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Composição civil no Juizado Especial Criminal.

Abordagem prática. Renúncia condicionada ao direito de representação

01/08/2002 às 00:00
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Urge avaliar com bons olhos a intenção do legislador ao impor no art. 74 e parágrafo único da Lei n. 9.099/95, como conseqüência natural no crimes de ação pública de natureza condicionada e privada, que o acordo homologado acerca da composição dos danos civis importa na extinção da punibililidade pela renúncia ao direito de representação, ainda que de forma tácita, embutida como um efeito secundário do ajuste.

Por certo como forma de se evitar a ação indenizatória em sede de jurisdição cível e até mesmo o desenrolar de uma possível ação penal, primando pela informalidade e celeridade dos atos processuais ou procedimentos, vez que ainda não há que se falar em processo, o legislador possibilitou em uma primeira fase do rito estabelecido para os delitos de menor potencial ofensivo [1], a tentativa de conciliação acerca dos danos civis, como forma de se solucionar o conflito de interesses entre autor do fato e vítima, e ainda, entre a famigerada pretensão punitiva do Estado e o autor do fato.

Em um só golpe o legislador alcançou a possibilidade de se solucionar as questões inerentes a jurisdição civil e penal.

O texto legal contido no art. 74 e parágrafo único da Lei n. 9.099/95 diz o seguinte:

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Inicialmente será tentado pelo magistrado a composição dos danos civis nos crimes em que a ação penal seja privada ou de natureza pública condicionada, visando o ressarcimento de eventuais prejuízos sofridos (dano mediato ou indireto e imediato).

Mas qual o alcance da interpretação do que sejam danos civis?

Buscando guarida na legislação civil pátria, podemos encontrar no art. 159 do Código Civil Brasileiro, que o dano seria todo o prejuízo causado a outrem, em razão de ação ou omissão voluntária, negligente, imprudente ou imperita.

Portanto, seriam danos civis os efeitos desta ação humana voluntária, dolosa ou culposa, como por exemplo o prejuízo moral e físico suportado por quem é vítima de lesões corporais leves.

Talvez essa interpretação fosse a mais precisa em termos técnicos, mas temos que alcançar a finalidade máxima da lei, que no caso seria a autocomposição, com a solução do conflito de interesses em toda sua esfera, possibilitando assim uma gama bem maior de possibilidades de reparação do dano civil, para atender ao desiderato legal de por fim à lide.

Ampliando a interpretação do dano civil, podemos deixar a critério da vítima a fixação do que para ela resultaria na reparação do dano e conseqüente extinção da punibilidade.

Há casos em que a vítima não deseja ser ressarcida de seu prejuízo, mas que o quantum desse prejuízo seja revertido para uma instituição beneficente, por exemplo.

Viabilizando tal entendimento, de que a vítima poderia direcionar a composição dos danos civis para beneficiar um terceiro desinteressado, quem estaria legitimado e com interesse processual para a execução do título judicial em caso de descumprimento? A vítima somente? O terceiro? E as condições da ação referentes ao interesse de agir e legitimidade?

Como um dos princípios da Lei n. 9.099/95 impõe que se atinja o máximo de resultado com o mínimo de esforço, a composição ao ser firmada deverá atentar para todos esses detalhes, fixando cláusula penal em caso de descumprimento, e ainda facilitando uma eventual execução com a inclusão, de que, por exemplo, o valor a ser pago a título de composição seja entregue ao ofendido que o depositará na conta da instituição que deseja beneficiar.

Se podemos minimizar as possíveis dúvidas futuras decorrentes do acordo que está sendo firmado, melhor delineá-lo pormenorizadamente para atingir a seu fim sem maiores questionamentos.

A permissibilidade de acordos fora dos limites estreitos da reparação do dano civil, pode resultar em sérias dificuldades para se alcançar o seu efetivo cumprimento. Tais dificuldades são claramente notadas em acordos que se referem por exemplo a imposição de prestações de serviços a terceiros. Em caso de descumprimento haveria a necessidade de se propor uma execução de obrigação de fazer, em face do título executivo judicial (acordo homologado), o que certamente resultaria em uma nova lide de difícil solução, sem resultado prático para a vítima, que na verdade se vê condenada a mover um novo e tenebroso processo contra seu desafeto.

Em tais casos melhor seria a inclusão de uma cláusula penal ou mesmo a conversão da prestação de serviço em um valor certo, facilitando assim quando do eventual descumprimento a execução.

Seria viável condicionar o cumprimento da composição dos danos civis a renúncia do direito de representação ou queixa?

Solução mais adequada ao nosso ver, seria a interpretação literal, gramatical e teleológica [2] do art. 74 da Lei n. 9.099/95, que possibilita, quando o legislador descreve que "a composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título executivo a ser executado no juízo civil competente", com a inclusão da preposição "e" ao final da primeira frase, a viabilidade da não homologação imediata da composição pelo Juiz, propiciando a transcrição do acordo por escrito e desde que homologada, terá eficácia de título executivo judicial.

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Partindo dessa premissa, seria possível o acordo entre autor do fato e vítima em audiência preliminar, firmado pelo Ministério Público, o que por si só já lhe da caráter de título executivo extrajudicial, ficando a homologação condicionada ao cumprimento integral do mesmo, evitando assim a necessidade de se ingressar no juízo cível para uma posterior execução, ficando atento no entanto para o prazo decadencial previsto no art. 103 do CPB, que no caso das ações pública de natureza condicionada teria seu dies a quo na data da audiência preliminar.

A atenção para o prazo decadencial é curial, pois poderá o autor do fato transigir para o pagamento de uma importância parcelada em doze meses, e decorridos os seis meses da data da audiência preliminar haveria a extinção da punibilidade pela decadência, e caso o autor do fato deixasse de cumprir a obrigação, restaria à vítima somente a execução do título extrajudicial, não mais podendo representar no crime de ação pública de natureza condicionada.

A seara dos acordos para composição dos danos civis é incomensurável. Seus limites estão na cabeça de cada indivíduo, porém há que se estabelecer critérios, para não se tornar a composição civil em verdadeiro embuste sem alcance prático, e principalmente sem possibilitar a solução dos conflitos sociais.


Notas

1. Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. (grifei)

2. Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

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Sobre o autor
Luís Eduardo Barros Ferreira

promotor de Justiça em Goiânia (GO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Luís Eduardo Barros. Composição civil no Juizado Especial Criminal.: Abordagem prática. Renúncia condicionada ao direito de representação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3102. Acesso em: 23 abr. 2024.

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