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Dogmas e verdades sobre o caos jurídico no Brasil

01/08/2002 às 00:00
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          Os dados a seguir referem-se à quantidade de magistrados na primeira e segunda entrância, pois nos demais países é feito desta forma. Da forma como está sendo feito no Brasil não se considera a segunda instância como magistrado judicial, o que é um equívoco.

QUADRO COMPARATIVO SOBRE A MÉDIA MUNDIAL DE MEMBROS DE CARREIRAS JURÍDICAS

país

advogados

Juizes de carreira

Promotores, Procuradores da República,

(magistrados requerentes ou fiscais)

Formados Direito

Custo do sistema jurídico oficial

População

do país em 2001

Média judicial

Alemanha

60.000

16.000

4.000

--

7% orçam.

83 milhões

5.187

Itália

90.000

5.000

3.000

-- --

58 milhões

11.600

Espanha

--

3.000

1.400

-- --

40 milhões

13.333

Inglaterra

77.000

1.800

-- -- --

50 milhões

27.777

França

36.000

6.500

1.600

--

3,2%orçam.

60 milhões

9.230

Japão

--

2.850

1.500

-- --

127milhões

44.561

Holanda

--

1.500

450

-- --

16 milhões

10.666

USA

750.000

32.000

-- --

0,3% PIB

1,2% orçam.

279milhões

8.178

Brasil

500.000

12.801

8.400

1milhão

9% orçam.

2,1% PIB

166milhões

12.967

Portugal

--

1.515

1.087

--

1,2% orçam.

10 milhões

6.600

Dados no Brasil:

Magistrados judiciais

1º grau

2° grau

total

Federal

900

140

1040

Trabalhista

2100

350

2450

Militar Estadual e Fed.

47 + 48

17 + 9

121

Estadual

8000

1190(TA e TJ)

9190

TOTAL

--

12801

          E mais: temos excesso de Procuradores de Justiça no Ministério Público, alguns nem vão ao local de trabalho, e outros recebem dez processos por semana. Também temos excesso nos Tribunais. Poder-se-ia transformar os Tribunais de alçada e militares em câmaras dos Tribunais de Justiça e reduzir o número de tribunais do trabalho, integrando alguns estados.É fácil encontrar Tribunais que julgaram menos de 1.000 (mil) processos no ano.

          O número de juízes de 1º grau aumentou desde 1999, última pesquisa de dados do STF, até hoje em aproximademente10%.

          Temos uma eficiência de apenas 1% na área criminal, enquanto nos demais como USA e Alemanha esta eficiência fica próxima de 50%. Logo, ainda que multiplicamos o número de juízes por dez, provavelmente chegaríamos a no máximo 10%. Um escândalo de ineficiência.

          1) Os demais juízes citados pelas outras fontes são juízes leigos ou de paz, que não pertencem a uma carreira. No Brasil, a Constituição prevê também juízes de paz e leigos, mas o lobby dos juízes de carreira e vários segmentos jurídicos, não permite a implantação efetiva desta solução.

          2) A nomenclatura "promotor’ no Brasil em alguns países é usada como magistrados requerentes, fiscais, juízes de instrução ou procuradores da República. Ou Procuraturas nos países de influência marxista. A formação normalmente é no mesmo curso que os magistrados judiciais, exceção para a Espanha. Em alguns países como o Japão a escola governamental forma também o advogado público. Na Inglaterra criou-se o Ministério Público em 1985.

          3) Em nenhum país do mundo o concurso de ingresso na carreira e as verbas destinados às Instituições Jurídicas são gerenciadas em auto-governo, sem a participação popular. Todo governo autocrático corrompe-se moral e rapidamente e não reformula a sua forma de trabalho.

          4) Na Inglaterra, no Japão e alguns cargos de magistrados na França não precisa ser bacharel em Direito para exercer cargo jurídico, a aprovação no exame governamental presume que tem o conhecimento jurídico. O que é razoável e reduz a indústria de compra de diplomas em Direito financiados em 60 meses.

          5) Os sistemas jurídicos mais rápidos são os ingleses e os norte-americanos, onde não há carreira. Assim, aqueles sistemas jurídicos não agem como meras repartições públicas. O tempo demonstrará que a única forma de fazer o sistema latino funcionar é mexer na carreira, acabando com privilégios e o ostracismo. Mas isto vai demorar. Cargos jurídicos com força política como alguns possuem alguns juízes e promotores é preciso implantar meios de rodízio.

          6) a) No mundo apenas seis países têm Jurídico Federal: Brasil, México, Argentina, Suíça, Estados Unidos e Alemanha.

          b)Pouquíssimos países têm Judiciário Militar com estrutura independente em tempo de paz, apenas o prevê em tempo de guerra. São exceções os Estados Unidos (que vive em guerra), França e Itália. Mas não existe no plano estadual, apenas a União tem Judiciário Militar.

          c) Raros países têm um Judiciário Trabalhista separado dos demais ramos. E quando existe esta separação normalmente predomina na composição os profissionais leigos, apenas ocupando o cargo por mandatos fixos. E não há um curso separado, magistrados administrativos, trabalhistas, e membros do Ministério Público fazem o mesmo concurso e escolhem a carreira de acordo com a vocação e classificação.

          d) Na Alemanha e nos Estados Unidos há serviço jurídico municipal.

          e) Na Europa Latina é regra Tribunais Administrativos para decidir litígios entre os cidadãos e a Administração Pública, similar ao sistema federal no Brasil, porém para todos os entes federativos. Diz-se neste caso que a jurisdição é dupla e os magistrados são independentes também, às vezes sem inamovibilidade, mas com salários maiores. No Brasil usamos jurisdição única, exceto para a União. Um sistema misto de Inglês e Europeu. Assim, como o controle de constitucionalidade a mistura brasileira provoca incompatibilidades que terão que ser resolvidas a curto prazo.

