bastante atual e é referência quanto à previsão e aplicação dos princípios fundamentais do processo, porém tem uma luta tão árdua quanto a de seu vizinho: tornar a aplicação de sua lei mais efetiva e cumprir com os anseios da sociedade de um processo mais dinâmico, eficiente e menos moroso.

E em meio a esse contexto, ao longo de toda a extensão da faixa de fronteira Brasil-Uruguai, está uma população que pouco sabe sobre a realidade jurídica vivida por seu respectivo vizinho, apesar de conviverem de maneira bastante integrada. Em regra, um brasileiro só ouve falar de presumario, ou de um procesamiento e seus efeitos (entre eles a prisão preventiva) quando se torna sujeito passivo de um processo movido no Uruguai; bem como o uruguaio que só descobre o que é um inquérito policial quando é convidado a prestar esclarecimentos em uma delegacia de policia.

Definitivamente, quando se busca uma integração plena entre dois países, e aí mencionamos a integração jurídica prevista no Tratado de Assunção, é preciso que conheçamos melhor a realidade um do outro, e as soluções que cada país aos seus respectivos problemas. Precisamos ser críticos em relação a nós mesmos e humildes na hora de aproveitarmos as experiências alheias para uma melhor solução de nossos problemas, seja em matéria processual penal ou qualquer outra.


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PEDRA, Ricardo Moglia. Processo penal brasileiro e uruguaio: mesmos princípios, diferentes formas de incidência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4175, 6 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30986. Acesso em: 27 abr. 2024.

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