          7) A regra do julgamento na Europa latina é coletivo, por isto o número de magistrados judiciais será sempre maior, além disto no Brasil concentram-se nos magistrados a realização de despachos, que é um trabalho administrativo, não jurídico.

          8) Os países campões de multas por lentidão dos julgamentos, na Comunidade Européia, são a Itália e Portugal, que influenciaram enormemente a estrutura e cultura jurídicas do Brasil.

          9) Em todos os países acima, com exceção do Brasil, a profissão de professor em Direito está entre as carreiras com melhor remuneração, sendo na Alemanha a de maior prestígio.

          7) Temos gasto mais em Instituições Jurídicas do que com o SUS em tratamento ambulatoriais, isto considerando Judiciário, Ministério Público, Assistência Jurídica, Procuradorias e cartórios, excluindo as polícias. Na verdade, 80% do serviço jurídico é pura burocracia estéril. Afinal, educação, saúde, segurança e moradia não é Justiça ?

          8) Estudos do economista Armando Castelar indicam que a lentidão jurídica causa um impacto inibidor no PIB de 25%. Não há justiça social sem produção de bens para distribuir, discursosde justiça sem modernização são mera demagogia. Para o povo ser atendido é preciso o mercado funcionar.

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          9) De 1988 até 2001 algumas despesas de pessoal no setor jurídico aumentaram mais de seis vezes, mas o serviço continua muito ruim e lento.

          10) Segundo pesquisa do IDESP, em 1997, apenas 30% dos juízes e promotores reconheciam a crise. Isto significa que a maioria está satisfeita, e é fácil de constatar esta realidade na prática. Aliás, o que está atrasado são os processos dos outros. Os salários da classe jurídica além de serem os mais altos do serviço público, são pagos religiosamente em dia. O direito do cidadão, do outro, pode esperar alguns anos, mas os dos Operadores do Direito não.

          10) Quanto mais órgãos com autonomia, mais as despesas administrativas aumentam em 20 a 30%, assim seriam reduzidas as despesas com Tribunais de Alçada e Militares se fossem transformados em Câmaras do Tribunal de Justiça. O Direito estaria assegurado da mesma forma, pois haveria a especialização a um custo menor.

          11) O Direito não pode ser monopólio de uma classe ou corporação, nem a Constituição Federal.

          12) Os cálculos sobre o custo variam muito em face da rolagem de dívidas e do enquadramento das despesas, mas seria conveniente que o Ministério do Planejamento fizesse um parâmetro com demais países para verificar quanto estamos gastando.

          13) O excesso de processos e a lentidão decorrem mais da estrutura arcaica do que pela falta de profissionais e de dinheiro.

          14) A função dos advogados nos demais países em geral são privadas, com poucos cargos públicos, principalmente na Assistência Jurídica. No Brasil, percebe-se uma tendência querer que seja pública, o que no futuro reflete na questão da previdência, a qual em obediência ao princípio da igualdade não poderia ter critérios diferenciadores entre empregados públicos e privados. A aposentadoria deveria se dar na proporção dos valores recolhidos em toda a fase de contribuição e não da contribuição dos salários finais, pois isto incorre em desvio, beneficiando apenas alguns e colocando os pobres sem serviço de saúde e de previdência. É comum os "juristas" criticarem os empresários e o "Governo", mas a questão é um assunto que precisa de "JUSTIÇA" para todos e não apenas para os operadores do Direito.

          15) A inovação da pós-graduação em Direito resgatou o desejo pela pesquisa em vez de ficar copiando leis, doutrinas e jurisprudências. O Direito no Brasil voltou a pensar após décadas.

          16) É preciso que os Municípios também assumam parte da assistência jurídica, afinal se atuam na educação, assistência à saúde, educação, guarda municipal, previdência, faz-se importante que sejam estimulados a fazerem o serviço jurídico, pois muitos municípios não são sede de Comarca e/ou não conseguem ter acesso aos fóruns. É mais lógico assistência jurídica municipal do que pela União.

          11) Menos de 10% da população usa o sistema judiciário brasileiro. As ações coletivas poderiam ser uma solução. Concluímos o óbvio, o sistema é caro e ineficiente, feito apenas para beneficiar os seus membros. É um sistema muito caro para poucos.


Referências bibliograficas

          1)ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Introdução do direito comparado. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.

          2) Banco de dados do Poder Judiciário. www.stf.gov.br

          3) CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988.4) MARQUES, Luiz Guilherme. A justiça da França: um modelo em questão. Leme: de Direito, 2001.

          5) MAZZILLI, Hugo Nigro. O acesso à justiça e o Ministério Público. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

          6) PINHEIRO, Armando Castelar. (Org.) Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000.

          7) SÈROUSSI, Roland. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. Introdução do direito inglês. Dunod, Paris: Landy, 1999.

          8) TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Seleção e formação do magistrado no mundo contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

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Sobre o autor
André Luís Alves de Melo

Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Público. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, André Luís Alves. Dogmas e verdades sobre o caos jurídico no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3111. Acesso em: 2 nov. 2024.

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